Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:108/08.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/21/2024
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:IRS
AJUDAS DE CUSTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - As ajudas de custo, atribuídas ao trabalhador, têm natureza remuneratória somente na parte que excede o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado, face ao disposto no art.º 2.º, n.º 3, al. d) do CIRS.
II - O ónus de prova de tal excesso, como da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, recai sobre a Administração Tributária.
III - A AT não ilide o ónus probatório a que se encontra investida, se os indícios por si recolhidos são genéricos, conclusivos e sem a devida substanciação, de facto, inerente ao Impugnante, não permitindo, assim, suportar a conclusão a que chegou de que as verbas pagas consubstanciam vencimentos, donde, subsumíveis e tributadas enquanto rendimentos do trabalho dependente.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença proferida em 18 de Agosto de 2020 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que julgou procedente a impugnação apresentada por E........ e mulher, G........, melhor identificados nos autos, contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS») n.º 2007 00001220390, e dos respectivos juros compensatórios, referentes a 2004, no valor de € 5.625,10.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

«A. Vem o presente Recurso contra a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” em 16/08/2020, o qual julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada nos autos à margem referenciados e, por consequência, determinou a anulação do acto de liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.° 2007 4004410853, referente ao ano de 2004, bem como dos actos de liquidação dos respectivos juros compensatórios n.°s 2007 1648301 e 2007 1648302, que correspondem à demonstração de compensação n.° 2007 5882754 e à demonstração de acerto de contas n.° 2007 1220390, da qual resultou o valor a pagar de € 5.625,10 (cinco mil, seiscentos e vinte e cinco euros e dez cêntimos).

B. Com a devida vénia, considera a Representação da Fazenda Pública que a douta Sentença sob recurso padece de erro de julgamento da matéria de facto, já que a mesma errou nos factos considerados provados e no juízo sobre os mesmos, com base nos elementos tidos no processo, tendo ainda valorado erradamente a prova produzida, no que tange à verdadeira natureza das verbas recebidas pelo recorrido marido a título de ajudas de custo.

C. Padece ainda, a nosso ver, a douta sentença sub judicio de erro na aplicação do direito, porquanto a respetiva argumentação assentou na errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, mormente do disposto nos artigos 2.° n.° s 1, 2 e n.° 3, alínea d), todos do CIRS, na versão em vigor à data dos factos, nos artigos 1.°, 2.° e 15.°, todos do Decreto-Lei n.° 106/98, de 24/04, e n.° 2 do art. 1.° do Decreto-Lei n.° 192/95, de 28/07, atendendo às razões que se passa a explicitar.

D. Com efeito, contrariamente ao sentenciado, perfilha-se o entendimento que a Administração Tributária provou, como era seu ónus, que os montantes em causa revestem natureza de rendimento de trabalho dependente, sujeita a tributação em sede de IRS de acordo com o disposto no artigo 2.° do CIRS, porquanto as mesmas não se destinavam a reembolsar o Impugnante marido por despesas que tivesse de efetuar em serviço e a favor da entidade patronal, com caráter temporário e fora do local habitual de trabalho.

E. Razão pela qual, entende a Fazenda Pública que, face à prova documental produzida e dos factos alegados pelas partes que não foram contrariados, se devem aditar ao probatório os seguintes factos:

1. E........ celebrou com a sociedade “M........., S.A.", em 09/01/1991, contrato de trabalho sem termo, através do qual se obrigou a exercer as funções inerentes à categoria de Encarregado Geral (MET), tendo sido estipulado, na cláusula 2.a do referido contrato, que o local de trabalho será ao longo do troço onde se desenvolvem os trabalhos da obra, comprometendo-se o trabalhador a aceitar ser deslocado ou transferido sempre que o interesse e/ ou necessidade da entidade patronal justifique essas deslocações e / ou transferências para outro local: obras, estaleiros, sede - cfr. documento 2 junto aos autos com o libelo inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;

2. E........ aceitou perante a entidade patronal identificada no ponto anterior exercer as funções inerentes à sua categoria profissional na obra “A4 - Motorway", na Polónia, durante o período de execução da mesma, que abrangeu o ano de 2004 e que se previa estar concluído para Outubro de 2006 - cfr. documento 3 junto aos autos com o libelo inicial, datado de 03 de agosto de 2004, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;

3. Não existiram, no ano de 2004, deslocações, mais ou menos esporádicas, de E........ para fora do troço da obra “A4 - Motorway", na Polónia, nem entre Portugal e a Polónia, ao serviço da entidade patronal identificada nos pontos anteriores, constando dos mapas justificativos das deslocações apresentados pela entidade patronal inspecionada, como “local das deslocações", as descrições “Polónia” ou “Cabo Verde” - cfr. informação oficial n.° 33 - CNT/07, elaborada pelos serviços da Divisão de Inspecção a empresas não financeiras da Divisão de Serviços de Inspecção Tributária, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

F. Por outro lado, entende a Fazenda Pública que, face à prova documental produzida e dos factos alegados pelas partes que não foram contrariados, se deve considerar como não provado o seguinte facto:

- O montante de € 15.277,24, foi pago pela entidade patronal supra identificada a E........, no ano de 2004, com vista a compensar o trabalhador pelas despesas de deslocações suportadas pelo mesmo ao serviço da entidade patronal.

G. Os factos constantes da informação oficial n.° 33 - CNT/07, elaborada pelos serviços da Divisão de Inspecção a empresas não financeiras da Divisão de Serviços de Inspecção Tributária encontram-se provados nos autos, por documento com força probatória plena, encontrando-se o princípio da livre apreciação da prova limitado na medida em que estamos perante um meio de prova cuja força probatória se encontra pré-estabelecida na lei (vide n.° 1 do art. 76.° da LGT, n.° 1 do art. 115° do CPPT, art. 371.° do Código Civil e n.° 5 do art. 607.° do CPC).

H. Contrariamente ao que entende o Ilustre Tribunal “a quo”, considera esta Fazenda Pública que a correcta interpretação das normas legais dos artigos 2.° n.° s 1, 2 e n.° 3, alínea d), todos do CIRS, na versão em vigor à data dos factos, nos artigos 1.°, 2.° e 15.°, todos do Decreto-Lei n.° 106/98, de 24/04, e n.° 2 do art. 1.° do Decreto-Lei n.° 192/95, de 28/07, é a de que, para efeitos de aferição dos pressupostos de atribuição aos servidores do Estado do abono de ajudas de custo, estando em causa deslocações em serviço público para ou no estrangeiro, ter-se-á, necessariamente, que atender ao conceito de “domicílio necessário” constante do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 106/98, de 24/04.

I. Com efeito, a forma como o Decreto-Lei n.° 106/98, de 24 de Abril, se encontra dividido (capítulo I, denominado “Disposições Gerais”, Capítulo II, denominado “ajudas de custo em território nacional” e Capítulo III denominado “Ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro e no estrangeiro”), associado ao facto de no Decreto-Lei n.° 192/95, de 28/07 não constarem estabelecidos quaisquer pressupostos para a atribuição do abono de ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro e por deslocações no estrangeiro, reflectem a intenção expressa do legislador em consagrar, no mesmo Diploma Legal, os pressupostos de atribuição do abono de ajudas de custo aos servidores do Estado pelas deslocações em serviço público, quer essas deslocações ocorram em território nacional, quer para ou no estrangeiro.

J. Sem prescindir, sempre se dirá que, considerando que a disposição do n.° 2 do art. 1.° do Decreto- Lei n.° 192/95 (“O âmbito de aplicação do presente diploma corresponde ao definido no artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 519-M/79”), foi aprovada anteriormente à revogação do Decreto-Lei n.° 519- M/79, dever-se-á entender que, o âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.° 192/95 corresponde ao definido no artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 106/98.

K. Ora, no caso sub judice, e tal como se encontra demonstrado pela prova documental produzida nos autos de primeira instância, o recorrido marido foi contratado para prestar serviço ao longo do troço em que se realizassem as obras/ empreitadas contratualizadas pela sua entidade patronal, para as quais fosse necessário o desempenho das suas funções enquanto encarregado geral, tendo aceitado ser transferido para a Polónia, durante o ano de 2004 e por todo o período em que se realizasse a obra “A 4 - Motorway”, que se previa concluída em Outubro de 2006.

