Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 400/23.8BELSB.CS1 |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/20/2025 |
| Relator: | MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA |
| Descritores: | ATRASO NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA PRAZO DE PRESCRIÇÃO PRAZO RAZOÁVEL |
| Sumário: | I - Apenas na sequência da prolação da decisão final na ação em questão e do respetivo trânsito em julgado se pode ter por firmado o conhecimento do direito indemnizatório, derivado da extensão do atraso no funcionamento do aparelho de justiça, tendo aí início o prazo de prescrição de três anos, previsto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil; II - Verificando-se que entre a instauração da ação (em 17.1.2001) e o termo, com a prolação do Acórdão de retificação (em 11.3.2021), o processo, nas suas fases declarativa e executiva, teve a duração global de 20 anos, 1 mês e 23 dias, revelando-se atrasos significativos na sua tramitação, mostra-se ostensivo que a duração do processo ultrapassou o prazo razoável; III - “A violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável (o não cumprimento dos standards de duração razoável de um processo) consubstancia um facto ilícito e culposo (i. e., o funcionamento anormal do serviço, conforme os artigos 7.º, n.ºs 3 e 4, e 9.º, n.º 2, ambos do RCEEP), que opera a favor do A. a presunção natural (nexo de causalidade) da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial (dano), (ou seja, um dano sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um acto final do processo em tempo razoável)” (Ac. do STA de 18.12.2024, proferido no processo 0188/19.7BEPRT). |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul: 1. Relatório A..., S.A. (doravante Recorrente ou A.) instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente ação administrativa contra o Estado Português (doravante R. ou Recorrido), na qual peticionou a condenação do R. no pagamento da quantia de € 40.000,00, acrescida de juros, a título de indemnização pelos danos decorrentes da violação do direito à Justiça em prazo razoável.
Por sentença proferida em 24.3.2025, o referido Tribunal julgou procedente a exceção perentória de prescrição do direito indemnizatório e absolveu o R. dos pedidos formulados.
Inconformada, a A./ Recorrente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “I. O direito da A. a propor a presente acção, não se encontrava prescrito em 9/2/2023, data da propositura da mesma. * Cumpre, pois, ao abrigo do disposto no artigo 149.º, n.º 1 do CPTA, conhecer em substituição se se encontram preenchidos os requisitos do direito indemnizatório reclamado pela A..4.2. Do conhecimento em substituição A A. funda a sua pretensão indemnizatória no atraso, que reputa ilícito, na administração da justiça no âmbito do processo que instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, e que ali correu termos na sua fase declarativa sob o número 00/00 e na correspondente fase executiva sob o número .../...BELSB. Alega, em suma, que em 17.1.2001 instaurou naquele Tribunal uma ação administrativa comum contra o Hospital Santa Marta em que peticionou a condenação do ali R. ao pagamento de € 1.476.235,92 pelos prejuízos causados com a rescisão do contrato de empreitada, na qual foi proferida sentença em 17.6.2008 e, fruto do desaparecimento das cassetes onde se gravara a audiência de julgamento, apenas logrou apresentar recurso em 28.1.2014, vindo a ser notificada do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, que concedeu parcial provimento, em 20.5.2016. Em 29.9.2016 deduziu o correspondente processo de execução da decisão proferida pelo STA, que tramitou sob o número .../...BELSB, vindo a ser proferida sentença em 12.11.2018. Dessa sentença interpôs recurso em 1.2.2019 e por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18.11.2019, resultou existir um erro no Acórdão do STA em execução porquanto na fundamentação do acórdão diz-se que a quantia de 25.825,21€ é devido pelo dono de obra à A., mas no dispositivo condena a A. a pagar o valor ao R.. Consequentemente, em 14.9.2020 a A. viu-se obrigada a requerer a retificação do Acórdão, pretensão a que foi dado provimento por Acórdão de 11.3.2021. Refere mostrar-se desrazoável, ao abrigo do artigo 20.º, n.º 1 e 4, da CRP e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que uma ação judicial proposta em janeiro de 2001 apenas chegue ao seu fim em março de 2021, decorridos 20 anos e 2 meses, e que se manteve numa situação de incerteza, incómodo, ansiedade e angústia, com preocupação para com os seus trabalhadores, criando um ambiente negativo na empresa. Advoga que os seus administradores e trabalhadores sentiram e sentem-se frustrados pela ineficácia do sistema na defesa dos seus interesses. Entendendo que se os prazos legais fossem cumpridos o seu pesadelo, o bom nome junto da banca, funcionários, TOC, ROC, não teriam acontecido, nem a gestão da empresa entrava em rutura. Considera preenchidos os pressupostos para fazer recair sobre o R. o dever de indemnização dos danos por si sofridos, correspondentes a € 2.000,00 por cada ano de duração do processo até prolação de decisão, num total não inferior a € 40.000,00. O R., na sua contestação, aduz que do processo resulta que os autos não estiveram parados ou sem impulso processual e que a demora apontada não resultou de conduta negligente dos operadores judiciários, nos diversos graus de jurisdição, mas, antes, de um conjunto de circunstâncias estranhas à sua vontade, nem a A. invoca em que termos e condições a conduta culposa dos Tribunais