Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2780/12.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:CONCURSO DE PESSOAL
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Sumário:
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
A...... intentou, em 12.11.2012, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa especial contra a UNIVERSIDADE DE LISBOA, impugnando o despacho de 27.6.2012 através do qual foi homologada a lista de classificação final do concurso de habilitação para o preenchimento de lugares de chefe de secção da referida Universidade e pedindo a sua condenação «a posicionar a A. em lugar provível e a operar o seu provimento» e «a operar a reconstituição da situação actual hipotética, incluindo o pagamento dos diferenciais remuneratórios devidos desde a data em que tal provimento deveria ter tido lugar, com os legais juros moratórios».

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Por sentença de 13.7.2020 o tribunal a quo julgou a ação procedente, decidindo do seguinte modo:

«Nestes termos, procede o pedido da Autora, pelo que o mesmo se defere, julgando-se:

«i) nulo o despacho de 27 Junho de 2012 aposto na Acta nº 5 pelo Magnífico Reitor que homologou a lista classificativa final do concurso de habilitação para provimento de lugares de chefe de secção da Universidade de Lisboa;
ii) condenando-se a Entidade Demandada à prática do acto devido, consubstanciado na condenação à integração do método da avaliação curricular nos métodos de selecção do concurso por forma a obter a valoração da classificação de serviço da Autora;
iii) condenando-se a Entidade Demandada à prática do acto devido de posicionar a Autora no lugar que lhe couber na lista classificativa final, após a valoração da prova de conhecimentos específicos, da entrevista e da classificação de serviço; e,
iv) condenando-se a Entidade Demandada à prática do acto devido assumindo correspondentemente ao obtido em ii) e iii), todos os efeitos remuneratórios se a eles houver lugar e respectivos juros».
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Inconformada, a Entidade Demandada interpôs recurso dessa decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1 - A douta Sentença recorrida, proferida pelo TACL a 13/07/2020, violou o disposto no artigo 204º da CRP, por aplicação do disposto no nº 3, do artigo 32º, do Decreto-Lei nº 44/84, norma declarada inconstitucional pelo Acórdão 477/98, de 1 de julho do TC.
2 - Dispunha o nº 3, do artigo 32º, deste diploma que “Nos concursos para categorias de acesso será considerada como factor de ponderação obrigatória a classificação de serviço. “
3 – Ao caso dos autos é aplicável o nº 3, do artigo 27º do Decreto-Lei nº 498/88, por força do entendimento expresso pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa no processo de execução de sentença - Processo 1336/A/92, o qual determinava o seguinte:
“A classificação de serviço será ponderada obrigatoriamente como factor de apreciação nos concursos de acesso em que o método de selecção seja a avaliação curricular.”
4 - Desta circunstância decorre, com evidência, que a alteração introduzida ao texto legal determinou que a classificação de serviço só teria que ser obrigatoriamente ponderada quando a “avaliação curricular” fosse selecionada como um dos métodos de seleção enunciados no artigo 26º, do mesmo diploma.
5 – De acordo com o nº 1 deste preceito qualquer um dos métodos previstos nas alíneas a) a c), pode ser utilizado isolado ou conjuntamente.
6 – A recorrente defende convictamente que a atuação do júri, não merece qualquer juízo de censurabilidade, padecendo a douta sentença apelada de erro de julgamento quanto à aplicação da matéria de direito.
7 – Destarte não pode conformar-se com a sentença que a condena a mais uma repetição do concurso, voltando a aferir a classificação de serviço da A. cuja valoração, já efetuou em 1992, demonstrando-se que não surtiu efeito no posicionamento da A. que manteve o 4º lugar, na lista de ordenação final.
8 – A A. deixou de exercer funções na ULisboa, no ano de 1996 e está aposentada desde Fevereiro de 2013.
9 - Afigura-se-nos que nova repetição dos atos do procedimento concursal perpetua, sem motivo, um litígio que há 36 anos se arrasta nos tribunais com evidente prejuízo para o interesse público.

Termos em que face ao exposto e com o mui douto suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo consequentemente revogada a douta sentença recorrida e a R. absolvida de todos os pedidos contra si formulados como é de JUSTIÇA.
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A Autora não apresentou contra-alegações.
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Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer.

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Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, a questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal de apelação consiste em determinar se a sentença recorrida errou ao condenar a Recorrente a integrar a avaliação curricular nos métodos de seleção do concurso de modo a valorar a classificação de serviço.


