Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:619/18.3BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:11/13/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:REVERSÃO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
PRESUNÇÃO LEGAL DE CULPA CONSAGRADA NO ART.º 24.º, N.º 1, ALÍNEA B) DA LGT
Sumário:I - Para se poder dizer que a ação ou omissão do gerente foi adequada à insuficiência do património da empresa para a satisfação dos créditos exequendos, deve seguir-se o processo lógico da prognose póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a ação se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo ex ante.
II - No caso, os Recorrentes, ao invés de alegarem e provarem factualidade que permitisse concluir que geriram e administraram a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a falta de pagamento dos créditos tributários exequendos não resulta do incumprimento dessas disposições, limitaram-se a procurar demonstrar a existência de uma situação de dificuldades de tesouraria, sem fornecer explicações concretas para a mesma, e não dando conta, conforme deviam, de quaisquer medidas concretas que tenham adotado tendentes a obviar o incumprimento e falta de pagamento das dívidas executadas.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

J… e A…, com os demais sinais nos autos, vieram apresentar recurso jurisdicional da sentença proferida em 19/02/2025 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a oposição apresentada no processo de execução fiscal («PEF») n.º 1341201601007548 e apenso, contra si revertidos, instaurados originariamente contra a sociedade «P… , Lda.» para cobrança coerciva de dívidas provenientes de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS»), do ano de 2016, no montante global de 11.571,06 Euros.

Nas suas alegações, os Recorrentes formulam as seguintes conclusões:

«144. A douta sentença errou ao subsumir a prova documental e testemunhal produzida como um fracasso no cumprimento do ónus da prova, por parte dos Oponentes/Revertidos, de que a falta de pagamento das obrigações tributárias não se deveu a uma atuação irresponsável, designadamente ao incumprimento dos deveres de boa gestão do artigo 64º do CSC.
145. A douta sentença não considerou verosímeis os argumentos e depoimentos dos Oponentes, os quais, credivelmente, justificaram que o descalabro financeiro da empresa teve que ver, sim, com o incumprimento, por parte da entidade locadora, quanto à legalização do imóvel onde funcionavam as instalações da empresa (Declarações A…, minutos 13 a 15, 18.42 a 19.50, 20.14 a 23, Declarações J…, minuto 57 a 60).
146. Sem o imóvel licenciado, não era possível à empresa obter as certificações necessárias nas plataformas de acreditação necessárias aos concursos públicos e a celebração de contratos com as empresas petrolíferas (Declarações A…, minuto 15.22 a 18).
147. Contrariamente ao que entendeu a douta sentença recorrida, a empresa teve que se “reinventar”, procurando outras atividades, face aos constrangimentos que a falta de licenciamento das instalações em que funcionava lhe causava (Declarações J…, minuto 46 a 47.30).
148. Como se pode falar em má gestão quando a empresa, gerida pelos Oponentes, pagou a integralidade do capital constante do contrato de locação financeira, e até pagou o valor residual, e só não adquiriu o imóvel locado devido à falta de licenciamento deste (Declarações A…, minuto 15.22 a 16.09)?
149. E não descurou o pagamento das obrigações tributárias, tendo realizado acordos de pagamento (Declarações A…, minuto 17.50 a 18.22, Declarações J…, minuto 53.30 a 54.45).
150. Aliás, foi a entidade locadora do imóvel – Banco S…– que, por ter reconhecido culpa na falta de licenciamento do imóvel e receosa que a empresa a acionasse judicialmente, se aproveitou da difícil situação da empresa para a dissuadir da ação judicial, oferecendo-lhe novas linhas de créditos e garantias bancárias…indispensáveis ao pagamento dos salários e continuação da laboração da empresa (Declarações J…, minuto 57 a 1.01).
151. A solução do PER, preconizada pela douta sentença recorrida, implicaria um acordo entre os credores, cenário improvável, e a apresentação à insolvência teria como resultado a liquidação ao desbarato dos ativos e, claro, o fim da empresa, desfecho que os Oponentes, desesperadamente, tentaram evitar.
152. A necessidade de arrecadação de receitas fiscais não justifica tudo…e a douta sentença recorrida aderiu aos argumentos da máquina fiscal, sem, realisticamente, ter em conta a situação concreta da empresa, as dificuldades da mesma e os esforços dos Oponentes para a manter viva e regularizar o passivo, designadamente as dívidas tributárias.
153. É certo que a empresa acabou por ser declarada insolvente, mas a mesma foi considerada fortuita e nem sequer foi aberto o incidente de qualificação da insolvência.
154. Inexiste nexo causal entre a situação de insolvência, causada pelo passivo acumulado face às receitas, e a gestão dos Oponentes; aliás, nota-se uma total ausência de espírito critico, por parte da sentença recorrida, face à atuação, essa, sim, dolosa da locadora financeira, lançando as responsabilidades pela insolvência e incumprimento das dívidas tributárias para os Oponentes.
155. Deverá, portanto, considerar-se que o ónus da prova ínsito no artigo 24º nº 1 – b) da LGT foi cumprido pelos Oponentes, não se justificando, portanto, a reversão subsidiária e devendo, em consequência, ser considerada procedente a oposição
Com o que se fará Justiça!»

