Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 502/11.3BESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 01/09/2025 |
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Relator: | MARIA DA LUZ CARDOSO |
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Sumário: | I - No n.º 3 do artigo 10º do Código do IRS não se prevê uma presunção quanto ao “momento da prática dos atos previstos no n.º1”. II - O momento a considerar para efeitos do n.º3 é o da data da escritura, ainda que na mesma se preveja pagamento parcial do preço em prestações diferidas para o ano seguinte. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tibutária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I - RELATÓRIO H.......... (doravante Recorrente), veio recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no dia 18.12.2019, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida por si e J.........., contra a liquidação de IRS de 2009, no valor de € 30.191,01. Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES 1ª – A douta decisão recorrida padece de erro de julgamento; 2ª – Contrariamente ao decidido, o facto tributário gerador das mais-valias não ocorre sempre no momento da celebração da escritura de compra e venda e mesmo que o preço não seja recebido pelo vendedor nessa data; 3ª – O artº 10 nº 3 do CIRS não impõe essa conclusão nem impede a demonstração da realidade económica subjacente ao facto tributário; 4ª – Trata-se apenas de uma presunção que admite sempre prova do contrário; 5ª – Nunca podendo ser interpretada no sentido de que se sobrepõe à justiça tributária assente na real capacidade contributiva dos sujeitos tributários; 6ª – Ou seja, quando o preço da venda não é totalmente obtido no momento da alienação, o mesmo não pode ser tributado como se tivesse sido obtido nessa ocasião; 7ª -No caso sub judice ficou provado que o preço não foi integralmente obtido no momento da alienação ou sequer no ano da alienação; 8ª – Portanto, apenas podem ser tributados os ganhos efectivamente obtidos e não o preço que consta da escritura; 9ª – São os factos reais que se devem sobrepor à presunção legal e não o contrário; 10ª - O que é imperativo é que se respeite o princípio da tributação do rendimento real e não que se localize no tempo factos tributários inexistentes; 11ª - Consequentemente, não tendo os sujeitos passivos recebido no momento da alienação a quantia de € 225.000,00 que consta da escritura, não pode ser esse o montante do rendimento a considerar para efeitos do rendimento tributável no ano de 2009; 12ª - Como tal, tem de se concluir que existe errónea quantificação dos rendimentos auferidos pelos Impugnantes em 2009, sendo ilegal a liquidação impugnada; 13ª - Decidindo-se como se decidiu, foram violadas as normas dos artigos 1º do CIRS, 73º da LGT e 13º, 18º, 103 e 104 da Constituição. Termos em que, com os mais que resultarão do douto suprimento de V. Exªs, deve ser admitido e concedido provimento ao recurso, revogando-se a aliás douta sentença recorrida, como é de Justiça.” * A FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrida), devidamente notificada da admissão do recurso não apresentou contra-alegações. * O Digno MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. * Colhidos os vistos legais (artigo 657º, n. º2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), cumpre apreciar e decidir. * Delimitação do objeto do recurso Em ordem ao consignado no artigo 639º do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282º do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir: * II.1- De facto A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: “III – FUNDAMENTAÇÃO 1. De Facto Com interesse para a decisão da causa considera-se assente a factualidade que se passa a subordinar por alíneas: A) Por escritura pública celebrada em 26.05.2009, os ora Impugnantes venderam a P.........., pelo preço de € 225.000,00, que declararam ter recebido, o prédio urbano, destinado a habitação, situado na Charneca, freguesia e concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais-1 sob o n.