Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:237/16.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/02/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:NACIONALIDADE;
NATURALIZAÇÃO;
LEI N.º 2/2018, DE 05/07;
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO;
LEI NOVA;
APLICAÇÃO IMEDIATA;
CONDENAÇÃO PENAL;
SUPERVENIÊNCIA PROCEDIMENTAL E PROCESSUAL;
INSTITUTO DA REABILITAÇÃO LEGAL OU DE DIREITO;
CUSTAS.
Sumário:I - O requisito contido na al. d) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, relativo à aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, deve ser conjugado com o instituto da reabilitação legal ou de direito;
II – Frente a um pedido condenatório, para que seja o IRN condenado a deferir o pedido de nacionalidade, por naturalização, cumpre ao juiz do processo tomar em consideração as superveniências fácticas e de Direito ocorridas até ao momento da sentença;
III – Neste caso, há que aplicar a lei nova, pois a relação jurídica conducente à aquisição da nacionalidade, apesar de iniciada no domínio da lei antiga, prolongou-se para o domínio da lei nova, mantendo-se por constituir. Por seu turno, no que concerne ao facto relativo à condenação penal e ao seu (“não) registo e correspondentes efeitos, também ainda não se esgotaram no tempo, pois a pretensão do A. e Recorrido mantém-se pendente da apreciação que ainda possa ser feita pelo Tribunal;
IV – A redacção do art.º 6.º, n.º 1, al. d), da LN, anterior à introduzida pela Lei n.º 2/2018, de 05/07, comportava sentidos controversos, havendo uma parte minoritária da jurisprudência que apontava como relevante a pena concretamente aplicada e outra parte – maioritária – que apontava para o relevo da moldura penal abstractamente aplicada;
V- Assim, por via da alteração introduzida ao art.º 6.º, n.º 1, al. d) e n.º 10, da LN, pela Lei n.º 2/2018, de 05/07, o legislador terá querido clarificar a dita norma, arredando interpretação que se estava a fazer. O legislador, o Estado Português, terá querido clarificar e renovar a sua vontade de conferir o estatuto de cidadão nacional, por naturalização, a quem o requeresse e preenchesse os requisitos ali indicados, reportando-se a não condenação a pena de prisão igual ou superior a 3 anos e correspondente prova àquela que devesse constar nos certificados de registo criminal;
VI - Portanto, o legislador terá querido que a lei nova se aplicasse de imediato, nomeadamente aos processos pendentes, porque estava em causa um estatuto pessoal, que não divergia verdadeiramente do anteriormente consagrado;
VII - Razões de segurança e igualdade jurídica também determinam que a lei nova se aplique, desde logo, a todas as situações jurídicas iguais ou da mesma natureza, num mesmo momento temporal;
VIII – As superveniências procedimentais e processuais decorrentes da reabilitação do A. da acção e da alteração legal não poderiam ser consideradas na decisão da administração, que, por isso, não sofre de nenhuma ilegalidade intrínseca;
IX – Porém, não se pode manter na ordem jurídica uma decisão administrativa que vai contrariar os efeitos de caso julgado que resultarão da sentença condenatória. Nessa mesma medida, tal decisão tem de ser anulada;
X- A existência das superveniências, que conduzem à sentença condenatória, tem também reflexos em sede de custas, determinando que as custas do processo em 1.ª instância sejam imputadas ao A. e não ao R., pois foi aquele que deu origem ao processo e dele tirou proveito, sendo que o R. não praticou qualquer acto ilícito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

O Instituto dos Registos e Notariado (IRN) vem apresentar recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou procedente a acção interposta por E................... e condenou o IRN a deferir o pedido de concessão de nacionalidade portuguesa, por naturalização, formulado por aquele.

Inconformado com a decisão a Recorrente, o IRN, apresentou as suas alegações, onde formulou as seguintes conclusões: “I - A legalidade dos atos administrativos deve ser apreciada por referência ao quadro legal e factual em vigor à data da sua prática, devendo o preenchimento dos requisitos legais ser aferido à data da decisão do pedido e nem na data da entrada do pedido, ou na da sua decisão o pressuposto existia.
II – Como princípio a Lei não é retroativa, mas o legislador pode, a título excecional, elaborar e publicar leis retroativas, se o entender necessário, salvo em três matérias sensíveis em relação às quais a Constituição da Republica Portuguesa (CRP) proíbe explicitamente a retroatividade das leis: “restrição de direitos, liberdades e garantias” (artigo 18.º, n.º 2); “criação de novos tipos de crimes, ou de medidas de segurança, e agravamento de penas ou medidas de segurança pré-existentes” (artigo 29º); “criação ou agravamento de impostos” (artigo 103.º, nº 3);
III – Quando o legislador ordinário, fora das três áreas constitucionalmente proibidas, fizer alguma lei a que decida conferir eficácia retroativa, ou efeito retroativo e, se os termos e modalidades dessa retroactividade não forem por ele clara e detalhadamente estabelecidos, o Código Civil (CC), nos seus artigos 12º e 13º regula supletivamente a matéria, ou seja,
IV – A lei só dispõe para o futuro e ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular e quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos – (artigo 12º, nº 1 CC);
V - A chamada lei interpretativa é lei nova e, como tal, só se aplica aos casos não decididos, sob o pálio da lei interpretada, pelo que o princípio da irretroatividade das leis, enquanto opção do poder constituinte, em sistemas como o nosso, inibe a eficácia retro operante atribuída à chamada interpretação autêntica do legislador ordinário – (artigo 13º do CC)
VI. A sentença recorrida, sanciona uma flagrante violação dos princípios constitucionais da universalidade, da segurança e da igualdade (artigos 2º e 13º da CRP);
VII. A Conservatória dos Registos Centrais, ao indeferir no tempo, o pedido de naturalização do ora recorrido, interpretou corretamente a alínea d) do n.º 1 do art.º 6º da LN, pois era a medida abstrata da pena, segundo a lei portuguesa, como pressuposto fundamental para determinar quem podia ou não adquirir a nacionalidade portuguesa, sendo desde logo, um elemento perfeitamente objetivo e encontra pleno acolhimento quer na letra quer no espírito da lei que vigorava ao tempo e por isso não foi declarada inconstitucional e o requerente, agora autor, não se encontrava reabilitado, nem legal, nem judicialmente;
VIII - Não se vislumbrou, por essa razão, qualquer vício de violação de lei que afetasse a validade da decisão impugnada, também, porque na data da DECISÃO ADIMINISTRATIVA, continuava a constar o crime e a pena, pelo qual foi condenado no certificado do registo criminal, probatório na qualificação.
Devendo,
IX. - Ser revogada a douta sentença recorrida; e,
XI - Integralmente mantida a decisão que indeferiu a naturalização requerida.”

