Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:670/21.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/11/2024
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TEMPESTIVIDADE
Sumário:I- Nos termos do nº 3 do artigo 24º RJAT, quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para impugnação dos atos objeto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral.
II- Assim, notificada da decisão arbitral que julgou procedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, caso se encontrem preenchidas as demais condições ali previstas, a ora Recorrente dispunha do prazo de três meses para deduzir impugnação judicial, contados estes a partir da notificação da decisão arbitral (artigo 102/1 CPPT).
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

I….. SUCURSAL EM PORTUGAL interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou intempestiva a impugnação judicial respeitante à Contribuição sobre o Setor Bancário de 2018.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

A. «O presente recurso é interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa no processo n.º 670/21.6BELRS, de 3 de junho de 2022, que considerou – mal – intempestiva a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrente, e julgou – mal – procedente a exceção perentória de caducidade do direito de ação, absolvendo a Fazenda Pública.
B. Após a autoliquidação da CSB 2018, a Recorrente expôs os seus argumentos numa reclamação graciosa que foi indeferida a 20 de setembro de 2019.
C. Após esse indeferimento, a Recorrente apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral junto CAAD, a 10 de dezembro de 2019, na sequência do qual foi iniciado o processo .../2019-T.
D. A decisão do tribunal arbitral foi proferida a 2 de outubro de 2020 e julgou procedente a exceção de incompetência material invocada, absolvendo a AT, tendo sido o processo oficiosamente remetido, a 17 de novembro de 2020, ao abrigo do artigo 18.º do CPPT, para o Tribunal Tributário de Lisboa.
E. A 6 de setembro de 2021, o referido Tribunal emitiu despacho liminar de admissão da impugnação, notificando a Fazenda nos termos da lei, e em despacho datado de 19 de abril de 2022 notificou as partes no processo para se pronunciarem sobre a exceção de caducidade do direito de ação e de caso julgado, por si invocadas no processo.
F. Por fim, decidiu – mal – o Tribunal Tributário de Lisboa, a 3 de junho de 2022 – recusando a aplicação do artigo 18.º, n.º 1 e n.º 4 do CPPT e do artigo 24.º, n.º 3 do RJAT – julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação e em consequência absolver a Fazenda Pública.
G. O Tribunal a quo assume como data relevante para aferir da caducidade do direito à ação a do despacho de remessa do Tribunal Arbitral, ao abrigo do artigo 18.º do CPPT, para o Tribunal Tributário de Lisboa, enviado a 17 de novembro de 2020, decidindo assim pela intempestividade do processo de impugnação e consequente caducidade do presente direito de ação. De acordo com a Recorrente, a data relevante da entrada do processo para aferir da caducidade do direito à ação é 10 de dezembro de 2019.

Do erro de julgamento pela não aplicação do artigo 18.º do CPPT:

H. Segundo o Tribunal a quo: “O artigo 18º, n.º 1, do CPPT aplica-se aos tribunais tributários e aos tribunais administrativos apenas se estes forem os tribunais que se declaram incompetentes”
I. Não faz qualquer sentido nem decorre da norma em causa, este requisito adicional, criado ex novo pelo Tribunal a quo, de que a decisão de incompetência tenha de ser exclusivamente proferida por um tribunal compreendido na jurisdição estatal.
J. A AT e os contribuintes, quando expressam a sua vontade de submeterem o litígio às regras da arbitragem, não concordaram numa diminuição das suas garantias processuais e procedimentais (excetuando, por razões óbvias, o direito ao recurso).
K. Diga-se até, que, tendo os tribunais arbitrais uma competência material reduzida face aos tribunais estaduais, há uma intenção do legislador em reforçar a tutela das partes no processo em caso de decisões arbitrais de incompetência.
L. Atualmente, por alteração provocada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, a remessa oficiosa para o Tribunal Tributário competente passou a ser obrigatória para qualquer decisão de incompetência, incluindo assim a incompetência material do tribunal arbitral declarada nos autos, já que as decisões arbitrais têm o mesmo valor jurídico que as decisões dos tribunais judiciais.
M. Não podem, por isso, as decisões arbitrais apresentar diminuídas garantias processuais face às decisões dos tribunais estaduais – o que seria, inclusivamente violador das garantias constitucionais de acesso ao direito concedidas aos contribuintes.
N. Aliás, os Tribunais Arbitrais tributários, como se antecipou, são órgãos jurisdicionais com decisão jurídica de igual valor e a mesma dignidade constitucional, aliás, de outro modo não seria possível a criação de um verdadeiro meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária (inclusivamente aceites como tal pelo TJUE para efeitos de reenvio prejudicial).
O. O Tribunal arbitral aplicou o artigo 18.º do CPPT, subsidiariamente, e, fruto da decisão de incompetência arbitral, o processo foi remetido ao Tribunal competente (cf. despacho arbitral a fls …) – o Tribunal Tributário de Lisboa.
P. Espoletam-se as seguintes consequências jurídico-processuais:
a. a remessa oficiosa que deu aso ao presente processo (cfr. n.º 1 do artigo 18.º do CPPT); e bem assim,
b. a garantia de que a petição se considera “apresentada na data do primeiro registo do processo” (cfr. n.º 4 do mesmo artigo 18.º do CPPT).
Q. A aplicação do artigo 18.º do CPPT, tal como acima explicado, ou até a recusa da sua aplicação in totum, consubstanciam uma errada aplicação do direito, violadora do princípio constitucionalmente protegido de acesso ao direito e das garantias dos contribuintes.
R. Assim, adicionalmente, o despacho arbitral que aplicou o artigo 18.º do CPPT, não tendo sido objeto de recurso, fez caso julgado das consequências processuais, pelo que não pode ser agora questionado pela Fazenda ou violado pelo Tribunal a quo.
S. Ainda que se diga que o caso julgado aqui aplicável se trata de um caso julgado “formal” e que apenas tem efeitos dentro do processo, deve sempre ser respeitado pelo Tribunal a quo que, in casu recebeu a remessa do processo.
T. Pode então concluir-se que, ainda que meramente dentro do processo, a questão da remessa oficiosa entre os tribunais foi pacífica, transitou em julgado, e não poderia ter sido questionada.
U. Conclui-se que Tribunal a quo faz uma errada aplicação sectária da norma em causa, com nefastos efeitos nas garantias jurídico-processuais da ora Recorrente, quando é mais do que óbvio que aplicação do artigo 18.º n.º 4 do CPPT está umbilicalmente relacionada com a remessa do processo prevista no seu n.º 1 e criativamente decide criar ex novo requisitos legais adicionais.
V. Repisando o brocado latino: Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus. Esta é a chave de leitura correta para a norma do artigo 18.º do CPPT no presente processo.
W. Como decorre expressamente do artigo 18º, n.º 4 do CPPT, após a remessa do processo, a petição considera-se apresentada na data do primeiro registo do processo, ou seja, 10 de dezembro de 2019, data de entrada do pedido de pronúncia arbitral junto do CAAD.
X. Uma interpretação como aquela que é veiculada na sentença a quo não só é manifestamente ilegal, como violaria grosseiramente o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o princípio do pro actione, negando o acesso à justiça à ora Recorrente.
Y. O Tribunal a quo incorre assim em erro de julgamento na aplicação do artigo 18.º do CPPT, além do mais, violando a força jurídica do caso julgado já constituído no processo, e que não pode assim manter-se a decisão do Tribunal a quo.