º .........5 e inscrito na matriz respetiva sob o artigo .........5 – cf. doc. 3 junto com a p.i. B) A compradora recorreu ao crédito para efeitos da aquisição referida em A), recebendo do “B.........”, interveniente no ato como terceiro outorgante, um cheque bancário no valor de € 160.000,00 – cf. docs. 3, 4 e 8 juntos com a p.i. C) O cheque bancário mencionado em B) foi depositado na conta bancária dos Impugnantes em 27.05.2009 – cf. docs. 8 e 9 juntos com a p.i. e fls. 323 dos autos. D) Em 29.05.2009 o Impugnante marido emitiu a favor de P......... um cheque bancário no valor de 42.334,00 – cf. doc. 5 junto com a p.i. e fls. 342 dos autos. E) O cheque referido em D) foi debitado da conta dos Impugnantes em 01.06.2009 – cf. doc. 10 junto com a p.i. e fls. 342 dos autos. F) Em 12 e 15 de junho de 2009 os ora Impugnantes efetuaram o pagamento das quantias de € 29.724,22 e € 53.868,52, referentes a dois empréstimos imobiliários concedidos pelo Banco BCP, um deles relativo a aquisição de habitação – cf. docs. 10 e 17 a 22 juntos com a p.i. G) Em 20.04.2011, e desde 22.02.2001, a compradora da fração identificada em A), P........., era proprietária, juntamente com D........., de quem se divorciou em janeiro e 2009, de um prédio urbano destinado a habitação sito na Av. Gonçalo Velho Cabral, lote ….3, B........., em Cascais – cf. docs. 11 e 12 juntos com a p.i. H) Em 26.05.2010 os Impugnantes entregaram a declaração de rendimentos com referência ao ano de 2009, com o anexo G, onde declararam a venda do imóvel identificado em A), declarando no campo relativo ao valor da realização, duas vezes a quantia de € 125.000,00, uma com aquisição em 1998/12 e outra em 1999/04 – cf. doc. 7 junto com a p.i. I) Ato impugnando: Em 15.06.2010, com base na declaração que antecede, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2010 5003926747 para o ano de 2009, que apurou imposto a pagar no valor de € 30.191,01 – cf. doc. 1 junto com a p.i.. J) Em 03.12.2010 deu entrada no Serviço de Finanças e Cascais-1 reclamação graciosa da liquidação de IRS e 2009 a que faz referência a alínea que antecede, onde os ora Impugnantes alegam, no essencial, quer o preço da venda do imóvel identificado em A) foi de € 225.000,00 e que, no ano da venda, os Impugnantes apenas receberam a quantia de € 123.955,00 do valor do preço, atendo o acordo de pagamento celebrado com a adquirente, de pagamento em prestações mensais de € 565,00 até que aquela realizasse a venda da sua quota-parte noutro imóvel – cf. doc. 4 junto com a p.i.. K) Ato impugnado: Por despacho de 01.04.2011, notificado aos Impugnantes em 05.04.2011, a reclamação que antecede foi indeferida, sendo considerado o valor da venda de € 225.000,00 e o respetivo recebimento conforme declarado na respetiva escritura pública de compra e venda – cf. doc. 2 junto com a p.i.. L) Em 09.07.2011 foi emitida nova liquidação de IRS para o ano de 2009, como n.º 2011 5004861266, refletindo a correção do valor da alienação atento erro no preenchimento do anexo G, da qual resultou a pagar, após compensação com a liquidação identificada em I), a quantia de € 26.369,79 – cf. fls. 276 a 279 dos autos. M) De junho a dezembro de 2009 P.........., adquirente do imóvel identificado em A), pagou aos ora Impugnantes, por conta do preço da compra e venda do imóvel, a quantia total de € 3.955,00 correspondente a 7 prestações mensais de € 565,00 – cf. fls. 53 a 60, 324 a 329 e 379 dos autos e prova testemunhal. N) De janeiro a dezembro de 2010 P.........., adquirente do imóvel identificado em A), pagou aos ora Impugnantes, por conta do preço da compra e venda do imóvel, a quantia total de € 6.870,00 correspondente a 12 prestações mensais de € 565,00 – cf. fls. 61 a 71 e 330 a 338 dos autos e prova testemunhal. O) De janeiro a março de 2011 P.........., adquirente do imóvel identificado em A), pagou aos ora Impugnantes, por conta do preço da compra e venda do imóvel, a quantia total de € 1.695,00 correspondente a 3 prestações mensais de € 565,00 – cf. fls. 339 a 341 dos autos e prova testemunhal. P) Nas declarações de rendimentos relativas aos anos de 2010 e 2011 os Impugnantes declararam, no anexo G, os valores referidos em N) e O) – cf. fls. 358 a 360 e 402 a 406 dos autos. Q) A presente