L. Deste modo, nos termos do disposto na alínea b) do art. 2.° do Decreto-lei n.° 106/98, de 24/04, para efeitos de abono de ajudas de custo, a Polónia (mais concretamente o troço da obra “A 4 - Motorway”) constitui, no ano de 2004, o domicílio necessário do recorrido marido, por ser essa a localidade onde efectivamente exerceu funções, só podendo, portanto, ser atribuídas ajudas de custo por deslocações fora da área abrangida onde o recorrido marido foi colocado para desempenhar funções.

M. Ademais, ao contrário do propugnado na douta Sentença sob recurso, não é por estarmos perante situações em que o local de trabalho se situe no estrangeiro que se deve admitir qualquer maleabilidade na interpretação das leis fiscais no tocante à matéria de deslocações e do conceito de domicílio necessário, não só porque tal não está legalmente consagrado, como também as condições estabelecidas no contrato de trabalho decorrem da liberdade contratual dos respetivos outorgantes.

N. Sem prescindir, ainda que se entenda que não se aplica ao caso concreto a alínea b) do art. 2.° do Decreto-lei n.° 106/98, de 24/04, o que apenas por mera hipótese académica se concede, dever- se-á considerar que é aplicável o disposto na alínea c) da mesma disposição legal, considerando- se domicílio necessário “a localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções”.

O. No Decreto-Lei n.° 519-M/79, o legislador fazia depender o conceito de “centro da sua actividade funcional” do facto de o trabalhador aí estar colocado com carácter de permanência, exigência que fez cair com a redacção da alínea c) do art. 2.° do Decreto-lei n.° 106/98.

P. Assim sendo, o conceito “centro da sua actividade funcional”, previsto na alínea c) do art. 2.° do Decreto-lei n.° 106/98, constitui, em nosso entendimento, o local em que efectivamente são exercidas as funções para as quais o trabalhador foi contratado, nas situações em que não exista local certo de trabalho, nele se incluindo o local em que, ainda que sem carácter de permanência, o trabalhador exerça funções.

Q. Como é fácil de depreender face do teor da informação oficial n.° 33 - CNT/07, elaborada pelos serviços da Divisão de Inspecção a empresas não financeiras da Divisão de Serviços de Inspecção Tributária, e sempre com o maior respeito pelo labor jurisdicional do Tribunal “a quo”, o facto de o pagamento das verbas a título de ajudas de custo serem de montante bastante elevado, sendo pagas por cada dia de trabalho efectivo, excedendo em muito as próprias remunerações declaradas pelo recorrido marido, e terem caráter regular e periódico, constitui um indício suficiente de que se está perante uma prestação fixa, regular e permanente, o que lhes confere natureza retributiva.

R. A Administração Tributária não aceita, portanto, a efectividade de quaisquer deslocações do recorrido marido ao serviço da sua entidade patronal no ano de 2004, as quais, segundo as regras da experiência comum, implicam geralmente despesas suportadas pelo trabalhador, tendo logrado demonstrar, nos termos do disposto no art. 74.° da Lei Geral Tributária, que os montantes auferidos pelo recorrido marido a título de “ajudas de custo” são totalmente independentes das deslocações e das respectivas despesas, representando um ganho real para o trabalhador, revestindo a natureza de rendimentos do trabalho dependente, categoria A, abrangidas pelo disposto no artigo 2.° do CIRS, e por isso sujeitos a IRS.

S. Por outro lado, a prova produzida nos autos de primeira instância pelos recorridos não logrou afastar o valor probatório da informação oficial n.° 33 - CNT/07, elaborada pelos serviços da Divisão de Inspecção a empresas não financeiras da Divisão de Serviços de Inspecção Tributária, na medida em que não carrearam aos autos elementos com base nos quais fosse possível concluir que o recorrido marido esteve deslocado do local de trabalho da Polónia (obra “A4 Motorway”) e/ou que as importâncias recebidas a título de ajudas de custo constituíram compensação de despesas suportadas por aquele em favor da sua entidade patronal.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada

JUSTIÇA!.»


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Os Recorridos, notificado para o efeito, não apresentaram contra-alegações.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, devendo a douta sentença manter-se.

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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a Recorrente remate a sua alegação (art. 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão fundamental a apreciar é a de saber se os montantes em causa revestem natureza de rendimento do trabalho dependente, sujeitos a IRS, ou se os mesmos se destinavam a reembolsar o Impugnante marido das despesas que tivesse que efectuar ao serviço da entidade patronal pelas deslocações do seu domicílio profissional, pelo que há que averiguar se a sentença sofre de erro de julgamento:
a) de facto, por ter errado nos factos considerados provados e no juízo que fez sobre os mesmos;
b) na aplicação do direito, por errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
A sentença recorrida deu como provados os eguintes factos:

“1) Por contrato de trabalho celebrado em 09 de Janeiro de 1991, E........, foi admitido ao serviço da “M........., S.A.”, que se dedica ao exercício da atividade de construção civil e obras públicas - cf. “contrato de trabalho sem termo”, a fls. 13 a 14 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

2) Do referido contrato de trabalho cujo teor aqui é dado por integralmente reproduzido resulta, além do mais, que o ora Impugnante se obrigou a exercer as funções de “encarregado geral”, que o “local de prestação de trabalho” é “ao longo do troço onde se desenvolvem os trabalhos da referida obra no concelho de Aljustrel”, comprometendo-se “a aceitar ser deslocado e/ou transferido sempre que o interesse e/ou necessidade da entidade patronal justifique essas deslocações e/ou transferências para outro local: obra(s), estaleiro(s), Sede” - cf. doc. de fls. 13 a 14 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

3) Em 3 de Agosto de 2004, entre a “M........., S.A.” e E........, foi celebrado um acordo para prestação de trabalho no estrangeiro, em regime de deslocação temporária, para exercer as funções inerentes à sua categoria profissional na Obra “A-4 Motorway”, na Polónia, cuja data contratual de conclusão se prevê para Outubro de 2006 - cf. doc. de fls. 15 a 16 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

4) O ora Impugnante “enquanto em situação de deslocado, a sua remuneração será em Euro, através de transferência bancária para uma conta, em seu nome, domiciliada em Portugal, salvo um montante fixo por si determinado, que será transferido para uma conta, igualmente em seu nome, na Polónia” - cf. doc. de fls. 15 a 16 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

5) O ora Impugnante habitualmente exerce as suas funções na Ota, no Serviço de Oficinas e Armazéns Centrais da Empresa - cf. doc. de fls. 15 a 16 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

6) O seu local de trabalho foi assegurado pela entidade empregadora, uma vez terminadas as deslocações - cf. doc. de fls. 15 a 16 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

7) Em 22 de Março de 2007, foi emitida pelos serviços da divisão de inspeção a empresas não financeiras da divisão de serviços de inspeção tributária a informação n.° 33 - CNT/07 com o seguinte teor (cf. fls. 34-42 do Processo Administrativo Tributário (PAT)):

Informação

Na sequência de uma acção de inspecção interna à Declaração de Rendimentos Modelo 22 e às Retenções na Fonte de IRS, ao exercício de 2004 à empresa "M........., S.A.” (...) verificamos a existência irregularidades declarativas em sede de IRS relativamente a sujeitos passivos residentes na área da Direcção de Finanças de Lisboa, que a seguir discriminamos:

1.Enquadramento indevido dos rendimentos pagos - Ajudas de Custo - Rendimentos sujeitos a IRS não declarados

Apesar das empresas privadas serem livres de estabelecer os montantes de ajudas de custo que lhes aprouver, bem como as condições em que as mesmas são atribuídas, a não tributação em sede de IRS dos valores abonados a título de ajudas de custo está dependente de não se excederem os limites e de se verificarem as condições de atribuição aos servidores do Estado por força da actualredacção da alínea d) do n.° 3 do art. 2° do CIRS.