Do erro de julgamento pela não aplicação do artigo 23, n.º 4 do RJAT

Z. Ainda que se considerasse que o artigo 18.º do CPPT não era aplicável, o que apenas se coloca por mera hipótese académica, e sempre sem conceder, sempre seria aplicável ao caso sub judice o artigo 23.º, n.º 4 do RJAT.
AA. À parte da manifesta falta de fundamentação para a sua decisão, a sentença recorrida decide negar à Recorrente a tutela jurisdicional pois considerou que a decisão arbitral proferida no processo que não conheceu do mérito, tendo antes apreciado procedente uma exceção de incompetência, foi proferida “por facto imputável” à Recorrente.
BB. A discussão sobre a competência do Tribunal Arbitral para dirimir o presente litígio refere-se à “arbitrabilidade” das contribuições, ou seja, a possibilidade de as contribuições financeiras, como tipo de tributo autónomo de tributo, serem objeto de apreciação por um tribunal arbitral.
CC. A competência dos tribunais arbitrais para conhecer de tributos lato sensu além dos impostos sempre foi um tema de debate na doutrina e de contradição entre a jurisprudência arbitral (relacionada com a interpretação específica de uma norma particular constante da Portaria de Vinculação da AT aos Tribunais Arbitrais). Assim, a decisão da Recorrente ter submetido o litígio à via arbitral não poderá jamais ser punida numa frontal violação das garantias de tutela jurisdicional efetiva.
DD. Tal como a jurisprudência e doutrina reconhecem, os casos de incompetência do Tribunal arbitral são casos particularmente sensíveis e, portanto, suscetíveis de preencher o requisito da “não imputabilidade” ou, se quisermos, “desculpabilidade” do erro do sujeito passivo na escolha do tribunal.
EE. Ora, com efeito, já foram publicadas algumas decisões sobre este tema, mas em ambos os sentidos, e não apenas a favor da incompetência dos tribunais arbitrais, também a favor da sua competência e decidindo as pretensões dos contribuintes em sede arbitral (e bem mais do que cinco decisões)…
FF. Aliás jurisprudência dos próprios tribunais arbitrais não é unânime e já anteriormente tantos outros casos em que os tribunais arbitrais se declararam competentes para conhecer da matéria de contribuições financeiras, em particular, sobre a CSB.
GG. Como vemos, mesmo após a entrada do processo da Recorrente no CAAD, e mesmo após o tribunal arbitral se ter considerado incompetente, (outros) os tribunais arbitrais continuam a declarar-se competentes para conhecer de liquidações de CSB e outras idênticas contribuições financeiras.
HH. Aliás, pelo que se expôs fica claro que esta questão, ainda hoje, não é clara na jurisprudência nem na doutrina, razão pela qual a incompetência do Tribunal arbitral nunca poderia ser imputável ao sujeito passivo.
II. Não pode assim manter-se a decisão do Tribunal a quo, devendo ser o presente recurso procedente, revogando-se a decisão emitida pelo Tribunal a quo, a qual deve ser substituída por decisão que decida por não verificada a caducidade do direito à ação da Recorrente.