impugnação foi dirigida a este TAF, por correio sob registo, em 20.04.2011 – cf. fls. 300 dos autos.” * Factos não provados “Não existem outros factos relevantes para a decisão da causa e que importe dar como provados ou não provados.” * Motivação “Motivação da matéria de facto A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou da análise dos documentos e informações constantes dos autos, mencionados em cada uma das alíneas, os quais não foram impugnados nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e bem assim com base nos depoimentos das testemunhas, os quais relevaram para criar no tribunal a convicção de que, não obstante os ora Impugnantes terem declarado na escritura pública mencionada em A) que receberem o preço acordado para a compra e venda, a verdade é que receberam apenas parte do mesmo, acordando com a adquirente, anterior inquilina dos mesmos, o pagamento de parte do preço em prestações mensais de € 565,00, até que esta lograsse vender o imóvel de que era proprietária com o seu ex-cônjuge e, com o valor da respetiva quota-parte, pagasse, então o remanescente do preço. O depoimento mais valorado pelo tribunal foi o da própria adquirente do imóvel vendido pelos ora impugnantes, que foi prestado de forma clara e objetiva no que era essencial à causa. Já o depoimento de A........., filha dos ora Impugnantes, por se ter limitado à reprodução, vaga, daquilo que a própria afirmou ter ouvido falar em casa, não foi tão relevante, tendo, contudo, permitido ao tribunal compreender a relação de confiança existente entre os Impugnante e a adquirente do imóvel.” * II.2 - De direito In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida e por J.........., da liquidação de IRS de 2009, que inclui tributação das mais-valias resultantes da alienação de um imóvel. A questão controvertida, prende-se com a determinação da data em que ocorreu o facto tributário que constitui as mais valias imobiliárias sujeitas a tributação em IRS. Discorda a Recorrente do teor da sentença recorrida, que no seu entender padece de erro de julgamento, traduzido em errónea aplicação do direito aos factos dados como provados. Na sua petição de impugnação, os Impugnantes alegam em suma, a errónea quantificação dos rendimentos, uma vez que, apesar do preço da venda do imóvel em causa ser de € 225.000,00, no ano da respetiva escritura pública, 2009, os mesmos apenas receberam a quantia de € 123.955,00, tendo recebido € 120.000,00 no ato da escritura e € 3.955,00 em prestações mensais de € 565,00, pagas entre junho e dezembro de 2009, considerando que estabeleceram um acordo com a compradora no sentido de ser paga a quantia de € 120.000,00 no ato da escritura e de o restante valor ser pago em prestações mensais de € 565,00 até que aquela realizasse a venda da sua quota-parte noutro imóvel. Acrescentam que é irrelevante a declaração feita na escritura de ter sido recebido o preço, relevando antes o valor efetivamente recebido (“pago ou posto à disposição”) pelos Impugnantes. Entendem por isso que a liquidação impugnada é ilegal por tributar rendimentos por si não auferidos. Vejamos. A sentença recorrida, julgou improcedente o pedido formulado pela ora Recorrente na sua impugnação. Para assim decidir, o Tribunal a quo considerou que: «(…) Analisados os argumentos das partes, delimitada a questão decidenda e fixados os factos provados com relevância para a decisão da causa, vejamos então o direito aplicável, tendo presente a questão relativamente à qual existe dissonância entre as partes é a relativa ao momento da tributação, ou seja, estando em causa rendimentos da categoria G, mais precisamente rendimentos provenientes da alienação de imóvel cuja escritura pública de compra e venda se realizou em 26.05.2009, saber se a tributação ocorre em relação à totalidade do preço no ano da realização do contrato ou antes, como defendem os Impugnantes, se, tendo as partes acordado o pagamento do preço de forma faseada, o qual não foi integralmente pago no ano em que se concretizou a compra e venda, mas que foi sendo pago, mensalmente, ao longo dos meses de junho a dezembro de 2009 e durante os anos de 2010 e 2011, pelo menos até à propositura da presente ação, se há de considerar que o facto tributário não se concretizou plena e integralmente no ato da escritura pública, mas antes ao longo de todo o período em que o restante valor do preço vem sendo colocado à disposição dos Impugnantes. Vejamos então. Sobre os efeitos civis do referido contrato dispõe o artigo 408.