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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público («DMMP») pronunciou-se no sentido de não ser concedido provimento ao recurso, devendo a sentença recorrida ser mantida na ordem jurídica.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações dos Recorrentes, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, porquanto lograram ilidir a presunção de culpa ínsita na alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da Lei Geral Tributária («LGT»).

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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«A) Pela Ap. …, de 17/07/1995, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Bombarral a constituição da sociedade da P… Lda., NIPC 5…, com sede na E…, 2… Bombarral, tendo sido designados sócios-gerentes os Oponentes – cfr. certidão permanente da sociedade executada originária, junta aos autos;
B) Em 26/03/2016 o SF de Bombarral instaurou contra a sociedade C…, Lda. o processo de execução fiscal n.º 1341201601007548, para cobrança coerciva de uma dívida exequenda de € 5.962,43 proveniente da falta de entrega voluntária ao Estado, até 20/03/2016, de IRS – Retenções na Fonte do ano de 2016 – cfr. certidão de dívida n.º 2016/415907, junta ao PEF apenso;
C) Em 26/03/2016 o SF de Bombarral instaurou contra a sociedade C…, Lda. o processo de execução fiscal n.º 1341201601010808, para cobrança coerciva de uma dívida exequenda de € 5.608,63, proveniente da falta de entrega voluntária ao Estado, até 20/04/2016, de IRS – Retenções na Fonte do ano de 2016 – cfr. certidão de dívida n.º 2016/552962, junta ao PEF apenso;
D) Em data não concretamente apurada, o PEF n.º 1341201601010808 foi apensado ao PEF n.º 1341201601007548 – cfr. ofício de fls. 53 do PEF apenso;
E) Em 16/01/2017 foi proferida uma sentença no âmbito do processo n.º 2209/16.6T8ACB, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Comércio de Alcobaça, Juiz 1, no âmbito da qual foi declarada a insolvência da sociedade P… Lda. – facto admitido por acordo entre as Partes;
F) A qual foi declarada “fortuita” – cfr. doc. 1, junto com as alegações;
G) Em 19/04/2017 foi efetuado, no âmbito dos sobreditos autos de insolvência da sociedade P… Lda., a venda do respetivo património, que perfez a quantia de € 129.000,00 – facto admitido por acordo entre as Partes;
H) Os Oponentes exerceram funções de gerentes da sociedade P… Lda. até à data em que foi proferida a declaração de insolvência desta – cfr. ponto 11 das alegações finais;
I) Em 20/03/2018 o SF de Bombarral emitiu, no âmbito do PEF n.º 1341201601007548 e apenso, uma informação com o seguinte teor:


«Imagem em texto no original»



(…)” – cfr. doc. de fls. 55 do PEF apenso;
J) Em 20/03/2018 o Chefe do SF de Bombarral proferiu um despacho de reversão da dívida exequenda no PEF n.º 1341201601007548 e apenso contra a Oponente nos termos e com base nos fundamentos seguintes: “(…)
«Imagem em texto no original»



(…)

(…)” - cfr. despacho de fls. 56 do PEF apenso;
K) Em 20/03/2018 o Chefe do SF de Bombarral assinou, no âmbito do PEF n.º 1341201601007548 e apenso, um documento intitulado “Citação (reversão)” no qual identifica a Oponente como revertida e comunica o seguinte: “(…)

«Imagem em texto no original»





(…)

(…)” – cfr. ofício de citação de fls. 58 do PEF apenso;
L) O ofício identificado na alínea anterior foi remetido para a Oponente por carta registada com aviso de receção (A/R) com a referência alfanumérica RF356976090PT – cfr. talão de aceitação dos CTT, de fls. 60 do PEF apenso;
M) O A/R que acompanhou a remessa do expediente identificado nas alíneas anteriores foi assinado pela Oponente em 04/04/2018 – cfr. A/R de fls. 60 (verso) do PEF apenso;
N) Em 20/03/2018 o Chefe do SF de Bombarral proferiu um despacho de reversão da dívida exequenda no PEF n.º 1341201601007548 e apenso o Oponente nos termos e com base nos fundamentos seguintes: “(…)

«Imagem em texto no original»



(…)

(…)” – cfr. despacho de fls. 64 do PEF apenso;
O) Em 20/03/2018 o Chefe do SF de Bombarral assinou, no âmbito do PEF n.º 1341201601007548 e apenso, um documento intitulado “Citação (reversão)” no qual identifica o Oponente como revertido e comunica o seguinte: “(…)