Deste modo, passou assim a ser expressamente considerado no quadro normativo jurídico-tributário o estabelecido em matéria de ajudas de custo no Decreto-Lei n.° 106/98, de 24 de Abril (regime jurídico do abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da administração pública) e no Decreto-Lei n.° 192/95, de 28 de Julho (regula a atribuição de ajudas de custo por deslocações em serviço público ao estrangeiro e no estrangeiro).

Assim, o sujeito passivo não considerou indevidamente como sujeito a IRS o montante de € 274.510,90 (ver Anexo 1), pago a título de ajudas de custo, a trabalhadores colocados em centros de custos de Cabo Verde e Polónia, considerado como rendimento de trabalho dependente (categoria A), nos termos da alínea d) do n.° 3 do art. 2° do CIRS, uma vez que não foram observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, previstos no Decreto-Lei n." 106/98 de 24 de Abril - Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transporte do Pessoal da Administração Pública, e no Decreto-Lei n.° 192/95 de 28 de Julho - Ajudas de Custo no Estrangeiro.

Da análise aos elementos da contabilidade do sujeito passivo verificámos que paga regularmente uma quantia regular aos funcionários que se encontram a trabalhar no estrangeiro (em Cabo Verde e na Polónia), a título de ajudas de custo, que não foi tributada em sede de IRS, mas que é de considerar como rendimentos de trabalho dependente (categoria A), nos termos da alínea d) do n.° 3 do artigo 2° do CIRS.

De acordo com o artigo 1 ° do Decreto-Lei 106/98 (inserido no capítulo I - Disposições gerais, de aplicação generalizada quer para as deslocações em território nacional quer para as realizadas para e no estrangeiro), o abono de quantias a titulo de ajudas de custo tem como pressuposto e finalidade exclusiva, a atribuição pela entidade patronal de uma compensação aos seus trabalhadores dependentes quando estes se desloquem do seu local de trabalho habitual ao serviço e em favor da entidade patronal, de forma a compensá-los dos gastos acrescidos (com alimentação e alojamento) em consequência dessa deslocação.

Deste modo, o que caracteriza a figura das ajudas de custo é o facto do correlativo pagamento ser a compensação pelas despesas efectuadas e suportadas pelos trabalhadores em resultado de deslocações destes do local normal de trabalho para obras ou serviços da entidade patronal, deslocações essas aleatórias, temporárias e não previsíveis decorrentes da necessidade dos serviços.

O principal pressuposto para atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário, conforme estabelecido no artigo 1 ° do citado Decreto-Lei, sendo definido no seu artigo 2°, domicílio necessário como sendo:

"a) a localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficou a prestar serviço;

b) a localidade onde exerce funções se for colocado em localidade diversa da referida na alínea anterior;

c) a localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional, quando não haja local certo para exercício de funções".

Assim sendo, só serão atribuíveis ajudas de custo, e relevadas fiscalmente como tal, as importâncias pagas aos trabalhadores dependentes que resultem de uma efectiva deslocação do domicílio necessário.

O Contrato Colectivo de Trabalho para a Indústria da Construção Civil e Obras Públicas, celebrado pelas empresas que se dedicam à actividade de construção civil e obras públicas, numa das suas cláusulas, estabelece que o Local Habitual de Trabalho deve ser entendido como o lugar onde deve ser realizada a prestação de trabalho de acordo com o estipulado no contrato ou o lugar resultante de transferência de local de trabalho; noutras das suas cláusulas, estabelece ainda que as normas reguladoras das deslocações para fora do continente serão sempre objecto de acordo escrito entre o trabalhador e a entidade patronal.

Nos exercícios de 2002 e 2003, exercícios alvo de procedimento de inspecção tributária em 2004 e 2005, respectivamente, verificou-se que o sujeito passivo tinha como procedimento celebrar com os funcionários documento designado por "Acordo de Destacamento", onde estabelecia formalmente que os mesmos passavam a prestar serviço em Cabo Verde ou Polónia (ou outro país estrangeiro), em obra em curso nesses territórios.

Quanto ao exercício de 2004, tendo sido notificada a empresa para apresentar, relativamente aos funcionários que nesse exercício estiveram afectos a centros de custos respeitantes a obras realizadas no estrangeiro e que tivessem recebido ajudas de custo, entre outra informação, fotocópia dos contratos individuais de trabalho e dos acordos de destacamento, a mesma informou que no exercício em causa "alterou os seus procedimentos relativamente à sua política de ajudas de custo internacionais:

- deixaram de existir os acordos de destacamento;

- os meios humanos afectos à estrutura central da Sede - Lisboa e da Ota, deslocam-se temporariamente sempre que seja necessário o desempenho da sua actividade nas obras fora do país".

Da análise da informação prestada pela empresa, nomeadamente dos documentos referentes à "Prestação de Trabalho no Estrangeiro" (Ver Anexo 3 e 7), e dos contratos de trabalho (Ver Anexos 2, 4, 5, 6, 8 e 9), constatamos que:

a) "Prestação de Trabalho no Estrangeiro"

Neste documento, elaborado em conformidade com a legislação em vigor aplicável, designadamente o artigo 100° - Informação relativa à prestação de trabalho no estrangeiro, da Lei n." 99/2003, de 27 de Junho, lei que aprovou o Código do Trabalho (estabelece este artigo que" se o trabalhador cujo contrato de trabalho seja regulado pela lei portuguesa exercer a sua actividade no território de outro Estado, por período superior a um mês, o empregador deve prestar-lhe, por escrito e até à sua partida, as seguintes informações complementares:

a) Duração previsível do período de trabalho a prestar no estrangeiro;

b) Moeda em que é efectuada a retribuição e respectivo lugar do pagamento;

c) Condições de eventual repatriamento;

d) Acesso a cuidados de saúde."),

vem referido que o funcionário identificado no mesmo, aceita em regime de deslocação temporária, exercer as funções inerentes à sua categoria profissional em determinada obra localizada num país especificado (Polónia ou Cabo Verde), estando prevista a conclusão da obra para finais do ano de 2006.

Assim, é de considerar como domicilio necessário como sendo o local onde a actividade é exercida ("... em qualquer ponto da referida obra ... "), pelo que só poderão ser atribuídas ajudas de custo por deslocações fora da área abrangida pela obra onde foi colocado para desempenhar as suas funções, uma vez que só serão atribuíveis ajudas de custo, e relevadas fiscalmente como tal, as importâncias pagas aos trabalhadores dependentes, que resultem de uma efectiva deslocação do domicílio necessário.

b) Contrato de Trabalho

Para determinados trabalhadores (conforme elementos entregues pela empresa), o contrato celebrado entre eles e a entidade patronal, refere expressamente que o local de prestação de trabalho será em qualquer ponto da obra referida no supracitado contrato, obra essa que se localiza no estrangeiro (em concreto, na Polónia ou em Cabo Verde, consoante cada caso específico). Os referidos funcionários recebiam mensalmente um montante a título de "ajudas de custo no estrangeiro", valor esse processado regular e periodicamente no recibo de vencimento, sendo as "ajudas de custo" atribuídas de montante bastante elevado, excedendo em muito a remuneração declarada pelos mesmos.

É, pois, importante salientar que, dado que o local de trabalho contratualmente estipulado era um país estrangeiro, não pode considerar-se, sem mais nem menos, que o trabalho aí prestado tenha implicado mudança do local de trabalho ou que tenha implicado a realização de deslocações por força da prestação ocasional do trabalho fora do local habitual.

Porque não estando aqui em causa deslocações mais ou menos esporádicas dos trabalhadores ao estrangeiro, que justificassem o abono ocasional de ajudas para compensar os mesmos dos custos acrescidos que teriam de suportar temporariamente em virtude dessas deslocações, não haveria motivo para a entidade patronal considerar as importâncias pagas a título de ajudas de custo como não sendo uma retribuição atribuída aos funcionários, em contrapartida do trabalho por eles prestado.