envolvidos e dos seus agentes lhe causou efetivos prejuízos. Aduz que não basta a mera alegação de deficiente e moroso funcionamento da administração da Justiça para que haja obrigação de indemnizar. E que a atuação do R. se regeu pelas normas processuais aplicáveis, de forma a cumprir os deveres a que está adstrito, na defesa dos direitos legalmente consagrados do aqui A., não se detetando a violação objeciva de «disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares» ou a infração de «regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado» de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos, razão pela qual não se verifica o pressuposto de ilicitude. Considera que sempre que os tribunais nas diversas instâncias foram chamados a intervir, fizeram-no de forma mais expedita possível e que o processo em causa teve a tramitação própria prevista na lei, que respeitou as diversas incidências ocorridas. E que, sendo certo que desde o início da ação declarativa até à decisão final na ação executiva terão decorrido cerca de 20 anos e 2 meses, não basta a simples ou mera violação dum prazo previsto na lei para a prática de certo ato judicial, para concluir logo no sentido de que foi violado o direito à justiça em prazo razoável. A respeito da culpa advoga que os factos não a revelam, pois, o período que decorreu entre o início da ação declarativa e a decisão final está justificado e o atraso não decorreu de qualquer atuação censurável dos magistrados judiciais, nem dos funcionários, que acompanharam o standard de produtividade e de diligências médios e pautaram a sua atividade funcional pela diligência exigível. Considerando que os elementos do processo apreciado não revelam que foi por organização deficiente dos serviços que houve o alegado atraso, afastando-se, assim, a “culpa funcional e colectiva dos serviços”. Nega os danos, considerando que os mesmos não se encontram documentados e provados e que, a existirem, derivam apenas da incapacidade da A. saber gerir a sua situação financeira, não sendo atendíveis os danos sofridos pelos administradores e trabalhadores, que não são parte nos autos. Aduz que a A. não alegou factos concretos para alicerçar a peticionada indemnização por danos não patrimoniais e o conceito de gravidade exigido pelo artigo 496.º do CC não se preenche com uma mera alegação conclusiva e abstrata, não havendo lugar a indemnização sem prova dos danos. E que mesmo que se admitisse que a A. sofreu os alegados danos, o montante indicado é exagerado. Adianta que não se encontra provado o nexo de causalidade porquanto foi a incapacidade da A. saber gerir os seus interesses fazendo opções inadequadas a causa determinante dos danos invocados. Vejamos. É pacífico que, por força do artigo 22.º da C.R.P, o Estado é civilmente responsável pelos danos resultantes do mau funcionamento da administração da justiça, incluindo os decorrentes da violação do direito à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável, consagrado no artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 20.º, n.º 4 da CRP. O regime dessa responsabilidade civil é o previsto no Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Publicas, anexo à Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (doravante RRCEEEP), que no seu artigo 12.º estabelece que “Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa”. Nos termos do RRCEEEP, são pressupostos - cumulativos - para a efetivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas na administração da justiça, a existência de um facto ilícito e culposo, que tenha provocado danos e a verificação de um nexo de causalidade entre aquele facto e os danos verificados. O facto é entendido como um ato conteúdo positivo ou negativo, como uma conduta de um órgão ou do seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas. No caso, os factos corresponderão à violação do dever de proferir decisão em prazo razoável no âmbito do processo instaurado pela A., que correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, na sua fase declarativa sob o número 00/00 e na fase executiva sob o número .../...BELSB. Ou seja, o facto corresponde à atividade e sua omissão, do Réu, Estado português, na organização e funcionamento do sistema de justiça, enquanto poder judicial. Exige-se, depois, a ocorrência de uma ilicitude, comportando uma lesão antijurídica que se traduz na violação objetiva de uma norma, princípio jurídico, regras de ordem técnica ou deveres de cuidado, da qual resulte a ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos. Ou seja, depende de um comportamento ativo ou omissivo voluntário do órgão ou agente, no exercício das suas funções e por causa delas. Deste modo, a ilicitude reconduz-se à reprovação da conduta do agente por confronto com o plano geral e abstrato previsto na lei (por contraponto à culpa, que pressupõe uma avaliação da conduta do agente em concreto). No que respeita concretamente à ilicitude, o artigo 9º do RRCEEEP estabelece o seguinte: “(…) 1 – Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos. 2 – Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no nº 3 do artigo 7º”. Este normativo faz apelo a duas componentes de ilicitude: i) a violação objetiva de normas, princípios jurídicos ou regras; ii) ofensa a direitos e interesses legalmente protegidos. E entende-se que o atraso na decisão de processos judiciais é ilícito quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável garantido pelos artigos 20.º, n.º 4, da CRP, 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 2.º, n.