Da violação da tutela jurisdicional efetiva e do princípio do pro actione

JJ. A este respeito, por um lado, a aplicação do artigo 18.º do CPPT garante que em relação a decisões judiciais de incompetência o contribuinte não fica desprotegido; enquanto, por outro lado, a aplicação do artigo 24.º, n.º 4 do RJAT garante que em relação a decisões judiciais que ponham termo ao processo, sem conhecer do mérito da pretensão, por facto não imputável ao sujeito passivo, o contribuinte não fica desprotegido.
KK. Em conformidade com toda a jurisprudência citada, o acesso à justiça e a tutela jurisdicional efetiva emolduram estes dois mecanismos dos quais o Tribunal Arbitral lançou mão no presente processo, pelo que a sua recusa equivale a um impedimento material de acesso à justiça para o sujeito passivo.
LL. Com efeito, a denegação de Justiça e violação do acesso ao Direito não se materializa, neste caso concreto, numa interpretação de uma qualquer disposição legal nacional de somenos importância, mas sim, especificamente nas normas processuais e de competência dos Tribunais Tributários que pretendem garantir esse mesmo acesso ao Direito!
MM. Face ao supra exposto fica por demais evidente que não se verifica qualquer caducidade do direito de ação da Recorrente, devendo a remessa efetuada pelo Tribunal Arbitral ser considerada como tempestiva ao abrigo do artigo 18.º, n.º 4 do CPPT, ou subsidiariamente, ao abrigo do artigo 24.º, n.º 3 do RJAT, e assim apreciada enquanto tal, no respeito pelos princípios do acesso à justiça e da tutela jurisdicional efetiva e estrita obediência à lei que cristaliza as garantias dos contribuintes.
Das questões cujo conhecimento ficou prejudicado,
NN. De acordo com o artigo 149.º, n.º 1 do CPTA, o tribunal de recurso, “[a]inda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objeto da causa, conhecendo do facto e do direito.”
OO. Nesses termos, dá-se aqui por reproduzido tudo quanto se invocou em sede de pedido de pronúncia arbitral, e consequente remessa do processo para o Tribunal a quo (a fls … dos Autos), de forma que este douto Tribunal possa apreciar do mérito das questões aí suscitadas e que já atrás se enumeraram.
PP. Subsidiariamente, requer-se desde já a aplicação do artigo 665.º do CPC, de forma a que a ora Recorrente seja notificada ao abrigo desta norma, assim que o douto Supremo Tribunal Administrativo considere que se encontra esclarecida e decidida que não está verificada a caducidade do direito de ação.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis requer-se a V. Exas. que seja concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a decisão emitida pelo Tribunal a quo, a qual deve ser substituída por outra que decida por não verificada a caducidade do direito à ação da Recorrente e que decida as questões de conhecimento prejudicado, nomeadamente, anulando a autoliquidação da CSB.
Tudo com as demais consequências legais, por assim ser de JUSTIÇA!»


A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Subiram os autos ao Supremo Tribunal Administrativo que, por decisão sumária de 24 de novembro de 2022, se declarou incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, sendo competente para esse efeito a Seção Tributária do Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o processo foi remetido.

O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme previsto nos artigos 635/4 e 639/1.2 do Código de Processo Civil (CPC), sendo as de saber, se a decisão recorrida que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido, se pode manter ou se deve ser revogada.

Em caso de resposta afirmativa se averiguar se os autos contêm já todos os elementos para a decisão, como pretende, ou se deve ser antes ordenada a baixa e a prossecução da tramitação dos autos.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. Em 18/06/2019 a Impugnante entregou a declaração modelo 26 relativa à Contribuição sobre o Sector Bancário do ano de 2019 no valor total de €1.208.526,05 - cf. comprovativo de entrega de declaração junto como documento n.º 1 com a petição inicial a págs. 60 do SITAF;
2. A Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação referida no ponto anterior – cf. reclamação graciosa junta com a petição inicial a págs. 66 do SITAF;
3. Por despacho de 18/09/2019 a reclamação graciosa referida no ponto anterior foi indeferida – cf. despacho e informação juntos com a petição inicial a págs. 110 do SITAF;
4. Por ofício datado de 20/09/2019 a decisão de indeferimento referida no ponto anterior foi remetida para a caixa postal electrónica da Impugnante, VIA CTT, em 21/09/2019, tendo a Impugnante acedido à mesma em 23/09/2019 - cf. ofício junto com a petição inicial e comprovativos VIA CTT a págs. 110, 1108 e 1109 do SITAF;
5. Em 10/12/2019 a Impugnante apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral e pedido de pronúncia arbitral no Centro de Arbitragem Administrativa peticionando a anulação da decisão de indeferimento de reclamação graciosa e da autoliquidação de Contribuição do Sector Bancário do ano de 2019, no valor de €1.208.526,05, referida no ponto 1. e o pagamento de juros indemnizatórios - cf. comprovativo de entrega e petição inicial a págs. 2 e 4 do SITAF;
6. O processo arbitral referido no ponto anterior correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa sob o n.º .../2019-T, tendo sido apresentado ao abrigo do disposto nos artigos 2º, n.º 1, a), e 10º e seguintes do RJAT – cf. comprovativo de entrega e petição inicial a págs. 2 e 4 do SITAF;
7. No artigo 2º da petição inicial do pedido de pronúncia arbitral referido no ponto anterior, a Impugnante, então Requerente, alega que: «2º Este tribunal é competente como resulta do artigo 2º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e o presente pedido de pronúncia arbitral é oportuno e está em tempo, nos termos do art. 10º, n.º 1, alínea a), do RJAT (…)» - cf. petição inicial a págs. 4 do SITAF;
8. No âmbito do processo arbitral n.º .../2019-T a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, excepcionado a incompetência material do Tribunal Arbitral, referindo o seguinte: «50º. Finalmente no âmbito do processo que correu termos no CAAD sob o n.º 347/2017, o qual versou sobre a CSB, o Tribunal Arbitral (…) declarou a incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria (…). 52º Na mesma linha de pensamento também as decisões sobre esta temática proferidas no âmbito dos processos n.º 123/2019-T; 138/2019-T, 179/2019-T, 182/2019-T e 280/2019-T, consideraram o tribunal arbitral materialmente incompetente para conhecer das questões relativas à CSB.» - cf. resposta a págs. 160 do SITAF;
9. As decisões arbitrais referidas no ponto anterior foram proferidas em: 14/06/2018, no proc. n.º 347/2017-T, em 04/09/2019, no proc. n.º 182/2019-T, em 14/10/2019, no proc. n.º 138/2019-T, em 08/11/2019, no proc. n.º 123/2019-T, e em 11/11/2019, no proc. n.º 179/2019-T – cf. consulta online de https://caad.org.pt/tributario/ decisoes;
10. A Impugnante, Requerente no processo arbitral n.º .../2019-T, pronunciou-se no sentido da competência material do Tribunal Arbitral nos termos dos artigos 2º, n.º 1, a), e 4º, n.º 1, do RJAT e 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março – cf. requerimento a págs. 229 do SITAF;
11. Em 2/10/2020 e no âmbito do processo arbitral n.º .../2019-T foi proferida decisão arbitral na qual se decidiu o seguinte: «Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, a) julgar procedente a excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral por a pretensão da Requerente versar sobre um tributo não incluído na vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira nos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e, em consequência, absolver a Requerida do pedido; b) Condenar o Requerente nas custas do processo (…)» - cf. decisão arbitral a págs. 347 do SITAF;
12. Por e-mail de 6/10/2020, foi remetida à Impugnante, Requerente no processo arbitral n.º .../2019-T, a decisão arbitral referida no ponto anterior - cf. comprovativo a págs. 364 do SITAF;
13. Em 06/10/2020 a Impugnante, Requerente no processo arbitral n.º .../2019-T, requereu, ao abrigo do artigo 18º, n.º 1, do CPPT, a remessa do processo arbitral n.º .../2019-T ao Tribunal que o Tribunal Arbitral considerasse competente para conhecer do mérito – cf. requerimento a págs. 365 do SITAF;
14. Em 2/11/2020 o Presidente do Tribunal Arbitral determinou a remessa do processo arbitral n.º .../2019-T a este Tribunal ao abrigo do artigo 18º, n.º 1, do CPPT – despacho a págs. 365 do SITAF;
15. Por ofício datado de 13/11/2020, o Centro de Arbitragem Administrativa remeteu em 17/11/2020, por carta registada, ao Presidente do Tribunal Tributário de Lisboa cópia do processo arbitral em CD, e do despacho de remessa do Tribunal Arbitral, do requerimento do Requerente e da decisão arbitral em suporte papel – cf. ofício e envelope a págs. 1 e 389 do SITAF;
16. A Impugnante pagou taxa de justiça inicial no valor de €1.632,00 pela apresentação da presente impugnação judicial neste Tribunal distribuída sob o n.º 670/21.6BELRS– comprovativo de pagamento a págs. 392 do SITAF;
17. Em 6/09/2021 e nos presentes autos, a petição inicial apresentada pela Impugnante junto do Centro de Arbitragem Administrativa e referida no ponto 5. foi liminarmente admitida como impugnação judicial – cf. despacho a págs. 881 do SITAF.