«Imagem em texto no original»








(…)

(…)” – cfr. ofício de fls. 66 do PEF apenso;
P) O ofício identificado na alínea anterior foi remetido para o Oponente por carta registada com aviso de receção (A/R) com a referência alfanumérica RF356976109PT – cfr. talão de aceitação dos CTT, de fls. 68 do PEF apenso;
Q) O A/R que acompanhou a remessa do expediente identificado nas alíneas anteriores foi assinado pela Oponente em 04/04/2018 – cfr. A/R de fls. 68 (verso) do PEF apenso;
R) A petição inicial dos presentes autos e Oposição foi remetida ao SF de Bombarral em 07/05/2018 – cfr. data aposta na p.i.;

Provaram-se ainda, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:

S) Em data não concretamente apurada, mas seguramente igual ou anterior a 1997, a sociedade P… Lda. alterou a sua estratégia comercial, para o que precisou de mudar de instalações – cfr. facto admitido por acordo entre as Partes; ponto 39.º da p.i. e alegações finais;
T) Em 10/04/1997 a sociedade P… Lda. celebrou um contrato de locação financeira com o banco S… SA, com a opção de compra do prédio localizado em São Brás - Bombarral, onde estava instalada a sua sede e a fábrica, composta por três pavilhões – cfr. facto admitido por acordo entre as Partes; ponto 39.º da p.i.; doc. 1, junto com a p.i. e ponto 28 das alegações finais;
U) Em 2008 o objeto social da sociedade devedora originária foi alargado, passando a ser o seguinte: “Indústria de serralharia civil, ligeira e pesada, fabricação de depósitos metálicos e produtos de caldeiraria, assistência técnica a postos de abastecimento de combustível, reparação de conjuntos de medição de abastecimento de combustível, tubagens mecânicas, canalizações, demolição de edifícios, construção de edifícios, promoção imobiliária, construção de obras públicas, compra e venda de bens imobiliários, compra de edifícios e revenda dos adquiridos para esse fim”, a que corresponde o CAE principal 33120-R3 e CAE secundários 25120-R3, 25210-R3 e 25290-R3 – cfr. doc. 2, junto com a p.i. e certidão permanente da sociedade;
V) A partir do ano de 2013 a sociedade P… Lda. começou a sentir uma redução de negócios – cfr. doc. 2, junto com a p.i.;
W) Apesar de fortes prejuízos a empresa ainda conseguiu manter um ativo superior ao passivo até 2014, inclusive – cfr. doc. 2, junto com a p.i.;
X) Sendo que desde o ano de 2014 em diante apresentou resultados muito negativos e o volume de negócios desceu de ano para ano, face à inexistência de encomendas – cfr. doc. 2, junto com a p.i.;
Y) Apenas em novembro de 2014 foi emitida a licença de utilização do imóvel identificado em Q) – cfr. alegações finais;
Z) O que impossibilitou o licenciamento da atividade industrial – cfr. alegações escritas;
AA) Até 2015 a sociedade P… Lda. também tinha instalações na Maia – cfr. doc. 2, junto com a p.i.;
BB) A partir de 2015 o balanço da sociedade P… Lda. passou a denotar uma situação de “falência técnica” (passivo superior ao ativo) – cfr. doc. 2, junto com a p.i.;
CC) Deixando a P… Lda., em 2014 e 2015, de ter possibilidade de pagar a trabalhadores, AT, segurança social e bancos – cfr. doc. 2, junto com a p.i.;
DD) Para se financiar, a sociedade devedora originária celebrou com instituições financeiras contratos de mútuo a médio e longo prazo, emitiu livranças a favor destas, celebrou contrato de abertura de crédito em conta corrente e abertura de crédito em contrato de factoring – cfr. docs. 1 e 2, juntos com a p.i.
EE) Em 2016 a sociedade P… Lda. apresenta um ativo contabilístico de € 1.376.769 e um passivo contabilístico de € 2.176.410, ao que acresce o passivo não escriturado, relativo a juros de mora, indemnizações devidas, garantias bancarias de execução previsível e outros, pelo que, aquando da declaração de insolvência, a sociedade o passivo da sociedade rendava os 2,4 milhões de euros, pelo que a situação líquida apresenta-se negativa em cerca de 1,1 milhões de euros – cfr. doc. 2, junto com a p.i.;
FF) Os Oponentes foram os gerentes da sociedade P… Lda. até à data em que foi declarada a insolvência desta – cfr. ponto 8.º da p.i., ponto 50.º das alegações finais e doc. 2, junto com a p.i.;
GG) Foi um trabalhador da P… Lda. que requereu a insolvência da sociedade devedora originária – cfr. doc. 2, junto com a p.i.;
HH) Aquando da declaração de insolvência a sociedade P… Lda. já não estava em laboração – cfr. doc. 2, junto com a p.i.;
II) Aquando da declaração de insolvência a sociedade P… Lda. não possuía meios financeiros líquidos para continuar a pagar salários ao pessoal pelo que o Administrador da Insolvência cessou, nos termos do artigo 347.º do CT, grande parte dos contratos de trabalho – cfr. doc. 2, junto com a p.i.;
JJ) E encerrou o estabelecimento – cfr. doc. 2, junto com a p.i.;
KK) As principais razões da insolvência da P… Lda. devem-se à redução de negócios desde pelo menos 2013 em resultado da quase inexistência de novos negócios, aliado a uma estrutura de gastos fixos alta, consubstanciados em salários, investimentos e demais encargos resultantes de uma cobertura nacional no negócio e ao incumprimento em 2014 e 2015 – cfr. doc. 2, junto com a p.i.;
LL) A sociedade P… Lda. incumpriu contratos, nomeadamente dois contratos de locação imobiliários, cujos imóveis, um situado em Vilar – Bombarral e outro e Entradas – Aljustrel, foram tomados pelo Banco credor (Banco S… SA) – cfr. doc. 2, junto com a p.i.;
MM) Em virtude de os Oponentes não compareceram na escritura de transferência da propriedade do imóvel identificado em T), o Banco S… SA intentou contra a sociedade Executada uma ação judicial para posse do imóvel da sede da sociedade P… Lda., a qual, à data da declaração de insolvência, encontrava-se em curso – cfr. doc. 2, junto com a p.i..».