º 1 do CPTA, podendo, por isso, ser gerador da responsabilidade civil do Estado. No que respeita à determinação da razoabilidade da duração do processo, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do STA têm entendido «que um processo decorreu para além do “prazo razoável” quando o mesmo foi decidido para além do momento em que, em circunstâncias normais, deveria ter sido decidido e que esse atraso se ficou a dever ao deficiente e culposo funcionamento da “máquina judicial” (em sentido lato)» (Ac. deste TCA Sul de 19.5.2022, proferido no processo 781/20.5BELRA, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/d06a8c0c48cff6958025884b0047d954?OpenDocument). A ponderação sobre a razoabilidade da duração dum processo não deve ser feita em abstrato, mas sim, em conformidade com a jurisprudência emanada do TEDH a respeito do n.º 1 do artigo 6.º da CEDH, “a razoabilidade do prazo deverá ser aferida mediante critérios, como a complexidade do processo, o comportamento do recorrente e das diversas autoridades envolvidas no processo, o modo de tratamento do caso pelas autoridades judiciais e administrativas e as consequências da delonga para as partes, entre outros” (Ac. deste TCA Sul de 28.5.2020, proferido no processo 1225/17.5BESNT, disponível https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/65780bce77cfa2588025857a002c1771?OpenDocument). Tal como se adiantou, entre outros, no Acórdão do STA de 10.9.2014, proferido no processo 090/12 (disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/0/fa9539d374a3b21780257d580052c55f?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1), na “apreciação haverá que considerar todas as coordenadas do caso, como a duração média daquela espécie, a complexidade e ocorrências especiais, os incidentes suscitados, entre outros factores, e que excluir o tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à actuação da parte que pede a indemnização”, entendendo-se que, “[q]uando, considerando o processo na sua globalidade, é manifesto que a sua duração ultrapassou o prazo razoável, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada acto, pois, ainda que assim se considerasse, não se poderia infirmar aquela conclusão, porque o Estado sempre teria que prover à criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização para atingir o objectivo de administrar a justiça em prazo razoável”. Isto é, como se defende no Ac. do STA de 9.10.2018, n.º 0319/08, se analisada na globalidade o tempo de duração da ação e o seu estado, “a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expectativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça.” Refira-se, ainda, que de acordo com a jurisprudência do TEDH, a duração média – que corresponde à duração razoável – de um processo em 1ª. instância é de cerca de 3 anos e a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais (cf. Isabel Celeste Fonseca, in CJA, nº. 72, pags, 45 e 46). E que “para o cômputo desse prazo global releva não apenas a fase declarativa, desde o seu início, mas também a fase de execução judicial, importando apurar, no todo, o tempo em que decorreu até que uma dada pretensão formulada em juízo fosse efectivamente conhecida ou satisfeita” (Ac. deste TCA Sul de 9.5.2019, proferido no processo 2093/16.0BELSB, consultável em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/69c694d6281ef26b802583f6003a4584?OpenDocument). Feito este enquadramento importa considerar que a ação, tramitada na sua fase declarativa sob o número 00/00, foi instaurada em 17.1.2001, estando ali em causa uma ação sobre contratos e sobre responsabilidade das partes pelo seu incumprimento, tramitada, então, à luz dos artigos 71.º e 72.º da LPTA, que remetiam para o processo civil de declaração na sua forma ordinária (artigo 71.º, n.º 1 da LPTA), em que a A., aqui Recorrente, na qualidade de empreiteira demandava o réu, dono da obra (Hospital de Santa Marta), invocando como causa de pedir o contrato de empreitada de obra pública que celebrou com o réu e que rescindiu alegadamente por culpa exclusiva do dono da obra - «supressão de trabalhos» ditada pelo dono da obra, «suspensões parciais da obra» motivada por alterações ao projeto introduzidas pelo dono da obra, «falta de satisfação das indemnizações reclamadas» por si junto do dono da obra em consequência daquelas suspensões, e «demora na entrega de elementos técnicos» imputável ao dono da obra -, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe várias quantias líquidas, e os respetivos juros, relativas a trabalhos contratuais e extra-contratuais não liquidados, a danos emergentes por imobilização do seu estaleiro, equipamento e pessoal, por dívidas a fornecedores e por despesas com a manutenção de «garantias bancárias», a lucros cessantes, a contratos de aluguer de equipamento e a danos não patrimoniais e, bem assim, a libertação das garantias bancárias retidas (factos A. , PP. e QQ.). Verifica-se que o ali réu apresentou contestação em 23.2.2001, na qual deduziu reconvenção peticionando a condenação da empreiteira, reconvinda, no pagamento de várias quantias líquidas, relativas a adiantamentos que lhe foram feitos e não reembolsados, à diferença correspondente à supressão de trabalhos, ao acréscimo de despesas com fiscalização, e à indemnização de prejuízos patrimoniais e não patrimoniais (factos B. e QQ.), de que resultou a apresentação de réplica pela autora em 17.4.2001 e de tréplica pelo réu em 4.5.2001 [factos C) e D)]. A realização da audiência preliminar ocorreu cerca de 9 meses após os articulados, em 27.2.2002, iniciando-se o julgamento, mais de 3 anos depois, em 6.6.2005, com a duração de 5 sessões de julgamento até 28.11.2005 (factos