Na realidade, não se pode deixar de se concluir que as prestações auferidas pelos funcionários, a titulo de "ajudas de custo" integravam a respectiva remuneração de trabalho, constituindo deste modo um complemento dessa remuneração, dado a sua natureza fixa, regular e permanente por cada dia de trabalho efectivo, independentemente da existência de quaisquer deslocações ocasionais efectuadas em serviço e a favor da entidade patronal (que no presente caso não existiram essas deslocações ocasionais, uma vez que os mapas justificativos das deslocações indicam apenas "Polónia" ou "Cabo Verde" como "Local das deslocações").

Só poderia haver lugar à atribuição de ajudas de custo se, apesar de os funcionários terem sido contratados genericamente para exercer funções num país estrangeiro, o foram efectivamente para prestar trabalho num ponto concreto desse país e que temporariamente tiveram de o prestar em local diferente do acordado, incorrendo em virtude disso, em despesas extras com alojamento e alimentação ao serviço e em favor da entidade. Contudo, dos elementos disponibilizados pela empresa, em resposta a notificação, nada permite auferir nesse sentido. Assim, temos que, ao assinar o contrato de trabalho, tanto a entidade patronal como os funcionários em causa sabiam que o local de trabalho seria num país estrangeiro, pelo que o pagamento mensal a título de "ajuda de custo" representará efectivamente um complemento de remuneração correspectivo da prestação do seu trabalho, que à face do nosso sistema jurídico-legal, não poderá beneficiar do tratamento fiscal associado ao conceito de "ajudas de custo" conforme estipulado no Decreto-Lei n.° 106/98, de 24 de Abril. Deste modo, será de tributar em sede de IRS as importâncias recebidas a título de ajudas de custo pelo trabalhadores, quer as que tenham sido previstas em contrato ou documento equivalente celebrado entre a entidade patronal e cada trabalhador, quer as que devam ser consideradas pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador.

Ora, estes factos-indice, apreciados à luz das regras da experiência comum, que conjugados permitem concluir, com um grau de certeza que ultrapassa o da mera verosimilhança ou probabilidade, de que os montantes abonados a título de ajudas de custo não se destinam a compensar os trabalhadores de quaisquer despesas efectuadas por estes em favor da sua entidade patronal, sendo antes um complemento de remuneração.

Acresce ainda que, tendo em conta que o processamento de ajudas de custo é efectuado de forma sistemática e continuada, indicando carácter de permanência, a sua atribuição preenche antes os pressupostos de subsídio de deslocação, e não de "ajudas de custo" cuja deslocação aleatória, temporária e não previsível que lhe está subjacente, conferindo-lhe, por esse facto, um carácter de precariedade e de limitação temporal confirmada pelo contexto lógico-liberal do regime jurídico das ajudas de custo assente no Decreto-Lei n.º 106/98 e no Decreto-Lei n.° 192/95.

Deste modo, por incumprimento dos pressupostos tributários substantivos da não tributação em sede de IRS da atribuição de ajudas de custo previstos a "contrario sensu" na alínea d) do n.° 3 do artigo 2° do CIRS, ou seja, por não preenchimento, nos termos atrás descritos, em matéria de ajudas de custo dos pressupostos da sua atribuição previstos no Decreto-Lei n. ° 106/98, de 24 de Abril e do Decreto-Lei n.° de 28 de Julho, em face da respectiva descaracterização como ajudas de custo, os montantes pagos a esse título, no total de € 274.510,90 (ver Anexo 1), por "constituírem uma remuneração devida pela prestação de trabalho dependente, estão sujeitos a tributação em sede de IRS, na esfera do trabalhador beneficiário, de acordo com o consagrado na alínea d) do n.° 3 do artigo 2° do CIRS.

A empresa "M........., S.A."incorreu ainda na infracção ao artigo 119° do CIRS por não ter indicado nas declarações previstas nas alíneas b) e c) do n.° 1 desse artigo, entregues aos funcionários e à DGCI, os respectivos montantes pagos considerados como rendimentos de trabalho dependente nos termos anteriores (ver Anexo 1).

Assim sendo, há que proceder à correcção dos rendimentos tributáveis na categoria A de IRS dos sujeitos passivos individuais abaixo indicados, por se enquadrarem nas situações descritas em a) e b), consoante os casos, que no exercício de 2004, foram funcionários da empresa "M........., S.A." e receberam ajudas de custo:

NOME
NIF
TOTAL DE ACRÉSCIMO AO RENDIMENTO
A……..
…….09
38.103.28
E…….
…….53
15.277.24
G……
……26
18.789.68
H…….
…….70
18.523.00
P…….
…….42
34.898.80
F……
……71
6.326.12
M……
……70
30.529.34
L……
……36
29.789.20
S…….
……63
43.591,48
V…….
……34
38.682,76


****
Refere, ainda, a sentença o seguinte:
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.

****
Em matéria de convicção, refere o Tribunal a quo que:

«A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e do processo administrativo apenso, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada.»


*****

II.2. De Direito

A Recorrente começa por discordar da factualidade julgada provada, pedindo, ao abrigo do art. 662.º n.º 1 do CPC, o aditamento ao probatório de alguns factos.
Ora, tendo em conta os fundamentos da impugnação e a matéria julgada provada no tribunal recorrido, e levando em consideração que a decisão sobre essa matéria de facto se baseou em prova documental constante dos presentes autos, este Tribunal considera importante para apreciação dos fundamentos do recurso e, bem assim, para clarificação do decidido pelo tribunal recorrido aditar três factos, nos termos do art. 662.º, n.º 1, do C.P.Civil, e completar a factualidade julgada provada, que reputa igualmente relevante para a decisão do recurso, apreciando, seguidamente, os factos pretendidos aditar pela Recorrente, no seguintes termos:

- O ponto 7) do probatório passa a ter o seguinte teor:
“Em 22 de Março de 2007, foi emitida pelos serviços da divisão de inspeção a empresas não financeiras da divisão de serviços de inspeção tributária a informação n.° 33 - CNT/07, tendo como objecto a sociedade M........., S.A., com o seguinte teor (cf. fls. 34-42 do Processo Administrativo Tributário (PAT)):
[segue o teor da informação constante do facto original]”

São aditados três factos, com o seguinte teor:
8) Em 16-05-2007, a Divisão de Liquidação de Impostos sobre o Rendimento e Despesa, da DDF de Lisboa, enviou aos Impugnantes o ofício n.º 39485, sob o assunto “Audiência prévia do projecto de alterações de rendimento de IRS do ano de 2004”, com o seguinte teor:
1 — Dando cumprimento ao disposto no n° 4 do art° 60° da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto — Lei n° 398/98, de 17 de Dezembro, remeto a V.Exas o projecto de decisão de alteração dos rendimentos inscritos na declaração modelo 3 de IRS do ano 2004, dado que não declarou as ajudas de custo pagas pela empresa “M......... S.A.”, de acordo com a informação n° 33 - CNT/2007 de 22.03.2007, remetida pela Direcção de Serviços da Inspkçção Tributária, que se junta fotocópia.