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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada:
«Não há outros factos que cumpra julgar provados ou não provados com interesse para a boa decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.».
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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida, particularmente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos, que não foram impugnados, bem como nos factos admitidos por acordo entre as Partes e nos factos de que o Tribunal teve conhecimento no exercício das suas funções (cfr. artigo 412.º, n.º 2, do CPC), conforme discriminado a propósito de cada alínea do probatório (cfr. artigo 607.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).

As declarações de parte prestadas pelos Oponentes e os depoimentos das testemunhas arroladas, E…, Administrador da Insolvência da sociedade executada originária, e R…, contabilista da sociedade devedora originária, mostraram-se globalmente sérios e credíveis, bem como conhecedores das realidades factuais que narraram e descreveram, por nelas terem participado, grande parte delas decorrentes da factualidade narrada no Relatório elaborado pelo Sr. Administrador da Insolvência (doc. 2, junto com a p.i.) e consideradas provadas em F) e de S) a MM) dos factos provados.

Todavia, tais depoimentos não lograram demonstrar as conclusões de inexistência de culpa dos Oponentes vertida na petição de Oposição (designadamente, a matéria conclusivamente aduzida nos pontos 26.º, 29.º e 52.º).

Efetivamente, tais depoimentos assentaram em descrições gerais sobre as dificuldades e vicissitudes conjunturais, estruturais e financeiras pelas quais a sociedade executada originária foi registando ao longo dos tempos, desde a sua génese e até à declaração de insolvência da empresa, mas não foram aptos a demonstrar, em termos positivos e concludentes, o motivo concreto pelo qual os tributos em cobrança coerciva não foram oportunamente entregues ao Estado, nem as razões concretas que impossibilitaram essa entrega e, mais especificamente, não logram demonstrar que essa falta de entrega não foi imputável aos Oponentes e que estes fizeram tudo o que estava ao seu alcance, ainda que infrutiferamente, para cumprir essas obrigações tributárias (o que passaria pela demonstração da falta de fundos da sociedade para efetuar tal pagamento e, precipuamente, que tal falta não se deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis dos Oponentes).

Ou seja, o que o Tribunal esperava é que os depoimentos evidenciassem factos concretos a partir dos quais se pudesse concluir que os Oponentes se empenharam no pagamento dos créditos fiscais em causa nos autos e/ou na preservação do património societário que haveria, a final, de garantir o seu pagamento, prova que não logrou ser produzida.

O que os apontados depoimentos puderam comprovar foi que a sociedade devedora originária já vinha sentindo dificuldades financeiras sérias desde o ano de 2014, mas nada alegaram quanto ao que foi feito pela gerência para reverter essa situação, antes pelo contrário, evidenciaram que os Oponentes recorriam à banca para financiar dívidas, que a sociedade perdeu o seu património imobiliário, nunca tendo apresentado a sociedade devedora originária a um PER ou à insolvência, antes optaram pela continuidade da atividade da devedora originária, com o que o Tribunal conclui pelo prolongamento e o agravamento de tal situação ao longo do tempo, nada tendo os Oponentes demonstrado ter feito, portanto, para evitar o surgimento de novas dívidas e, em particular, as dívidas exequendas nos presentes autos.