E., G., J., L., M. e N.), com a resposta aos quesitos a dar-se em 12.12.2005 e apresentadas alegações de direito em 4.1.2006 (factos O. e P.). A sentença, todavia, só foi proferida, mais de dois anos após as alegações, em 17.6.2008 (facto S.), notando-se que a 30.11.2006 houve lugar à renúncia do mandato do advogado da A., que apenas constitui novo mandatário em 28.9.2007 (factos Q. e R.). Nessa sentença, além do mais, condenou-se o R. Nos autos houve, ainda, em 6.6.2005, lugar a recurso da decisão que julgou materialmente competente o Tribunal para a apreciação do pedido reconvencional, o qual foi admitido em 14.6.2005, alegando a autora em 6.7.2005, e veio a subir ao Supremo Tribunal Administrativo em 28.5.2015 e, por aquele Tribunal foi decidido, negando provimento, em 29.10.2015 (factos H., I., K., NN., OO. e PP.). Apresentando a A. em 2.7.2008 requerimento de recurso da sentença e solicitando os suportes de gravação da mesma (factos T. e U), estas apenas lhe foram entregues em parte em 17.4.2009 e, perante a informação da secretaria do desaparecimento da correspondente à sessão de julgamento de 27.6.2006 (factos Y, Z e AA), a autora requereu, em 4.5.2009 e 6.5.2009, a anulação do julgamento com a consequente repetição do mesmo. Após renúncia da mandatária do R. em 11.9.2009, mais de 3 anos depois com o processo sem qualquer tramitação, em 9.12.2012 foi proferido despacho, o qual declarou a instância interrompida (factos BB. e CC.). Tão só em 16.9.2013 o Tribunal ordenou a realização de diligências para localizar as cassetes desaparecidas, as quais se localizaram em 14.10.2013, vindo a A. a requerer a sua confiança em 7.11.2013 e a solicitar o reinício do prazo de recurso em 8.11.2013 (factos DD a GG). Realizada diligência de partes em 26.11.2013, na sequência de despacho de 12.11.2013, foi concedido um prazo de suspensão da instância e determinado o reinício do prazo de recurso. Sendo que, entregues as cassetes em 4.12.2013, as alegações de recurso foram apresentadas em 28.1.2014 (factos JJ e KK). Mas, apenas em 9.7.2014, o Tribunal ordenou a subida do recurso da sentença ao STA, o qual veio a proferir decisão, aproximadamente 1 ano e 10 meses depois, em 12.5.2016 (facto QQ). Refira-se que desse Acórdão do STA, de 12.5.2016, consta da sua fundamentação que, no que respeita ao segmento da decisão recorrida que condenou a autora/recorrente a pagar à Ré o valor das 5.177.493$00 (IVA incluído) acrescido de juros, a título de danos emergentes por dívidas a fornecedores, foi decidido que assistia razão à recorrente, pelo que a mesma não teria de pagar esta quantia à Ré/recorrida, antes o devia receber da mesma Ré, concedendo-se parcial provimento ao recurso interposto pela autora/recorrente e, consequentemente, revogada nessa parte a decisão recorrida. Contudo, no segmento decisório apenas se consignou que “concede-se parcial provimento ao recurso interposto pela recorrente, e consequentemente revoga-se a decisão recorrida no que concerne à condenação da autora/recorrente no pagamento das importâncias supra referidas, mantendo o mais decidido na decisão recorrida”, ou seja, não se procedeu à condenação da Ré ao pagamento daquela quantia à Autora/recorrente tal como peticionado (factos PP e YY). A A., em 29.9.2016, instaurou contra o Hospital de Santa Marta o processo de execução visando o pagamento da dívida de € 119.066,95, juros vencidos no valor de € 172.817,78 e juros vincendos, resultantes da condenação decorrente do Acórdão do STA de 12.5.2016 (facto SS). A sentença da fase de execução foi proferida em 12.11.2018, dela interpondo recurso a A. em 1.2.2019. O despacho de admissão foi proferido em 24.6.2019 e proferida decisão sumária no recurso em 14.11.2019 (factos TT a UU). Em 14.9.2020 a A. requereu a retificação do Acórdão do STA de 12.5.2016 por erro material no segmento decisório, vindo a ser proferido Acórdão em 11.3.2021. Como resulta do exposto, entre a instauração da ação (em 17.1.2001) e o termo, com a prolação do Acórdão de retificação (em 11.3.2021), o processo, nas suas fases declarativa e executiva, teve a duração global de 20 anos, 1 mês e 23 dias, revelando-se atrasos significativos na sua tramitação. Duração essa que, num juízo de evidência e sem margem para dúvidas, se apresenta como patentemente desrazoável e inaceitável, à luz dos critérios do homem comum e das suas expectativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça. Isto é, não estamos perante uma situação em que não é ostensivo que a duração do processo tenha ou não ultrapassado o prazo razoável e em que, portanto, desempenha um papel relevante o critério analítico do cumprimento ou não dos prazos processuais, nem tão pouco em que seja indubitável que a duração do processo se considera razoável, hipótese em que não interessa averiguar se num caso ou noutro houve atraso. A situação dos autos revela com clareza e segurança que a duração do processo ultrapassou o que se se deve considerar um “prazo razoável”, nos termos em que o art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o art.º 20º, n.º 1 da CRP consagram. Na determinação desse prazo razoável são de atender, como demos nota, aos standards assinalados como um tempo razoável e que para a tramitação de uma ação declarativa em 1.