O Recorrido não contra-alegou.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantém:
A) – O Autor, E..................., nasceu na República Democrática de São Tomé e Príncipe, no dia 28.05.1979, e é filho de J................... e de J.................... – Cfr. fls. 17-18 do suporte electrónico dos autos e fls. 6-7 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B) – O Autor reside legalmente em Portugal, desde 25.08.2008. – Cfr. fls. 50 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
C) – Em 10.05.2013, foi proferida sentença, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Almada, no processo sumário n.º 287/13.9GEALM, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte:
“I-Relatório:
Em processo sumário, o Ministério Público requereu o julgamento de:
E..................., solteiro, motorista, nascido em 28.05,1979, filho de J................... e de J..................., natural de Conceição, São Tomé, Santomense, residente na Rua………., n.º ….., 2.º Esq., Amora,
Pela prática, como autor material, na prática um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p.p. pelos artigos 69.º, n.º 1, al. a) e 291.º n.º 1 al. b) do Código Penal, por referência aos artigo 93.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. f), i) do Código da Estrada, nos termos e pelos factos constantes da acusação de fls. 21 e ss. dos autos e cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os eleitos legais.
(…) Mostram-se assim preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime em discussão, por referência aos artigos 93.°, n.º 1, 145.º, n.º 1, alíneas f) e i) do Código da Estrada.
IV - Determinação da medida concreta da pena:
Aqui chegados, urge proceder à determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido pela prática dos crimes assinalados.
Já foi referido supra, em sede de enquadramento jurídico-penal, a moldura penal abstracta do crime em apreço.
Assim, atendendo aos critérios do art. 70.º conjugado com o art. 40.º, ambos do C.P. considera-se que, in casu, se deve dar preferência à pena de multa por a mesma se mostrar suficiente e adequada à realização das finalidades da punição.
Nesta medida, e atendendo agora ao preceituado no art. 71.º, n.º 1 ex vi do art. 47.º, n.º 1 do CP, diremos que a determinação da medida da pena deverá fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de legal de crime, deponham a favor ou contra o agente.
Assim há que ponderar o conjunto de circunstâncias internas e externas relacionadas com os acontecimentos, nomeadamente a motivação da conduta típica do arguido, o modo de execução e o meio de actuação do mesmo - colocando em perigo diversos bens jurídicos - que revela uma perigosidade na medida em que demonstra uma certa indiferença para o resultado da sua conduta.
A natureza de tal ilícito reveste-se de particular gravidade, atendendo à alta sinistralidade rodoviária que afecta o país, revestindo-se como tal de especial relevância as finalidades da prevenção geral em relação a tais tipos de crimes muitas vezes geradores de acidentes de viação (neste caso com quase um embate e um atropelamento).
O arguido agiu com dolo directo, pois apesar de ter consciência de não estar legalmente habilitado, voluntária e conscientemente, tomou a direcção e conduziu o veículo em causa.
Aplicando agora os princípios sumariamente expostos ao caso em apreço, salienta-se
que:
- a gravidade objectiva dos factos decorre, primeiramente, do valor do bem jurídico, a segurança rodoviária, cujas circunstâncias apuradas poderiam ter consequências muito graves, face à distância percorrida, a condução verificada
- não existem antecedentes criminais
- o arguido mostra-se inserido em sociedade
Entende-se que, no caso em apreço e relativamente ao crime praticado pelo arguido, verificados os condicionalismos dos factos e as suas consequências, que foram de gravidade acentuada, ainda assim, se afigura adequado e suficiente a aplicação de uma pena de multa, mas junta aos seu patamares médios.
Assim, para o crime de condução perigosa, a pena de 180 (cento e oitenta) dias.
Afigura-se-nos ainda, atenta a situação económica do arguido, que se conseguiu apurar, aplicar a razão diária de € 6,00 (tendo em conta a alteração ao art.º 47.º n.º 2 do Código Penal introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro), o que perfaz o montante de €1.080,00 (mil e oitenta euros), ou na pena de prisão subsidiária de 120 (cento e vinte) dias.
O arguido deverá ser igualmente condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados nos termos do art.º 69.º n.º 1, alínea a) do Código Penal. Atentas as razões anteriormente referidas para a aplicação da pena de multa, julgo adequado aplicar a proibição de conduzir pelo período de 6 (seis) meses.
(…) V - Dispositivo:
Pelo exposto, julgando procedente por provada a acusação, e em consequência:
• Condeno o arguido, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo art.º 291 nº 1 alínea b) do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 6,00, o que perfaz o montante de € 1.080,00 (mil c oitenta euros), ou na pena de prisão subsidiária de 120 (cento c vinte) dias.
• Mais vai o arguido condenado nos termos do art.º 69.º n.º 1 alínea a) do Código Penal na inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses.”
– Cfr. fls. 54-63 do suporte electrónico dos autos;
D) – Em 12.11.2014, foi recebido, na Conservatória de Registos Centrais, o requerimento, subscrito por mandatária constituída pelo Autor, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte:


«IMAGENS NO ORIGINAL»



E) – Com o requerimento identificado na alínea anterior foram recebidos, os documentos constantes a fls. 6 a 14 do Processo Administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
F) – Em 17.02.2015, foi emitido, pela Direcção-Geral da Administração da Justiça, o certificado de registo criminal de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte:

«IMAGEM NO ORIGINAL»


G) – Em 02.06.2015, foi emitido, na Conservatória dos Registos Centrais, o instrumento intitulado “PARECER” de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte: “1- E..................., devidamente identificado no presente processo, veio requerer que lhe fosse concedida a nacionalidade portuguesa, por naturalização, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, na redacção introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril (LN).
2 - O requerimento contém todos os elementos previstos no nº 4 do artigo 18º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro (RN), encontrando-se, também, comprovada a verificação dos requisitos previstos nas alíneas a), b) e c), do nº 1 do citado artigo 6º da LN e do nº 1 do artigo 19º do RN.
3 - No entanto, obtido oficiosamente o certificado do registo criminal português, nos termos da alínea a) do nº 7 do artigo 37º do RN, verificou-se que dele consta ter sido o requerente condenado; - Nos autos com Processo Sumário, que correram termos no 3º Juízo de Competência Criminal do Tribunal de Comarca e de Família e menores de Almada, registados sob o nº 287/13.9GEALM, pela prática de um crime de condução perigosa de veiculo rodoviário, p. e p. pelo artº 291º, alínea b) do Código Penal, na pena de 180 dias de multa.
Ora, o crime supra referido, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
4 - Deste modo, não se mostra, assim, preenchido um dos requisitos exigidos para a concessão da nacionalidade portuguesa, nos termos requeridos, e que consiste na não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa (cf. alínea d), do nº 1, do art. 6º da LN).
Sublinha-se que, para este efeito, é determinante a moldura penal que, em abstracto, corresponde ao tipo de crime pelo qual se foi condenado e não a pena que, em concreto, tenha sido aplicada.
(…) Face ao exposto, parece que deve ser indeferido o pedido do requerente E..................., com fundamento na falta de preenchimento do requisito a que se refere a alínea d) do nº 1 do artigo 6º da LN, devendo o mesmo ser notificado em conformidade, a fim de que, após o decurso do prazo previsto no nº 10 do artigo 27º do RN, o processo seja submetido a decisão, tal como determina o nº 11 do mesmo artigo.” – Cfr. fls. 31-32 do suporte electrónico dos autos e fls. 54-55 do PA;
H) – Em 28.10.2015, foi emitido, na Conservatória dos Registos Centrais, o instrumento intitulado “PARECER” de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte: “(Artigo 27º, nº 11 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei nº 237-A/06, de 14 de Dezembro) 1. E..................., devidamente identificado no presente processo, veio requerer que lhe fosse concedida a nacionalidade portuguesa, por naturalização, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, na redacção introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril (LN).
