Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3007/05.8BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:COBRANÇA DUVIDOSA
MORA
LETRA DE CÂMBIO
AJUDAS DE CUSTO
Sumário:I - A validade das correcções efectuadas no âmbito de uma acção inspectiva é, em princípio apreciada à luz da fundamentação constante do relatório de inspecção tributária, nos termos do disposto nos artigos 62.º, n.º 3, alínea i) e 63.º do RCPITA, ou havendo novos elementos de prova fornecidos pelo contribuinte, à luz da fundamentação constante das decisões proferidas nos procedimentos de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou de revisão e não à luz de prova testemunhal a produzir no processo judicial;
II – Os créditos em mora titulados por letras de câmbio mantém-se, aplicando-se as regras quanto à sua consideração como créditos de cobrança duvidosa por referência às facturas e não às letras, por não decorrer da prova que a intenção das partes não fosse outra que não a de tornar mais fácil a satisfação do crédito, subsistindo a dívida inicial até à sua satisfação integral.
III – O requisito da prova da facturação aos clientes das ajudas de custo pagas a trabalhadores por deslocações em viatura própria não pode ser aplicado retroactivamente a situações verificadas antes da entrada em vigora da norma que o veio a estabelecer.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Comum do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por E… – Publicidade, Ldª., actualmente designada H… PORTUGAL, LDA contra o acto de indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento da reclamação graciosa, que teve por objecto a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1996, interpôs recurso formulando para o efeito as seguintes conclusões:

« A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação a impugnação deduzida por E… – PUBLICIDADE, LDA. e anulou parcialmente o ato de liquidação de IRC impugnado, relativamente às correções nos montantes de € 3 781 163$00, respeitante a provisões para créditos de cobrança duvidosa, PTE 4 883 800$00 relativo a gastos não aceites com deslocações e estadas e PTE 403 900$00 relativos a deslocações em viatura própria dos trabalhadores e colaboradores da Impugnante; com as legais consequências: reconstituição da situação tributária da Contribuinte.

B) Verificados os pressupostos constantes do art.º 33.º do CIRC, na redação ao tempo, nada tem a obstar a Autoridade Tributária e Aduaneira à constituição de provisões por créditos incobráveis.

C) No entanto, não foi esta a situação verificada nos autos, uma vez que a fatura em causa e relativamente à qual, uma vez que a mesma não foi paga, se coloca a questão da constituição da provisão por crédito incobrável, é a fatura emitida pela Impugnante, ora Recorrida, à cliente C…, a qual conforme se refere na sentença ora recorrida e não é objeto de litígio, “não foi paga na data de vencimento”.

D) Não tendo a referida fatura sido paga na data de vencimento, desencadear-se-iam as consequências associadas à mora do devedor, uma vez que estando em causa uma prestação possível, não foi a mesma realizada no tempo devido, por facto imputável ao devedor.

E) Contudo, a aceitação da letra de câmbio posteriormente ao vencimento da fatura, juntamente com a definição da letra de câmbio como “um título de crédito à ordem, pelo qual uma pessoa (sacador) ordena a outra (sacado) que lhe pague a si, ou a terceiro (tomador) determinada importância”, pode, efetivamente, indiciar que a relação concreta subjacente à emissão da letra é a da dívida constante da fatura, a qual não foi paga pelo cliente C….

F) Analisando os factos dados como provados, logo concluímos que a única referência quer à fatura, quer à letra emitidas é no ponto E) a. dos mesmos.

G) Desconhece-se, portanto, que valor constava da fatura ao cliente C… e, portanto, que valor ficou em dívida. Desconhece-se igualmente, que valor foi emitido na letra de câmbio aqui em causa.

H) Pelo que, face à falta dos referidos elementos, indispensáveis, para o efeito que se pretende, não foi e efetivamente não é possível concluir o que a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu, e especificamente a Inspeção Tributária, que o crédito que se discute nos autos como de possível provisão para crédito incobrável ou não, é sempre o mesmo, e que não tendo sido pago durante o período que se encontrou a pagamento, foi aceite uma letra de câmbio que incluiu o valor titulado na referida fatura.

I) Mas, perante os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, não é possível retirar a conclusão que o mesmo Tribunal, na sentença ora recorrida, retirou, sendo que relativamente à letra de câmbio em causa nos autos nenhuma informação sobre a mesma foi levada aos factos provados, designadamente, a data de emissão, o valor da mesma, a data de vencimento, ou sequer, o número.

J) E, o mesmo se refira da fatura emitida pela ora Recorrida ao cliente C…, a qual é mencionada várias vezes ao longo da motivação de direito, sem que conste qualquer informação acerca da mesma nos factos dados como provados.

K) Pelo que a matéria contemplada na decisão de facto é insuficiente para a tomada de posição sobre o pedido formulado, verificando-se um erro ou vício da decisão de facto, o qual, nos termos do art.º 662.º n.º 2 alínea c) do CPC, implicará necessariamente a modificação da decisão de facto

L) Estamos, em termos materiais e de substância, perante um só crédito e, tendo a ora Recorrida aceite a letra de câmbio em causa, tal foi suficientemente demonstrativo de que estaria a aceitar um alargado de pagamento, além do titulado na fatura, e que, portanto, só se poderia constituir o cliente em mora findo o prazo constante da letra de câmbio.

M) Pela mesma ordem de razões, também só se poderá constituir a provisão para crédito incobrável findo o prazo constante da letra de câmbio e não o da fatura.

N) Tal é a decisão mais consentânea com os factos apurados em sede inspetiva, devendo a provisão para crédito incobrável ser desconsiderada para efeitos de custo fiscal, em conformidade com a correção efetuada pela Inspeção Tributária, que acresceu ao lucro tributável PTE 3 781 163$00, relativo a reforço de provisões para créditos de cobrança duvidosa sobre C…, não aceite como custo fiscal, por se tratar de créditos titulados por letras, ao abrigo do disposto no artigo 34/3.b) CIRC

O) A inspeção tributária, em sede inspetiva, não aceitou como custo fiscal os gastos com viagens e hotéis, por estarem insuficientemente documentados e portanto, por não estar comprovada a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos.

P) São dois os requisitos para que os atuais gastos ou perdas das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal, que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.

Q) Nesta sede, está em causa a verificação dos requisitos formais exigidos para a comprovação dos gastos.

R) Ora, os documentos apresentados pela ora Recorrida para comprovação dos gastos não permitiam identificar os beneficiários desses mesmos gastos e a natureza da operação.

S) É, no ponto F dos factos dados como provados que na sentença ora recorrida se enunciam as várias vendas a dinheiro, faturas e documentos internos que titulam os gastos incorridos, sendo que em cinco situações documentadas de deslocações e estadias são referidos os beneficiários das mesmas [alíneas b), c), f), i) e k) do ponto F dos factos dados como provados]. No entanto, em nenhuma das situações é possível retirar dos documentos identificados a “natureza das operações”.

T) Até que ponto a exigência de documentação não está em direta correlação com a apreciação do requisito da necessidade ou indispensabilidade?

U) O art.º 23.º do CIRC enumera de forma exemplificativa as despesas efetuadas pelas empresas que podem ser consideradas gastos, ou seja, como componentes negativas do resultado líquido do exercício, tendo como elemento preponderante a indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora.

V) Não basta, portanto, que exista uma conexão entre gastos e ganhos para que os primeiros tenham relevância fiscal, é pois necessário comprovar a sua indispensabilidade para a formação dos rendimentos e ganhos.

W) Como se consegue fazer uma apreciação da (in)dispensabilidade dos gastos incorridos sem um efetivo conhecimento dos elementos dos mesmos, designadamente, dos seus beneficiários, da razão comercial da sua ocorrência, da sua natureza …?

X) Efetivamente desconhecemos outra forma de aceder a todos estes elementos para além dos próprios documentos que titulam a operação.

