Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:943/14.4BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:MARIA ISABEL FERREIRA DA SILVA
Descritores:LGT- ARTIGO 86º Nº 5 E 91º.
CPPT- ARTIGO 117º.
CPTA- ARTIGO 89º Nº 4, AL. I).
PEDIDO DE REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL FIXADA POR MÉTODOS INDIRETOS
INIMPUGNABILIDADE DO ATO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:I– Não existe omissão de pronúncia quando o Tribunal, em virtude da procedência de uma exceção dilatória, nominada ou inominada, não conhece as questões materiais/causas de pedir que conformam a relação material controvertida, as quais têm de ser apreciadas no mérito da impugnação.
II– A falta de reclamação do ato de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, no procedimento de revisão (artigos 85º nº 6 e 91º da LGT e artigo 117º do CPPT), com fundamento em erro nessa fixação/quantificação, ou nos pressupostos da utilização dessa metodologia avaliativa, torna o ato de liquidação inimpugnável (artigo 89º nº 4 al. i) do CPTA ex vi artigo 2º al. c) do CPPT).
III- A reclamação no procedimento de revisão, referida em II), encerra em si uma condição de procedibilidade da impugnação judicial, quando está em causa o erro na quantificação ou nos pressupostos da utilização de métodos indiretos, nos termos do artigo 117.º, n.º 1, do CPPT e do artigo 86.º, n.º 5, da LGT.
IV- O erro na contabilização do CMVCM, tal como foi alegado pela Recorrente na petição inicial, tem reflexos diretos no modo como a administração tributária efetuou os cálculos para fixar a matéria tributável por métodos indiretos, pelo que a discussão desse erro implica a discussão da quantificação da matéria tributável por métodos indiretos, e, assim, está sujeita ao regime dos artigos 117.º, n.º 1, do CPPT e 86.º, n.º 5, da LGT.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:



I - RELATÓRIO

A impugnante, M…………., LDA (ora recorrente) veio interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 04.01.2021, que julgou verificada a exceção de inimpugnabilidade por não ter sido feito pedido de revisão da matéria tributável, em sede de IRC dos anos 2008 e 2009, ao concluir do modo que se segue:
“Nestes termos e com s fundamentos supra expostos, julgo verificada a exceção inominada de falta de pressuposto processual ou condição de procedibilidade da ação, consubstanciada na falta de apresentação do pedido de revisão da matéria coletável, e em consequência absolvo a Fazenda Pública da instância, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, al. e) e 576.º do CPC, aplicáveis ex vi, artigo 2.º, al. e), do CPPT”.

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A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
“A) – Na p.i. a recorrente invocou como causa de pedir a “errónea contabilização do CMVMC de 2008 e 2009”, a qual, no entanto, não foi objeto de conhecimento pela douta sentença recorrida, fato que configura nulidade de sentença.
B) - Com efeito, na p.i. a recorrente invocou que se dedica à suinicultura, tendo nas suas explorações dois tipos de animais, a saber: animais reprodutores que fazem parte do seu ativo imobilizado e as respetivas recrias que figuram no ativo da empresa como mercadorias, tendo alegado que no CMVMC de 2008 e 2009 nas quantias de € 785.257,00 e de € 635.677,12 estavam incluídas as verbas de € 139.401,14 e 123.644,36, relativa ao custo da farinha consumida pelas reprodutoras e que o CMVMC de 2008 e 2009 relativo às recrias perfaz apenas as quantias de € 645.855,81 e 512.032,76.
C) - Com efeito, a causa de pedir designada por “errónea contabilização do CMVMC de 2008 e 2009” tem a natureza de uma questão técnica pura e nessa medida não está sujeita ao regime previsto nos artigos 117º do CPPT e 86º, nº 5 e 91º e seguintes da LGT.
D) - Por um lado, trata-se de uma componente essencial de determinação do resultado fiscal através do regime de contabilidade organizada, cuja fórmula se decompõe nomeadamente do seguinte modo: o resultado líquido apura-se pela subtração aos proveitos dos custos, sendo que dos custos fazem nomeadamente parte o custo das matérias-primas vendidas e consumidas.
E) - Por outro lado, a aplicação de métodos indiretos não implicou no caso da recorrente qualquer desqualificação do referido CMVMC tal como assim melhor resulta da leitura do relatório de inspeção no âmbito do qual foi utilizada a aplicação dos métodos indiretos.
F) - Por último, importa referir que a recorrente formula o pedido de anulação das liquidações do IRC de 2008 e 2009 nos termos e com os fundamentos apresentados na p.i., mais concretamente o pedido formulado pela recorrente consiste na anulação do IRC na parte em que foi utilizado o CMVMC de € 785.257,00 e de € 635.677,12 quando apenas poderia ter sido utilizado o CMVMC de € 645.855,81 e de € 512.032,76, respetivamente em 2008 e 2009.
G) - Do exposto resulta que a causa de pedir designada por “errónea contabilização do CMVMC de 2008 e 2009” constitui matéria que está fora do âmbito de aplicação do regime de obrigatoriedade de reclamação prévia dos métodos indiretos e como tal deveria ter sido conhecida pelo Tribunal “a quo”.
S) - A douta decisão recorrida fez incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 117º do CPPT e 86º, nº 5 e 91º e seguintes da LGT”.
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Notificada, a Recorrida não apresentou resposta às alegações.
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Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do art. 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.