2. Em 02 de Junho de 2015, foi elaborado parecer, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, no sentido do indeferimento do pedido, com fundamento na falta de verificação do requisito previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6.º da LN.
3. Notificado do teor do parecer emitido por esta Conservatória, por oficio datado de 02 de Junho de 2015, expedido por carta registada (fls. 50 e 51), conforme o disposto no nº 10, do art. 27º do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro (RN), o interessado veio alegar, por intermédio da sua mandatária, em síntese, que:
a) "... o Requerente foi condenado em sede dos autos,., na pena de 180 dias de multa..."
b) "Ao ilícito penal em apreço corresponde uma moldura penal abstracta de ate 03 (…) anos prisão ou pena de multa...sendo que, em concreto - e como se disse - a pena aplicada ao Requerente foi de multa e, bem assim, não privativa de liberdade.
c) "Foi com base nessa moldura penal abstracta que se fundou o entendimento da Exma. Senhora Conservadora, plasmada em sede do deu Douto Parecer...".
d) "Ignorando assim que a pena concretamente aplicada ao requerente foi uma pena de multa...cumpriu a pena e que essa condenação remonta há mais de 02 (dois) anos, sendo que desde então e ate à presente data, o requerente não voltou a praticar qualquer acto punível pela Lei Penal".
e) "E crê o Requerente que tais circunstâncias importam ser consideradas em sede da decisão a proferir, designadamente para efeitos de concluir pelo preenchimento dos requisitos atinentes à atribuição da nacionalidade".
f) "…importa considerar, como se disse, o facto de a respectiva pena já se encontrar extinta, por via do seu cumprimento integral pelo Requerente".
g) "E pese embora haja cumprido integralmente a pena aplicada...que tão pouco se encontra transcrita no seu certificado do Registo Criminal para efeitos civis - se veria privado de aceder à nacionalidade portuguesa, por mera extensão dos efeitos de um comportamento pontual, cuja censura importava esgotar-se com o cumprimento da pena".
Alega ainda que o despacho de indeferimento põe em crise o cumprimento da nossa Lei Fundamental, violando o artigo 4º, 16º e 30º, nº 4 da CRP e artº 15º da DUDH.
Conclui, pedindo o deferimento do pedido
4. Cremos, porém, em face das alegações apresentadas, não se haver alterado o pressuposto que fundou o parecer, desta Conservatória, datado de 02 de Junho de 2015, uma vez que, como já foi mencionado nessa sede, o requerente foi condenado por sentença do 3º Juízo de Competência Criminal do Tribunal de Comarca e de Família e menores de Almada, pela prática de um crime de condução perigosa de veiculo rodoviário, p. e p. pelo artº 291º, al. b) do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, cuja moldura abstracta é de pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.
Ora, o legislador português considerou imperioso que não possam adquirir a nacionalidade portuguesa, ao abrigo do art. 6º, nº 1, da L.N., os nacionais estrangeiros condenados por crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa, independentemente da pena concretamente aplicada. (…)
Cumpre, também, referir que, como decorre do artigo 6º, nº 1 da LN, na redacção introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, os requisitos ai previstos, e de cuja verificação cumulativa dependo a concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, nomeadamente o previsto na alínea d), são de natureza objectiva, ou seja, basta o seu não preenchimento para que o efeito jurídico visado na norma - a concessão da nacionalidade portuguesa - não se produza.
(…) 5. A aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, nos termos aqui solicitados, consubstancia um verdadeiro direito subjectivo do requerente, desde que reunidos os requisitos objectivamente exigidos para o efeito. Assim, não são aplicáveis quaisquer critérios que não sejam os previstos na lei. Não são efectuadas quaisquer considerações de índole subjectiva e cada requisito é verificado tendo em conta os documentos apresentados pelos próprios, bem como as consultas obrigatórias às entidades mencionadas nos artigos 27º, nº 5 e 37º, nº 7, do RN, competindo ao decisordo pedido apenas verificar se, “in casu", esses mesmos requisitos se encontram, ou não, reunidos.
(…) 8. Com efeito, sendo o art.º 6º, nº 1, alínea d) da LN de aplicação juridicamente vinculada e pressupondo ele que a condenação do interessado num dos crimes nele previstos põe em causa a idoneidade moral e civil daquele perante o Estado Português, atenta a gravidade de tais crimes indiciada pela sua moldura penal abstracta, não pode o decisor atender a outros critérios que possam tornar irrelevante a referida condenação.
9. Importa, ainda, sublinhar que o facto de o requerente, eventualmente, poder exibir um certificado do registo criminal do qual nada consta, não tem o significado que o mesmo lhe pretenderá atribuir, posto que é bem diferente o conteúdo dos certificados do registo criminal emitidos a requerimento dos particulares.
Na verdade, esta Conservatória, no âmbito da instrução dos pedidos de aquisição da nacionalidade por naturalização, requisita oficiosamente à Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) os certificados do registo criminal de todos os candidatos á naturalização, penalmente imputáveis - alínea a), do nº 7 do artigo 37º do RN, dispondo de autorização ministerial para requisitar os referidos certificados do registo criminal, nos termos do artigo 9º do Decreto-Lei nº 381/98, de 27 de Novembro e sob a forma de transcrição integral do registo, acedendo, deste modo, à informação integral sobre a identificação criminal dos candidatos à naturalização.
Ora, diferente é o conteúdo dos certificados do registo criminal directamente obtidos pelos particulares, posto que a informação constante destes certificados está sujeita às limitações dos artigos 11º e 12º da Lei nº 57/98, de 18 de Agosto.
10. Deve ainda sublinhar-se que, não obstante a Lei da Identificação Criminal (Lei nº 57/98 de 18 de Agosto) fazer menção ao cancelamento de decisões em sede de registo criminal, a Lei da Nacionalidade Portuguesa e o respectivo Regulamento aplicáveis em sede de procedimento administrativo, não excepcionam qualquer situação concreta de reabilitação, dado que não está a ser julgada, no processo de nacionalidade, a prática pelo requerente do crime em questão mas a dignidade e o trajecto comportamental do requerente perante o Estado Português. (...)
Pelo que,
11. Não tem razão de ser a invocação pelo requerente da Declaração Universal dos Direitos do Homem, já que o princípio que decorre da consagração daquele direito deve ser conciliado com um outro princípio de direito internacional público, segundo o qual cabe a cada Estado determinar, pela sua legislação interna, quem são os seus nacionais, definição essa que deve ser aceite pelos outros Estados (cfr o artigo 3º da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade).