III
A matéria de facto constante da sentença recorrida – e que não foi impugnada - é a seguinte:

A) No Aviso n° 10526/2011, de 28 de Abril de 2011, publicado no Diário da República, II Série, n° 91, de 11 de Maio de 2011, consta o seguinte:

“(texto integral no original; imagem)”


B) Pelo oficio de 4 de Janeiro de 2012, a Entidade Demandada notificou a Autora do seguinte:

“(texto integral no original; imagem)”


C) Em 17 de Janeiro de 2012, a Autora pronunciou-se sobre o referido em B), em sede de audiência prévia dos interessados;
D) Pelo oficio de 14 de Junho de 2012, a Entidade Demandada notificou a Autora nestes termos:
“(texto integral no original; imagem)”



E) O oficio de 28 de Junho de 2012 da Entidade Demandada enviada ao Ilustre mandatário da Autor é do seguinte teor:


“(texto integral no original; imagem)”


F) Em 8 de Novembro de 2012, a Autora requereu junto da Entidade Demandada a emissão de certidão com a indicação das moradas da Contra-Interessadas;
G) O douto Acórdão do STA de 21 de Janeiro de 1999, é do seguinte teor:
“(texto integral no original; imagem)”


H) Na execução de sentença — Processo n°1336-A/92 — instaurada pela Autora na qual peticionava a declaração de inexistência de causa legítima de inexecução do douto Acórdão referido em G) e que correu termos na 4a Secção do TAC de Lisboa, foi proferida douta sentença em 8 de Outubro de 2001 cujo segmento decisório, é o seguinte:

I) Em 9 de Junho de 2003, foi proferida douta sentença pelo TAC de Lisboa no recurso contencioso cujo apenso se refere em H);
J) O douto Acórdão do TCA Sul de 22 de Abril de 2010, negou provimento ao recurso interposto pela Entidade Demandada da douta sentença referida em I).


IV
1. A sentença recorrida condenou a Entidade Demandada, aqui Recorrente, «à prática do acto devido, consubstanciado na condenação à integração do método da avaliação curricular nos métodos de selecção do concurso por forma a obter a valoração da classificação de serviço da Autora».

2. Contra o assim decidido insurge-se a Recorrente. E com razão. De resto, nem se identifica o fundamento que conduziu a tal decisão.

3. Na verdade, e com alguma ligação ao tema, apenas se encontra o seguinte na sentença recorrida: «Ora, por se tratar de um concurso de acesso impunha-se que o método da ‘avaliação curricular’ pela qual se aferiria a ‘classificação de serviço’ fosse consignado nos métodos de selecção, desde logo, reitera-se, por a Entidade Demandada estar vinculada a executar o doutamente determinado pelo supra douto aresto de 22 de Abril de 2010». E mais adiante: «Assim, mesmo admitindo que seria difícil convocar para prestar ‘provas de conhecimentos específicos’ e para a ‘entrevista’ aos candidatos que inclusive já se aposentaram, o cerne da questão que nos ocupa mantém-se incólume, isto é, o júri omitiu o procedimento de acrescentar o método da ‘avaliação curricular’ pelo qual alcançaria a classificação de serviço, que era viável, apesar dessas circunstâncias». Por fim: «Por sua vez, o júri do concurso não incluiu nos ‘métodos de selecção’, o da ‘avaliação curricular’ que possibilitaria apurar da classificação de serviço e integrá-la como factor valorativo na pontuação final dos candidatos com os outros dois métodos – o da ‘prova de conhecimentos específicos’ e o da ‘entrevista’. Este procedimento deve ser sancionado porque não se integra na discricionariedade técnica do júri que não se traduz numa conduta arbitrária, assumindo-se antes como uma actuação daquele órgão e da Administração que pode ser usada desde que não comprometa a sua vinculação à lei».

4. Perante isto, o Recorrente nem terá compreendido, com segurança, o que teria justificado tal entendimento. Mas admitiu – e compreende-se que o tenha feito – que teria sido por força do disposto no artigo 32.º/3 do Decreto-Lei n.º 44/84, de 3 de fevereiro, nos termos da qual «[n]os concursos para categorias de acesso será considerada, como factor de ponderação obrigatória, a classificação de serviço», norma esta que veio a ser declarada inconstitucional e que motivou o Supremo Tribunal Administrativo a reformar, por acórdão de 21.1.1999, o seu anterior acórdão de 7.11.1996 (o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 477/98, de 1.7.1998, julgou inconstitucionais as normas contidas nos artigos 5.º a 48.º do Decreto-Lei n.º 44/84, de 3 de fevereiro).

5. De resto, a sentença recorrida começa por invocar o Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de julho, passa para o Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de dezembro, e conclui que «por se tratar de um concurso de acesso impunha-se que o método da ‘avaliação curricular’ pela qual se aferiria a ‘classificação de serviço’ fosse consignado nos métodos de selecção, desde logo, reitera-se, por a Entidade Demandada estar vinculada a executar o doutamente determinado pelo supra douto aresto de 22 de Abril de 2010», resolvendo assim uma questão que não havia sido colocada. A Autora, aqui Recorrida, em momento algum veio invocar que a avaliação curricular deveria ser aditada aos métodos de seleção anteriormente definidos.