ª instância correspondem ao período de 3 anos, sendo que a duração média de todo o processo deve corresponder a um período que vai de 4 a 6 anos. No caso dos autos assinala-se, é certo, a complexidade que revestiam as matérias tratadas, não por clamarem pela aplicação de um quadro legal difícil ou complexo, mas porque, na dimensão do apuramento de responsabilidade contratual na execução de uma empreitada de obra pública e do seu equilíbrio económico financeiro, numa ação de duas frentes, face ao pedido reconvencional, a produção e avaliação da prova assumem dificuldade, de resto revelada pelo número de sessões de julgamento que se realizaram. Não se encontra, contudo, demonstrado que o litígio tenha revestido particular importância à atividade (empreiteira) desenvolvida pela A., designadamente como fora alegado detendo aptidão a determinar a rutura na gestão da empresa ou de gerar acrescida preocupação aos responsáveis e trabalhadores da A.. Daí que tal importância não passará daquela que, em situações semelhantes, representam para as empresas do setor das empreitadas de obra públicas os litígios com o dono de obra respeitantes à execução contratual. Ora, não obstante a sua delonga, não se verifica que, no essencial, o comportamento processual das partes tenha contribuído para aquela. Houve lugar a recursos, da decisão que julgou materialmente competente o Tribunal e, bem assim, das sentenças proferidas nas fases declarativa e executiva, mas “segundo a jurisprudência deste STA e do TEDH [5 Cf. citados acórdãos do STA de 01.03.2011, rec. 336/10 e de 09.10.2008,: rec. 319/08 e jurisprudência do TEDH neles citada (Acórdãos Bucholz, A 42, p.21, §63, Zimmermann e Steines, A 66, p. 29§29 e caso Pulido Garcia, Queixa n° 11499/ 85, Déc. Rap, 68, p.5.), o facto de as partes utilizarem os meios processuais que a lei interna lhes permite, não pode relevar como comportamento censurável a atender para efeitos de excluir a responsabilidade do Estado pela duração de um processo para além do prazo razoável, a não ser que deles façam um uso abusivo ou pré-determinado a atrasar o processo” (Ac. do TCA Sul de 14.6.2018, proferido no processo 684/04.0BELRA, https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/b1dea22c4aed05f1802582bb0051ae5a?OpenDocument). O que se constata é que o fator determinante do atraso não foram vicissitudes complicadas ou pesadas, mas sim, longos períodos de paragem do processo decorridos na sua tramitação, designadamente entre o fim dos articulados e a realização da audiência prévia (9 meses), o início do julgamento (3 anos), a prolação da sentença (2 anos após as alegações), do requerimento de recurso e pedido dos suportes da gravação até ao momento em que o Tribunal ordena a sua localização (5 anos), possibilitando a apresentação das alegações, da apresentação do recurso à sua subida ao tribunal superior (6 meses), o período para a decisão do recurso (1 ano e 10 meses), à duração de 3 anos do processo executivo. Sendo que no recurso em separado decorreu um período de cerca de 10 anos entre as alegações e a sua subida ao STA, e consequente decisão. A tal respeito, note-se que o TEDH tem considerado que a existência de longos períodos durante os quais o processo não seja tramitado, sem qualquer justificação para o efeito, não é aceitável, para efeitos da razoabilidade da duração do processo (§ 33 do acórdão proferido em 24/11/1994, Proc. n.º 15287/89, BEAUMARTIN v. FRANCE, in http://hudoc.echr.coe.int/eng). Neste contexto, reputando-se, face aos elementos supra referidos, como prazo razoável os 6 anos para a duração global do processo, ocorre o requisito ilicitude, no caso, por o tempo de tramitação do processo, nas suas fases declarativa e executiva, ter demorado 20 anos, 10 meses e 23 dias, quando deveria ter demorado um máximo de 6 anos. E o mesmo é dizer que a A. demonstrou, claramente, a violação do seu direito a obter uma decisão judicial definitiva em prazo razoável, conforme este se mostra consagrado no art.º 20º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa e art.º 6º, § 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a revelar a ilicitude da conduta do R. No que respeita à culpa, como se escreveu no Ac. do TCA Sul de 30.1.2020, proferido no processo 52717.4BELRA, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/7e634d04dd26ee268025850700326211?OpenDocument) “Quanto à culpa, é entendida enquanto um juízo subjectivo ou de censurabilidade, que liga o facto ao agente, por ter praticado a própria conduta ilícita ou por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer e adoptar. Por aplicação dos art.ºs. 10.º, n.º 1, e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12, a culpa é apreciada pela diligência que é exigível, em abstracto, a um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor em face do circunstancialismo próprio do caso concreto. Estando em causa uma responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjectivada, a culpa personalizável no próprio autor do acto, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado. Considera-se, pois, que da circunstância dos serviços de justiça não funcionarem de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, decorre a indicada culpa, que aqui é apreciada enquanto uma culpa anónima ou de serviço (cf. art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12). Por aplicação do art.º 10.º, n.º 2, da Lei n.º 67/2007, de 31-12, há aqui uma inversão da regra geral do ónus da prova prevista no art.º 344.º, n.º 1, do CC, presumindo-se a culpa, salvo prova em contrário (cf. art.º 350.º, n.º 2, do CC).” Isto posto, aplicando-se aqui a presunção de culpa do art. 10.º, n.