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão das excepções.»

E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«A decisão da matéria de facto para apreciar e decidir as excepções efectuou-se com base no exame dos documentos juntos aos autos e por consulta online, conforme especificado nos pontos da matéria de facto provada.»


II.2 Do Direito

O Tribunal a quo com base na factualidade que apurou, findos os articulados, proferiu sentença que julgou verificada a alegada exceção perentória de caducidade do direito de ação e absolveu a Fazenda Pública do pedido.

Inconformado com a sentença que julgou intempestiva a ação apresentada, a ora Recorrente defende, não se verificar a caducidade do direito de ação, porquanto, a ação deu entrada em juízo em prazo.

Vejamos:

A ora Recorrente após proceder à autoliquidação da vulgarmente designada “Contribuição sobre o Setor Bancário”, respeitante ao ano de 2018, reclamou da mesma e notificada da decisão de indeferimento e pretendendo impugnar a decisão optou por apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral junto do CAAD.

Assim, em 2019.06.18, a Contribuinte procedeu à entrega a declaração modelo 26 respetiva (cf. alínea 1 dos factos assentes), e por despacho de 2019.09.18, foi indeferida a reclamação apresentada (cf. alíneas 2 e 3 da matéria assente). O despacho de indeferimento foi comunicado à ora Recorrente por ofício de 2019.09.20 e o pedido de constituição de tribunal arbitral e pedido de pronuncia arbitral foi apresentado em 2019.12.10 (cf. pontos 4 e 5 dos factos assentes).

Por decisão de 2020.10.02, proferida no âmbito do processo arbitral n.º .../2019-T, foi julgada procedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral “por a pretensão da Requerente versar sobre um tributo não incluído na vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira nos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e, em consequência, absolver a Requerida do pedido” e a requerente condenada nas custas do processo (cf. ponto 11 dos factos assentes).

Esta decisão do Tribunal Arbitral foi comunicada à ora Recorrente em 2020.10.06 (cf. ponto 12 dos factos assentes).

Para considerar a impugnação intempestiva diz a sentença recorrida no segmento relevante:

(…)
Deste modo, e com fundamento nas normas legais supra mencionadas, a impugnação judicial da autoliquidação da CSB objecto dos presentes autos, com base nos vícios aduzidos pela Impugnante, encontra-se sujeita ao prazo de 3 meses previsto no artigo 102º, n.º 1, alínea e), do CPPT.
Os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil (cf. artigo 20º, n.º 1, do CPPT).
Resulta do ponto 4. dos factos provados que, por ofício datado de 20/09/2019, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação da CSB aqui em causa foi remetida para a caixa postal electrónica da Impugnante, VIA CTT, em 21/09/2019, tendo a Impugnante acedido à mesma em 23/09/2019.
(…)
Assim, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa supra referida considera-se notificada à Impugnante em 07/10/2019.
Tendo a Impugnante sido notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em 07/10/2019, o prazo de três meses previsto no artigo 102º, n.º 1, alínea e), do CPPT começou a contar no dia 08/10/2019 e terminou em 08/01/2020 (cf. artigo 20º, n.º 1, do CPPT).
Deriva dos pontos 5. e 6. dos factos provados que, em 10/12/2019, a Impugnante apresentou, ao abrigo do disposto nos artigos 2º, n.º 1, a), e 10º e seguintes do RJAT, pedido de constituição de tribunal arbitral e pedido de pronúncia arbitral no Centro de Arbitragem Administrativa, ao qual foi atribuído o n.º .../2019-T, peticionando a anulação da decisão de indeferimento de reclamação graciosa e da autoliquidação de CSB em causa nos presentes autos e o pagamento de juros indemnizatórios.
Resulta do ponto 11. dos factos provados que, em 2/10/2020 e no âmbito do processo arbitral n.º .../2019-T, foi proferida decisão arbitral na qual se decidiu o seguinte: «Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, a) julgar procedente a excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral por a pretensão da Requerente versar sobre um tributo não incluído na vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira nos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e, em consequência, absolver a Requerida do pedido; b) Condenar o Requerente nas custas do processo (…)».
Sucede que, deriva dos pontos 13. e 14. dos factos, que, em 06/10/2020, a Impugnante requereu, ao abrigo do artigo 18º, n.º 1, do CPPT, a remessa do processo arbitral n.º .../2019-T ao Tribunal que o Tribunal Arbitral considerasse competente para conhecer do mérito do pedido, tendo, por despacho de 2/11/2020 do Presidente do Tribunal Arbitral, sido determinada a remessa do processo arbitral n.º .../2019-T a este Tribunal ao abrigo do artigo 18º, n.º 1, do CPPT.
Importa, então, determinar se a presente impugnação judicial é tempestiva, por efeito de se poder considerar que a mesma foi apresentada em 10/12/2019, em virtude de a Impugnante ter requerido a remessa do processo arbitral n.º .../2019-T ao Tribunal competente, e por aplicação do disposto no artigo 18º, n.º 4, do CPPT.
(…)

Quanto aos factos assentes não há controvérsia, não tendo sido impugnada a matéria de facto assente.

A ora Recorrente discorda do decidido defendendo, em primeira linha, que ao caso é aplicável o disposto no nº 4 do artigo 18º do CPPT, ou seja, que a petição deve ser considerada apresentada na data do primeiro registo do processo, i. é, na data em que foi efetuado o pedido de pronúncia arbitral no Centro de Arbitragem Administrativa.

A sentença recorrida pronuncia-se sobre esta questão em termos tais que pouco mais temos a acrescentar. Diz:

Avança-se, desde já, que a aplicação do artigo 18º, n.º 1, do CPPT não se destina ao caso sub judice por diversos motivos que infra se explicarão.
Determina o artigo 18º, n.º 1, do CPPT que a decisão judicial de incompetência implica a remessa oficiosa do processo, por via eletrónica, ao tribunal tributário ou administrativo competente, no prazo de 48 horas.
O artigo 18º, n.º 1, do CPPT aplica-se aos tribunais tributários e aos tribunais administrativos apenas se estes forem os tribunais que se declaram incompetentes e, simultaneamente, se forem os tribunais considerados competentes, pois caso um Tribunal da jurisdição dita Comum se declare incompetente e considere competente um tribunal tributário ou um tribunal administrativo não aplicará o artigo 18º, n.º 1, do CPPT, mas outra disposição prevista na legislação processual aplicável, como é o caso do CPC,
O n.º 1 do referido artigo 18º do CPPT aplica-se aos tribunais tributários e aos tribunais administrativos que integram a jurisdição administrativa e fiscal consagrada nos artigos 209º, n.º 1, b), e 212º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e nos artigos 1º, 4º e 8º do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro.
Como se refere em Constituição da República Portuguesa, Anotada, de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Vol. II, 4ª ed. Revista, págs. 546 e 547, 550, 552 e 553 «I. O sistema judicial não é unitário, sendo constituído por várias categorias de tribunais (cfr. epigrafe) ou ordens de tribunais, separadas entre si, com a sua estrutura e regime próprios. Duas dessas categorias compreendem apenas um tribunal (o Tribunal Constitucional e o Tribunal de Contas); as demais abrangem uma pluralidade de tribunais, estruturados hierarquicamente, com um tribunal superior no topo da hierarquia (STJ para os tribunais judiciais; STA para os tribunais administrativos e fiscais). (…). XII. A Constituição não define o que são tribunais arbitrais (n° 2), havendo de entender-se que foi recebido o conceito decorrente da tradição jurídica vigente no direito infraconstitucional. São várias as características fundamentais dos tribunais arbitrais: (a) são normalmente formados ad hoc para o julgamento de determinado litígio, esgotando-se nessa tarefa, podendo, porém, existir tribunais arbitrais permanentes, aos quais podem ser diferidos os litígios emergentes de determinado tipo de relações jurídicas (cfr., sobre a arbitragem institucionalizada, art. 38° da LAV, e DL n° 425/86, de 27-12); (b) são formados por iniciativa das partes ou por iniciativa de instituições representativas dos eventuais litigantes (associações comerciais, etc., pressupondo sempre uma convenção de arbitragem — art. 1°-2 da L n° 31/86 (…). XIII. Embora a justiça arbitral não seja, como a jurisdição estatal, objecto directo da organização dos tribunais, limitando-se a constituição a prevê-la, nem por isso deixam de existir problemas relacionados com o seu regime legal, desde logo com a existência de reserva da AR. (…). Quando se trate de conflitos dentro da mesma ordem de tribunais, é natural que a competência para os solucionar caiba a um tribunal superior dessa categoria (cfr., por ex., CPC art. 116°; LOFTJ, art. 36°-2; ETAF, arts. 24°-1/h, 26º/g e 135º); quando o conflito se dê entre tribunais de categorias diversas, então a solução mais razoável consistirá em constituir ad hoc um tribunal de conflitos, formado entre os dois tribunais superiores da respectiva categoria».
Ora, os Tribunais Arbitrais constituídos juntos do Centro de Arbitragem Administrativa não integram a jurisdição administrativa e fiscal conforme resulta das disposições constitucionais e legais supra referidas.
Conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a arbitragem em matéria tributária constitui um forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal e o artigo 1º do RJAT determina que o presente decreto-lei disciplina a arbitragem como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária.
O Centro de Arbitragem Administrativa foi criado pelo Despacho n.º 5097/2009, de 27 de Janeiro, do Secretário de Estado da Justiça, alterado pelo Despacho n.º 5880/2018, de 1 de Junho, da Secretária de Estado da Justiça, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 425/86, de 27 de Dezembro e das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 187º do CPTA.
O Decreto-Lei n.º 425/86 estabelece no artigo 1º que as entidades que, no âmbito da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, pretendam promover, com carácter institucionalizado, a realização de arbitragens voluntárias, devem requerer ao Ministro da Justiça autorização para a criação dos respectivos centros.
A Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro aprovou a Lei da Arbitragem Voluntária e revogou a Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, consagra no artigo 1º, n.º 5, que o Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, na medida em que para tanto estejam autorizados por lei ou se tais convenções tiverem por objecto litígios de direito privado.
Verifica-se, assim, que a arbitragem em matéria tributária constitui uma forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, é voluntária e não integra a jurisdição estatal, uma ordem de jurisdição, consagrada na CRP.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-11-2019, proc. 8927/18.7T8LSB-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, «Atento o que atrás se refere, podemos referir que os tribunais arbitrais, “embora não sejam órgãos de soberania como os tribunais estaduais, não deixam de ser entidades jurisdicionais a quem cabe definir o direito nas situações concretas que lhes são submetidas” (Acórdão do STJ, de 20/01/2011, consultável em www.dgsi.pt). (…). A referência que o artigo 209º, número 2, da Constituição faz aos tribunais arbitrais não visa integrá-los no sistema jurisdicional estadual, pois não fazem parte do aparelho estadual, mas apenas conferir dignidade constitucional à sua existência e, seguramente, permitir que não seja arguido de inconstitucionalidade o artigo 42º, número 7, da LAV que reconhece à sentença arbitral a mesma força executiva da sentença judicial” (…)».
Aliás, resulta claro que o artigo 18º, n.º 1, do CPPT apenas se aplica aos tribunais tributários e aos tribunais administrativos se estes forem os tribunais que se declarem incompetentes e, simultaneamente, se forem os tribunais considerados competentes, porquanto a Impugnante teve que proceder a pagamento de taxa de justiça inicial, exigida pelo impulso processual da Impugnante neste Tribunal, com a apresentação da presente petição inicial (pois que as taxas de arbitragem pagas apenas são válidas para o processo arbitral), o que não ocorreria se estivéssemos perante a situação fáctica a que se destina o artigo 18º, n.º 1, do CPPT.
A solução adoptada no artigo 18º do CPPT é semelhante à consagrada no artigo 14º do CPTA.
Conforme refere Mário Aroso de Almeida, em anotação ao artigo 14º, n.º 2, do CPTA, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, págs. 150, 151: «2. Existe incompetência em razão da jurisdição- que é uma forma agravada de incompetência em razão da matéria - quando a questão que constitui objeto do litígio pertence a uma outra ordem de jurisdição (Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas Tribunal de Conflitos, tribunais judiciais) e origina, nesse caso, a absolvição da instância em aplicação do disposto no artigo 89.º, n.º 2, e não a remessa oficiosa do processo ao tribunal competente. (…). Na verdade, a CRP consagra a jurisdição administrativa e fiscal como uma única jurisdição, contraposta à dos tribunais judiciais, estabelecendo os fundamentos do regime unitário de organização e funcionamento dos tribunais administrativos e tributários que se encontra concretizado no ETAF (…)».
Não só o n.º 1 do artigo 18º do CPPT não se destina ao caso sub judice, como, também, o n.º 2 da mesma norma não se aplicaria, caso o tribunal tributário se declarasse incompetente e considerasse competente um tribunal arbitral em matéria tributária a funcionar junto do Centro de Arbitragem Administrativa, pois que, conforme resulta dos artigos 1º, 2º, 4º, do RJAT, a arbitragem em matéria tributária é voluntária e a sua competência material não é residual ou excludente face à do Tribunal Tributário para, por exemplo, conhecer da impugnação de um acto de liquidação de imposto, mas antes alternativa.