º do Código Civil o seguinte: 1. A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as exceções previstas na lei. 2. Se a transferência respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes, sem prejuízo do disposto em matéria de obrigações genéricas e do contrato de empreitada; se, porém, respeitar a frutos naturais ou a partes componentes ou integrantes, a transferência só se verifica no momento da colheita ou separação. No que ordenamento jus tributário respeita, sobre a alienação de imóveis, maxime sobre os ganhos obtidos desse negócio, dispunha o art.º 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS que constituíam mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerado rendimentos empresariais e profissionais, resultassem, designadamente, da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis. O n.º 3 do mesmo artigo 10.º prescrevia ainda que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, reportando, pois, à data da celebração do contrato. Ora, conforme resulta do probatório, o contrato de compra e venda que deu origem às mais-valias, cuja tributação vem questionada, foi celebrado em 26.05.2009, pelo que, na sequência do que vem dito, nessa data estava verificado o facto tributário [cf. al. A) dos factos provados]. Consequentemente, e como se lhes impunha, em 26.05.2010 os Impugnantes entregam a declaração de rendimentos com referência ao ano de 2009, declarando, no respetivo anexo G, a venda realizada que deu origem às mais-valias a [cf. al. H) dos factos provados], declaração que foi liquidada em 15.06.2010, apurando imposto a pagar no valor de € 30.191,01 – pese embora com um “erro de simpatia”, como referem os próprios Impugnantes, relativamente ao preço da venda, que declararam como sendo de € 250.000,00 quando o correto seria € 225.000,00, erro que veio a ser reparado na sequência da reclamação graciosa, por liquidação efetuada em 09.07.2011 [cf. als. H), I), J) e L) dos factos provados. Como se sabe, os acréscimos patrimoniais que o Código do IRS considera como mais-valias tributáveis na Categoria G correspondem, essencialmente, a ganhos resultantes de uma valorização de bens (os denominados “ganhos trazidos pelo vento” ou windfall gains no dizer anglo-saxónico, expressão comummente usada entre nós), cujo tratamento fiscal na legislação portuguesa contém muitas especificidades, desde logo face à opção, por parte do legislador, de apenas tributar as mais-valias no momento da realização (o que contradiz a teoria do rendimento-acréscimo, que caso fosse adotada implicaria que fossem sujeitas a tributação todas as valorizações patrimoniais ocorridas, quer fossem ou não realizadas). Com efeito, em matéria de incidência de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, o Código do IRS estabelece que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que [...] resultem da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários” e determina que “os ganhos consideram-se obtidos no momento da alienação” 2 – cf. o artigo 10.º, n.º 1, al. a), e n.ºs 3 e 4. Isto é, estabelece, de forma clara e inequívoca, que os incrementos patrimoniais ou ganhos derivados da alienação onerosa de imóveis, que se consubstanciam na diferença entre o valor da aquisição e o valor de realização desses bens, constituem mais-valias que se consideram obtidas no momento da alienação. Por conseguinte, as mais-valias ocorrem, como facto tributário sujeito a tributação, logo que ocorre a alienação e surge na esfera jurídica o inerente ganho (ainda que o pagamento do preço não ocorra nessa data, ou não ocorra na sua totalidade). O que quer dizer que é neste ganho (consubstanciado no respetivo direito ao recebimento do preço), gerado no momento da alienação, que reside o facto tributário gerador das mais-valias. Ou seja, o facto tributário que as origina e conforma as mais-valias nasce e esgota-se no preciso momento (autónomo e completo) da alienação e coetânea realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo, e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um período de tempo variável em função das eventuais convenções entre as partes quanto a modo de pagamento do preço É certo que as mais-valias, tal como os demais rendimentos sujeitos a IRS, são declaradas anualmente (art.