Os depoimentos de Partes, em particular, assentou numa tentativa de transferir a responsabilidade pela situação patrimonial e financeira da sociedade executada originária para terceiros (bancos e pressão no financiamento de dívidas, falta de emissão de licenças pela Câmara, crise financeira global, etc.), olvidando, porém, que eram eles os gerentes da sociedade e que, nessa veste e diante desse cenário, exigia-se deles o exercício de tal função de forma independente, competente, cuidada e diligente, o que não evidenciaram em juízo, minimamente, ter cumprido, sequer que tentaram, ainda que infrutiferamente, cumprir.»
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III.B De Direito

Insurgem-se os Recorrentes contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, concretamente em relação à ilisão da presunção de culpa ínsita na alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT. Vêm os Recorrentes peticionar, a final, a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF n.º 1341201601007548 e apenso, defendendo, em suma, que lograram alegar e provar factos que permitem afastar a aplicação da acima apontada presunção de culpa.

Considera, por seu turno, o DMMP junto deste Tribunal, que as conclusões recursivas devem ser julgadas improcedentes e, em consequência, deve ser mantida a sentença recorrida na ordem jurídica

Apreciemos.

Importa, desde já, relevar que os Recorrentes não procederam à impugnação da matéria de facto em ordem ao consignado no art.º 640.º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento, alteração ou supressão ao probatório, apenas se limitando a convocar, ainda que genericamente, a existência de um erro de julgamento de facto, na dimensão da apreciação e valoração da prova produzida, sem qualquer indicação clara e expressa dos factos que se devem considerar provados ou não provados, nem o específico meio probatório em que sustentam o seu entendimento.

Mais cumpre ressalvar, neste concreto particular, que não traduz qualquer impugnação da matéria de facto as alegações contempladas em 145. a 150. das respetivas conclusões recursivas, desde logo, porque não basta defender, em termos gerais, que a decisão sobre a matéria de facto está incorreta, carecendo, como visto, de indicar que concretos pontos de facto estão incorretamente julgados, que concretos meios probatórios suportam esse entendimento e que concretos factos entendem que devem ser considerados provados ou não provados. E por assim ser, face ao supra expendido considera-se a matéria de facto devidamente estabilizada.

Feito este breve introito, e mantendo-se, como visto, o probatório inalterado, há, então, que aferir da bondade da censura endereçada pelos Recorrentes na presente lide recursiva.

Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que não têm razão os Recorrentes. Vejamos, então, porquê.

Quanto à questão da ilegitimidade, dispõe o art.º 204.º, n.º 1, al. b) do CPPT que a oposição pode ter como fundamento a «[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida».

Encontramo-nos, assim, perante uma ilegitimidade substantiva, assente na falta de responsabilidade do citado pelo pagamento da dívida exequenda. Quanto à questão da legitimidade do responsável subsidiário encontramo-nos face a leis sobre a prova de atos ou factos jurídicos que simultaneamente afetam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se, assim, sobre a própria viabilidade deste, pertencendo, por isso, ao direito substancial.

É, com efeito, pacífica a jurisprudência no sentido da aplicação a cada situação da lei que rege sobre o ónus da prova vigente quando se verificam os pressupostos de tal responsabilidade, visto se estar perante norma de cariz substantivo e atento o princípio tradicional da não retroatividade da lei substantiva, consagrado no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil («CC»).

Ora, no caso que agora nos ocupa, é aplicável o regime constante no art.º 24.º da LGT, que, no que importa, refere o seguinte no seu n.º 1:
«[o]s administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.».

O citado art.º 24.º da LGT consagra nas suas alíneas a) e b) uma repartição do ónus da prova da culpa, distinguindo entre:

(i) as dívidas vencidas no período do exercício do cargo relativamente às quais se estabelece uma presunção legal de culpa na falta de pagamento (cf. a parte final da alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT); e,

(ii) as demais previstas como geradoras de responsabilidade, concretamente, aquelas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do cargo (e não se vençam neste) e aquelas cujo prazo legal de pagamento ou entrega termine já após o termo do exercício do cargo.

Nestas situações o ónus da prova impende sobre a Administração Tributária («AT»), ou seja, os gerentes ou administradores podem ser responsabilizados desde que seja feita prova da culpa dos mesmos na insuficiência do património social.

No caso vertente, conforme resulta do recorte probatório dos autos, os despachos de reversão fundamentaram-se na alínea b), do n.º 1, do art.º 24.º da LGT [cf. pontos J), K), N) e O) da factualidade provada], tendo sido entendido que os Recorrentes exerceram funções de gerentes da sociedade devedora originária, quer no período em que as dívidas se constituíram, quer no período em que se venceram [cf. pontos H) e FF) do probatório], estando, por conseguinte, onerados com a respetiva presunção de culpa, imputando-lhes a falta de pagamento.