12. Ao estabelecer o requisito constante da alínea d) do nº 1, do artigo 6º, a LN não violou qualquer disposição de direito internacional público geral ou comum
13. E, naturalmente, ao limitar-se a aplicar o referido preceito da LN, o despacho de indeferimento não violou igualmente qualquer norma de direito internacional público geral ou comum, e mais especificamente, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
14. É igualmente injustificada a alegação do requerente de que a interpretação defendida na decisão de indeferimento do artigo 6º, nº 1, alínea d) da LN viola o disposto no nº 4 do artigo 30º da Constituição, pois não se pode considerar que o indeferimento da naturalização com base no referido preceito da LN determine uma perda de um direito civil (o direito â aquisição da nacionalidade portuguesa) que suscite a sua sujeição à proibição constante do nº 4 do artigo 30º da Constituição, "uma vez que a perda de direitos civis, profissionais ou políticos ai previstos, como efeito necessário da aplicação duma pena, diz respeito a direitos originários, ou seja, a todos aqueles que já existiam na esfera jurídica do condenado e não, obviamente, àqueles que este ainda não havia incorporado no seu património jurídico, como é o caso presente, em que a concessão da nacionalidade portuguesa tem efeito constitutivo", conforme se entendeu no referido acórdão do TCA Sul de 27.05.2010.
15. Deste modo, face ao exposto no referido parecer, no sentido do indeferimento do pedido, e tendo em conta que não se alteraram os pressupostos ai explanados, parece-me que o pedido não merece acolhimento.
CONCLUSÃO:
Assim, submete-se o processo a decisão, nos termos do nº 11 do artigo 27º do RN, com parecer desfavorável ao deferimento do pedido, com fundamento na falta de preenchimento do requisito a que se refere a alínea d) do nº 1 do artigo 6º da L.N.” – Cfr. fls. 47-52 do suporte electrónico dos autos e fls. 66-71 do PA;
I) – Em 28.10.2015, a Conservador-Auxiliar da Conservatória dos Registos Centrais proferiu a seguinte “DECISÃO”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido: “Em face do exposto nos pareceres que antecedem e tal como se propõe, nos termos e com os fundamentos aduzidos, ao abrigo do disposto no n.º 11 do artigo 27º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro, indefiro o pedido de naturalização do requerente E....................” – Cfr. fls. 53 do suporte electrónico dos autos e fls. 72 do PA;
J) – Em 02.11.2015, foi proferido despacho, no processo sumário n.º 287/13.9GEALM, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte: “O arguido veio a fls. 167 requerer a não transcrição no certificado de registo criminal (cfr. art. 11º e 12º da Lei 57/98, de 18/08), da sentença condenatória que nestes autos contra si foi proferida, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário que o condenou numa pena de 180 dias de multa.
Aberto termo de vista ao Digno Magistrado do Ministério Público, por este foi promovido o deferimento do requerido pelo arguido.
Apreciando e decidindo.
Estabelece o art. 17º da Lei 57/98, de 18-08, que “os tribunais que condenem em pena de prisão até um ano ou pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime
não se puder induzir perigo da prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11º e 12º deste diploma
Da análise dos autos, especificamente da sentença condenatória, resulta que o arguido se mostra social e familiarmente inserido e não possui quaisquer antecedentes criminais registados.
Todas essas circunstâncias levam o tribunal a crer que o episódio que conduziu à condenação do arguido não terá sido mais do que um acontecimento único na sua vida, não se induzindo o perigo de o mesmo enveredar pela prática de novos crimes.
Destarte, defiro o requerido pelo arguido e, consequentemente, determino, nos exactos termos previstos pelo art. 17º, da Lei 57/98, de 18-08, que a sentença proferida nestes autos, não seja transcrita nos certificados a que se referem os arts. 11º e 12º, do supra referido diploma legal.” – Cfr. fls. 64-66 do suporte electrónico dos autos.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir do erro decisório e da violação dos princípios da não retroactividade, da universalidade, da segurança, da igualdade e do art.º 6.º, n.º 1, al. d), da Lei da Nacionalidade (LN), na versão anterior à alteração dada pela Lei n.º 2/2018, de 05/07, pois esse preceito remetia para a medida abstracta da pena e não para a pena concretamente aplicada ao requerente da nacionalidade, por naturalização.

Na decisão recorrida, julgou-se nomeadamente o seguinte: ”nos presentes autos, encontra-se unicamente em discussão o requisito estabelecido no artigo 6.º, n.º 1, alínea d) da LN, já que o acto impugnado considerou provados todos os demais pressupostos.
Assim, tendo presente o fundamento invocado para o indeferimento, importa aferir se a circunstância de o Autor ter sido condenado pela “prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo art.º 291 nº 1 alínea b) do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa”, obsta a que ao mesmo possa adquirir a nacionalidade portuguesa por naturalização.
Como refere Rui Moura Ramos, o regime da naturalização foi profundamente alterado pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, passando os n.os 1 a 4 do artigo 6.º a prever “situações em que a outorga da nacionalidade portuguesa por naturalização decorrerá necessariamente do preenchimento dos requisitos para o efeito legalmente previstos, sem que ao Governo reste qualquer margem de apreciação a este propósito.
Nestas hipóteses o direito à naturalização transforma-se pois num processo juridicamente vinculado, em que a actividade governativa passa a ser judicialmente sindicável, o que permite que se entenda que os estrangeiros que a solicitem e que preencham os respectivos pressupostos legais gozam de um verdadeiro direito à naturalização” 10 (Cfr. A Renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 136.º, n.º 3943, Coimbra Editora, Março-Abril de 2007, pág. 207.)
Face a tais alterações, em “matéria de naturalização (…) é a própria natureza do instituto que se modifica radicalmente, deixando ele de se traduzir no exercício de um poder discricionário, para passar a ser visto como um poder meramente vinculado, em que a liberdade de actuação estadual se encontra previamente conformada pelo legislador” 11 (Cfr. Rui Moura Ramos, ob. cit. pág. 229.) não havendo, portanto, lugar a qualquer margem de discricionariedade na apreciação dos pressupostos objectivos exigidos pelo artigo 6.º, n.º 1, da LN, entre os quais, a não condenação, com trânsito em julgado, da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo legal igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
Todavia, com a entrada em vigor da Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de Julho, o artigo 6.º, n.º 1, alínea d), da LN passou a dispor que “O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos (…) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos”.
Deste modo, a restrição ao direito de aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, contida no artigo 6.º, n.º 1, alínea d), da LN, deixou de referir-se ao tipo de crime e passou a atender à pena concretamente aplicada, exigindo que se trate de uma pena de prisão, de duração igual ou superior a 3 anos.
Ora, não obstante a Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de Julho, ter entrado em vigor após a apresentação, por parte do Autor, do pedido de concessão da nacionalidade, assim como após a entrada da presente acção em juízo – e não se desconhecendo que em regra, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro – no caso concreto, estando em causa a constituição do vínculo da nacionalidade portuguesa, é de aplicar a nova lei, por força do disposto no artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil.