Assim, poderá V.Exa, no prazo de 10 dias a contar do registo da presente notificação, pronunciar-se por escrito, sobre o projecto de alteração, mediante o envio a esta Direcção de Finanças de Lisboa, sito no Palque das Nações - Alameda dos Oceanos - Zona de Intervenção da Expo - Lote 1.06.1.2 - Lisboa - 1998 - 027 em Lisboa, dos documentos ou outros elementos que entender pertinentes. Caso não se pronuncie dentro dos prazos, irá proceder-se à correcção da sua declaração de IRS de 2004. (fls. 44 do PA apenso);

9) Em 12-07-2007, a Divisão de Liquidação de Impostos sobre o Rendimento e Despesa, da DDF de Lisboa, enviou aos Impugnantes o ofício n.º 57647, por carta registada com AR, assinado em 16-07-2007, sob o assunto “Notificação do n.º 4 do art. 65.º do Código do IRS alteração dos elementos declarados do ano de 2004”, com o seguinte teor:
Fica V.Exa por este meio devidamente notificado que de acordo com a legislação supra, se procedeu à alteração do IRS para o ano de 2004, conforme fundamentação já remetida para efeitos de audiência prévia, que se junta.
Assim, fica V.Exa ciente de que, em resultado das alterações acima referidas, se procederá à liquidação adicional de Imposto, cuja Nota de Cobrança lhe será oportunamente remetida pelos Serviços Centrais da Direcção Geral dos Impostos, com a Indicação do prazo para o respectivo pagamento, bem como dos meios legais de defesa.” (fls. 45 e 46 do PA apenso);
10) Durante o ano de 2004 o Impugnante marido recebeu da empresa M........., S.A., sob a designação de “ajudas de custo” o valor total de € 15.277,24, correspondente aos meses de Agosto a Novembro (cfr. ponto 8) supra e fls. 87 do PA apenso);


Nas conclusões E. e F. a Recorrente pede que se aditem e se dê como não provado os seguintes factos:
1. E........ celebrou com a sociedade “M........., S.A.”, em 09/01/1991, contrato de trabalho sem termo, através do qual se obrigou a exercer as funções inerentes à categoria de Encarregado Geral (MET), tendo sido estipulado, na cláusula 2.ª do referido contrato, que o local de trabalho será ao longo do troço onde se desenvolvem os trabalhos da obra, comprometendo-se o trabalhador a aceitar ser deslocado ou transferido sempre que o interesse e/ ou necessidade da entidade patronal justifique essas deslocações e / ou transferências para outro local: obras, estaleiros, sede – cfr. documento 2 junto aos autos com o libelo inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
2. E........ aceitou perante a entidade patronal identificada no ponto anterior exercer as funções inerentes à sua categoria profissional na obra “A4 – Motorway”, na Polónia, durante o período de execução da mesma, que abrangeu o ano de 2004 e que se previa estar concluído para Outubro de 2006 - cfr. documento 3 junto aos autos com o libelo inicial, datado de 03 de agosto de 2004, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
3. Não existiram, no ano de 2004, deslocações, mais ou menos esporádicas, de E........ para fora do troço da obra “A4 – Motorway”, na Polónia, nem entre Portugal e a Polónia, ao serviço da entidade patronal identificada nos pontos anteriores, constando dos mapas justificativos das deslocações apresentados pela entidade patronal inspecionada, como “local das deslocações”, as descrições “Polónia” ou “Cabo Verde” – cfr. informação oficial n.º 33 – CNT/07, elaborada pelos serviços da Divisão de Inspecção a empresas não financeiras da Divisão de Serviços de Inspecção Tributária, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

E pede que se dê como não provado um facto com o seguinte teor: “- O montante de € 15.277,24, foi pago pela entidade patronal supra identificada a E........, no ano de 2004, com vista a compensar o trabalhador pelas despesas de deslocações suportadas pelo mesmo ao serviço da entidade patronal.


Importa, em primeiro lugar, ter presente que a impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640.º do CPC, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas. Em tal preceito se dispõe que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Analisadas as conclusões acima transcritas, concatenadas com o corpo das alegações, verifica-se que a Recorrente defende, genericamente, a alteração factual, referindo “a verdade factual” e o “não concordar com a convicção do Tribunal no que concerne à factualidade dada como assente”, propondo os três factos aima transcritos.
Ora, quanto aos dois primeiros, analisado o probatório da decisão recorrida, verifica-se que os mesmos já constam “ipsis verbis” nos pontos 1), 2) e 3), não se percebendo a razão do pedido de aditamento de factos que já constam fixados, nada dizendo a Recorrente de concreto nesta matéria. Não cumpre, assim, o disposto na norma transcrita, razão pela qual se indefere o requerido aditamento.
Depois, e quanto ao terceiro facto, a Recorrente pretende que, com base no que consta da informação oficial n.º 33 – CNT/07, se dê como provado que não houve deslocações “para fora do troço da obra “A4 – Motorway”, na Polónia, nem entre Portugal e a Polónia, ao serviço da entidade patronal”.
Ora, em primeiro lugar, mais uma vez, não cumpre os requisitos legais da impugnação da matéria de facto referidos no art. 640.º do CPC, remetendo genericamente para a informação em causa, cujo teor, de resto, está parcialmente transcrito em 7) do probatório, mas não referindo de forma substanciada em que ponto da informação e em que documentos para que eventualmente a mesma remeta se apoiou para a formação do facto em questão. Por outro lado, analisada a dita informação, o que dela se retira são alusões genéricas, não referindo a situação concreta do aqui Impugnante, sendo que a alusão ao facto pretendido aditar (que consta num parêntesis) fundamenta-se apenas nos mapas justificativos de ajudas de custo conterem as indicações do local das deslocações “Polónia” ou “Cabo Verde”. Ou seja, nunca tal documento seria apto a dar como provado que não teria havido deslocações para fora da obra na Polónia ou entre Portugal e a Polónia. Acresce que, ainda que o Tribunal acedesse ao pretendido, tal não seria determinante para a alteração do sentido da decisão recorrida.
Vai, deste modo, indeferido o pretendido aditamento.

Finalmente, quanto ao facto que a Recorrente pretende dar como não provado, tem o seguinte teor: “- O montante de € 15.277,24, foi pago pela entidade patronal supra identificada a E........, no ano de 2004, com vista a compensar o trabalhador pelas despesas de deslocações suportadas pelo mesmo ao serviço da entidade patronal.
Ora, o facto pretendido é, claramente, conclusivo, sendo a resposta a tal questão, precisamente, aquilo que está em discussão nos presentes autos, contendo, desde logo, em si mesmo, a decisão da própria causa.
Tanto basta para, também quanto a ele, não se admitir o seu aditamento, o que vale por dizer que improcede o recurso quanto à impugnação da matéria de facto.

Estabilizada a matéria de facto relevante para a presente decisão, prossigamos na apreciação do recurso.
***

A questão decidenda no processo consistia em saber se os montantes em causa revestiam natureza de rendimento do trabalho dependente e, portanto, sujeitos a IRS ou se os mesmos se destinavam a reembolsar o Impugnante das despesas que tivesse que efectuar a favor da entidade patronal pela deslocação ao seu serviço.

A sentença recorrida julgou a presente impugnação procedente e, consequentemente, anulou o acto de liquidação de IRS do ano de 2007, tendo, para tanto, considerado que:
“(…) Resulta da matéria de facto considerada provada por este tribunal, que, o Impugnante foi admitido em 09 de Janeiro de 1991, por contrato de trabalho sem termo, ao serviço de uma empresa de construção civil, devendo desempenhar as suas atividades em Portugal Continental.”; que “Posteriormente, em 03 de Agosto de 2004, celebrou um acordo, para trabalhar temporariamente na Polónia, ao serviço da sua entidade patronal.
Tendo-lhe sido atribuído um subsídio enquanto durasse tal deslocação.
Considerou, ainda, que “cabe à Administração Tributária o ónus de demonstrar que os abonos recebidos não tiveram fim compensatório, cabendo-lhe sustentar a correção efetuada, através da averiguação de factos concretos (que devem constar da fundamentação de facto do ato tributário, visto que não é de admitir a fundamentação a posteriori, apenas sendo de atender à fundamentação contextual que se integra no próprio ato), designadamente provando que não existiram deslocações do trabalhador ou, existindo, que os abonos em causa não tinham qualquer relação com as deslocações ou, tendo-a, cobriam largamente as despesas normais que as deslocações implicam, por forma a que seja possível concluir de forma consistente que as mesmas fazem parte da retribuição
Concluiu a decisão recorrida, após apreciação do regime legal vigente, “(…) que o que resulta dos autos é que a Administração Tributária não recolheu elementos concretos suficientes que apontassem que os montantes recebidos pelo Impugnante marido não se destinavam a suportar as despesas com as suas deslocações ao serviço da respetiva entidade empregadora, limitando-se a tecer considerações genéricas que não se encontram fundadas em factos concretos, não sendo sequer especificadas relativamente ao Impugnante.
Com efeito, como única fundamentação da liquidação em causa, a Administração Tributária oferece uma informação que tem por objecto não a situação concreta dos ora impugnantes, mas sim a “M........., S.A.”, e na qual não são invocados factos concretos que aos mesmos digam respeito. (…)”, “Donde se conclui que a Administração tributária não cumpriu o seu ónus de provar os pressupostos de facto da correção efetuada, em concreto, da inexistência de deslocação do Impugnante ao serviço da entidade patronal e de recolher factos indiciários suficientes de que os abonos pagos não visavam compensar os impugnantes pelas despesas suportadas com a deslocação, não demonstrando a inexistência de relação entre os abonos pagos e a deslocação sofrida, ou o excesso de abonos relativamente às despesas normais implicadas pela deslocação, não tendo assim demonstrado que os montantes recebidos a título de ajudas de custo pelo Impugnante marido não reuniam as características impostas pelo respetivo regime legal.