Razão pela qual, compete, assim, apurar se os Recorrentes lograram ilidir a presunção de culpa que sobre eles recai nos termos desta disposição legal, da qual resulta ser-lhes assacado o ónus da prova de que não lhes foi imputável a falta de pagamento dos créditos exequendos.

Dir-se-á, numa tentativa de densificar os contornos da ilisão da apontada presunção de culpa, que o que se presume é que o gestor não atuou com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial as contempladas no art.º 64.º do Código das Sociedades Comercias («CSC»), que lhe impõem a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.

A culpa, aqui em causa, como também se encontra perfeitamente estabilizado pela jurisprudência (cf., entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - «STA» - de 08/11/2023, proc. n.º 0709/14.1BEALM, disponível em www.dgsi.pt), deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

Como sublinha, a este respeito, a jurisprudência, a culpa «consiste na omissão reprovável de um dever legal de diligência, que é de aferir em abstrato, tendo como padrão o zelo do bónus pater familiae colocado na veste de um gerente competente e criterioso» (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10/10/2000, processo n.º 1564/98) e «afere-se em abstrato, pela diligência de um bom pai de família, operando com a teoria da causalidade, seguindo um processo lógico de prognose póstuma, por forma a averiguar se a atuação do gerente da sociedade originária devedora, concretizada quer em atos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos fiscais» (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12/10/2004, processo n.º 00081/04, disponível em www.dgsi.pt).

Assim, «o ato ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido.
(…)
Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável» (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27/11/2014, processo n.º 06191/12, disponível em www.dgsi.pt).
No mesmo sentido, pode ler-se no acórdão do STA de 11/07/2012, processo n.º 0824/11, disponível em www.dgsi.pt, o seguinte:
«I - O facto ilícito suscetível de fazer incorrer o gestor na responsabilidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa atuação conducente à insuficiência do património da sociedade.
II - Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.».

Sérgio Vasques, refere a este propósito que «ao impor ao gestor o ónus de provar que “não lhe foi imputável a falta de pagamento” o que se lhe exige, afinal, é que demonstre que não foi por culpa sua que o património da empresa se tornou insuficiente para satisfazer a dívida tributária» (Manual de Direito Fiscal, 2ª edição, pág. 407) e que «A ilicitude está, numa e outra disposições, não na mera falta de pagamento, mas na violação das normas dirigidas à protecção dos credores da empresa. E, numa e outra disposições, essa violação haverá de ser culposa também. Só assim faz sentido o conjunto do art. 24.º» (in «A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária», Fiscalidade, n.º 1 (Jan.2000), pág.47-66).

Regressando, então, agora, ao caso dos presentes autos, e como acima já se apontou, tendo em conta a factualidade assente e o quadro normativo in casu aplicável, e na esteira da posição adotada na sentença em dissídio, consideramos também que os Recorrentes não lograram provar que são parte ilegítima nas execuções fiscais em referência, porquanto não ilidiram a presunção de culpa ínsita na alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT, não enfermando, por isso, a sentença recorrida do erro de julgamento que lhe vem assacado pelos Recorrentes.

Senão vejamos.

Da factualidade estabilizada nos presentes autos, ressalta, desde logo, que foi instaurado pelo órgão de execução fiscal os PEF em causa para cobrança de dívidas de IRS (retenções na fonte), do ano de 2016, no valor de total 11.571,06 Euros [cf. pontos B) e C) do probatório].

O que não se sabe, porque não vem alegado, é o que, em concreto, motivou o não pagamento dos aludidos créditos exequendos, pois nada ficou provado quanto à razão pela qual não procedeu a executada originária à entrega ao Estado das quantias que foram retidas na fonte a título de IRS no respetivo prazo de pagamento. É sabido, porque a jurisprudência assim o tem afirmado (cf., entre outros, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13/04/2023, proc. n.º 00985/15.2BEAVR, consultável em www.dgsi.pt), que em situações desta natureza, em que está em causa a entrega de valores retidos na fonte, é maior a exigência quanto à fundamentação da atuação dos gerentes, pois estamos perante valores que ingressaram na esfera patrimonial da executada originária e que não foram depois pagos ao credor tributário. E por ser assim, a censurabilidade da conduta dos gerentes é maior nestas situações, impondo-se, em consequência, maior rigor e exigência na ponderação das razões avançadas para justificar o não pagamento verificado. No caso concreto, nem uma linha foi dedicada pelos Recorrentes para explicar especificamente por que não foram entregues nos respetivos prazos de pagamento os valores retidos na fonte a título de IRS que se encontram a ser cobrados coercivamente nas execuções fiscais em causa.