º 2 do RRCEEEP, cabe ao autor da lesão a prova principal de que não teve qualquer culpa na ocorrência geradora dos danos, bem como a de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias, adequadas a evitar o facto, ou de que este se deveu a caso fortuito ou de força maior só por si determinante do evento danoso. Considerando o que supra se indicou a respeito do prazo in casu razoável, temos que o atraso corresponde ao período posterior aos 6 anos em que a duração do processo é considerada razoável e até à data do Acórdão de retificação, entre 18.1.2007 e 11.3.2021 (14 anos, 3 meses e 22 dias). E quanto a este, o Estado Português nada demonstrou relativamente às razões a ele subjacentes, limitando-se a alegar que os seus agentes atuaram em concordância com as normas processuais aplicáveis, não tendo o atraso decorrido de qualquer atuação censurável dos magistrados judiciais, nem dos funcionários, que acompanharam o standard de produtividade e de diligências médios e pautaram a sua atividade funcional pela diligência exigível. E que os elementos do processo apreciado não revelariam a organização deficiente dos serviços. Mas a tal respeito nada provou. Isto é, nesse conspecto, não ilidiu a presunção de culpa que sobre si recaía. Daí que se mostre inegável a existência de uma culpa de serviço, que revela que a administração da justiça não funcionou de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, desde logo porque não conseguiu efetivar num tempo mais curto e portanto mais razoável a justiça devida e, consequentemente, porque não se prolatou a decisão com maior prontidão (cf. art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12). Analisaremos, seguidamente, e pela sua ligação intrínseca o preenchimento dos pressupostos do dano e do nexo causalidade entre o facto e o dano. Como se sabe, «[p]ara haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém» (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, Coimbra, 1986, p. 557). Os danos tanto podem ser patrimoniais como morais. «Alude-se ao dano patrimonial ou material para abranger os prejuízos que, sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão directamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão) pelo menos indirectamente (por meio de equivalente ou indemnização pecuniária). Ao lado destes danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética), que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização» (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, Coimbra, 1986, p. 561). O critério da indemnização é o da restauração natural, sendo a indemnização em dinheiro apenas atribuível quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa (art.º 3.º, n.º 2, RRCEEEP). Nos casos em que não possa ser averiguado o valor exato dos danos (em função do critério da teoria da diferença), o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – cfr. nº 3 do art. 566.º do mesmo Código -, funcionando, por conseguinte, em sede de danos patrimoniais, a equidade como critério residual, apenas para o caso de não ter sido possível averiguar o valor exato dos danos – cfr. Ac. STJ de 19/02/2004, Proc. n.º 03B4271, in base de dados do ITIJ. Importa, ainda, considerar que no âmbito destas ações de efetivação de responsabilidade civil por atraso na justiça, se considera que “[o] atraso da justiça consubstancia, portanto, um dano não patrimonial pelo atraso, pelo mau funcionamento do serviço que não proferiu a decisão judicial em prazo adequado. O dano resulta do atraso em si mesmo e não de um prejuízo patrimonial, efectivo ou potencial, que possa ser imputado a esse atraso; neste segundo caso estamos antes perante um dano autónomo, que carece de prova, não só da prova dos prejuízos sofridos, mas também do nexo de causalidade entre o atraso e a produção desses prejuízos. Já o dano moral pelo atraso, que resulta (objectivamente) do funcionamento anormal do serviço de justiça [acórdão do STA de 22.06.2023 (proc. 02168/16.5BELSB)] é presumido, assim como o respectivo nexo de causalidade”. (Ac. do STA de 18.12.2024, proferido no processo 01888/19.7BEPRT, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/59e1a7ba3b62213480258c070042eeed?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1). Sem prejuízo, “a presunção de danos morais é ilidível, podendo o julgador concluir que a sua verificação não resultou provada” Ac. do STA de 4.6.2020, proferido no processo 01510/13.5BEPRT 01389/17), disponível em (https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/88fb648d329ee0fc8025857e00468f6f?OpenDocument). A este respeito escreveu-se no Ac. TCA Sul de 14.6.2018, proferido no proc. 931/16.6BELSB (disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/e5d2dd5721e74a8c802582be00481515?OpenDocument), “No que concerne ao pressuposto dano, corresponderá à lesão ou ao prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial produzido na esfera jurídica de terceiros, decorrente da demora na tramitação do processo, ou na decisão, ou na adopção tempestiva procedimentos cautelares e de medidas provisórias que tenha sido oportunamente requeridas para se acautelar direito. […] Por via da jurisprudência do TEDH tem sido igualmente entendido que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, não sendo necessário ao A. alegar e provar esses mesmos danos. Será um dano comum, que se apura de acordo com as regras da vida, inerente a todas as pessoas (singulares) que são vítimas de um atraso na justiça. Logo, a alegação e prova só nestas acções só serão exigíveis nos casos em que os danos excedam os normalmente produzidos nestas situações (cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.ºs 62361, de 29-03-2006, Riccardi Pizzati c. Itália ou 50262/99, de 22-06-2004, C. Bartl c. República Checa). […] Tal presunção da existência de danos não patrimoniais é, no entanto, ilidível, aceitando-se que haja casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até nenhum dano moral (cf. art.