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II -QUESTÕES A DECIDIR:

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT).
Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir: - Se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia, e se padece a mesma do vício de erro de julgamento de direito na interpretação e aplicação dos artigos 117º do CPPT e 86º, nº 5 e 91º e seguintes da LGT que ali é feita.

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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:


A decisão recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:


“ Para apreciação dessa exceção, e com recurso aos documentos constantes dos autos e dos processos administrativos apensos, importa julgar provados os seguintes factos:
1. Pelo ofício n.º ……… datado de 2012.10.30, da Direção de Finanças de Leiria, enviado por correio registado com aviso de receção, a Impugnante foi notificada do relatório de inspeção tributária que procedeu a correções à matéria tributável, por métodos indiretos, referente a IVA e IRC, dos anos de 2008, 2009 e 2010 - cfr. fls. 12 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. Em 2012.10.31 o ofício referido no ponto 1. Foi rececionado pela impugnante - cfr. Doc. de fls. 23 do processo administrativo apenso.
3. Em 2012.12.03 a Impugnante remeteu à Direção de Finanças de Leiria, por correio registado, pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do artigo 91.º da Lei Geral Tributária - cfr. fls. 35 dos autos.

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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:


Principia a recorrente as suas conclusões invocando a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronuncia na medida em que elencou como causa de pedir da sua impugnação, com vista a anular as liquidações postas em crise, a “errónea contabilização do CMVMC de 2008 e 2009” que não teve qualquer apreciação (conclusão A)).
Concretizando nas conclusões seguintes aquilo que, a respeito, alegara na PI, designadamente que se dedica à suinicultura e que na sua contabilidade de 2008 e 2009, no CMVMC, nas quantias de € 785.257,00 e de € 635.677,12 estavam incluídas as verbas de € 139.401,14 e 123.644,36, relativas ao custo da farinha consumida pelas reprodutoras e que o CMVMC referente às recrias perfazia apenas as quantias de € 645.855,81 e 512.032,76. Entende, por isso, que, a errónea contabilização do CMVMC de 2008 e 2009 tem a natureza de uma questão técnica pura, não estando sujeita ao regime previsto nos artigos 117º do CPPT e 86º, nº 5 e 91º e seguintes da LGT, pelo que deveria ser apreciada pelo Tribunal recorrido.
Em suma, para a recorrente a decisão posta em crise é nula na medida que ao ter alegado a “errónea contabilização do CMVMC de 2008 e 2009”, deveria a mesma ter sido conhecida pelo Tribunal pois entende que tal questão em nada se relaciona com a obrigatoriedade de reclamação prévia para a comissão de revisão de modo a abrir a possibilidade de ser discutida judicialmente.
Apreciando.
- Da nulidade da decisão por omissão de pronúncia.
A sentença é nula, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões, que não as meras "razões" ou "argumentos", que devesse apreciar.
Este vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT e no artigo 615.º, nº. 1, alínea d), do CPC.
Na situação colocada a decisão recorrida não apreciou o mérito da questão que se prende com a “errónea contabilização do CMVMC de 2008 e 2009”, causa de pedir em que se esteou em ambas as PI, ou seja nos processos nºs 943/14.4BELRA (IRC de 2008 e juros compensatórios, no montante de 16.240,60 EUR) e 944/14.2 BELRA ( IRC de 2009 e juros compensatórios de 2009, no montante de 41.230,37 EUR), processos que, em 1ª instância, mereceram despacho de apensação.
Consultadas ambas as petições iniciais da recorrente (no processo principal e apenso), verificamos que a recorrente pretendia a anulação das liquidações de IRC de 2008 e 2009 e correspondentes juros compensatórios, decorrentes de um procedimento inspetivo em que a matéria tributável foi fixada por métodos indiretos, tendo apresentado como causas de pedir para obter a anulação das liquidações, as seguintes: - (1) ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão da matéria coletável e (2) a errónea contabilização do valor do CMVMC.
Vejamos.