º 57.º do CIRS) e que o rendimento coletável anual do sujeito passivo corresponde ao saldo positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias que se tenham concretizado no mesmo ano (art.º 43.º n.ºs 1 e 2 do CIRS). Mas essa operação de agregação entre as mais-valias e as menos-valias não tem a virtualidade de alterar ou transmutar a natureza dos factos tributários subjacentes. E não podia ser de outro modo atenta a imperativa necessidade de o facto tributário tem de ser localizado no tempo em face da respetiva norma de incidência, e não em face da norma de determinação do rendimento coletável. Em suma, carece de relevo para a formação do facto tributário em si, o acordo celebrado entre as partes para pagamento faseado do preço da compra e venda do imóvel em termos que se estendem para além do momento da celebração da respetiva escritura pública, já que este (facto tributário), como se viu, surge isolado no tempo, ocorrendo por mero efeito do contrato de alienação do bem imóvel em questão. E o facto de o IRS ser um imposto de natureza periódica não inviabiliza que seja composto por rendimentos de formação instantânea e por rendimentos de formação sucessiva. Com efeito, enquanto alguns rendimentos são, pela natureza do seu facto gerador, de formação sucessiva no tempo, já outros, como os acréscimos patrimoniais que a lei fiscal considera como mais-valias tributáveis na Categoria G, provêm de operações isoladamente realizadas ou instantâneas, em que cada facto gerador se apresenta como autónomo e completo, isto é, sem exigência de qualquer facto ou ocorrência posterior. Em sede de IRS, o art.º 10.º, n.º 1, alínea a) do Código insere no campo de incidência da tributação as mais-valias de alienação de bens imóveis, sendo que esta incidência supõe a realização da mais-valia, ou seja, a sua alienação onerosa. E é esta alienação onerosa o facto gerador (vd. José Guilherme Xavier de Basto, IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 397). Como escreve JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO (in “IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos”, Coimbra Editora, p. 397 e 427) [n]o que respeita ao momento em que o imposto é exigível [...] rege o n.º 3 do artigo 10.º, que estabelece, como regra geral, que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1. Quer dizer, o facto gerador reporta-se ao momento do ato que “realiza” a mais-valia. Dir-se-á, em termos gerais, que o momento relevante é, pois, o da alienação do ativo em que se apuraram mais-valias tributáveis. Daqui resulta que, em geral, a exigibilidade do imposto coincide com o momento em que se verifica o seu facto gerador – o respetivo contrato por efeito do qual se transmite a propriedade do bem.» (fim de citação). Discorda a Recorrente do teor da sentença recorrida, pois, no seu entender, a interpretação das normas tributárias perfilhada na sentença recorrida não respeita os princípios da ordem jurídica tributária. Defende que o artigo 10º, nº 3 do CIRS ao prescrever que “os ganhos consideram-se obtidos no momento da alienação”, traduz inequivocamente de uma presunção legal. No entender da Recorrente, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, essa presunção não significa que se tenha de considerar que o ganho é sempre gerado no momento da alienação mesmo quando o pagamento do preço não ocorra nessa data. Mais refere a Recorrente nas suas alegações e conclusões de recurso, que, tratando-se o supra referido artigo de uma norma de incidência tributária (como se reconhece na própria sentença recorrida), a mesma deve ser interpretada no sentido de admitir a ilisão da presunção que aí é consagrada (artigo 73º da Lei Geral Tributária (LGT)). Entende a