Não podendo o Tribunal Tributário determinar a remessa de uma impugnação judicial a tribunal arbitral em matéria tributária ao abrigo do artigo 18º, n.º 2, do CPPT, também não será possível o caminho inverso, sob pena de se adoptar uma interpretação contrária à unidade do sistema jurídico cf. artigo 9º do Código Civil).
Cumpre, ainda, referir que, ao contrário do propugnado pela Impugnante, o despacho de remessa do processo arbitral n.º .../2019-T a este Tribunal ao abrigo do artigo 18º, n.º 1, do CPPT não faz caso julgado material, não convolou o pedido de pronúncia arbitral em impugnação judicial (cf. ponto 14. dos factos provados), não vincula este Tribunal a aceitar o processo arbitral n.º .../2019-T na fase em que estava [articulados e decisão de incompetência material] e fazer o mesmo prosseguir a partir dessa fase, nem vincula este Tribunal a não apreciar ou a decidir qualquer pressuposto processual referente à presente impugnação judicial.
Estabelece o artigo 152º, n.º 4, do CPC que os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes; consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador.
Um despacho que se limita a remeter o processo arbitral na sequência de pedido apresentado pelo sujeito passivo a este Tribunal constitui um despacho de mero expediente, que, como tal, não é passível de recurso nos termos do artigo 630º, n.º 1, do CPC.
Sucede que, também o referido despacho não tem efeito de caso julgado material. Sobre o caso julgado material e o caso julgado formal entendeu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-09-2016, proc. 158/15.4YRCBR.S1, disponível em www.dgsi.pt, que «Esta noção corresponde à função, habitualmente, atribuída à exceção, que consiste em proteger a força e autoridade de uma decisão que, transitada, adquiriu força de caso julgado material, isto é, que fica a ter força obrigatória, dentro do processo e fora dele, nos termos definidos pelo artigo 619º, nº 1, tutela essa, aliás, que, se falhar, se encontra ainda prevista, no artigo 625º, nºs 1 e 2, ambos do CPC, já que a segunda decisão, em qualquer caso, será inútil. A força e autoridade do caso julgado formal significa, mais, limitadamente, que, decidida uma determinada questão que recaia, unicamente, sobre a relação processual, a mesma tem força obrigatória dentro do processo, atento o estipulado pelo artigo 620º, nº 1, do CPC».
Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-2018, proc. 1306/14.7TBACB-T.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, se considerou que: «Pressuposto essencial do caso julgado formal é que uma pretensão já decidida, em contexto meramente processual, e que não foi recorrida seja objecto de repetida decisão. Se assim for, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão. (…) Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. -307: “Caso julgado é a alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito que não admite recurso ordinário. É material o que assenta sobre decisão de mérito proferida em processo anterior; nele a decisão recai sobre a relação material ou substantiva litigada; é formal quando há decisão anterior proferida sobre a relação processual. Ele pressupõe a repetição de qualquer questão sobre a relação processual dentro do mesmo processo (ob. cit., 308). (…). João Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, A.A.F.D.L, 1980, III vol. pág. 276, ensina que o “caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo”, contrariamente ao caso julgado material, cuja força obrigatória se estende para fora do processo em que a decisão foi proferida. (…). Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto os pressupostos daquela decisão».
Um despacho que se limita a remeter o processo arbitral, na sequência de pedido apresentado pelo sujeito passivo a este Tribunal não encerra uma decisão de mérito sobre a relação material ou substantiva, pelo que essa decisão de remessa não produz caso julgado material, isto é, não se estende para fora do processo em que foi proferido.
Ao ter sido remetido o processo arbitral a este Tribunal, não ocorreu uma transferência desse processo para este Tribunal, porquanto este Tribunal apenas admitiu liminarmente a petição inicial como sendo de impugnação judicial, tendo sido este o único acto aproveitado, tendo sido determinada a notificação da Fazenda Pública para apresentar contestação, nos termos do artigo 110º, n.º 1, do CPPT, pois caso estivéssemos perante uma transferência do processo a que se destina o artigo 18º, n.º 1, do CPPT, então, haveria que seguir a tramitação do processo na fase em que havia sido transferido para este Tribunal, não havendo que proferir despacho de admissão liminar ou determinar a notificação da Entidade Impugnada para contestar, o que não se verificou, até porque, em sede de impugnação judicial, é à Fazenda Pública que compete apresentar contestação, enquanto que em sede de processo arbitral é o dirigente máximo do serviço da administração tributária que cabe apresentar resposta nos termos do artigo 17º, n.º 1, do RJAT.
Quanto à susceptibilidade de o referido despacho produzir caso julgado formal, apenas terá força obrigatória dentro do processo arbitral e não, conforme explicitado, no presente processo de impugnação judicial.
Aliás, é entendimento deste Tribunal que o despacho supra mencionado, nem produziu caso julgado formal, pois que, à data em que foi proferido, já o processo arbitral se encontrava arquivado e já o Tribunal Arbitral se encontrava dissolvido, conforme resulta do disposto no artigo 23º do RJAT.
Assim, e face a tudo o que foi exposto, a determinação de remessa do processo arbitral n.º .../2019-T não vincula este Tribunal a seguir a sua tramitação na fase em que se encontrava, nem vincula este Tribunal a aplicar o disposto no artigo 18º, n.º 4, do CPPT, em consequência do n.º 1 do mesmo artigo, pois que, este Tribunal para aplicar o n.º 4, terá, então, de aferir da aplicação do n.º 1, o que, conforme já exposto, não ocorre, porquanto não foi um tribunal administrativo ou um tribunal tributário que, na sequência de uma decisão de incompetência, determinou a remessa do processo.
Aliás, não se produz o efeito vinculativo que a Impugnante defende, na medida em que este Tribunal podia ter-se considerado incompetente (de modo absoluto), o que originaria um conflito de jurisdição ou de competência apenas se estivéssemos perante um conflito com um tribunal judicial ou com outro tribunal administrativo e fiscal, pois, que entre este Tribunal e o Tribunal Arbitral em matéria tributária não se originaria um conflito de jurisdição ou de competência, por esses conceitos não serem aplicáveis entre a jurisdição administrativa e fiscal e a arbitragem em matéria tributária que constitui um meio alternativo de resolução de conflitos de natureza voluntária (e não necessária).
Conforme se refere em Código de Processo Civil Anotado, de Lebre de Freitas, Vol. 1º, 4ª ed., pág. 245, «3. Quer os conflitos de jurisdição suscitados entre tribunais, quer os conflitos de competência, têm hoje sempre na base uma situação de incompetência absoluta (…). No primeiro caso, é assim por o conflito de jurisdição ter como pressuposto que os tribunais em oposição integram diferentes ordens jurisdicionais e, ainda, que esses tribunais são estaduais e não arbitrais. Este último pressuposto retira-se da circunstância de o julgamento do conflito competir, nos termos do art. 17 do DL 23.185, de 30.10.33, do art. 1-3 da Lei de Organização de Processo do Tribunal de Contas (…) e do art. 62-3LOSJ a um tribunal dos Conflitos composto por juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Administrativo ou do Tribunal de Contas ou ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça».
Deste modo e atendo a tudo o supra exposto, não pode a presente impugnação judicial ser considerada apresentada em 10/12/2019.