Y) Pelo que os documentos, fundamentais na apreciação da (in)dispensabilidade dos gastos incorridos pela ora Recorrida conforme já o enunciámos, deveriam referir o fim específico que lhes foi dado, de molde a permitir concluir que os mesmos foram indispensáveis para a realização dos rendimentos tributáveis ou para a manutenção da fonte produtora, o que não aconteceu.

Z) Deu, o Tribunal a quo, razão à ora Recorrida quanto à questão que divide Recorrida e Fazenda Pública e fê-lo enunciando que “os gastos em causa são enquadráveis no nº 1, alínea b) do artigo 23.º do CIRC, com a redação então vigente, como encargos de promoção e logo gastos de publicidade e propaganda (gastos promocionais)”.

AA) E com base em que prova o Tribunal a quo chegou a esta conclusão? É com base na alegação de que a ora Recorrida se dedica à atividade de publicidade, que se consideraram assim justificados todos os gastos incorridos pela mesma em viagens e estadias, acrescentemos nós, independentemente da natureza das mesmas viagens.

BB) Justificar todas as deslocações e estadias da ora Recorrida somente com base no facto de, atento o seu objeto social [publicidade], ser concebível que sejam feitas viagens para obtenção de proveitos para a sociedade, é admitir que todas as viagens efetuadas o sejam com intenção de obter proveitos para a empresa, quando a realidade poderá ser muito diferente.

CC) O Tribunal a quo não fez, contudo, qualquer esforço no sentido de avaliar se os gastos efetivamente feitos o foram com intenção de obter proveitos para a empresa e os que não tinham essa intenção.

DD) Em matéria de ónus da prova refira-se que quando a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), atuando ao abrigo do princípio da legalidade, fundamentadamente, faz emergir a dúvida sobre relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este esclarecer a “congruência económica” da operação.

EE) A ora Recorrida não pode simplesmente alegar abstrata e conclusivamente de que a despesa se insere no interesse societário ou na existência da relação justificada com a atividade desenvolvida, exigindo-se que invoque e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade das atuações empresariais provocantes dos gastos registados, para que, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)9.

FF) E, não pode, por maioria de razão, o Tribunal a quo, bastar-se com a alegação da ora Recorrida para considerar verificado o requisito da indispensabilidade e desta forma aceitar os gastos.

GG) Ora, a ora Recorrida não fez prova da materialidade das operações efetuadas, não tendo logrado demonstrar que os gastos correspondem à realidade dos factos.

9 Veja-se a este propósito o Acórdão do STA de 27-03-2012, processo n.º 05312/12, relator Aníbal Ferraz, in www.dgsi.pt.

HH) Ao abrigo da Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, exigia-se que as referidas despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador fossem faturadas a clientes e escrituradas a qualquer título. Tal prova não foi feita pela ora Recorrida.

II) Pelo que, perante esta falta de prova de um dos requisitos legais para a dedutibilidade dos referidos encargos, não podia a Inspeção Tributária ter agido de outro modo que não a sua correção, ao abrigo do art.º 41.º n.º 1 alínea f) do CIRC.

JJ) E tal, diga-se, desde já, não se deveu ao facto da ora Recorrida não ter um mapa por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual fosse possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, onde constassem designadamente os locais, tempos de permanência e objetivos das mesmas deslocações, como passou a ser exigência a partir da redação do art.º 41.º n.º 1 alínea f) do CIRC operada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro.

KK) A correção levada a cabo pela Inspeção Tributária baseou-se unicamente no facto de não estar preenchido o segmento da referida norma legal “faturação a clientes” ou, pelo menos, não ter havido prova deste segmento pela Impugnante, ora Recorrida.

LL) E, digamos ainda, se é verdade que a lei fiscal, nomeadamente a redação do art.º 41.º n.º 1 f) ao tempo não exigia como requisito a existência de um mapa através do qual fosse possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem as mesmas despesas, não é menos verdade que tal só se pode apresentar como um requisito implícito ao art.º 41.º n.º 1 alínea f) do CIRC.

MM) Se assim não se entendesse, qualquer valor constante da fatura a emitir aos clientes seria aceite como despesa enquadrável no art.º 41.º n.º 1 alínea f) do CIRC e, portanto, encargo dedutível para a empresa, no apuramento do lucro tributável, independentemente de se ter verificado ou não.

NN) O mesmo será dizer, nada impediria a qualquer empresa, no sentido de diminuir o lucro tributável e, nessa vertente, diminuir o imposto (IRC) a pagar, de imputar a um cliente um montante a título de ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, que, na verdade o trabalhador não incorreu e, portanto, na perspetiva do Tribunal a quo, uma vez que cumpre os pressupostos constantes do art.º 41.º n.º 1 alínea f) do CIRC, estaria, per si, justificado.

OO) Pelo exposto, verifica-se um erro de julgamento, decorrente da circunstância de se ter bastado com os documentos internos a que alude o Relatório de Inspeção, documentos dos quais constam como elementos: o local visitado, o mês do evento, os quilómetros percorridos; estando os mesmos assinados pelos sujeitos que efetuaram as deslocações e quantia recebida, para desta forma se determinar a anulação da correção efetuada pelos serviços de inspeção tributária, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do art.º 41.º do CIRC, por falta de suporte legal.

Impunha-se à douta sentença recorrida, perante o probatório, fazer uma correspondência perfeita entre os factos dados como provados e o decidido, o que não aconteceu, manifestando a fundamentação jurídica da decisão uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável, e por isso incorreta, o que conduziu à injusta decisão contra a ora Recorrente.

Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença, como é de Direito e Justiça.»


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Notificada da admissão do recurso jurisdicional, a recorrida apresentou contra-alegações rematando-as as com as seguintes conclusões:

«1. A RECORRIDA foi notificada, em 2000, da liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1996, em resultado das correções realizadas em sede de inspeção tributária.

2. Entre outras correções efetuadas, na Impugnação Judicial foram somente impugnadas as seguintes correções:

a. Provisões para créditos incobráveis: correção no montante de PTE 3.781.163$00;

b. Provisões para produtos e trabalhos em curso: correção no montante de PTE 5.801.250$00;

c. Despesas com deslocações e estadas: correção no montante de PTE 4.883.800$00;

d. Deslocações em viatura própria: correção no montante de PTE 4.803.900$00.

3. O Tribunal a quo julgou procedente a anulação das correções referentes (a) às provisões para créditos incobráveis, (c) despesas com deslocações e estadas e (d) deslocações em viatura própria.

4. A AT apresentou ALEGAÇÕES DE RECURSO, invocando erro de julgamento.

5. Invoca a AT que a provisão para créditos incobráveis não se poderia constituir, por não estarem reunidos os requisitos temporais, i.e., visto que uma letra havia sido emitida quanto àquela dívida, que o prazo para a sua constituição deveria contar-se apenas a partir do termino desta e não do da fatura da dívida inicial.

6. Salvo o devido respeito, apenas assim o seria se houvesse uma intenção de renegociação ou novação da obrigação vencida.

7. Aliás, a própria AT veio a reconhecer posteriormente em informação vinculativa, referente a um caso paralelo, que é o vencimento da fatura, e não da letra, que determina o prazo para contagem da mora para efeitos de constituição de provisão.

8. Assim, considerando-se que a mora é contada da data de vencimento da fatura ou documento equivalente, mesmo no caso de terem sido emitidas letras de câmbio em data posterior, a correção realizada padece de vício de ilegalidade, pelo que, se deverá manter a decisão proferida quanto a esta matéria.

9. Quanto às despesas com deslocações e estadas, não foram aceites pela AT como custo fiscal, por estarem insuficientemente documentadas e, portanto, não estar comprovada a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos.