E também não se sabe o que a sociedade devedora originária fez (sobretudo em 2016, exercício a que respeitam as dívidas exequendas – cf. pontos B), C), J), K), N) e O) do probatório) para melhorar a sua situação financeira e patrimonial. É que não ficaram provados quaisquer factos que evidenciem os contornos concretos da atuação dos Recorrentes na condução dos destinos da sociedade devedora originária, o que seria indispensável para o Tribunal ponderar quanto à eventual censurabilidade da sua conduta.

Com efeito, nada de concreto é dito, e muito menos provado, quanto à gestão e administração da devedora originária que foi realizada pelos Recorrentes para ultrapassar as dificuldades financeiras que terão sido sentidas, em especial, a partir de 2013 em diante. Efetivamente, o que está em causa nos presentes autos é a culpa dos Recorrentes enquanto gerentes da sociedade devedora originária, a qual, como visto, deve ser aferida pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, sendo, por isso, indispensável a alegação e prova de factos que revelem a gestão exercida por si.

Como já se disse, no caso dos presentes autos, das alegações vertidas na petição inicial e da prova produzida não se consegue descortinar minimamente a atuação dos Recorrentes para ultrapassar as vicissitudes financeiras registadas pela executada originária que, eventualmente, possam estar na génese do incumprimento verificado no pagamento das dívidas em causa, o que seria indispensável para ilidir a presunção de culpa no não pagamento dos créditos tributários exequendos, nos termos da alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT.

Para este efeito, manifestamente, não é suficiente a mera alegação da existência da difícil situação financeira vivenciada pela executada originária a partir de 2013, sendo, pois, necessário que tivesse também sido evidenciado que atos de gestão praticaram, qual o seu objetivo, e quais os resultados obtidos, pois apenas com essa informação poderia o Tribunal apreciar a sua atuação enquanto gerentes. Na verdade, como bem se aponta na sentença recorrida, cremos que a atuação dos Recorrente terá até contribuído para agravar as dificuldades financeiras que evidenciava, pois para além de iniciativas relativas ao financiamento da sua atividade, desconhece-se se algo mais foi feito para inverter o rumo negativo que se encontrava a ser trilhado, que culminou na sua insolvência [cf. ponto E) dos factos provados].
Diga-se, neste conspecto, que a circunstância de a insolvência de a executada originária ter sido considerada como fortuita não equivale a dizer que os Recorrentes não tiveram qualquer responsabilidade no não pagamento dos créditos exequendos, para efeitos do estatuído na alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT. É que para além de a qualificação de uma insolvência como fortuita não ter per se efeitos externos ao processo de insolvência (não representa caso julgado material nos presentes autos), também a averiguação ali feita tem pressupostos e um enquadramento substantivo e temporal diversos do processo de oposição judicial (cf. art.ºs 185.º e 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - «CIRE»), pelo que a qualificação da insolvência da sociedade devedora originária como fortuita não equivale à demonstração da inexistência de culpa em processo de oposição à execução fiscal (neste sentido, veja-se, entre muitos outros, o acórdão deste Tribunal de 21/05/2015, proc. n.º 06381/13, disponível em www.dgsi.pt).

A circunstância de a insolvência ser fortuita constitui unicamente um facto que deve ser sopesado para a boa decisão da causa, que carece de ser articulado com a restante factualidade apurada e com o preceituado na norma jurídica que temos vindo a aludir (a alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT). Por ser assim, e contrariamente ao pretendido pelos Recorrentes, a insolvência fortuita, desacompanhada de outra factualidade que permita revelar o contexto concreto da atividade da executada originária, com especial destaque para a génese do não pagamento das quantias retidas na fonte a título de IRS e o papel dos Recorrentes enquanto gerentes, não constitui argumento jurídico suficiente para se considerar ilidida a predita presunção de culpa.

Destarte, tal como acertadamente se asseverou na sentença recorrida, as linhas argumentativas gizadas para procurar demonstrar a falta de culpa do Recorrente no não pagamento dos créditos exequendos não merecem provimento.

Concretizemos a razão para assim entendermos.

Em primeiro lugar, não se vê em que medida é que a falta de emissão, até 2014, de licença de utilização do edifício onde está instalada a fábrica e o correspetivo licenciamento da atividade industrial pode relevar para a predita finalidade de demonstração da falta de culpa no não pagamento dos créditos exequendos, porquanto a inexistência de tais licenças nunca impediu que a executada originária, desde que infletiu a sua estratégia de negócio, desde 1997 e até 2013 (ano em que registou redução no volume de vendas), prosseguisse, e até com aparente êxito financeiro, a sua atividade [cf. pontos S) a V) dos factos provados].

Depois, considerando que a devedora originária poderia, de acordo com o seu objeto social (que foi alargado em 2008), ter intervenção em diversos setores de negócio [cf. ponto U) dos factos provados], nada obstava que desse um rumo diferente à atividade por si prosseguida, de modo a procurar ultrapassar os constrangimentos legais invocados, e os financeiros registados, e, assim, recuperar da difícil situação em que se encontrava. No entanto, nada vem alegado, e muito menos provado, a este respeito.