Decorre do n.º 5 do artigo 86.º da LGT que: Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação nos termos da presente lei.
Ao mesmo passo, estabelece o n.º 1 do artigo 117.º do CPPT que: “(…) a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável.”
Decorre cristalinamente das supracitadas normas que, a impugnação de atos tributários com fundamento em vício de errónea quantificação da matéria tributável ou de erro na verificação dos pressupostos de aplicação de métodos indiretos, depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável, nos termos do artigo 91.º da LGT.
O recurso ao pedido de revisão da matéria coletável fixada por métodos indiretos constituiu uma condição, para conhecimento em sede de impugnação judicial, de vícios que contendam com a errónea quantificação da matéria coletável e/ou com a verificação dos pressupostos de determinação indireta da matéria coletável.
Nestas situações, a revisão administrativa funciona como uma “impugnação pré-contenciosa”, que condiciona o acesso aos tribunais e cuja justificação se encontra nos próprios critérios em que assenta a determinação da matéria coletável através de métodos indiretos.
Faltando esse procedimento de revisão da matéria tributável, a que alude o artigo 91º da LGT, os atos de liquidação com os fundamentos supracitados, são inimpugnáveis, o que constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (Cf. artigo 89º nº 4, al. i) do CPTA, ex vi artigo 2º al. c) do CPPT).
Tal como se sumariou no Acórdão deste TCAS de 11.01.2023, Proc. nº 76/12.8BEBJA, diremos nós também que: “Caso sejam emitidas liquidações, por força da aplicação de métodos indiretos, a exigência, enquanto condição de impugnação, de prévio procedimento de revisão de matéria tributável só se verifica quando os fundamentos sejam a falta dos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indiretos ou o erro na quantificação”.
Sendo a avaliação da matéria tributável por métodos indiretos norteada por critérios de natureza essencialmente técnica, compreende-se que antes de ser questionada a sua legalidade judicialmente, sejam os mesmos objeto de apreciação por peritos com especiais conhecimentos técnicos, conferindo, esta fase “pré-contenciosa” uma tutela mais ampla ao contribuinte, na medida em que, reúnem os peritos melhores condições técnicas para uma primeira apreciação acerca da legalidade da determinação da matéria coletável por métodos indiretos.
Regressando à situação sob nossa mira, constatamos que, efetivamente, o Tribunal não conheceu da “errónea contabilização do CMVMC de 2008 e 2009”.
Bem andou o Tribunal recorrido ao não ter apreciado essa questão, na medida em que, tendo absolvido a Fazenda Pública da instância (por falta de um pressuposto processual ou condição de procedibilidade da ação - a falta de apresentação do pedido de revisão da matéria coletável), a lei obsta ao conhecimento do mérito dessa mesma questão – Cf. artigos 278.º, n.º 1, alínea e) e 576.º do CPC ex vi, artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
O Tribunal a quo não conheceu de mérito, por constatar que existia uma exceção que determinou a absolvição da instância da recorrida, proferindo uma decisão de forma, o que obstaculizou o conhecimento das questões de mérito/substanciais colocadas.
A decisão de mérito constitui um conceito processual que é utilizado, fundamentalmente, para distinguir as exceções dilatórias das perentórias (artigo 576.º, n.º 2, do CPC) e para distinguir os efeitos da sentença (seus artigos 619.º e 620.º do CPC).
Desse conceito – “decisão de mérito” – flui que, é de mérito a decisão que recaia sobre a relação jurídica substancial. Em contrapartida, a “decisão de forma” é aquela que recai sobre a relação jurídica processual.
A relação jurídica substancial é aquela que materialmente se controverte no processo.
Já a relação jurídica processual é aquela que se forma no processo, antecede as questões de mérito colocadas, relacionando-se com os pressupostos processuais que têm de estar reunidos de modo a poder avançar-se para o conhecimento das questões de mérito.
Deste modo, quando o juiz decide uma exceção dilatória toma posição sobre a relação jurídica processual. E, quando decide uma exceção perentória ou conhece do litígio, tal como ele se apresenta na ação, conforma a relação jurídica material.