10. Ora, este argumento não procede, pois, não só a indispensabilidade abrange todos os custos que não se encontrem fora do escopo da atividade e objeto societário, como não existia, à data, nenhuma norma que determinasse como deveriam ser comprovadas as despesas.

11. Contudo, a RECORRIDA não só apresentou prova testemunhal, como faturas dessas despesas na sua contabilidade e, era entendimento da AT comummente conhecido, que faturas seriam meios idóneos para comprovar despesas.

12. Assim, considerando-se a indispensabilidade do gasto e o suporte documental válido nos termos legais à data aplicáveis, a correção realizada padece de vício de ilegalidade, pelo que, se deverá manter a decisão proferida quanto a esta matéria.

13. Quanto às deslocações em viatura própria, a AT desconsiderou aqueles custos por os mesmos não se encontrarem suportados em documento interno que identificasse, em simultâneo, os dias da deslocação, com indicação do local e hora de partida o percurso efetuado e o local de chegada e o motivo das deslocações, bem como, deveriam tais despesas ser faturadas a clientes.

14. Argumenta também a AT que tais requisitos resultam implícitos às normas legais em vigor aplicáveis ao caso sub judice.

15. Conforme analisámos, tanto um como outro fundamento não podem proceder.

16. Desde logo porque esses supostos “requisitos” só foram introduzidos no ordenamento jurídico através de lei posterior aos factos do caso em análise, sendo que a sua aplicação ao caso sub judice consubstanciaria um vício de violação do princípio constitucional da não aplicação retroativa de lei fiscal.

17. Ademais, a fundamentação de que os tais supostos “requisitos” se encontravam implícitos às normas legais em vigor à data, aplicáveis ao caso sub judice, esta situação consubstanciaria um vício de violação do princípio constitucional da legalidade fiscal.

18. Ora, esta argumentação é inconstitucional e ilegal, pois, não só não existia norma quanto a gastos com deslocações em viatura própria, como também não havia nenhuma disposição legal que indicasse que os documentos comprovativos de despesas tivessem que estar condensados num único documento.

19. A RECORRIDA podia, como bem o fez, ter aquela informação em vários documentos separados, desde que tal permitisse suportar os movimentos na sua contabilidade.

20. Também aqui, não procedem as Alegações de Recurso da AT.

21. Quanto à correção em sede de provisões para produtos e trabalhos em curso, julgou o Tribunal a quo improcedente o pedido da ora RECORRIDA, pelo que, deverá ser admitida a ampliação do objeto do RECURSO quanto a essa questão controvertida.

22. Considerou o Tribunal que cabia à ora RECORRIDA fazer prova dos pressupostos para constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa, e que a mesma não teria efetuado a devida prova.

23. Mas a ora RECORRIDA apresentou prova testemunhal e demais elementos probatórios junto aos autos, valendo em processo e direito fiscal o princípio da liberdade de prova.

24. E, não tendo o Tribunal a quo desconsiderado o testemunho apresentado e a restante prova, valendo o princípio da liberdade dos meios de prova, também deveria ter aceite a prova produzida como idónea para comprovar as diligências de cobrança do crédito vencido.

25. Assim, encontrar-se-iam integralmente preenchidos os pressupostos para constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa.

26. Nestes termos e nos demais de direito, deve o RECURSO interposto pela AT ser julgado improcedente, bem como, deve ser admitida a ampliação do objeto do RECURSO e deverá reverter-se a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de anulação das correções às provisões para produtos e trabalhos em curso.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ:

(I) SER O RECURSO JULGADO IMPROCEDENTE NA PARTE ALEGADA PELA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, COM A CONSEQUENTE MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA E,

CUMULATIVAMENTE,

(I) SER O PEDIDO DE AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO JULGADO PROCEDENTE, COM A CONSEQUENTE ALTERAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA, NA PARTE EM QUE A ORA RECORRIDA FOI DADA COMO VENCIDA.»


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O Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


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Questão prévia

Com as contra-alegações veio a recorrida apresentar o que apelida de «ampliação do recurso (…) quanto à correção efetuada pela AT, referente a provisões para produtos e trabalhos em curso (correção no montante de PTE 5.801.250$00).»

Invoca que por força do disposto no artigo 281.º do CPPT, é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 636.º do CPC, a propósito da ampliação do recurso a pedido do requerido, que dispõe que «[n]o caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.»

Nessa sequência foi proferido o seguinte despacho:

«Compulsados os autos, constatamos que nas contra-alegações a Recorrida veio declarar que pretende a ampliação do objecto do recurso, quanto à correcção em sede de provisões para produtos e trabalhos em curso que foi mantida pela sentença recorrida, julgando assim improcedente o pedido da sua anulação.

Contudo, o teor do pedido de ampliação do objecto do recurso não se subsume ao disposto no artigo 636.º, do CPC, porquanto não nos encontramos perante um fundamento em que a recorrida tenha decaído, mas sim face a uma correcção autónoma que foi julgada improcedente.

Com efeito, a ampliação do objecto do recurso prevista no citado preceito legal destina-se a permitir ao Recorrido a reabertura da discussão sobre determinados fundamentos que foram por si invocados na acção e julgados improcedentes, não podendo visar substituir a necessidade de interposição do próprio recurso quando o pedido autónomo, tenha sido julgado improcedente.

Uma vez que deve evitar-se que uma pretensão deduzida em juízo, deixe de ser apreciada por razões de mera índole formal, em prejuízo da justa composição dos litígios, e encontrando-se preenchidos os pressupostos consagrados no artigo 633.º, nº 2 do CPC para a sua convolação em recurso subordinado, designadamente: a recorrida ter ficado vencida na acção quanto à aludida correcção, a tempestividade da interposição do recurso, nos termos do disposto no artigo 6.º do CPC, há que ponderar a hipótese de convolação processual com vista à plena tutela jurisdicional efectiva.

Assim, notifique as partes para se pronunciarem sobre a suscitada convolação da ampliação do objecto de recurso, em recurso subordinado com fundamento no disposto no artigo 193.º nº 3 do CPC, aplicável subsidiariamente, por força do artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

Notifique ainda a Recorrida de que, pretendendo a aludida convolação processual, deve proceder ao pagamento da taxa de justiça devida.

Prazo: 10 dias.»

Em resposta, veio a recorrida informar que não pretende convolar a referida aplicação do objecto de recurso em recurso subordinado.

A ampliação do recurso por iniciativa do recorrido prevista no artigo 636.º do CPC destina-se a permitir ao Recorrido a reabertura da discussão sobre os fundamentos que foram por si invocados na acção e julgados improcedentes e pressupõe apenas que o fundamento ou os fundamentos invocados para sustentar a decisão favorável não foram acolhidos e não para reagir da decisão quanto a pedidos julgados improcedentes, pois para cada pedido podem ser invocados vários fundamentos destinados a obter a procedência do pedido.

Com efeito, a ampliação do recurso não pode visar substituir a necessidade de interposição do próprio recurso autónomo ou subordinado quando o pedido foi julgado improcedente já que, conforme preceitua o n.º 1 do artigo 633.º do CPC:

«1- Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.»

No caso dos autos a recorrida formulou na petição inicial o seguinte pedido:

«(…) seja anulado o despacho recorrido e com ele a liquidação adicional resultante das correcções ao lucro tributável relativo ao exercício de 1998 e respectivos juros compensatórios.»

Sendo a liquidação divisível, cada correcção impugnada constitui um pedido e não um fundamento do pedido. Tanto assim é, que a acção foi julgada parcialmente procedente nos seguintes termos: « julgo parcialmente procedente a impugnação e anulo parcialmente o ato de liquidação de IRC impugnado, relativamente às correções nos montantes de € 3 781 163$00, respeitante a provisões para créditos de cobrança duvidosa, PTE 4 883 800$00 relativo a gastos não aceites com deslocações e estadas e PTE 403 900$00 relativos a deslocações em viatura própria dos trabalhadores e colaboradores da Impugnante;» decorrendo implicitamente que, nas demais correcções objecto de impugnação a acção foi julgada improcedente.