6. E o acórdão de 22.4.2010, invocado pela sentença recorrida, também não. Pelo contrário. Tal acórdão decidiu negar provimento ao recurso interposto da sentença de 9.6.2003 que havia fixado os «actos e operações a praticar pela entidade executada», a saber:


«Convocação do júri (precedida das eventuais substituições)

Actos a praticar pelo júri na sequência dessa convocação:

a. Avaliação, classificação e graduação de todos os concorrentes;
b. Elaboração da lista de classificação final;
c. Notificação aos candidatos da lista de classificação final, para efeitos de audiência prévia;
d. Apreciação e decisão sobre eventuais reclamações;
e. Alteração da lista de classificação final, se for caso disso;
f. Apresentação da lista de classificação final para (eventual) homologação».

7. Portanto, não tem fundamento a decisão constante da sentença recorrida, a qual, aliás, acaba por retirar daí uma outra consequência que também não se poderá compreender.

8. Inicialmente, a sentença, aplicando o Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de dezembro, entendeu que os métodos de seleção seriam definidos pelo júri, o qual, no entanto, não os divulgou «em tempo (…), ou seja, antes de iniciar os atinentes trâmites de avaliação e ponderação aos mesmos submetendo os candidatos». Mas logo depois já afirma a ilegalidade do ato impugnado «em virtude de o aviso nº 10526/2011 não especificar os métodos de selecção a utilizar, com a menção dos factores de apreciação, violando o princípio da imparcialidade nos termos do nº 2 do artº 266º da CRP e o artº 6º do CPA».

9. Ora, independentemente dessa incoerência, o certo é que a sentença de 9.6.2003 já havia afirmado que «[q]uanto aos actos do concurso situados a montante da avaliação (v.g. a abertura do concurso e a admissão dos candidatos), é evidente que terão de ficar intocados sob pena de se dar início a um novo procedimento concursal, caso em que a execução extravasaria manifestamente os limites do decidido».

10. Portanto, havia que manter os métodos de seleção definidos no aviso de 22.9.1984: prova de conhecimentos específicos e entrevista. Por isso se dizia, na ata n.º 4 da reunião de júri do dia 18.5.2012, que «[o]s métodos de seleção utilizados pelo Júri, foram os métodos utilizados pelo Júri inicial».

11. Quanto ao problema relativo à ponderação da classificação de serviço, teria de ser considerado o regime que veio a constar do Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de dezembro. E neste a classificação de serviço apenas seria ponderada obrigatoriamente como fator de apreciação nos concursos de acesso em que o método de seleção fosse a avaliação curricular (artigo 27.º/3). O que não era o caso.

12. É certo que a aplicação do Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de dezembro, não respeitava o decidido na sentença de 9.6.2003, a qual considerou que «deve ser mantido o bloco normativo então vigente e aplicável, sem prejuízo, bem entendido, dos efeitos que decorrem da exclusão das normas cuja constitucionalidade não foi reconhecida, o que implica a repristinação das normas revogadas (cif. art.° 54.° do Dec.-Lei n.° 44/84), repristinação essa que também se verifica como consequência do juízo de inconstitucionalidade em fiscalização concreta».

13. Sucede que na sentença de 8.10.2001 já se havia considerado ser aplicável – em função da declaração de inconstitucionalidade - o regime constante do Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de dezembro. Ainda se ponderou o facto de este diploma ter sido, entretanto, revogado pelo Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de julho, mas entendeu-se que «a única via para garantir o respeito pela decisão judicial e pelas garantias que a lei confere à Recorrente, passa pela renovação do acto à luz do quadro normativo posterior à revogação do Decreto-Lei n° 44/84», o que, naquele contexto, apenas poderá ser interpretado como sendo o Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de dezembro.

14. Sabendo-se que, nos termos do disposto no artigo 625.º do Código de Processo Civil, «[h]avendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar» (n.º 1), sendo «aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual», haverá que considerar que a retoma do procedimento concursal se faria no âmbito do Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de dezembro, como veio a suceder.

15. Em suma, tem razão o Recorrente, na medida em que não haveria que proceder a qualquer alteração aos métodos de seleção anteriormente definidos no aviso inicial de abertura do concurso, desde logo porque assim já definido por sentença transitada em julgado. E o júri manteve, como se impunha, os métodos de seleção iniciais.


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogam a sentença recorrida e julgam a ação improcedente.

Custas a cargo da Recorrida, em ambas as instâncias (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).


Lisboa, 15 de julho de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Teresa Caiado
Ilda Côco