A sentença recorrida, no segmento que acabamos de transcrever, não merece, pois, a censura que lhe é feita pela ora Recorrente, não se afastando, aliás, da fórmula seguida no processo civil.

Tal como decidido não se justifica a aplicação do artigo 18º CPPT em detrimento do disposto no artigo 24º do RJAT que tem por epígrafe Efeitos da decisão arbitral de que não caiba recurso ou impugnação. Diz o nº 3 deste artigo:

3 - Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos actos objecto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral.

Assim, notificada da decisão arbitral que julgou procedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, caso se encontrassem preenchidas as demais condições ali previstas, a ora Recorrente dispunha do prazo de três meses para, querendo, deduzir impugnação judicial, contados a partir da notificação da decisão arbitral (artigo 102/1 CPPT).

Nesse sentido se pronunciou recentemente este Tribunal Central Administrativo Sul no acórdão de 2022.02.24, proferido no processo nº 36/16.0BEFUN, para cuja fundamentação, com a qual concordamos, remetemos aqui.

Todavia, diversamente do que sucede nessa decisão, no caso dos presentes autos é controvertido o preenchimento dos demais requisitos previstos no citado artigo 24/3 RJAT.

Concretizando melhor, no caso ora em análise, não está afastado o requisito relativo a se o não conhecimento do mérito é, ou não, facto imputável ao sujeito passivo.

Como refere Carla Castelo Trindade: «A concretização do que entender por “imputável ao sujeito passivo” revela-se porém difícil. No limite, poder-se-ia afirmar que a ocorrência de qualquer excepção dilatória seria imputável ao sujeito passivo na medida em que foi ele que não configurou correctamente a competência do tribunal, (…) Julga-se, porém, que caberá ao tribunal arbitral aferir a desculpabilidade desse “erro” do sujeito passivo. Dito de outro modo, e tomando por referência os casos de incompetência do tribunal arbitral, há questões de tal maneira dúbias, que determinam na Doutrina e na própria jurisprudência posições contraditórias, que, caso seja procedente uma excepção de incompetência, o não conhecimento do mérito poderá não ser imputável ao sujeito passivo.” (Apud Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, 2015).

Ora, no caso presente, insiste-se, a decisão do Tribunal Arbitral nada refere a este propósito.

E, a sentença recorrida, considerou que à data em que o pedido de pronuncia arbitral deu entrada já eram conhecidas e encontravam-se publicadas “on line”, ou seja, disponíveis para consulta na internet, outras decisões nesse mesmo sentido, ou seja, de incompetência material do tribunal em razão da matéria submetida à sua apreciação.

Em contraponto, alega a ora Recorrente, que os tribunais arbitrais se declararam competentes para conhecer da matéria de contribuições financeiras, exemplificando e citando as decisões proferidas nos processos nº 312/2015-T, de 7 de janeiro de 2016, nº 139/2017-T, de 28 de dezembro de 2017, n.º 437/2017-T de 15 de março de 2018, n.º 879/2019-T de 18 de agosto de 2021 e n.º 555/2020-T de 28 de janeiro de 2022 (cf. artigo 102º das alegações de recurso).

O alegado pela ora Recorrente no sentido da não imputabilidade ou «desculpabilidade» do erro na escolha do tribunal arbitral para resolução do conflito aliado à severidade da consequência de extinção da instância sem possibilidade de ver discutida e judicialmente apreciado o mérito da pretensão leva-nos a considerar como não preenchido o requisito relativo à culpa (imputabilidade) do sujeito passivo no caso concreto ora em análise.

Assim, e considerando que a impugnação deu entrada no Tribunal Tributário dentro do prazo de três meses contados a partir da notificação da decisão arbitral, concluímos pela sua tempestividade e logo, por dar provimento do recurso.

Todavia, e à semelhança do decidido no citado acórdão de 2022.02.24, nos presentes autos, há a considerar que além de terem sido alegadas outras exceções pela Impugnada cujo conhecimento foi considerado prejudicado, também nos presentes autos não foram levados ao probatório quaisquer factos pertinentes à discussão das questões de mérito colocadas na petição de impugnação e ainda que foram arroladas testemunhas não tendo ainda sido proferida decisão quanto à pertinência dos depoimentos oferecidos e não prescindidos; assim o processo deverá baixar à primeira instância para tramitação e oportuna prolação de nova sentença.


Sumário/Conclusões:

I. Nos termos do nº 3 do artigo 24º RJAT, quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para impugnação dos atos objeto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral.
II. Assim, notificada da decisão arbitral que julgou procedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, caso se encontrem preenchidas as demais condições ali previstas, a ora Recorrente dispunha do prazo de três meses para deduzir impugnação judicial, contados estes a partir da notificação da decisão arbitral (artigo 102/1 CPPT)

III - DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Tributário de Lisboa, para aí prosseguirem para a fase de instrução e ulteriores termos do processo, se a tal nada mais obstar

Sem custas.

Lisboa, 11 de janeiro de 2024

Susana Barreto

Jorge Cortês (2)

Maria Cardoso (1)


(1) DECLARAÇÃO DE VOTO

Acompanho o decisório do acórdão, mas discordo da fundamentação na parte que excluiu a aplicação do artigo 18.º, n.º 2 do CPPT, por este Código tratar-se de direito subsidiário do processo arbitral e, por isso, entendo, ao abrigo do princípio pro actione, que o regime previsto nessa norma é aplicável ao caso dos presentes autos.
Maria Cardoso
(2)
Declaração de voto à qual adere o primeiro Adjunto