Assim, na medida em que a correção respeitante a provisões para produtos e trabalhos em curso foi julgada improcedente deveria ter sido apresentado recurso autónomo ou subordinado.

Importava assim, equacionar a possibilidade de convolação por desadequação formal, para o recurso adequado, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 193.º do CPC.

Cumprido o contraditório, tendo em conta a efectiva pretensão da Ré, materializada no ponto D.2, importa apreciar e decidir.

A sentença foi notificada à ora recorrida por ofício datado de 09/03/2020 pelo que, o requerimento apresentado em 11/12/2023 não pode ser convolado em recurso autónomo por manifesta intempestividade.

Em face da declaração de vontade manifestada pela recorrida de não pretender a aludida convolação em recurso subordinado, não é viável a sua convolação por oposição da parte, pelo que, não se conhecerá o seu teor.

Ora, não sendo admissível a aludida ampliação do objecto do recurso, e tendo, como visto, existido expressa menção de que não pretende a aludida convolação processual, outra opção não resta que não a de rejeitar a ampliação do objecto do recurso, com todas as legais consequências, concretamente, a de não conhecer da improcedência atinente às correções respeitantes às provisões e trabalhos em curso.


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Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento:

i) quanto à data de vencimento e da mora na provisão constituída por créditos incobráveis titulados por letra de câmbio;

ii) quanto à anulação da correcção relativa à não aceitou como custo fiscal os gastos com viagens e hotéis, por estarem insuficientemente documentados estando em causa a sua indispensabilidade;

iii) Quanto à correcção relativa a ajudas de custo e despesas com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador escrituradas a qualquer título por falta de prova do requisito da faturação a clientes.

III – FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

A) A Impugnante dedica-se à atividade de publicidade [cf. artigo 1º da reclamação graciosa a fls. 2 do processo administrativo (PA)];
B) No exercício de 1996, a Impugnante era a sociedade dominante de um grupo de empresas e era tributada em imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) pelo regime do lucro consolidado (cf. informação que acompanhou o projeto de conclusões de relatório a fls. 31 do PA);
C) O grupo de empresas referido na alínea que antecede era constituído pela Impugnante e pela sociedade E… – Design, Lda. (Id.);
D) A declaração modelo 22 de IRC do exercício de 1996, foi alvo de procedimento interno de inspeção, que conclui pela necessidade de correções ao lucro tributável declarado para mais PTE 20 069 426$00 (cf. fls. 31 a 42 do PA);
E) Das conclusões do Relatório de Inspeção Tributária, constante de fls. 75 a 83 do PA, e que aqui se dá como integralmente reproduzido, constata-se:
a. Foi acrescido ao lucro tributável PTE 3 781 163$00, relativo a reforço de provisões para créditos de cobrança duvidosa sobre C… não aceite como custo fiscal, por se tratar de créditos titulados por letras, ao abrigo do disposto no artigo 34/3.b) CIRC;
b. PTE 5 801 250$00 relativo à constituição de uma provisão para Produtos e Trabalhos em Curso, não aceite como custo fiscal, por não se enquadrar na redação do artigo 35º CIRC;
c. PTE 754 000$000 relativo à regularização da provisão para créditos de cobrança duvidosa, incluído no total dos créditos que serviram de base ao cálculo da provisão de débito à M…, no montante global de PTE 558 000$00; a provisão sobre a fatura nº 3533 de 1992.03.30, não foi aceite como custo fiscal nos termos do artigo 18º CIRC, conjugado com o artigo 34º CIRC porque a provisão já podia estar constituída a 100% em 1994;
d. PTE 4 883 800$00 relativo a despesas com viagens e hotéis, não aceites como custos fiscais nos termos dos artigos 23º e 41/1.h) CIRC, por se encontrarem insuficientemente documentados e não se ter comprovado serem indispensáveis à realização dos proveitos;
e. PTE 4 803 900$00, relativo a despesas com quilómetros contabilizadas em deslocações e estadas que não foram aceites como custo fiscal nos termos dos artigos 23º e 41/1.h) CIRC, por se encontrarem insuficientemente documentadas e não ter ficado comprovado serem indispensáveis à realização dos proveitos; respeitam a deslocações a Porto, Braga, vale de Cambra, Aveiro e Mirandela e a Espanha;
f. PTE 45 313$00, relativo a 20% dos custos suportados com portagens e estacionamentos;
F) Do anexo B ao relatório de inspeção (RIT) identificado na alínea que antecede, a fls. 87 a 94, 122 e 134 a 146 do PA, que aqui se dá como integralmente produzido, transcreve-se:
a. Venda a Dinheiro nº 249459, emitida pela Agência …, relativo pagamento de viagem a Roma, no montante de PTE 63 350$00;
b. Documento interno datado de 1996.01.16, relativo a viagem e estadia em Frankfurt de R…, no montante de PTE 370 000$00;
c. Venda a Dinheiro nº 248553, emitida em 1996.01.10, pela Agência …, relativo pagamento de serviços de viagem e estadia, no montante de PTE 370 000$00;
d. Fatura nº 98276, emitida em 1996.08.20, por R… – Agência de Viagens, relativa a valor de viagens Lisboa / Londres / Lisboa, em classe económica normal, incluindo estadia em regime de alojamento e meia-pensão e valor de excursões a Oxford e Stratford– PTE 558 900$00 e PTE 42 000$00;
e. Fatura nº 209, emitida por B… – A… e Turismo, Lda., respeitante a Serviços prestados em viagem por J…, no montante de PTE 430 000$00;
f. Documento interno datado de 1996.11.25, relativo a despesas com refeições e hotel de J…, no montante de PTE 777 550$00;
g. Fatura nº 225, emitida em 1996.10.17, por I… Viagens, Lda., relativa a Estadia Hoteleira, no montante de PTE 744 000$00;
h. Venda a Dinheiro nº 248553, emitida em 1996.11.08, por L… Turismo, relativo serviço a Madrid, no montante de PTE 38 940$00;
i. Fatura nº 16210, emitida em 1996.07.25 por E… – A… Almada, Lda., no montante global de PTE 335 500$00, relativa a Viagem a Itália de M…;
j. Fatura nº 16210597, emitida em 1996.08.14, por E… – A… Almada, Lda., no montante global de PTE 504 000$00, relativa a viagens e alojamento;
k. Documento interno de 1996.03.14, relativa a viagem a Frankfurt no montante de PTE 165 950$00 e a Amesterdão de PTE 126 700$00, de R…, no montante global de 292 650$00;
l. Venda a Dinheiro nº 248719, emitido em 1996.01.19, por Agência …, SA, relativo a pagamento serviços viagem e estadas, no montante de PTE 165 950$00;
m. Venda a Dinheiro nº 249457, emitido em 1996.02.13, por Agência … SA, relativo a pagamento serviços viagem, no montante de PTE 126 700$00;
n. Documento interno de 1996.02.12, relativa a viagem a Frankfurt no montante de PTE 224 500$00 e a Madrid de PTE 77 700$00, de R…;
o. Venda a Dinheiro nº 248749, emitido em 1996.02.09, por Agência …, SA, relativo a pagamento serviços viagem, no montante de PTE 224 500$00;
p. Venda a Dinheiro nº 248535, emitido em 1996.01.03, por Agência …, SA, relativo a viagem a Madrid, no montante de PTE 77 700$00;
q. Documento interno de 1996.11.20, relativa a viagem refeições, táxis, adereços, despesas com produção e viagens de L…, no montante global de PTE 467 706$00;
r. Venda a Dinheiro emitida por V… – Viagens e Turismo, Lda., respeitante a deslocações ao estrangeiro, no montante de PTE 162 050$00;
s. Documento interno de 1996.11.25, relativa a refeições, adereços, deslocações, hotel e passagem aérea a Madrid de M…, no montante global de PTE 218 955$00
G) Do anexo C ao RIT, constante de fls. 95 a 110 e 123 a 133 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se:
a. Documento interno de julho de 1996, relativo a P…, no montante global de PTE 468 195$00, dos quais PTE 42 495$00 respeitante a Refeições; PTE 406 430$00 de Outras Deslocações; PTE 14 650$00 de Despesas com Produção e PTE 4 620$00 de Publicações;
b. Folha de Caixa no montante global de PTE 404 460$00, de despesas de deslocações ao F…, Hiper de Braga, Aveiro, Póvoa do Varzim, Mirandela, Évora e Penafiel, refeições, revistas especializadas e estacionamento;
c. (…);
d. Folha de Caixa de Agosto de 1996, no montante global de PTE 337 585$00, de despesas de deslocações ao F…, Hiper de Braga, Póvoa do Varzim, Mirandela, Évora e Penafiel, refeições, e livros técnicos;
e. Documento interno de 1996.11.12, relativo a P…, no montante global de PTE 560 320$00, dos quais PTE 40 460$00 respeitante a Refeições; PTE 495 945$00 de Outras Deslocações; PTE 23 915 de Livros Técnicos;
f. (…)
g. Documento interno de 1996.11.12, relativo a P…, no montante global de PTE 486 570$00, dos quais PTE 39 080$00 respeitante a Refeições; PTE 444 050$00 de Outras Deslocações; PTE 3 440$00 de Livros Técnicos e Revistas Especializadas;
h. Folha de Caixa no montante global de PTE 444 050$00, de despesas de deslocações ao F…, Hiper de Braga, Póvoa do Varzim, Mirandela, Évora, Penafiel e Aveiro, refeições, revistas técnicas;
i. Documento interno de 1996.11.12, relativo a P…, no montante global de PTE 456 550$00, dos quais PTE 9 100$00 respeitante a Refeições; PTE 435 490$00 de Outras Deslocações; PTE 11 960$00 de Livros Técnicos;
j. (…);
k. Documento interno de 1996.03.15, relativo a F…, no montante global de PTE 61 516$00, dos quais PTE 4 600$00 respeitante a Refeições; PTE 56 916$00 de Outras Deslocações;
l. Vale à Caixa de 1996.03.15, de F…, de deslocações em viatura ao F… (Braga) – 895 km * PTE 51$00 – PTE 45 645$00; Bancos (C… /B. M… / B… – 221 m = PTE 11 671$00;
m. Documento interno de 1996.03.15, relativo a F…, no montante global de PTE 102$00, respeitante a outras deslocações Outras Deslocações;
n. (…);
o. Documento interno de 1996.03.08, relativo a P…, no montante global de PTE 218 720$00;
p. Folha de Caixa no montante global de PTE 192 270$00, de despesas de deslocações ao F… de Braga, Aveiro, Póvoa do Varzim, Mirandela, Évora, refeições, revistas técnicas e gasolina;
q. Documento interno, relativo a P…, no montante global de PTE 274 399$00, respeitante a gasolina, refeições; outras deslocações; revistas técnicas;
r. Folha de Caixa no montante global de PTE 290 039$00, de despesas de deslocações ao F… de Braga, Aveiro, Póvoa do Varzim e Mirandela, refeições, revistas técnicas e gasolina;
s. Documento interno de 1996.05.22, relativo a P…, no montante global de PTE 518 472$00, respeitante a refeições; adereços, deslocações, revistas técnicas e artigos para ofertas;
t. Folha de Caixa no montante global de PTE 348 840$00, de despesas de deslocações ao F…, Hiper de Braga, Aveiro, Póvoa do Varzim, Mirandela, Évora e Penafiel, refeições, revistas, flores, diversos roupa e sapatos;
u. Documento interno de 1996.05.31, relativo a P…, no montante global de PTE 62040$00, respeitante a refeições, táxis, adereços, deslocações e revistas técnicas;
v. Folha de Caixa de Maio de 1996, no montante global de PTE 417 180$00, de despesas de deslocações ao F…, Hiper de Braga, Aveiro, Póvoa do Varzim, Mirandela, Évora, Penafiel e E..., portagens, refeições, roupa, revistas técnicas e táxis;
w. Documento interno de junho de 1996, relativo a P…, no montante global de PTE 573 735$00, respeitante a refeições, táxis, adereços, deslocações, despesas com produções e publicações;
x. Folha de Caixa no montante global de PTE 416 765$00, de despesas de deslocações ao F…, Hiper de Braga, Aveiro, Póvoa do Varzim, Mirandela, Évora e Penafiel, refeições, revistas especializadas, diversos, parqueamento portagens e táxis;
y. Documento interno de 1996.12.10, relativo a M…, no montante global de PTE 112 240$00, respeitante a refeições, adereços, deslocações, despesas com produções e ofertas – ida e volta a L… (Vale de cambra 620 km);
z. Documento interno de 1996.02.09, relativo a A…, no montante global de PTE 156 255$00, respeitante a refeições, adereços, deslocações – ida e volta Lisboa, Braga, Lisboa 75 km * PTE 51$00 = PTE 38 250$00;
aa. Documento interno de 1996.03.04, relativo a M…, no montante global de PTE 52 625$00, respeitante a refeições, e deslocações – 500 km * PTE 51$00;
bb. Documento interno de 1996.07.19, relativo a N…, no montante global de PTE 146 130$00, respeitante a refeições, deslocações a Barcelona (Expo) 2 200 km * PTE 51$00 = 112 200$00; Porto (E...) 600 km * PTE 51$00 = PTE 30 600$00;
cc. Documento interno de 1996.04.03, relativo a N…, no montante global de PTE 139 487$00, respeitante a refeições, duas deslocações a Coimbra 860 km * PTE 51$00 = 43 860$00; duas vezes ao Porto 1 400 km = PTE 71 400$00;
dd. Documento interno de 1996.02.19, relativo a N…, no montante global de PTE 280 255$00, respeitante a refeições, despesas com produção e revistas e jornais, deslocações a Madrid e ao Porto;
ee. Documento interno de 1996.01.15, relativo a N…, no montante global de PTE 84 150$00, respeitante a deslocação a Madrid – 1 650 km;
ff. Documento interno de 1996.01.24, relativo a N…, no montante global de PTE 61 200$00, respeitante a deslocações ao Porto (C…) – 1 200 km;
gg. Documento interno de 1996.09.15, relativo a P…, no montante global de PTE 334 625$00, respeitante a refeições, táxis, deslocações, revistas técnicas;
hh. Folha de Caixa no montante global de PTE 286 620$00, de despesas de deslocações ao F…, Hiper de Braga, Aveiro, Póvoa do Varzim e Mirandela, refeições, gasolina e revistas;
H) Em 2000.09.20, foi emitida a liquidação adicional de IRC respeitante aos rendimentos do ano de 1996 nº 8310011272, com valor a pagar de € 53 058,28 e data limite de pagamento de 2000.11.22 (cf. fls. 45 do PA);
I) Em 2000.11.27, no Serviço de Finanças de Oeiras-1, deu entrada reclamação contra a liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios, constante de fls. 2 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzida;
J) Em 2003.10.31, pelo Diretor de Finanças Adjunto, por delegação, foi proferido projeto de despacho de indeferimento da reclamação apresentada pela Impugnante contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 1996, e de juros compensatórios, constante de fls. 67 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzido;
K) Em 2003.11.07, foi enviada carta registada à Impugnante (cf. fls. 77 do PA);
L) Em 2003.12.17, pelo Diretor de Finanças Adjunto, por delegação, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação, exarado na informação da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, constante de fls. 78 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos; deste transcreve-se:
Concordo, pelo que convolo em definitivo o projeto de decisão e, com os fundamentos constantes daquele, bem como da presente informação e respetivos pareceres, indefiro o pedido da reclamante.
Notifique-se
(…)
M) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2003.12.30, foi comunicado à Impugnante o despacho de indeferimento da reclamação identificado na alínea que antecede;
N) Em 2004.01.29, na 2ª Direção de Finanças de Lisboa, deu entrada recurso hierárquico contra o despacho de 2003.12.17 do Diretor de Finanças Adjunto, por delegação, que indeferiu a reclamação apresentada contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 1996, constante de fls. 93 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
O) Por despacho de 2005.05.23, do Subdiretor-Geral, exarado na informação nº 338/2005, da Direção de Imposto sobre o Rendimento, foi negado provimento ao recurso hierárquico mencionado na alínea que antecede, constante de fls. 124 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido; deste transcreve-se:
Concordo, pelo que, com base nos fundamentos expostos, nego provimento ao presente recurso hierárquico.
(…)
P) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2005.03.28, a Impugnante foi notificada do indeferimento do recurso hierárquico interposto do despacho que indeferiu a reclamação graciosa de IRC referente ao exercício de 1996 (cf. fls. 137 a 140 do PA);
Q) Em 2005.09.28, via fax, a presente ação deu entrada no Tribunal Central Administrativo Sul.»