Decorrendo dos autos que, na decisão recorrida, a Mm.ª Juiz não conheceu do mérito da causa e em vez disso, conheceu de uma exceção que obstou ao seu conhecimento (de mérito), absolvendo a recorrida da instância, viu vedado o conhecimento das causas de pedir em que a recorrente ancorava a sua pretensão com vista à anulação das liquidações.
Assim sendo, não se pode concluir que existe omissão de pronúncia ao não ter sido conhecida a questão que a recorrente pretendia ver apreciada, na medida em que, mercê da procedência da matéria excetiva, não estava o Tribunal obrigado a conhecer dessa questão material que tinha sede própria na apreciação de mérito da impugnação.
Em suma, não existe omissão de pronúncia quando o Tribunal, em virtude da procedência de uma exceção dilatória ou inominada, não conhece as questões materiais/causas de pedir que conformam a relação material controvertida, as quais têm sede própria na apreciação do mérito da impugnação.
Nesta conformidade, improcede a apontada nulidade da decisão recorrida.
- Do erro de julgamento de direito.
Prossegue, por fim, a recorrente, manifestando o seu inconformismo com a decisão recorrida, por ter feito uma incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 117º do CPPT e 86º, nº 5 e 91º e seguintes da LGT (Cf. conclusão S)), já acima referidos.
Se bem vemos, a recorrente afronta a decisão de absolvição da instância por discordar que, no caso, ao ter alegado a errónea contabilização do valor do CMVMC, não necessitava de lançar previamente mão do procedimento de revisão da matéria coletável fixada por métodos indiretos nos termos dos artigos 117º do CPPT e 86º, nº 5 e 91º e seguintes da LGT.
Vejamos.
O pomo da discórdia da recorrente centra-se em considerar que a errónea contabilização do valor do CMVMC de 2008 e 2009, ao não ser discutida previamente no pedido de revisão da matéria tributável, à luz dos artigos 91º da LGT e 117º do CPPT, não deixa de ser impugnável em sede de impugnação. Não existindo, por isso a condição de procedibilidade a que se refere o Tribunal a quo.
A verdade é que a questão em torno do erro na contabilização do valor do CMVMC de 2008 e 2009 está relacionado com a quantificação da matéria tributável. E, é consabido que, quando em causa está a avaliação indireta, para poder discutir-se a quantificação da matéria tributável em sede de impugnação judicial, é necessário primeiramente lançar mão do procedimento de revisão a que alude o artigo 91º da LGT e artigo 117º do CPPT.
A recorrente não põe em causa, em ambas as impugnações, que o erro na quantificação da matéria tributável ou na aplicação dos métodos indiretos depende da prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável, nos termos dos artigos 86.º, n.º 5, da LGT e 117.º, n.º 1, do CPPT.
Também não discute o julgamento efetuado pelo Tribunal recorrido quanto à intempestividade do pedido de revisão da matéria tributável.
Defende, todavia, que, o erro na contabilização do CMVMC de 2008 e 2009, que alega nas petições iniciais como causa de pedir, respeita a uma questão técnica, não estando sujeita a sua apreciação judicial ao regime previsto nos artigos 117.º do CPPT e 86.º, n.º 5 e 91.º e seguintes da LGT, e ao entender assim, a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errada interpretação daquelas normas jurídicas.
Mas, não é assim.
O erro na contabilização do CMVCM, tal como foi alegado pela Recorrente na petição inicial, tem reflexos diretos no modo como a administração tributária efetuou os cálculos para fixar a matéria tributável por métodos indiretos, pelo que a discussão desse erro implica a discussão da quantificação da matéria tributável por métodos indiretos, e, assim, está sujeita ao regime dos artigos 117.º, n.º 1, do CPPT e 86.º, n.º 5, da LGT.
Por isso, não se vê em que medida tenha a Mª juiz errado na interpretação dos normativos acima referidos e já aqui transcritos.
A este mesmo respeito, envolvendo as mesmas partes, divergindo apenas o ano do IRC (ali estava em causa o erro na contabilização do CMVMC de 2010), em que igualmente o Tribunal recorrido absolveu da instância a FP/recorrida por não ter sido deduzida previamente a revisão da matéria tributável nos termos do artigo 91º da LGT e 117º do CPPT, o STA, em acórdão de 16.12.2021, proferido no processo nº 0 945/14.0BELRA, que vem norteando a nossa apreciação, decidiu, de modo claro e lapidar, como se segue:
“(…) É certo que a reclamação do ato de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, com fundamento em erro nessa fixação ou nos pressupostos da utilização destes métodos, constitui pressuposto ou condição de procedibilidade da impugnação judicial com esses fundamentos, nos termos do artigo 117.º, n.º 1, do CPPT e do artigo 86.º, n.º 5, da LGT – cf. entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-05-2017, proferido no processo 01662/15. Também é certo que se a liquidação objeto da impugnação judicial tiver origem não só da aplicação dos métodos indiretos na determinação da matéria tributável (nos termos do disposto no artigo 91.º e 92.º da LGT), mas também noutras correções, designadamente aritméticas, apenas as primeiras têm a sua discussão contenciosa dependente da prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributária tributável. E, ainda assim, nesta última hipótese, essa dependência respeita apenas ao erro na quantificação da matéria tributável e aos pressupostos na determinação da matéria tributável, mas já não quanto a outros eventuais vícios – cf. entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-01-2020, proferido no processo 02753/12.4BEPRT.
3.6. Acontece, como defende o Ministério Público, a errónea contabilização do valor do CMVMC integra o vício de “erro na quantificação da matéria tributável”. O que resulta da própria alegação da Impugnante, ora Recorrente na petição inicial, no artigo 38.º, ao afirmar: o “Erro de contabilização do CMVMC, nos termos supra-descritos, que tem reflexos diretos na aplicação dos métodos indiretos” (artigo 38.º da petição inicial), e depois desenvolvido nos seguintes, dos quais se destacam as seguintes asserções: “Ou seja, os Serviços de Inspeção englobaram no CMVMC do exercício de 2010 a quantia de € 118.646,82, ou seja, 649.357,32 – 530.710,50, que diz respeito ao custo da ração utilizado para os animais reprodutores (artigo 42.º da petição inicial), “Erro de contabilização da quantia de € 118.646,82 no CMVMC de 2010 que os Serviços de Inspeção Tributária tinham obrigação de ter expurgado do valor que tinha sido contabilizado pela impugnante no exercício de 2010, ou seja, € 530.710,50” (artigo 43.º da petição inicial). Ou seja, o erro na contabilização do CMVCM, tal como foi alegado pela Impugnante, ora Recorrente, tem reflexos diretos no modo como a administração tributária efetuou os cálculos para fixar a matéria tributável por métodos indiretos, pelo que a discussão desse erro implica a discussão da quantificação da matéria tributável por métodos indiretos, o que depende, como se viu, da prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável.
3.7. Assim sendo, tendo o Tribunal recorrido considerado verificada exceção que contende com a impugnabilidade do ato, não se lhe impunha o conhecimento daquela causa de pedir, pelo que a sentença sindicada não padece da nulidade apontada.
Sempre será, no entanto, de observar, tal como refere o Ministério Público, que a forma como o vício vem invocado configura antes um erro de julgamento, por contender com uma adequada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 117.º, n.º 1, do CPPT e artigo 86.º, n.º 5, da LGT, erro que, pelo que ficou dito, não se verifica.”
Vista a situação colocada, à luz do douto aresto transcrito em que é retratada situação em tudo semelhante, não vemos razão para nos afastar deste entendimento, que sufragamos.
Por conseguinte, terão de naufragar todas as conclusões recursivas, quer por inexistir nulidade da decisão, quer por inexistir errada interpretação jurídica dos artigos 117.º do CPPT e 86.º, n.º 5 e 91.º e seguintes da LGT.
Aqui chegados, assuma a conclusão que o recurso terá de improceder, sendo de manter a decisão recorrida.

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No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da recorrente por ser parte vencida.
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IV- DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
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Lisboa, 24 de abril de 2024

Isabel Silva
(Relatora)
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Patrícia Manuel Pires
(1ª adjunta)
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Sara Loureiro
(2ª adjunta)
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