Como resulta das conclusões do recurso, a Recorrente insurge-se contra a decisão recorrida por entender que:
- a “correcta interpretação das normas legais dos artigos 2.° n.° s 1, 2 e n.° 3, alínea d), todos do CIRS, na versão em vigor à data dos factos, nos artigos 1.°, 2.° e 15.°, todos do Decreto-Lei n.° 106/98, de 24/04, e n.° 2 do art. 1.° do Decreto-Lei n.° 192/95, de 28/07, é a de que, para efeitos de aferição dos pressupostos de atribuição aos servidores do stado do abono de ajudas de custo, estando em causa deslocações em serviço público para ou no estrangeiro, ter-se-á, necessariamente, que atender ao conceito de “domicílio necessário” constante do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 106/98, de 24/04”;
- que “no caso sub judice, e tal como se encontra demonstrado pela prova documental produzida nos autos de primeira instância, o recorrido marido foi contratado para prestar serviço ao longo do troço em que se realizassem as obras/ empreitadas contratualizadas pela sua entidade patronal, para as quais fosse necessário o desempenho das suas funções enquanto encarregado geral, tendo aceitado ser transferido para a Polónia, durante o ano de 2004 e por todo o período em que se realizasse a obra “A 4 - Motorway”, que se previa concluída em Outubro de 2006.”;
- que, “Deste modo, nos termos do disposto na alínea b) do art. 2.° do Decreto-lei n.° 106/98, de 24/04, para efeitos de abono de ajudas de custo, a Polónia (mais concretamente o troço da obra “A 4 - Motorway”) constitui, no ano de 2004, o domicílio necessário do recorrido marido, por ser essa a localidade onde efectivamente exerceu funções, só podendo, portanto, ser atribuídas ajudas de custo por deslocações fora da área abrangida onde o recorrido marido foi colocado para desempenhar funções.”;
- que, “ainda que se entenda que não se aplica ao caso concreto a alínea b) do art. 2.° do Decreto-lei n.° 106/98, de 24/04, o que apenas por mera hipótese académica se concede, dever- se-á considerar que é aplicável o disposto na alínea c) da mesma disposição legal, considerando- se domicílio necessário “a localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções”.”;
- que, “face do teor da informação oficial n.° 33 - CNT/07, (…) o facto de o pagamento das verbas a título de ajudas de custo serem de montante bastante elevado, sendo pagas por cada dia de trabalho efectivo, excedendo em muito as próprias remunerações declaradas pelo recorrido marido, e terem caráter regular e periódico, constitui um indício suficiente de que se está perante uma prestação fixa, regular e permanente, o que lhes confere natureza retributiva.
- que a Administração Tributária logrou “demonstrar, nos termos do disposto no art. 74.° da Lei Geral Tributária, que os montantes auferidos pelo recorrido marido a título de “ajudas de custo” são totalmente independentes das deslocações e das respectivas despesas, representando um ganho real para o trabalhador, revestindo a natureza de rendimentos do trabalho dependente, categoria A, abrangidas pelo disposto no artigo 2.° do CIRS, e por isso sujeitos a IRS.”;
- e que “a prova produzida nos autos de primeira instância pelos recorridos não logrou afastar o valor probatório da informação oficial n.° 33 - CNT/07, (…), na medida em que não carrearam aos autos elementos com base nos quais fosse possível concluir que o recorrido marido esteve deslocado do local de trabalho da Polónia (obra “A4 Motorway”) e/ou que as importâncias recebidas a título de ajudas de custo constituíram compensação de despesas suportadas por aquele em favor da sua entidade patronal.”

Ora, analisado o probatório, desde já se adianta que não tem razão a Recorrente quando imputa à informação n.º 33-CNT/07 (ponto 7) dos factos provados) valor probatório quanto às alegadas não deslocações para fora da obra situada na Polónia. Na verdade, tal informação só tem valor probatório se fundamentada em provas concludentes, documentais ou outras – art. 76.º n.º 1 da LGT –, sendo que, quanto a tal questão, o que consta da dita informação é apenas o que foi verificado na descrição dos “mapas justificativos das deslocações” (neles constaria a menção “Polónia”). Daqui só se poderia concluir que dos mapas de deslocações não constariam deslocações a partir das obras situadas na Polónia e não que estas não se tivessem realizado.
De qualquer maneira, e tal como consta da decisão recorrida, tal informação foi feita à sociedade M........., S.A., e não ao Impugnante marido, sendo uma informação de carácter genérico, referindo-se a uma globalidade de situações tratadas da mesma forma, ignorando as especificidades, nomeadamente, quanto ao Recorrido marido, o facto de, ao contrário do referido quanto ao pagamento “de forma sistemática e continuada, indicando carácter de permanência”, tal pagamento só ter ocorrido nos meses de Agosto a Novembro de 2004 (pontos 8) e 10) do probatório).
E assim sendo, o que resulta do probatório, e foi devidamente relevado na decisão recorrida, foi que o Recorrido foi admitido pela empresa M…, S.A., a qual se dedica à actividade de construção civil e obras públicas, em 1991, para exercer as funções de “encarregado geral” no “troço onde se desenvolvem os trabalhos da referida obra no concelho de Aljustrel”, constando do contrato que se compromete a aceitar ser deslocado e/ou transferido sempre que o interesse e/ou necessidade da entidade patronal justifique essas deslocações e/ou transferências para outro local: obras(s), estaleiro(s), Sede” (pontos 1) e 2)).
Resulta, também, dos factos provados que em Agosto de 2004 a entidade empregadora e o Recorrido celebraram um acordo para prestação de trabalho no estrangeiro “em regime de deslocação temporária, para exercer as funções inerentes à sua categoria profissional na Obra “A-4 Motorway”, na Polónia” (ponto 4)) e que o Recorrido exerce habitualmente as suas funções na Ota, no Serviço de Oficinas e Armazéns Centrais da Empresa (ponto 5)).
A Recorrente entende que, tendo o Recorrido marido aceitado prestar trabalho numa obra na Polónia, esse passou a ser o seu domicílio necessário.
Ora, tal não é assim.
Com efeito, não há notícia de que o contrato de trabalho inicial não se tenha mantido em vigor, sendo que, tendo a sua entidade empregadora uma obra na Polónia, o Recorrido aceitou deslocar-se temporariamente para a mesma, nada diferindo a situação em análise de quaisquer outras deslocações para obras que a empresa tivesse em território nacional, as quais poderiam dar origem ao pagamento de ajudas de custo.
Por outro lado, e quanto à afirmação constante da informação n.º 33-CNT/07 (ponto 7) do probatório), de que “o processamento de ajudas de custo é efectuado de forma sistemática e continuada, indicando carácter de permanência”, também no caso concreto, como se viu, tal não acontece, na medida em que o pagamento de tais abonos só ocorreu no período de Agosto a Novembro de 2004.