*
Consta ainda da mesma sentença o seguinte:
« b) Factos não provados
Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam os elementos do caso que, em face do alegado nos autos, se mostram provado com relevância necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.»
No que se refere à motivação da decisão sobre a matéria de facto fez-se constar da sentença o seguinte:
«A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento da testemunha ouvida que depuseram de forma clara e convicta, revelando conhecimento direto dos factos por trabalhar para a Impugnante.
A testemunha inquirida, C, que muito embora com ligações profissionais à Impugnante, prestou depoimento claro, seguro e com conhecimento dos factos aos quais respondeu
*

III – 2. Da apreciação do recurso


Por se considerar relevantes na apreciação da situação em apreciação e por resultarem documentalmente provados nos autos ou resultar do depoimento da testemunha inquirida, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT, aditam-se ao probatório os seguintes factos:

R) A impugnante exerceu o direito de audição prévia relativamente ao projecto de relatório de inspecção, tendo procedido à junção de cópia das letras que totalizam 6 270 886$00, de cuja análise resultou a verificação de que o seu vencimento ocorreu «umas em Agosto e Dezembro de 95 e outras em Janeiro e Fevereiro de 96 (…) contando-se a mora a partir da data do vencimento das respectivas letras, do que resultou uma provisão aceite para efeitos fiscais no montante de 2 489 723$00» mantendo-se a provisão não aceite de 3 781 163$00 - cf. relatório de inspecção a fls. 82 do PAT;

S) Foram efectuadas várias tentativas destinadas à cobrança dos créditos que a impugnante detinha sobre a C, a que se refere o ponto E) a. Sem que os mesmos tenham sido recebidos – cf. depoimento da testemunha C;

T) A sociedade Cpretendia pagar os créditos quando tivesse disponibilidade tendo, para esse efeito, entregue à Impugnante, letras de câmbio – cf. depoimento da testemunha C;

U) O custo corrigido a que se refere o ponto E) d. e F) no valor de PTE 4 883 800$00 relativo a despesas com viagens e hotéis constituem despesas de deslocação das equipas de trabalho criativo da impugnante para realizar réperage, ou seja deslocação ao local da filmagem da publicidade, ou vários locais com vista à realização da maquete da campanha com o cenário da publicidade para apresentação e aprovação do cliente – cf. depoimento da testemunha C;

V) A campanha de publicidade é proposta pelo Departamento de contacto ao superior, que por sua vez propõe a aprovação das deslocações para a campanha ao Director do Departamento de Serviço a Clientes – cf. depoimento da testemunha C;

X) As deslocações contabilizadas e objecto de correcção referida em E) e F) eram efectuadas por funcionários da impugnante – cf. depoimento da testemunha C;

Z) Os custos suportados pela impugnante com a réperage podiam incluir apenas o alojamento, apenas a deslocação, ou ambos conforme contratado com o cliente, muitas vezes clientes internacionais, suportando este as restantes – cf. depoimento da testemunha C;

AA) Sobre a correcção referida a despesas com viagens e hotéis contabilizada em Deslocações e Estadas, analisada pronúncia da impugnante em sede de audição prévia a AT concluiu o seguinte: «[e]ste montante respeita a deslocações e estada quase todas ao estrangeiro cujo documentos de suporte são as facturas das agência de viagem, «serviços de viagens e estadia», «deslocações ao estrangeiro», etc…, não identificando a pessoa, o local, nem a data da deslocação, ou em alguns poucos casos identificando apenas a pessoa ou o país a que se deslocou.

Por Outro lado verifica-se que não foram contabilizadas quaisquer despesas com refeições bilhetes de transporte (autocarro, metro, táxis) alojamento, etc , que seriam indispensáveis realizar nos locais onde as pessoas supostamente se deslocaram.

Também não foram apesentados bilhetes de avião, correspondência com clientes ou fornecedores a marcar reuniões ou encontros ou quaisquer outros documentos que se relacionassem com as refendas deslocações,

Por exemplo: Quanto ao documento Interno nº 8394 relativo a uma deslocação a Espanha efectuada numa 6ª feira verifica-se que o mesmo empregado apresentou no mesmo dia deslocações em Kms a dois clientes (em princípio um de manhã e outro à tarde) não tendo apresentado despesas efectuadas em Espanha como alojamento, alimentação, etc . Tudo indica que a deslocação se teria efectuado no final da tarde ou na noite de 6ª feira o que implicaria alimentação e alojamento nesse mesmo dia.

Questionado o sujeito passivo sobre a inexistência destes custos foi retendo que se devia ao seguinte:

- as refeições eram oferecidas pelos clientes

. quanto às despesas com alojamento foi posta a hipótese de também serem suportada pelos clientes

Nenhuma destas soluções nos parece razoável, pois seria normal que os clientes oferecessem algumas refeições, mas não todas. Será menos normal que os clientes suportem as despesas com alojamento.

Não foi possível relacionar estas deslocações com os correspondentes proveitos.

Atendendo aos factos expostos verifica-se o seguinte:

- por um lado, estas deslocações encontram-se insuficientemente documentadas.

- por outro, não foram contabilizadas quaisquer despesas associadas àquelas deslocações que seriam indispensáveis caso as referidas viagens fossem efectivamente realizadas.

- também não foram apresentados documentos extra contabilísticos relacionados com estas deslocações que possam comprovar a veracidade das mesmas bem como a sua relação com os proveitos. (…)» - cf. anexo a fls. 80 do relatório de inspecção;

AB) Da análise à contabilidade da impugnante os serviços de inspecção efectuaram as seguintes correspondências no que se refere a custos com deslocações e estadias:

- cf. anexo ao RIT a fls. 84 do PAT;

AC) A impugnante tinha projectos que envolviam a colaboração «entre escritórios» aludindo às congéneres da E…, sediadas nos locais de destino das deslocações, que suportavam alguns custos necessários à produção da publicidade – cf. depoimento da testemunha C…;

AD) No projecto de relatório de inspecção foi ponderada a seguinte fundamentação:

AE) Após a audição prévia da impugnante em sede de relatório de inspecção ponderou-se o seguinte: «quanto a despesas com quilómetros insuficientemente documentadas o sujeito passivo veio alegar que as mesmas foram todas indispensáveis à realização dos proveitos tendo enviado, como prova da referida indispensabilidade, a título exemplificativo, fotocópias de diversos documentos que comprovam apenas a existência de prestações de serviços efectuadas a alguns clientes que constam em alguns dos documentos das referidas deslocações. As cópias dos documentos comprovam apenas que foram prestados serviços àqueles clientes, não provando que houve necessidade de deslocações aos referidos clientes nem que aqueles funcionários se deslocaram àqueles clientes naquelas datas e naqueles locais. Em face destes elementos mantém-se a correcção inicialmente proposta no montante de 4 803 900$00 com os mesmos fundamentos.» – cf. RIT a fls. 83 do PAT;