Recorrente, que, o que é relevante em matéria tributária é a tributação do rendimento real em respeito pelo princípio da igualdade, nos termos consagrados nos artigos 13º, 18º, 103º e 104º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e nos artigos 4º nº 1e 5º da LGT. Razão pela qual, no dizer da Recorrente, a mera presunção estabelecida no artigo 10º nº 3 do CIRS jamais se poderá sobrepor à justiça tributária assente na real capacidade contributiva dos sujeitos passivos. Em suma, considera a Recorrente nas suas alegações de recurso, que, se o ganho não é totalmente obtido no momento da alienação do imóvel, como inequivocamente se provou no caso dos autos (cfr. als A), B), C), D), M), N) e O) do probatório), não pode tributar-se esse ganho como se tivesse sido obtido nesse momento. Como tal, para a Recorrente, tendo ficado demonstrado que o ganho não foi integralmente obtido no momento da alienação ou sequer no ano da alienação, não pode considerar-se como um ganho sujeito a tributação em 2009. Assim, conclui a Recorrente, que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, o facto gerador do imposto não é o contrato de alienação mas sim o ganho real obtido com a alienação, que pode ou não coincidir temporalmente com aquele contrato. Mas será que a razão está do seu lado? De relevar, ab initio, que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem ao consignado no artigo 640º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento ou supressão do competente acervo probatório, razão pela qual a mesma se encontra devidamente estabilizada. Atenhamo-nos aos factos que relevam, ou seja, aqueles que antecedem a liquidação impugnada, a saber: Ora, no caso dos autos, ficou provado que no ano da alienação (2009) os vendedores não receberam a totalidade do preço (€ 225.000) pelo qual o prédio foi alienado, mas apenas receberam a quantia de € 123.955,00 (cfr. als A), B), C), D), M), N) e O) dos factos dados por assentes na sentença recorrida). Ora, estando em causa rendimentos da categoria G, mais precisamente rendimentos provenientes da alienação de imóvel cuja escritura pública de compra e venda se realizou em 26.05.2009, importa saber se a tributação ocorre em relação à totalidade do preço no ano da realização do contrato ou antes, como defende a Recorrente, se, tendo as partes acordado o pagamento do preço de forma faseada, o qual não foi integralmente pago no ano em que se concretizou a compra e venda, mas que foi sendo pago, mensalmente, ao longo dos meses de junho a dezembro de 2009 e durante os anos de 2010 e 2011, pelo menos até à propositura da presente ação, se há de considerar que o facto tributário não se concretizou plena e integralmente no ato da escritura pública, mas antes ao longo de todo o período em que o restante valor do preço vem sendo colocado à disposição dos Impugnantes. Desde já se adianta que a decisão recorrida não carece de reparo. Vide neste sentido o Aresto do STA, prolatado no processo nº 0788/09.3BELRS14, de 30 de setembro de 2020, do qual se extrata, designadamente, o seguinte: «Atenta-se, mais uma vez, na redacção dada às normas do art. 10.º n.ºs 1 a) e 3 (corpo) do C.I.R.S. postas ainda em causa pela recorrente: “1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individuai pelo seu proprietário;” (...) "3. Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n° 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes" (…). Ora, a redação do n.º3 acima transcrito, ao tempo dos factos vigente, embora diversa da inicial do dito C.I.R.S., dada pelo Decreto-Lei n.º 141/92, de 17 julho, ao consagrar “os ganhos consideram-se obtidos na data da prática dos actos previstos no n.º1” não é aparentemente muito diferente da de outros artigos do CIRS, como os 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 8.º, nomeadamente, relativos a rendimento-produto, em que não se coloca a questão de se preverem presunções. E o legislador quando quis referir-se a “presunções”, nomeadamente, quanto ao momento a considerar afirmou-o claramente, conforme consta dos artigos 6.º e 7.º do dito código. É certo que autores há que admitem estar contida no dito n.º 1 do art. 10.