Neste sentido, conforme refere António Xavier Beirão, “O legislador, em certos casos, ao revogar determinado regime legal, toma partido expresso relativamente à aplicação da nova lei no tempo. Não o fazendo - sendo omisso - têm aplicação as regras enunciadas nos artigos 12.º e 13.º do Código Civil, e que resolvem, no contexto do sistema jurídico as questões que a este propósito se colocam. No caso concreto da Lei da Nacionalidade, é antes de mais de notar que a própria Lei, na redacção original da Lei 37/81, de 3 de Outubro, continha no seu corpo uma norma genérica de aplicação no tempo, segundo a qual os processos de nacionalidade pendentes (salvo os de naturalização) eram apreciados de acordo com a lei anterior (artigo 36.º), norma esta que foi suprimida logo com a Lei Orgânica 2/2006, de 17 de Abril que, invertendo totalmente aquela tendência, mandou aplicar a lei nova aos processos pendentes (artigo 5.º). Na Lei Orgânica 2/2018, de 5 de Julho, verifica-se que o legislador teve a preocupação de introduzir uma norma de direito transitório. Contudo, é uma norma limitada a questões de pormenor, e que a nosso ver apenas tem justificação para contrariar efeitos não pretendidos a que a aplicação indiscriminada das normas gerais poderia conduzir, nomeadamente em sede de prazos, deixando toda a restante matéria que foi alvo de alterações sujeita às regras dos artigos 12.º e 13.º do Código Civil.
Assim, o artigo 5.º da Lei Orgânica prevê a aplicação da nova redacção da Lei da Nacionalidade aos processos pendentes (ou seja, processos administrativos, e não acções judiciais) mas apenas relativamente a três das normas alteradas ou aditadas: o aditado artigo 12.º B e os artigos 30.º e 9.º, n.º 3 da Lei da Nacionalidade. (…)
Parece-nos (…) que a norma transitória inserida na Lei Orgânica 2/2018 visou expressamente acautelar a imediata produção de efeitos em alterações particulares da nova lei, produção que poderia ser duvidosa ou mesmo inexistente quanto aos processos já pendentes, por força de aplicação de outras regras do sistema jurídico. Não visou – por omissão – impedir a aplicação da nova lei (nomeadamente quanto aos impedimentos da nacionalidade) aos processos ou às acções judiciais pendentes, ou seja às relações por constituir. Nem seria curial fazê-lo, pela distinção que assim se criava entre pessoas nas mesmas condições, apenas com base na data em que fizeram a declaração (ou na data em que esta entrou na Conservatória dos Registos Centrais). A omissão do legislador quanto aos demais aspectos inovadores da lei – nomeadamente quanto aos fundamentos da acção de oposição - apenas poderá significar que as questões surgidas de aplicação na lei no tempo continuam a ter de ser resolvidas pelas regras gerais do Código Civil.
(…) A nacionalidade é unanimemente definida pela generalidade dos autores como a relação jurídica que se estabelece entre um cidadão e um Estado.
(…) Salvo melhor tese, estamos no campo de aplicação da regra do artigo 12.º, n.º 2, segunda parte do Código Civil, segundo a qual quando a lei nova “dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
Sendo ainda caso de aferir a própria constituição da relação jurídica, que irá dar origem a um direito fundamental (a cidadania), e cujas condições passam a ser mais favoráveis, não parece irrazoável defender que a esta aferição se aplique a lei em vigor à data da decisão, em nada implicado um efeito retroactivo, pelo simples motivo de que não há ainda qualquer relação jurídica estabelecida que se vá alterar ou modificar retroactivamente.
Há sim um pedido de aquisição da nacionalidade, uma relação ainda a constituir (…) e para cuja decisão não se divisam argumentos de ordem material suficientemente fortes (como sejam a segurança jurídica ou limitações de direitos fundamentais) ou que impossibilitem a aplicação da actual vontade do legislador, ou seja, da lei nova.”.
Além disso, como refere este autor, o “impedimento relativo à condenação penal esbarrava frequentemente com opiniões segundo as quais o que relevava era a moldura penal concreta aplicada, e que cumpriria mesmo efectuar um juízo de “indesejabilidade” relativamente ao estrangeiro interessado na aquisição da nacionalidade portuguesa, por força da impossibilidade de atribuição de efeitos automáticos à condenação penal, decorrente do artigo 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
(…) Pois bem, a nova lei toma posição expressa relativamente a todos estes temas, de uma forma tão assertiva que poderá ser tida como lei interpretativa, caso em que tem aplicação imediata, por integração na lei antiga, ressalvando naturalmente os casos de decisão transitada em julgado - artigo 13.º, n.º 1 do Código Civil.”12. (Cfr. Alterações em sede de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, in Data Venia, Ano 6, n.º 09, Novembro de 2018.)
Ora, na situação concreta em litígio, provou-se que o fundamento determinante do indeferimento do pedido de concessão da nacionalidade portuguesa, formulado pelo Autor, consistiu na sua condenação – por sentença do Tribunal Judicial de Almada, de 10.05.2013, proferida no processo n.º 287/13.9GEALM – na pena de 180 dias de multa, à razão diária de €6,00, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo art.º 291 nº 1 alínea b) do Código Penal.
Por conseguinte, não se tratando de condenação, por sentença transitada em julgado, em pena efectiva de prisão, com medida concreta igual ou superior a três anos, é de concluir que a situação do Autor preenche a previsão da norma do artigo 6.º, n.º 1, alínea d), da Lei da Nacionalidade, na redacção que lhe foi conferida pela Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de Julho, a qual é de aplicar ao caso dos autos, com os fundamentos anteriormente enunciados.
Assim, no caso em litígio, não se verificando a condenação do Autor em pena efectiva de prisão e tendo presente que – nos pareceres que contêm, por remissão, a fundamentação do acto impugnado – a Entidade Demandada considerou comprovada a verificação dos demais requisitos previstos nas alíneas a), b) e c), do n.º 1 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, conclui-se que ao Autor assiste o direito a adquirir a requerida nacionalidade portuguesa, por naturalização.
Nesta conformidade, tem a presente acção de proceder, sendo de condenar a Entidade Demandada no deferimento do pedido de concessão da nacionalidade portuguesa, formulado pelo Autor, com a consequente anulação do acto impugnado”.
Esta decisão é para manter.
Como decorre dos factos provados, o Recorrido, requerente da nacionalidade, foi punido por decisão de 10/05/2013, como autor material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, pp pelos art.ºs 69.º, n.º 1, al. a) e 291º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 180 dias de multa.
Em 12/11/2014, o Recorrido requereu na Conservatória dos Registos Centrais (CRC) a concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização.
Em 17/02/2015, o certificado de registo criminal, que foi junto ao procedimento, indicava que o Recorrido tinha sido punido pelo supra-referido crime.
Em 28/10/2015, a Conservadora Auxiliar da CRC indeferiu o pedido do ora Recorrido, por este ter sido punido por crime ao qual correspondia uma pena com moldura abstracta de prisão até 3 anos ou pena de multa.
Em 02/11/2015, foi proferida sentença a determinar nos termos do art.º 17.º da Lei n.º 57/98, de 18/08, que a supra indicada condenação deixasse de ser transcrita nos certificados a que se referem os art.º 11.º e 12.º da Lei n.º 57/98, de 18/08, por o arguido se mostrar socialmente e familiarmente inserido, não possuir antecedentes criminais e todas as circunstâncias levarem o Tribunal a crer “que o episódio que conduziu à condenação do arguido não terá sido mais que um acontecimento único na sua vida, não se induzindo o perigo de o mesmo enveredar pela prática de novos crimes”.
A PI da presente acção deu entrada em juízo em 01/02/2016.