AF) Os funcionários da impugnante, designados “contacto”, procediam ao acompanhamento das produções funcionado como representante do cliente em todo o processo de desenvolvimento do projecto ou campanha publicitária – cf. depoimento da testemunha C…;

AG) Nas deslocações dos funcionários/contacto havia funcionários a quem era fornecido veículo da impugnante sendo os custos suportados directamente pela impugnante, não havendo veículos para todos, os restantes usavam viatura própria, apresentando mensalmente a indicação do local, cliente, motivo e número de quilómetros efectuados nas deslocações – cf. depoimento da testemunha C…;

AH) Com base nesses documentos, era elaborado um mapa resumo mensal – cf. depoimento da testemunha C…e fls. 96 a 146 do PAT;

AI) Os custos com portagens envolvidas nas deslocações ao serviço da impugnante eram agrupados por mês – cf. depoimento da testemunha C….


*

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou parcialmente procedente a impugnação judicial anulando parcialmente a liquidação de IRC referente ao exercício de 1996.

A recorrente não se conforma com o segmento da sentença que julgou procedente a pretensão da recorrida relativa à constituição da provisão por crédito incobrável, no montante de 3 781 163$00 (€ 18 860,36), estando em causa, em concreto a factura emitida a C…, a qual não foi paga na data do seu vencimento.

Na conclusão K) alega a recorrente «que a matéria contemplada na decisão de facto é insuficiente para a tomada de posição sobre o pedido formulado, verificando-se um erro ou vício da decisão de facto, o qual, nos termos do art.º 662.º n.º 2 alínea c) do CPC, implicará necessariamente a modificação da decisão de facto».

Refere que, pelo facto de a factura não ter sido paga na data de vencimento, desencadear-se-iam as consequências associadas à mora do devedor, uma vez que estando em causa uma prestação possível, não foi a mesma realizada no tempo devido, por facto imputável ao devedor.

No entanto, o que a recorrente questiona é a data em que se considera verificada a mora uma vez que, com a aceitação da letra de câmbio posteriormente ao vencimento da factura considera ter ocorrido uma extensão do prazo de pagamento.

Concretizando, alega que, juntamente com a definição da letra de câmbio como “um título de crédito à ordem, pelo qual uma pessoa (sacador) ordena a outra (sacado) que lhe pague a si, ou a terceiro (tomador) determinada importância”, pode, efectivamente, indiciar que a relação concreta subjacente à emissão da letra é a da dívida constante da factura, a qual não foi paga pelo cliente C….

No entanto, analisando os factos dados como provados, conclui que a única referência quer à factura, quer à letra emitidas é no ponto E) a. desconhecendo-se, portanto, que valor constava da fatura ao cliente C… e, portanto, que valor ficou em dívida. Mais refere que se desconhece igualmente, que valor foi emitido na letra de câmbio aqui em causa.

Esta asserção leva a recorrente a efectuar a seguinte reflexão:

«H) (…) face à falta dos referidos elementos, indispensáveis, para o efeito que se pretende, não foi e efetivamente não é possível concluir o que a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu, e especificamente a Inspeção Tributária, que o crédito que se discute nos autos como de possível provisão para crédito incobrável ou não, é sempre o mesmo, e que não tendo sido pago durante o período que se encontrou a pagamento, foi aceite uma letra de câmbio que incluiu o valor titulado na referida fatura.»

Perante esta alegação impõe-se afirmar que estaríamos, em sede de recurso, a alterar a fundamentação dos actos impugnados.

Se bem se interpreta a alegação da recorrente, pretende que o Tribunal declare nula a sentença por não constarem dos autos todos os elementos por forma a que possa alterar-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, ampliando-a, por insuficiência da mesma quanto à data de emissão e de vencimento da letra de câmbio, ao valor pelo qual foi emitida e o seu número, quer quanto ao valor da factura, tudo ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC.

No entanto, desde já se adianta que não lhe assiste qualquer razão porquanto tais elementos são irrelevantes por não terem integrado a fundamentação das correcções que constam do relatório de inspecção.

O deferimento de tal pretensão recursiva equivaleria a permitir-se que a AT pudesse complementar as eventuais deficiências respeitantes à fundamentação de facto constantes do relatório de inspecção elaborado no âmbito do exercício da sua actuação fiscalizadora do cumprimento das obrigações declarativas, contabilísticas e tributárias que devia constituir o pressuposto da sua acção correctiva, através da produção de prova em sede de processo judicial de impugnação, o que, no âmbito do contencioso de mera anulação em que se sustenta este meio processual não é possível.

Invoca ainda, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC, que a matéria de facto provada também é insuficiente para a tomada de posição sobre o pedido formulado, como fez o Tribunal recorrido, qualificando-a como erro vício da decisão de facto.

Sem prejuízo do que se dispõe no artigo 640.º do CPC, em matéria de ónus que o recorrente deve cumprir quando impugne a decisão relativa à matéria de facto, sob pena da sua rejeição, pode o Tribunal ad quem proceder à alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se dispuser de todos os elementos.

No entanto, como já antes afirmámos e aqui reiteramos, a validade das correcções efectuadas no âmbito de uma acção inspectiva é, em princípio apreciada à luz da fundamentação constante do relatório de inspecção tributária, nos termos do disposto nos artigos 62.º, n.º 3, alínea i) e 63.º do RCPITA, ou havendo novos elementos de prova fornecidos pelo contribuinte, à luz da fundamentação constante das decisões proferidas nos procedimentos de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou de revisão.

Vejamos então, recordando que, na primeira correcção objecto de anulação pelo tribunal recorrido, com a qual a recorrente não se conforma, está em causa uma provisão por crédito incobrável, no montante de 3 781 163$00 (€ 18 860,36), a que se refere a factura emitida pela Impugnante, ora recorrida, à cliente C…, a qual não foi paga na data de vencimento e em relação à qual foi emitida uma letra de câmbio.

Depois de efectuar o enquadramento legal das provisões, expendeu-se o seguinte na sentença recorrida:

«(…) A letra de câmbio é, pois, um título de crédito, que incorpora uma obrigação abstrata, literal e autónoma e de livre circulabilidade [artigo 46º da Lei Uniforme relativa às letras e livranças, estabelecida pela Convenção assinada em Genebra, em 7 de junho de 1930, aprovada em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 23721, de 29 de março de 1934, e ratificada pela Carta de 21 de junho de 1934 (LULL)]. Obrigação abstrata porque independente de qualquer relação subjacente. E é aqui que se coloca a tónica da questão suscitada pelas partes: a relação cambiária é válida por si, independentemente de qualquer causa debendi, ficando o signatário, vinculado pelo simples facto de ter subscrito o título como aceitante.

Mas a emissão de uma ordem de pagamento, em data posterior ao vencimento da fatura terá a virtualidade de alterar a data de vencimento da obrigação para efeitos de constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa?

Num caso paralelo, e respondendo questão sobre o que se considerar por data do «vencimento»", e "Prazo a partir do qual se pode recuperar o IVA, quando existam letras em circulação, no processo nº 11742, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu informação vinculativa, disponível via internet, no sentido de o vencimento do crédito ocorrer na data convencionada entre as partes, sendo esta a data a considerar para efeitos de início da contagem do prazo a que se refere o artigo 78.º-A, n.ºs 2 e 3 do CIVA, ou seja, a data fixada para o vencimento da fatura.