Em terceiro lugar, nenhuma justificação foi avançada para que os Recorrentes não tivessem comparecido na escritura de transferência da propriedade do imóvel localizado em São Brás - Bombarral, onde estava instalada a sua sede e a fábrica, composta por três pavilhões, o que levou a que a sociedade locadora interpusesse uma ação judicial para assumir a sua posse [cf. pontos T), LL) e MM) dos factos provados], evidenciando, neste contexto em concreto, que não terão exercido uma gerência competente, criteriosa e prudente, pois nada se sabe quanto à razão da sua ausência e ao que foi feito para evitar o incumprimento contratual ocorrido.

Em último lugar, dimana da factualidade assente nos presentes autos que pese embora a redução da atividade registada em 2013, os resultados negativos verificados desde o ano de 2014 em diante e apesar de se depararem com uma conjuntura económica e financeira difícil, os Recorrentes, enquanto gerentes, optaram pela continuidade da atividade da devedora originária, recorrendo a financiamento bancário para, sobretudo, fazer face a dívidas, sem que se saiba, além do mais, se algo foi feito para reduzir despesas e para encontrar novas oportunidades de negócio.

O prolongamento no tempo da atividade da devedora originária e a continuidade da acumulação de dívidas, incluindo as que se encontram em cobrança coerciva nestes autos, revelam, na nossa perspetiva, também aqui, uma gestão imprudente e inadequada a dar a resposta que a situação demandava (designadamente, a apresentação da sociedade à insolvência ou a outra medida de proteção dos credores), pois os Recorrentes bem sabiam (ou deveriam saber, de acordo com o padrão do gestor médio) que sem nada mudarem na órbita da devedora originária os resultados negativos iriam continuar a registar-se, numa espiral de acumulação de dívidas e de incumprimento das suas obrigações – [cf. pontos V) a MM) dos factos provados e cf. o acórdão deste Tribunal de 16/02/2023, processo n.º 685/10.0BELRS, disponível em www.dgsi.pt)

O que se conclui é que os Recorrentes, perante a incapacidade financeira que a sociedade devedora originária patenteava já desde o ano de 2014 e que piorou bastante a partir de 2015 (chegando mesmo à cessação da laboração), nada fizeram para evitar o prolongamento dessa situação no tempo e, designadamente, para impedir o surgimento de novas dívidas que a empresa ia contraindo (onde se incluem as dívidas exequendas), pois sabiam, (ou deveriam saber) que o seu pagamento não iria ser realizado.

Assim, e em conclusão, a verdade é que nada foi provado quanto à conduta dos Recorrentes enquanto gerentes, em termos de adequação e causalidade com a falta de meios para proceder ao pagamento dos créditos em cobrança coerciva, o que é fundamental para afastar a presunção de culpa ínsita na alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT. Pelo que não podemos concluir que a insuficiência do património da devedora originária não pode ser imputada à atuação dos Recorrentes, dado que, como acima se indicou, nada ficou demonstrado, designadamente, quanto às diligências e medidas que in casu se revelariam adequadas, razoáveis e lógicas para fazer face aos constrangimentos que estariam a assolar a atividade da executada originária.

E isto porque, o que releva e que importaria provar é que os Recorrentes encetaram todas as diligências, e quais foram, para proceder ao pagamento das dívidas fiscais pendentes, e não limitar-se a remeter para a conjuntura e para as consequências dela decorrentes, competindo-lhes fazer prova positiva de quais as ações em concreto desenvolvidas enquanto gerentes, nomeadamente se desenvolveram todos os esforços que lhes eram exigíveis e se empregaram o melhor da sua experiência, saber e conhecimento para ultrapassar tais dificuldades. E quanto a este tema, nada foi alegado de concreto e provado nos presentes autos.

Pelo que no caso que agora nos ocupa, constatamos que nada se alegou e provou quanto à desresponsabilização dos Recorrentes pela criação e manutenção de uma situação de alegada dificuldade financeira, que levou a que ficasse por pagar as dívidas em causa. Assim, é evidente que ficou por provar que não foi por culpa dos Recorrentes que os créditos fiscais não foram pagos.

Em face do exposto, conclui-se que do acervo probatório dos autos não é possível ilidir-se a presunção com a qual se encontravam onerados, não tendo sido feita prova bastante por parte dos Recorrentes que não atuaram com culpa na falta de pagamento das dívidas objeto de cobrança coerciva.

E por assim ser, a decisão recorrida não padece do erro de julgamento que lhe vem assacado, devendo, por isso, ser mantida na ordem jurídica, o que de seguida se decidirá.
*
IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de novembro de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Luísa Soares)

(Lurdes Toscano)