À data da prática do acto da Conservadora Auxiliar da CRC, que indeferiu o pedido do ora Recorrido, isto é, em 28/10/2015, vigorava a LN na versão dada pela Lei n.º 8/2015, de 22/06.
Naquela data, determinava o art.º 6.º, n.º 1, al. d), o seguinte: “1 - O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;
d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.”
A Lei n.º 2/2018, de 05/07, veio a alterar aquele preceito, que passou a estipular no n.º 1, al. d) e num novo n.º 10, o seguinte:” 1 - O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos cinco anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;
d) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos;
e) Não constituam perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei.
(,,,) 10 - A prova da inexistência de condenação, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos referida na alínea d) do n.º 1 faz-se mediante a exibição de certificados de registo criminal emitidos:
a) Pelos serviços competentes portugueses;
b) Pelos serviços competentes do país do nascimento, do país da nacionalidade e dos países onde tenha tido residência, desde que neles tenha tido residência após completar a idade de imputabilidade penal.”
Mais se indique, que o Regulamento da Nacionalidade (RN), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14/12, com a última alteração pelo Decreto-Lei n.º 71/2017, de 21/06, continua a referir no art.º 19.º, n.º 1, al. d), que “o Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros (…) d) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa.”
De mencionar, identicamente, que o art.º 15.º da Lei n.º 57/98, de 18/08, determinava que seriam canceladas automaticamente do registo criminal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tivesse ocorrido nova condenação por crime, as decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular (cf. em sentido similar, o actual art.º 11.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 05/05).
Assim, antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2018, de 05/07, ao art.ºs. 6.º, n.º 1, al. d), da LN, discutiu-se na jurisprudência se para o preenchimento da indicada norma relevava a medida abstracta da pena ou a medida concreta, isto é, a pena efectivamente aplicada.
No sentido da indicada norma remeter para a medida concreta da pena, encontramos uma jurisprudência minoritária, que vem espelhada, vg. nos Acs. do STA n.º 0490/14, de 17/12/2014, n.º 76/12, de 05/02/2013, ou do TCAS n.º 11589/14, de 06/11/2014, n.º 8640/12, de 10/07/2014, en.º 08678/12, de 10/01/2013.
Na verdade, ao nível do STA foi sendo perfilhada maioritariamente a posição de que o art.ºs. 6.º, n.º 1, al. d), da LN, se referia à medida abstracta da pena, vg. nos Acs do STA n.º 030/15, de 10/09/2015, n.º 032/15, de 21/05/2015, n.º 490/14, de 17/12/2014, n.º 662/14, de 20/11/2014 (com um voto de vencido), n.º 1282/13, de 20/03/2014. Seguiram esta jurisprudência v.g. os Acs. do TCAS n.º 11405/14, de 18/12/2014, n.º 11498/14, de 20/11/2014 ou do TCAN n.º 00071/14.2BEVIS, de 19/11/2015.
Entretanto, após o Ac. do TC n.º 106/2016, de 24/02/2016, a situação ficou definitivamente resolvida, porquanto na fundamentação deste Acórdão o TC esclareceu o seguinte: “No plano da formulação dos requisitos para a aquisição da nacionalidade, entendeu o legislador que a condenação por crime punível com pena de máximo igual ou superior a três anos pode ser reveladora da inexistência das condições necessárias ao estabelecimento do vínculo de cidadania.
(…) É que, para mais, sendo a tarefa de enunciação dos critérios e pressupostos para a atribuição e aquisição da cidadania (artigo 4.º, CRP) não apenas constitucionalmente cometida como também constitucionalmente reservada ao legislador - e em absoluto ao legislador parlamentar - mostra-se, prima facie, justificada a opção por um critério objetivo (partindo da condenação por crimes cuja moldura penal se fixou a partir de determinado limite), que resulta da ponderação do próprio legislador (por via geral e abstrata) e não da ponderação, em cada caso, pelo aplicador da norma - ainda que ao nível judicial.”
Após este Acórdão do TC, a jurisprudência dos Tribunais Administrativos, mormente do STA, tornou-se unânime, no sentido de entender que o art.ºs. 6.º, n.º 1, al. d), da LN, se referia à medida abstracta da pena. Cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do STA n.º 01262/15, de 25/02/2016, ou do TCAS n.º 12923/16, de 21/04/2016 e n.º 12832/15, de 14/01/2016.
Mais se indique, que o STA nos Acs. n.º 02915/13.7BELSB, de 07/11/2019, n.º 01262/15, de 25/02/2016, n.º 0392/16, de 15/09/2016, ou n.º 0129/15, de 21/05/2015, veio a decidir que aquele mesmo fundamento tinha de ser conjugado com o instituto da reabilitação legal ou de direito e que o cancelamento automático e definitivo da condenação penal no registo criminal implicava a extinção da pena e a obrigação de não se lhe poderem atribuir quaisquer efeitos, incluindo os previstos na lei da nacionalidade portuguesa (cf. seguindo esta posição, entre outros, os Acs. do TCAS n.º 12932/16, de 31/01/2018 ou n.º 13709/16, de 03/11/2016).
Portanto, no caso em apreço, verifica-se, que há data da prolação do acto impugnado o Recorrido mantinha no seu certificado criminal inscrita a indicação da prática de um crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa, mas relativamente ao qual foi efectivamente punido com a pena de 180 dias de multa. Essa condenação deixou de estar inscrita no certificado de registo criminal por decisão de 02/11/2015, em data posterior àquela decisão administrativa, mas anterior à apresentação da PI em juízo.
Na decisão recorrida entendeu-se que, no caso, não havia que aplicar a lei antiga, mas sim a lei nova, isto é, entendeu-se que havia de aplicar-se a LN na redacção dada pela Lei n.º 2/2018, de 05/07, por a relação jurídica em questão ser “a constituir” e determinou-se a condenação do IRN a deferir o pedido de nacionalidade do Recorrido, por naturalização.
Na verdade, atendendo à actual redacção do art.º 6.º, n.º 1, al. d), da LN, é hoje indiscutível que o indicado preceito reporta-se à pena efectivamente aplicada e não à moldura penal abstracta.
Portanto, actualmente, já não faz qualquer sentido invocar a (anterior) interpretação da jurisprudência, que entendia que o art.º 6.º, n.º 1, al. d), da LN, se referia à moldura penal abstracta.
A Lei n.º 2/2018, de 05/07, entrou em vigor em 06/07/2018.
Relativamente às alterações introduzidas ao art.º 6.º, a indicada Lei não previu a sua aplicação imediata aos processos pendentes - cf. art.ºs 5.º e 7.º.
Porém, relativamente à alteração do art.º 9.º, n.º 3, que regula a prova da inexistência de condenação da pena referida na al. b) do n.º 1 desse artigo, remetendo tal prova para o ora estipulado no art.º 6.º, n.º 10, foi introduzida no art.º 5.º, n.º 2, da Lei n.º 2/2018, de 05/07, uma norma de direito transitório, que determina que o estipulado em tal preceito “é aplicável aos processos pendentes à data da entrada em vigor da mesma”.
Conforme o art.º 12.º, n.º 2, do Código Civil (CC), quando a lei nova “dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”, isto é, a lei nova tem aplicação imediata.