Resumidamente, os fundamentos da correcção efectuada à declaração do Recorrido marido residiram no facto de se ter detectado o pagamento de ajudas de custo que, de acordo com a AT, não cumpriam os respectivos requisitos, nomeadamente, por não haver deslocação do domicílio necessário e por terem carácter de permanência.
Ou seja, desde logo, verifica-se que a AT não põe em causa a existência das deslocações ou que as mesmas tenham sido efectuadas ao serviço da entidade patronal, ou que tenham sido excedidos os valores previstos legalmente. Apenas entende que, pelo facto de ter havido um aditamento ao contracto de trabalho que previa a deslocação do Recorrido para a obra que decorria na Polónia, esse local passou a ser o seu domicílio necessário, logo, só teria direito a ajudas de custo se se deslocasse para fora desse local na Polónia.

É sabido que não são todas as importâncias recebidas pelos trabalhadores das respectivas entidades empregadoras que assumem a natureza de retribuição. Com efeito, existem prestações pagas pela entidade patronal aos seus funcionários que não têm qualquer correspectividade com o trabalho e que mais não pretendem do que compensar o trabalhador por despesas efectuadas em favor daquela.
Obviamente, face à natureza do IRS e ao conceito de rendimento adoptado, apenas os rendimentos que assumem natureza remuneratória se integram na categoria A, a título de rendimentos do trabalho dependente, sujeitos a IRS.
Ora, a lei exclui do conceito de rendimentos da categoria A para efeitos de IRS as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado - vide art. 2.°, n.º 3, alínea d), do CIRS, na redacção vigente.
Por conseguinte, a sujeição a IRS do montante em análise só pode ser sustentada se se puder considerar tal montante como um complemento de remuneração, sem fim compensatório.

De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 75.º da LGT, “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.”.
Por seu turno, o n.º 1 do art. 74.º da LGT dispõe que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Significa isto, no que ao caso em apreciação diz respeito, que, se a AT entendia que a declaração apresentada pelos Recorridos estava errada e que tais valores constituíam rendimento tributável em sede de IRS, competia-lhe o ónus de o demonstrar.
Como refere este TCA Sul, no acórdão de 07-10-03, proferido no recurso n.º 466/03, “Assim, e porque a lei exclui do conceito de rendimentos da categoria A para efeitos de IRS as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tais como definidos para os servidores do Estado (cfr. art. 2.°, n.°s 3, alínea e) e 6, do CIRS, na versão do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro e na redacção da Lei n.° 39-B/94, de 27 de Dezembro, que é a aplicável), a tributação em sede de IRS dos montantes auferidos a título de ajudas de custo e que se compreendam dentro desses limites só pode ser sustentada se a AT demonstrar a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição desses montantes a esse título, o que lhe permitirá alterar a declaração de rendimentos (cfr. arts. 55.°, 74.°, n.° 1 e 75.°, n.° 1, da LGT)”.

Tal como se deixou dito, para fundamentar a tributação efectuada, a AT alicerçou o seu entendimento unicamente no facto dos valores serem pagos com carácter de permanência – o que já se viu não aconteceu (e, de resto não seria determinante) – e, também, por entender não haver deslocação do domicílio necessário – a qual ocorreu, já que o Recorrido foi contratado para trabalhar em obras situadas em Portugal.
Ou seja, os únicos dois fundamentos invocados pela AT para a liquidação em análise não se confirmaram no caso concreto, o que significa que a sua actuação impositiva não foi legalmente sustentada, sofrendo a liquidação do vício de violação de lei.

As questões aqui em apreciação têm, de resto, sido alvo de uniforme e reiterada pronúncia pelos tribunais superiores, com abundante jurisprudência, de que é exemplo o Acórdão do STA, de 22-05-2013, proferido no proc. n.º 0146/13, cujo sumário tem, desde logo, o seguinte teor: “I- As ajudas de custo, atribuídas ao trabalhador, têm natureza remuneratória somente na parte que excede o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado, face ao disposto no art.º 2.º, n.º 3, al. d) do CIRS.
II - O ónus de prova de tal excesso, como da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, recai sobre a Administração Tributária.
Com efeito, continua tal aresto,
A questão que constitui objeto do presente recuso foi já tratada de forma reiterada e uniforme, nomeadamente nos acórdãos deste STA e Secção de 06.03.2008 -Processos nºs 01043/07 e 01063/07, de 12.03.2008 -Processos nºs 01042/07 e 01065/07 e de 23.04.2008 -Processos nºs 01055/07 e 01044/07, que se ocuparam com questão semelhante à dos presentes autos.
No último dos citados arestos ficou escrito, para além do mais, o seguinte:
“A questão que está aqui em causa é, pois, a de se saber se a importância paga ao recorrido, a título de ajudas de custo, deve ou não ser considerada como rendimento de trabalho dependente, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, como entendeu a AF, e, como tal, tributada em sede de IRS.
Dispõe a alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, que fundamenta a correção efetuada pela AF à liquidação de IRS do recorrido (v. informação de fls. 7 do processo administrativo apenso), que se consideram ainda rendimentos do trabalho dependente as ajudas de custo na parte em que excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.
Como se disse já no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 8/11/06, no recurso 01082/04, “Na estrutura do IRS visa-se tributar apenas o rendimento efetivo dos contribuintes, embora esses rendimentos efetivos possam ser presumidos.
Por isso, o artigo 2° do CIRS que define os rendimentos do trabalho, tem de ser interpretado a esta luz, como abrangendo apenas hipóteses em que as atribuições pecuniárias feitas aos trabalhadores por conta de outrem visem proporcionar-lhe um acréscimo patrimonial, afastando a incidência do imposto relativamente a atribuições patrimoniais que visam apenas compensar o trabalhador de despesas que teve de suportar para assegurar o exercício adequado da função.
É certo, porém, que sob a capa da atribuição de "compensações" deste tipo podem, por vezes, estar a esconder-se atribuições de verdadeiras remunerações, o que justifica que se estabeleçam limites a essas atribuições patrimoniais nas alíneas c), d), e e) do n.º 3 do artigo 2.° do CIRS na redação anterior à Lei nº 39-B/94, de 27 de dezembro.
Mas só na parte excedente a esses limites.
Resulta daqui claro que as ajudas de custo só têm natureza remuneratória na parte em que excederem os apontados limites, tendo natureza compensatória na parte que os não excedam.”.
Nessa medida, a AF ao considerar, sem mais, a importância auferida pelo ora recorrido como rendimento de trabalho dependente, sem indicar que não se observavam os respetivos pressupostos da sua atribuição nem determinar se a mesma ultrapassava os correspondentes valores atribuídos aos servidores do Estado, não fez a melhor aplicação da lei.
Não é possível, face ao que se disse no aresto citado, qualificar sem mais as ajudas de custo como tendo natureza remuneratória, pois, sendo aquela norma (artigo 2.º, n.º 3, al. d) do CIRS) uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou de exclusão de tributação de IRS, ficam excluídas da incidência em IRS as ajudas de custo que não excedam o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado.
Sendo certo que, como se diz na sentença recorrida, o ónus da prova de tal excesso, como da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, recaía sobre a AF.
Ora, a AF não só não fez qualquer prova nesse sentido como nem sequer considerou haver excesso para além do limite legalmente estabelecido.
Razão por que o entendimento por si propugnado, e que deu origem ao ato de liquidação impugnado, enferma de vício de violação de lei.
E a decisão recorrida deve ser confirmada, com a presente fundamentação.
Improcedem, por isso, as restantes conclusões das alegações de recurso”.
Não existem agora razões de facto ou de direito para se seguir entendimento diferente.
Com efeito, embora resulte do probatório - alínea B) . Cláusula 7ª –Remuneração - que a verba atribuída a título de ajudas de custo visava fazer face ao acréscimo de despesas resultantes da deslocação do recorrido, a Administração Tributária não produziu qualquer prova de que aquela verba tivesse natureza remuneratória.”

Ou, muito recentemente, o Acórdão deste TCA Sul, de 27-06-2024, proferido no proc. n.º 1108/12.5BEALM (cuja Relatora é aqui 1.ª adjunta), numa situação muito similar à dos presentes autos, no qual ficou consignado, impressivamente, o seguinte:
Ora, no sentido propugnado pelo Tribunal a quo entendemos que tais elementos não permitem, per se, legitimar a correção efetuada pela AT, sendo que inversamente ao advogado pela Recorrente o ónus probatório atinente à natureza remuneratória das verbas compete, como vimos, primeiramente à AT, tendo esta de demonstrar que os montantes auferidos pelo Recorrido são rendimento resultante da sua atividade laboral, logo tributáveis enquanto rendimento de trabalho dependente, subsumível na Categoria A, só depois competindo ao Recorrido demonstrar que não assumem esse qualificativo.