º ainda uma presunção - assim, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed. Encontro de Escrita, 2012, pág. 651. Contudo, o aí contido é referido no caso ao conceito de “alienação onerosa” previsto no art. 10.º n.º 1, a). Sendo um conceito indeterminado, é de admitir que seja preenchido com a compra e venda realizada através de escritura pública, a qual tem por efeito a entrega (“traditio”) do imóvel, salvo se resultar ainda o contrário. Tal o que, na dúvida quanto à interpretação a efetuar, é de concluir do princípio interpretativo de prevalência da substância económica dos factos tributários contido no art. 11.º n.º 3 da L.G.T., conforme defendem os referidos autores na obra citada, a pág. 652 e 653. Ou seja, no dito n.º3 não se prevê uma presunção e quanto previsto ao n.º1, sendo um conceito indeterminado, é de admitir que seja preenchido com a compra e venda realizada através de escritura de compra e venda de imóvel com entrega (“traditio”) deste, salvo se resultar ainda o contrário. O consagrado no n.º3 do dito art. 10.º do C.I.R.S., desse modo interpretado e aplicado, não viola princípios constitucionais como o da tributação pelo rendimento real (art. 104.º n.ºs 1 e 2 da C.R.P.), até porque têm de ser levados em consideração outros princípios, como o princípio da capacidade contributiva que pode ser manifestada no momento da revelação da dita capacidade, conforme defende Casalta Nabais, em Direito Fiscal, 7.ª ed. Almedina, 2012, pág.157, ou o princípio da igualdade, que admite restrições numa ideia de tipo médio, conforme defende ainda Ana Paula Dourado, em Direito Fiscal, 4.ª ed. Almedina, 2019, pág. 272. Aliás, são estes dois princípios que a jurisprudência do Tribunal Constitucional (T.C.) tem levado em conta para a elisão de presunções previstas na lei fiscal – cfr., acórdãos n.ºs 348/97, 211/03, 753/2014 e 211/2017, do Tribunal Constitucional, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt. Sendo de considerar conforme acima referido, é irrelevante que o recebimento de rendimentos, por parte dos impugnantes, tenha ocorrido em parte em 2004, quanto ao imóvel a que se refere a escritura de compra e venda realizada em 2003, e conforme pagamento em prestações acordado conforme consta da dita escritura. E, não havendo, assim, razões para deixar de aplicar a norma contida no art. 10.º n.ºs 1, a), e 3 do C.I.R.S., quanto ao momento da realização das mais-valias, resulta erro no decidido no acórdão recorrido, sendo de revogar o decidido, e, julgando a impugnação judicial improcedente, manter o decidido na reclamação graciosa.» (fim de citação). O que significa que em sede de IRS, o artigo 10º, n.º 1, alínea a) do CIRS insere no campo de incidência da tributação as mais-valias de alienação de bens imóveis, sendo que esta incidência supõe a realização da mais-valia, ou seja, a sua alienação onerosa. E é esta alienação onerosa o facto gerador do imposto. As mais-valias ocorrem, como facto tributário sujeito a tributação, logo que ocorre a alienação e surge na esfera jurídica o inerente ganho (ainda que o pagamento do preço não ocorra nessa data, ou não ocorra na sua totalidade). Desde modo, carece de relevo para a formação do facto tributário em si, o acordo celebrado entre as partes para pagamento faseado do preço da compra e venda do imóvel em termos que se estendem para além do momento da celebração da respetiva escritura pública, já que este (facto tributário), como se viu, surge isolado no tempo, ocorrendo por mero efeito do contrato de alienação do bem imóvel em questão. O que quer dizer que é neste ganho (consubstanciado no respetivo direito ao recebimento do preço), gerado no momento da alienação, que reside o facto tributário gerador das mais-valias. Por isso, a decisão recorrida que assim concluiu não merece censura, o que vale por dizer que o recurso improcede. * III. DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida. Custas pela Recorrente (artigo 527º do CPC). Registe e notifique. Lisboa, 9 de janeiro de 2025. ---------------------------------- [Maria da Luz Cardoso] ---------------------------------- [Ana Cristina Carvalho] ------------------------------ [Vital Lopes] |