ºs 346.º e 351.º do CC). Quanto ao montante do dano não patrimonial, regem os art.ºs. 496.º, nº 3 e 494.º do CC, quando indicam que o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso, como o grau de culpabilidade do agente (cf. também art.º 41.º da CEDH). Ainda aqui, há igualmente que atender à jurisprudência do TEDH, que tem exigido que a indemnização a atribuir pelo juiz nacional seja razoável e em montante idêntico aos atribuídos por aquele TEDH para casos semelhantes. Para aferir os casos semelhantes o TEDH compara os números de anos, o número de jurisdições em que os casos correram, a importância dos interesses em jogo, o comportamento das partes e considera as situações para um mesmo país (c. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.º 36813/97, de 29-03-2006, Scordino c. Itália, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália). Ou seja, para aferir do quantum da indemnização a arbitrar nos processos de indemnização decorrentes de atraso na decisão de processo judicial deve considerar-se os padrões fixados, quer na jurisprudência nacional, quer do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Sobre o assunto, indicando os vários montantes para os casos “semelhantes”, pronunciou-se detalhadamente o STA no Ac. n.º 01004/16, de 11-05-2017, ali se referindo o seguinte: ”quanto aos montantes que concretamente têm sido fixados pelo «TEDH» no quadro de petições dirigidas contra o Estado Português, aqui também R., invocando a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, ressaltam, nomeadamente, as condenações de: - 4.000,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 27.10.2009, no c. «Ferreira Araújo do Vale», §§ 22, 24 e 27 - relativo ao atraso verificado em ação (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 04 anos e 09 meses para uma só instância]; - de 3.500,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 13.04.2010, no c. «Ferreira Alves n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em ação de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 07 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição]; - de 28.000,00 € [para um A.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 43.000,00 € do que foi o montante arbitrado ao mesmo na ação indemnizatória interna] e de 11.000,00 € [para outros dois AA.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 21.000,00 € do que foi o montante arbitrado aos mesmos na ação indemnizatória interna] [no Ac. daquele Tribunal de 12.04.2011, no c. «Domingues Loureiro e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em ação cível (acidente de viação) e na ação indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 06 meses e 19 dias, numa só instância]; - de 1.200,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 20.09.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em ação cível para cobrança de dívida que durou 08 anos, 08 meses e 12 dias para três instâncias percorridas]; - de 7.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.10.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 06 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 05 meses e 01 dia para duas instâncias, e 09 anos e 14 dias para quatro instâncias]; - de 16.400,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 31.05.2012, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira n.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e ação para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 05 meses e 03 dias, para três instâncias, e 04 anos, 03 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de 14.400,00 € (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na ação falimentar) e duma segunda de 2.000,00€ (relativa aos danos pelo atraso na outra ação)]; - de 5.000,00 € [para uns requerentes] e de 4.800,00 € [para outros requerentes] [no Ac. daquele Tribunal de 16.04.2013, no c. «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e ação para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 01 mês e 01 dia, para três instâncias, 18 anos, 04 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 03 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 05 meses e 12 dias numa só instância]; - de 15.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 30.10.2014, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 09 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - 5.200,00 €]; - de 3.750,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.06.2015, no c. «Liga Portuguesa de Futebol Profissional», §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em ação laboral que durou 09 anos e 07 meses, para três instâncias]; - de 11.830,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 29.10.2015, no c. «Valada Matos das Neves», §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em ação de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 09 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição]. LIII. Já no plano interno e quanto aos litígios que concretamente têm sido julgados por este Supremo e os montantes fixados nas condenações do Estado Português por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável resulta, nomeadamente, o seguinte: - 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 28.11.2007 (Proc. n.º 0308/07) - relativo ao atraso verificado em ação cível (despejo), que intentada em 18.01.1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias]; - 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 09.10.2008 (Proc. n.º 0319/08) - relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias]; - 10.000,00 € [no Ac. do STA de 09.07.2009 (Proc. n.