De notar e ressalvar, desde já, que atentando no aludido Relatório de Inspeção Tributária, a AT não ensaiou uma referência sequer à ultrapassagem dos apontados limites legais, sendo que quanto à não observância dos pressupostos de atribuição destas importâncias aos servidores do Estado, a mesma é absolutamente genérica, carecendo, conforme veremos, da competente análise casuística inerente ao ora Recorrido, e de ponderada substanciação, inferindo-se, assim, que a AT não fez a melhor aplicação da lei.

Mais importa ter presente que, a Entidade Inspetiva não coloca em causa a efetividade dos gastos, ou seja das deslocações, relevando, inclusive, que os trabalhadores “estiveram envolvidos na prestação de serviços de serralharia, soldadura, decapagem e pintura de barcos” mormente, em Espanha, sendo que o recrutamento era realizado em Portugal.
(…)

Por outro prisma, há que salientar que nada releva, neste e para este efeito, a circunstância de, alegadamente, as verbas terem caráter regular, sendo que, quanto à alegada regularidade e constância do seu recebimento é jurisprudência unânime que (3-In Ac. TCAN, proferido no processo nº 00237/06.9 BEBRG, de 13.02.2014; Vide, no mesmo sentido, designadamente, Arestos do TCAN proferidos nos processos 00272/06.7 BEPNF, de 08.05.2008 e 00083/02 Porto, de 16.11.2006.) “[d]o facto de a quantia paga aos trabalhadores a esse título ser «fixa e regular» não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou com idiossincrasias desses países (como a dimensão da economia informal) estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar.”

No mesmo sentido se expendeu, designadamente, no Acórdão do STA, proferido no processo nº0901/14, de 28 de janeiro de 2018:

II – Tratando-se, como se trata, no artº 2º do CIRS de uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou de exclusão de tributação de IRS, competia à Administração Tributária alegar, para poder provar em seguida, ou, que as quantias pagas a título de ajudas de custo não se destinaram a reembolsar os recorridos de despesas decorrentes da sua deslocação, porque elas não tinham tido lugar ou não ocorreram com a extensão apresentada, ou, que ultrapassaram os limites legais estabelecidos para a exclusão da respectiva tributação, dado que estes elementos são ainda factos fundamentadores ou enformadores do ato tributário.
III – Não se pode concluir pelo carácter remuneratório de certas ajudas de custo apenas da verificação de que o seu valor se repete ao longo dos meses, ou é pago a todos os funcionários.
IV – Recai sobre a Administração Tributária o ónus de prova quer de o valor das ajudas de custo exceder os limites legais, quer da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição.”

Mais importando sublinhar que, não pode relevar em abono da requalificação das ajudas de custo em remunerações de trabalho dependente a circunstância das mesmas superarem o valor das remunerações mensais, desde logo, porque do preceituado no artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do IRS, não resulta qualquer valor limite que permita descaracterizar as verbas auferidas como ajudas de custo e qualificá-las como remuneração. O que se encontra consignado é que ultrapassados os montantes legais deve ser tributada a importância correspondente ao excesso.

Dir-se-á, portanto, que do aludido normativo não se infere, de todo, qualquer teto limitativo e com esse desiderato. Com efeito, para além da ultrapassagem dos aludidos montantes legais, mais nenhuma é, expressamente, consignada, sendo que mesmo essa estipulação não tem, de todo, como fito desqualificar as ajudas de custo, mas, tão-só, tributar a importância correspondente ao excesso (4-Vide, designadamente, Aresto do TCA Norte, proferido no processo nº 00272/06.7BEPNF, de 08.05.2008.).

É certo que a Recorrente advoga, outrossim, que se infere que o domicílio necessário não era a sede da empresa, mas sim as próprias obras e os locais onde as mesmas se realizavam, contudo do teor do Relatório de Inspeção Tributária nada se retira, de forma clara, inequívoca, e devidamente alocada e particularmente substanciada à situação do Recorrido e que permita retirar que o mesmo não havia sido contratado para a sede da empresa no Carregado, e objeto de ulterior destacamento.

Note-se, ademais, e na esteira de entendimento da decisão recorrida, que de uma leitura atenta do Relatório de Inspeção Tributária constante em C), resulta que a AT fundamenta as correções de forma conclusiva e genérica, pois ainda que convoque o contrato de trabalho celebrado pelo Impugnante, não corporiza qualquer densificação e análise.

Com efeito, todas as menções que estribam o seu íter cognoscitivo revestem caráter genérico, sem a devida e exigida particularização, abrangendo este e demais trabalhadores da empresa, bastando para o efeito atentar no uso das seguintes expressões “[d]a análise de diversos contratos celebrados”, “[c]omo relativamente a outros trabalhadores da empresa”, “[t]endo presente informações recolhidas na empresa”, “[a]empresa recrutava trabalhadores em Portugal.” Dir-se-á, portanto, que quanto a esses suportes documentais inexiste qualquer apreciação casuística, sendo, como visto, genérica e absolutamente conclusiva.
(…)
De sublinhar, in fine, que é não controvertido resultando, aliás, do Relatório de Inspeção Tributária que o Impugnante, ora Recorrido, prestou serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obras sitas em Espanha, donde, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho, tendo todas as verbas em contenda sido objeto de processamento enquanto ajudas de custo, contabilizadas enquanto tal pela entidade patronal, e sem que a sua efetividade tivesse, de todo, sido colocada em causa.

Note-se, ademais, que não resulta patenteado no Relatório de Inspeção Tributária, nem tão-pouco alegado, que tenha existido alguma diligência instrutória e de esclarecimento com os visados clientes não podendo, assim, entender-se, conforme avançado pela Recorrente, que foi afastada a presunção de verdade declarativa.

Com efeito, competiria à AT reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias em causa são consideradas remuneração de trabalho, em cumprimento do ónus probatório que sobre si impende, como decorre do artigo 74.º da LGT. [Vide, neste sentido, designadamente, Acórdão do TCAN, de 10.11.2016 (Processo: 00764/13.1BEPNF); Acórdão do TCAS, de 28.09.2017 (Processo: 578/13.9BEALM); Acórdão do TCAS, de 17.05.2018 (Processo: 696/13.3BEALM); Acórdão do TCAS, de 31.10.2019 (Processo: 588/13.6BEALM); Acórdão do TCAS, de 30.09.2020 (Processo: 766/13.8BEALM); Acórdão do TCAS, de 16.12.2020 (Processo: 803/13.6BEALM); Acórdão do TCAS, de 14.01.2021 (Processo: 583/13.5BEALM); Acórdão do TCAS, de 25.02.2021 (Processo: 623/13.8BEALM); Acórdão do TCAS, de 27.05.2021 (Processo: 1484/14.5BESNT); Acórdão do TCAS, de 11.11.2021 (Processo: 14/14.3BEALM); Acórdão do TCAS, de 29.02.2024 (Processo: 1642/13.0BESNT)].


Concordando inteiramente com a jurisprudência citada e, consequentemente, com a decisão recorrida, também este Tribunal entende que a AT não demonstrou, como era seu ónus, que os valores pagos ao Recorrido a título de “ajudas de custo” constituíam rendimento tributável, enfermando, deste modo, o acto de liquidação impugnado do vício de violação de lei.
E, por isso, a sentença recorrida que assim decidiu não incorre em erro de julgamento e deve ser confirmada.

III. DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em confirmando a decisão recorrida, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente (art. 527.º do CPC).


Registe e notifique.

Lisboa, 21 de Novembro de 2024

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[Teresa Costa Alemão]

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[Patrícia Manuel Pires]

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[Jorge Cortês]