A Lei n.º 2/2018, de 05/07, no indicado art.º 6.º, disciplina a relação jurídica conducente à aquisição da nacionalidade, o regime da nacionalidade por naturalização. Regula, pois, o estatuto das pessoas.
Conforme a citada norma, expressa a vontade do requerente de nacionalidade em naturalizar-se, estando preenchidos os requisitos legais expressos na lei, o EP deve conceder a requerida naturalização.
No caso em apreço, essa naturalização não ocorreu porque foi indeferida pelo despacho de 28/10/2015, da Conservadora Auxiliar da CRC. Veio, então, o requerente da nacionalidade pedir em Tribunal a condenação do IRN, por entender que tem direito à requerida nacionalidade.
Como decorre da factualidade apurada, na presente situação, a relação jurídica conducente à aquisição da nacionalidade, apesar de iniciada no domínio da lei antiga, prolongou-se para o domínio da lei nova, mantendo-se por constituir. A indicada relação jurídica iniciou-se com o pedido do requerente, foi conhecida pela Administração, mas não se consolidou na ordem jurídica, porque a decisão administrativa foi impugnada pelo ora Recorrido, que também pediu ao Tribunal para determinar a condenação da Administração a conceder-lhe a nacionalidade.
Por seu turno, no que concerne ao facto relativo à condenação penal do Recorrido e ao seu (“não) registo e correspondentes efeitos, também ainda não se esgotaram no tempo, pois a pretensão do A. e Recorrido mantém-se pendente da apreciação que ainda possa ser feita pelo Tribunal.
Como já se disse, está em causa nos autos um pedido condenatório. Assim, pela aplicação conjugada dos art.ºs 66.º, n.ºs 1, 2, 71.º, n.º 1, do CPTA e 611.º do CPC, na decisão o juiz deve tomar em consideração as alterações fácticas e de Direito que se produzam até esse momento “de modo a que a decisão corresponda à situação jurídica existente no momento do encerramento da discussão”.
A obrigação de o juiz tomar em consideração as superveniências ocorridas até ao momento da sentença, quando se está a dirimir um litígio em sede de direito de nacionalidade, vai ao encontro do Ac. do TC n.º 106/2016 e da diversa jurisprudência dos Tribunais Administrativos que se pronunciou acerca do instituto da reabilitação legal ou de direito, acima indicada.
Conforme a referida jurisprudência, exige-se aos Tribunais Administrativos que conjuguem o instituto da a reabilitação legal ou de direito, assim como os casos de extinção da pena e de cancelamento automático e/ou definitivo da condenação penal, com o regime da nacionalidade, por forma a garantir em pleno o direito fundamental de cidadania – cf. a este propósito os Acs. do STA . n.º 392/16, de 15/09/2016 ou do TCAS n.º 2255/15.7BELSB, de 30/03/2017, ou n.º 13709/16, de 01/11/2016.
Ora, essa conjugação, em casos como o que ocorre nos presentes autos, só faz se até ao momento da prolação da sentença condenatória se considerar as superveniências procedimentais e processuais que determinaram o cancelamento do registo da pena ou a sua extinção.
Ou seja, nestas situações há que entender que à relação jurídica que se iniciou num momento passado e que se mantém por constituir se deve aplicar a lei nova, pois no confronto de interesses em presença os efeitos da aplicação da lei nova foram sempre os pretendidos pelo legislador. Visto noutro prisma, neste caso deve o Tribunal aplicar a lei nova quando aprecia do pedido condenatório, pois inexistem quaisquer efeitos imprevisíveis, desfavoráveis ou que se devam ressalvar, por já estarem certos ou assentes ao abrigo da lei antiga.
Como já se indicou, a anterior redacção do art.º 6.º, n.º 1, al. d), da LN, comportava sentidos controversos, havendo uma parte minoritária da jurisprudência que apontava como relevante a pena concretamente aplicada e outra parte – maioritária – apontava para o relevo da moldura penal abstractamente aplicada.
Assim, por via da alteração introduzida pela Lei n.º 2/2018, de 05/07, o legislador terá querido clarificar a dita norma, arredando interpretação que se estava a fazer. Na verdade, a alteração que se introduziu no art.º 6.º, n.º 1, al. d), da LN, mais que uma verdadeira alteração do sentido legal, foi uma precisão ou clarificação da norma, que resolveu a questão da interpretação do art.º 6.º, n.º 1, al. d), da LN, no sentido propugnado pela jurisprudência até aí claramente minoritária, que já entendia que o que relevava para efeitos da interpretação da norma era a pena efectivamente aplicável e não à moldura abstracta. Ou seja, o legislador ao alterar o art.º 6, n.º 1, al. d), da LN não consagrou verdadeiramente uma diferente solução legal, mas explicitou o que antes já se podia retirar da indicada norma e correspondia a um entendimento minoritário da jurisprudência.
Na mesma lógica, porque aquela alteração legal se quis como algo essencialmente interpretativo, o RN manteve no art.º 19.º, n.º 1, al. d), a redacção anterior, que continua a referir a “prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos”, sem que se vislumbre a necessidade de alterar este RN para o conformar com a nova redacção dada ao art.º 6.º, n.º 1, al. d), da LN. Isto é, a actual redacção do art.º 19.º, n.º 1, al. d), do RN não constitui, hoje, um obstáculo ao entendimento jurisprudencial relativo ao (actual) relevo que (apenas) deve ser dado à pena concretamente aplicada.
Daí, o legislador também não ter sentido a necessidade de introduzir qualquer norma de direito transitório para os processos pendentes, semelhante ao art.º 9.º, n.º 3, quando regulou a prova da inexistência de condenação pena, referida na al. b) do n.º 1 desse artigo.
Basicamente, com a alteração do art.º 6.º, n.º 1, al. d) e n.º 10, da LN, introduzida pela Lei n.º 2/2018, de 05/07, o legislador, o EP, quis clarificar e renovar a sua vontade de conferir o estatuto de cidadão nacional, por naturalização, a quem o requeresse e preenchesse os requisitos ali indicados, reportando-se a não condenação a pena de prisão igual ou superior a 3 anos e correspondente prova, àquela que devesse constar nos certificados de registo criminal.
Nessa mesma medida, porque os efeitos da aplicação da lei nova foram sempre os pretendidos pelo legislador, ainda que ao abrigo da lei antiga, não terá sido considerada a necessidade de se estabelecer, para o caso, uma norma de direito transitório.
Isto é, o legislador terá querido que a lei nova se aplicasse de imediato, nomeadamente aos processos pendentes, porque estava em causa um estatuto pessoal, que não divergia verdadeiramente do anteriormente consagrado.
No sentido deste entendimento milita, igualmente, a norma transitória introduzida no art.º 5.º, n.º 2, da Lei n.º 2/2018, de 05/07, quando indica que a alteração constante do art.º 9.º, n.º 3, que regula a prova da inexistência de condenação pena referida na al. b) do n.º 1 desse artigo, se aplica aos processos pendentes.