º 0365/09) - relativo ao atraso verificado em ação cível (acidente de viação) intentada em 15.07.1983 e que perdurou até 30.10.2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância]; - 10.000,00 € [para um A.] e 5.000,00 € [para cada um dos dois outros AA.] [no Ac. do STA de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) - relativo ao atraso verificado em ação cível (inventário facultativo instaurado em 13.12.1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias]; - 3.550,00 € [para um A.] e 1.500,00 € [para o outro A.] [no Ac. do STA de 15.05.2013 (Proc. n.º 01229/12) - relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19.02.2003 só foram julgados em 18.10.2006, isto é, cerca de 03 anos e 08 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância]; - 4.000,00 € [no Ac. do STA de 14.04.2016 (Proc. n.º 01635/15) - relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07.07.1999 e concluído em 18.01.2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 04 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a A. interveio, após ter atingido a maioridade]; - 4.800,00 € [para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 30.03.2017 (Proc. n.º 0488/16) - relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30.04.2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na ação indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»]. Mais se refira, que atendendo à jurisprudência do TEDH, vão sendo apontados a título meramente indicativo os valores que oscilam entre 1.000,00€ e 1.500,00€ por cada ano de demora do processo – cf. neste sentido os Acs do TEDH n.ºs 65102/01, de 29-03-2006, Mostacciuolo v. Italy (n.º 2), 65075/01, de 29-03-2006, Giuseppina and Orestina Procaccini c. Italy, 64886/01, de 29-03-2006, Cocchiarella c. Italy, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália. Assim apontando Fonseca, Isabel Celeste - “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08”, in CJA, Braga, Cejur, n.º 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46; Ac. do STA n.º 07472/11, de 12-05-2011.” E quanto ao pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano, aplica-se aqui, tal como para os demais casos da responsabilidade do Estado pelo ilícito, a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, tal como vem formulada no art.º 563.º do CC, preceito segundo o qual a “obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Ou seja, só ocorre este nexo quando os danos, em abstrato, são consequência apropriada do facto. Igualmente, se para a produção do dano a condição é de todo indiferente ou só se tornou condição em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, essa condição não será causa adequada do dano que se alega. Evidenciando-se que “cumpre ao autor, para o efeito de preenchimento do necessário nexo causal, alegar e provar que a duração excessiva do processo foi causa adequada da verificação de danos patrimoniais” (Ac. do STA de 4.6.2020, proferido no processo 01510/13.5BEPRT, disponível em (https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/88fb648d329ee0fc8025857e00468f6f?OpenDocument). Isto posto, do probatório nada resulta provado quanto aos danos alegados pela A., pelo que apenas há que considerar que, “de acordo com a jurisprudência reiterada deste STA, a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável (o não cumprimento dos standards de duração razoável de um processo) consubstancia um facto ilícito e culposo (i. e., o funcionamento anormal do serviço, conforme os artigos 7.º, n.ºs 3 e 4, e 9.º, n.º 2, ambos do RCEEP), que opera a favor do A. A presunção natural (nexo de causalidade) da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial (dano), (ou seja, um dano sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não vêem as suas pretensões resolvidas por um acto final do processo em tempo razoável)” (Ac. do STA de 18.12.2024, proferido no processo 18.12.2024, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/59e1a7ba3b62213480258c070042eeed?OpenDocument&ExpandSection=1). Assim, dado que o período temporal a considerar será o correspondente ao atraso, ou seja, os referenciados 14 anos, 1 mês e 22 dias, atendendo a que não se mostra provado que o litígio tenha revestido particular e especial relevância à esfera jurídica e patrimonial da A., mas não podendo deixar de se relevar a amplitude temporal do atraso, considera-se equitativo fixar em € 1.200,00 por ano, num total de € 16.800,00, a indemnização devida à A. a título de danos não patrimoniais. A tal quantia acrescem juros de mora, à taxa legal dos juros civis, desde a citação até efetivo e integral pagamento no regime dos artigos 805.º n.º 2 b) e 806.º do Código Civil. 4.3. Da condenação em custas Vencido, é o R./Recorrido condenado nas custas do recurso. A A./Recorrente e o R./Recorrido são condenados nas custas da ação na proporção do respetivo decaimento que se computa, respetivamente, em 58% e 42%. (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA). 5. Decisão Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em, a. Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida; b. Em substituição, julgar a ação parcialmente procedente, condenando-se o R./Recorrido, Estado Português, a pagar à A./Recorrente a quantia de € 16.800,00, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento; c. Condenar o Recorrido nas custas do recurso; d. Condenar a A./Recorrente e o R./Recorrido nas custas da ação na proporção do respetivo decaimento que se computa, respetivamente, em 58% e 42%. Mara de Magalhães Silveira Marta Cavaleira Alda Nunes |