Razões de segurança e igualdade jurídica, que determinam que a lei nova se aplique, desde logo, a todas as situações jurídicas iguais ou da mesma natureza, num mesmo momento temporal, justificam, igualmente, a aplicação imediata aos processos pendentes da alteração ao art.º 6.º, n.º 1, al. d) e n.º 10, da LN, introduzida pela Lei n.º 2/2018, de 05/07. Na verdade, só por via de tal aplicação imediata se consegue evitar que situações jurídicas iguais se constituam diferentemente, por se aplicarem diferentes leis, com soluções legais diversas, num mesmo momento (cf. a propósito da aplicação imediata da lei nova, também no sentido ora preconizado, BEIRÃO, António Manuel - A Lei n.º 2/2018, A Lei n.º 2/2018, de 5 de julho. Alterações em sede de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa e a sua aplicação no tempo. Data Vénia - Revista Jurídica Digital. [Em linha] Ano 6, n.º 9 (2018) 5–25. [Consult. 23 Jun. 2019]. Disponível em https://bit.ly/2IQ8t6I, pp. 11-24).
Atente-se, que se a R. e Recorrido formulasse na presente data um novo pedido de aquisição da nacionalidade, teria o mesmo de ser reconhecido pela IRN, pois a interpretação que havia de ser dada ao art.º 6.º, n.º 1, al. d), da LN, teria de se conformar com a interpretação actual, que entende que aquele preceito se refere à pena concretamente aplicada e o A. e Recorrido foi efectivamente punido com a pena de 180 dias de multa.
Em suma, o Tribunal recorrido não errou quer quando aplicou a lei nova, quer quando atendeu à nova factualidade antes de decidir acerca do pedido condenatório e conjugou o invocado instituto da reabilitação com os pressupostos do direito à nacionalidade. Na verdade, verificada a reabilitação do Recorrido, tinha o Tribunal, necessariamente, de deferir o pedido de nacionalidade.
Sem embargo da correcção do julgamento que foi feito pelo Tribunal recorrido, quando apreciou o pedido condenatório ao abrigo da lei nova, que considerou de aplicação imediata e da circunstância, igualmente correcta, de ter atendido à superveniência que decorreu da reabilitação do A. e Recorrido, é também certo que à data da prolação da decisão de 28/10/2015, da Conservadora Auxiliar da CRC, a indeferir o pedido do A. e Recorrido, ainda não tinha ocorrido qualquer reabilitação.
Igualmente, à data da prolação daquele acto administrativo ainda não estava em vigor a Lei n.º 2/2018, de 05/07.
Portanto, não há dúvida que a decisão de 28/10/2015, da Conservadora Auxiliar da CRC, teria necessariamente que aplicar o art.º 6.º, n.º 1, al. d) da LN, na versão dada pela Lei n.º 8/2015, de 22/06, então em vigor, e não poderia atender à superveniência procedimental decorrente da reabilitação do A. e Recorrido que, na data, ainda não tinha ocorrido.
Como decorre da factualidade apurada, aquele indeferimento ocorreu por a indicada Conservadora ter entendido que o art.º 6.º, n.º 1, al. d) da LN, na versão dada pela Lei n.º 8/2015, de 22/06, remetia para a medida abstracta da pena.
Como acima indicamos, em 28/10/2015, a data e que a Conservadora Auxiliar da CRC indeferiu o pedido do ora A. e Recorrido, era jurisprudência (já) unânime que aquele preceito se referia à moldura abstracta da pena e não à pena efectivamente aplicada. Assim, à luz daquela jurisprudência, não podemos considerar errada a decisão da indicada Conservadora, que se limitou a seguir a jurisprudência dominante.
Nessa mesma medida, não podemos acompanhar a decisão recorrida quando anulou o acto impugnado e condenou a Entidade demandada em custas, por ter ficado vencida no processo.
Como já indicamos, por aplicação dos art.ºs 66.º, n.ºs 1, 2, 71.º, n.º 1, do CPTA e 611.º do CPC, exigia-se ao Tribunal recorrido que na apreciação do pedido condenatório tivesse em consideração as superveniências fácticas e de Direito.
No caso em apreço, ocorreu uma superveniência fáctica decorrente da reabilitação do Recorrido após a prolação do acto da Conservadora Auxiliar da CRC, que indeferiu o seu pedido.
Ocorreu, depois, uma superveniência de Direito, decorrente da entrada em vigor da Lei n.º 2/2018, de 05/07.
Estas ocorrências, pela superveniência, não poderiam, obviamente, ser consideradas na decisão da Conservadora Auxiliar da CRC.
Ou seja, aquela decisão não enferma de nenhuma invalidade por ter aplicado o art.º 6.º, n.º 1, al. d), da LN, na versão dada pela Lei n.º 8/2015, de 22/06, e ter entendido que tal preceito remetia para a medida abstracta da pena, por assim ser a posição maioritária da jurisprudência.
Sem embargo, aquela mesma decisão não se pode manter na ordem jurídica, sob pena de se manter na ordem jurídica uma decisão administrativa que vai contrariar os efeitos de caso julgado que resultarão da sentença condenatória. Daí, que se tenha de anular a decisão de 28/10/2015, da Conservadora Auxiliar da CRC, porque se mostra incompatível com o conteúdo da sentença condenatória (cf. art.º 161.º, n.º 2, al. i), 163.º, n.ºs 1 e 2 do CPA, 3.º, n.ºs 1, 3, 173.º, n.ºs 1 e 3 e 197.º, n.º 2, do CPTA).
A existência das superveniências, que conduzem à sentença condenatória, tem também reflexos em sede de custas, que conforme os princípios da causalidade e proveito, tal como decorre do art. 611.º, n.º 3, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, e obrigam a que as custas do processo em 1.º instância sejam imputadas ao A. e não ao R., pois foi aquele que deu origem ao processo e dele tirou proveito, sendo que o R. não praticou qualquer acto ilícito.
Nessa medida, não se pode acompanhar a decisão recorrida na parte em que considerou o R. e Recorrente vencido na acção e o condenou em custas em 1.ª instância.
No caso, as custas do processo em 1.º instância teriam de ser imputadas ao A., que delas está isento, por gozar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo.
Em suma, confirmamos a decisão recorrida quando condenou o IRN a deferir o pedido de concessão de nacionalidade portuguesa, por naturalização, ao A. e Recorrido, mas não acompanhamos a sua fundamentação quando julgou que o acto de 28/10/2015, da Conservadora Auxiliar da CRC, de indeferimento daquele pedido era ilegal e, por isso, anulável.
Consideramos que esta anulação é, apenas, determinada pela desconformidade com o julgado condenatório e não por qualquer invalidade intrínseca àquele acto.
Nessa mesma medida, não se podia entender que o IRN era vencido na acção e não se lhe podia imputar as custas do processo.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento parcial ao recurso interposto e revogar a decisão recorrida na parte em condenou o IRN a pagar as custas do processo;
- no mais, mantém-se a decisão recorrida com diferente fundamentação;
- custas pelo Recorrido em 1.ª instância, que mantendo o apoio judiciário está delas isento;
- custas do recurso pelo Recorrido e pelo Recorrente, na proporção do decaimento, que se fixa de 20% para o Recorrido, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza e de 80% para o Recorrente (cf. cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC e 4.º, n.º 1, al. a), do RCJ).

Lisboa, 2 de Julho de 2020.
(Sofia David)

(Dora Lucas Neto)

(Pedro Nuno Figueiredo)