Com efeito, a partir do momento em que a data acordada para pagamento da dívida inicial se venceu, o devedor entrou em mora. Ao incluir a dívida na nova letra, o credor está a tentar cobrar a dívida através do retardamento da sua cobrança, mas não a renegociá-la, deixando-a cair para renascer outra. Mas a dívida inicial mantém-se, e (…) o respetivo prazo. Para substituir a dívida antiga, substituindo-a por nova obrigação, teria de ser expressamente manifestada (artigo 859.º do Código Civil).

Se bem que a referida informação vinculativa seja posterior ao procedimento de inspeção a que foi sujeita a Impugnante, manifesta de forma inequívoca que a própria Autoridade tributária e Aduaneira reconhece hoje em dia que a mora é contada da data de vencimento da fatura ou documento equivalente, mesmo no caso de terem sido emitidas letras de câmbio em data posterior.

Tem, pois que ser dada razão à Impugnante quanto a esta questão

Vejamos, antes de mais, qual a fundamentação da correcção considerada no relatório de inspecção.

Consta do ponto E) a. o seguinte: «Foi acrescido ao lucro tributável PTE 3 781 163$00, relativo a reforço de provisões para créditos de cobrança duvidosa sobre C, não aceite como custo fiscal, por se tratar de créditos titulados por letras, ao abrigo do disposto no artigo 34/3. b) CIRC;».

Tal facto foi complementado com o aditamento do ponto R) do qual resulta que, em sede de exercício do direito de audição prévia a recorrida juntou cópia das letras que totalizavam 6 270 886$00. Esses elementos foram objecto de análise permitindo-nos perceber que a correcção em causa se fundou na consideração de que a mora para efeito de constituição da provisão, foi contabilizada por referência à data de vencimento das letras, conduzindo a prova junta pela ora recorrida à redução da correcção antes proposta, ao montante da provisão não aceite de 3 781 163$00 (€ 18 80,36).

Vejamos.

Dispunha o artigo 33.º do CIRC, na redacção vigente à data dos factos, sobre provisões fiscalmente dedutíveis:

«1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:

a) As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

(…)».

O conceito de crédito de cobrança duvidosa é preenchido no artigo 34.º do CIRC, cuja epígrafe é «provisão para créditos de cobrança duvidosa»:

«1 - Para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do nº 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

(…)

3. Não serão consideradas de cobrança duvidosa: (…)

b) Os crédito cobertos por seguro, com excepção da importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório, ou por qualquer espécie de garantia real;

(…)»

As provisões constituem a concretização dos princípios contabilísticos da prudência e da especialização dos exercícios, constituindo «(…) registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado mas de montante incerto (…) [t]al como uma pessoa cautelosa (…) põe antecipadamente de lado dinheiro necessário (…) também uma empresa previdente deve preservar certa fracção dos seus resultados para se precaver contra perdas que reputa de prováveis.» (cf. Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 119).

A correcção em causa fundou-se no facto de se tratar de créditos titulados por letras, ao abrigo do disposto no artigo 34.º, n.º 3, alínea b) CIRC, o que, só por si, constitui um contrassenso já que a norma em que se funda a correcção determinaria a exclusão da provisão por os créditos não se considerarem de cobrança duvidosa. No entanto, não foi esse o fundamento invocado. O que se depreende do relatório de inspecção é que a correcção em causa teve por base a data em que a AT considerou verificada a mora. Por um lado, laborando em erro por considerar que a letra de câmbio constitui uma garantia real e como tal subsumível na exclusão prevista na aludida norma, acabando por não operar tal exclusão.

Senão vejamos.

As garantias reais das obrigações conferem ao credor o direito de se fazer pagar, com prioridade ou preferência face a quaisquer outros credores, pelo valor ou rendimentos de certos bens, móveis ou imóveis, do próprio devedor ou de terceiro que assim ficam afectos ao pagamento da dívida.

Constituem garantias reais a hipoteca, o penhor, os privilégios creditórios especiais, o direito de retenção, a penhora e o arresto.

Conforme se pode ver, da fundamentação do acto nada resulta concretizado de que modo o crédito em causa está garantido por garantia real apenas aludindo que o crédito se encontra titulado por letra.

Por outro lado, também não tem sustentação a alegação da recorrente no sentido de que a letra de câmbio implica a alteração da data em que se considera a mora por constituir uma extensão quanto ao prazo de pagamento.

Ora, atenta a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, prevista no artigo 75.º, n.º 1 da LGT, para que a AT procedesse validamente à desconsideração da provisão em causa, impunha-se-lhe fundamentar a correcção no incumprimento dos pressupostos legais. No caso dos autos foi colocada em causa a data em que o crédito provisionado se constitui em mora, considerando a AT que a letra de câmbio traduz a aceitação pela recorrida de um prazo alargado de pagamento da dívida e assim sendo, só ocorre a mora findo o prazo de vencimento constante da letra.

A recorrida alegou na petição inicial que a emissão das letras constituiu mais um esforço no sentido de recuperar o crédito e não o nascimento de uma nova obrigação que extingue a anterior. Destinou apenas à diminuição do risco de incobrabilidade e não de eliminá-lo.

O relatório de inspecção teve em linha de conta o teor da informação da DSIRC n.º 1259/90 e 108/91 que constituíam as orientações vigentes à data dos factos, destinadas à uniformização da actuação da AT. Tais informações tinham subjacente a pré compreensão da questão no sentido de que quando os créditos são titulados por letras, deixa de se considerar a data do vencimento das facturas que lhe estão subjacentes para se passar a considerar a data de vencimento das letras, caso estas não sejam pagas, uma vez que esta data resulta do acordo entre sacado e sacador.

No entanto, tal entendimento não tem sustentação legal, e tanto assim é que a referida informação já não traduz o entendimento da AT, como aliás, dá nota a sentença recorrida.

A informação vinculativa relativa ao processo n.º 11742, de 25/10/2017 (disponível em https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/despesa/civa/Documents/INFORMACAO_11742.pdf), reflecte o entendimento mais recente da AT embora relativo a um caso concreto e reportado à regularização de IVA, não deixa de ser relevante uma vez que traduz o entendimento da AT quanto à questão vinculando-a a conferir tratamento igual aos casos semelhantes.

Extrai-se da citada informação o seguinte: «(…) uma dívida (relativa a faturas, por ex.) cujo prazo de pagamento (vencimento) acordado pelas partes não é cumprido pelo devedor e o credor tem na sua posse letras, estas podem ter o efeito de pagamento, desde que o credor concorde que tal prestação diferente tenha o efeito de extinguir imediatamente a primitiva obrigação (dação em cumprimento ou datio pro solutum), ou seja, o pagamento da dívida inicial.

28. Note-se, para que haja dação em cumprimento (datio pro solutum), é necessário que exista, por um lado, uma dívida vencida e consequentemente uma obrigação criada previamente e, por outro lado, que o credor concorde expressamente em receber o pagamento em coisa diversa (por ex. letras), a fim de extinguir a obrigação. É também necessário que exista vontade das partes de extinguir a obrigação inicial.

29. Nessa circunstância e naquele momento a obrigação de pagamento é cumprida pelo devedor porque realiza a prestação a que está vinculado (art. 762.º, n.º 1 do CC).

30. Ao invés, resulta, face a uma dívida (como a relativa às faturas) cujo prazo de pagamento (vencimento) acordado entre devedor e credor não é cumprido e o credor seja detentor de letras aceites pelo devedor (sacado), mas não exista acordo expresso entre o devedor e o credor de que tais letras (prestação diferente da original) se destinam a extinguir a primitiva obrigação, a dívida subsiste.

31. Neste caso, as letras têm como fim, não extinguir imediatamente a obrigação, mas tornar mais fácil ao credor a satisfação do seu crédito, subsistindo, contudo, a dívida inicial até à satisfação integral do crédito, só ficando extinta aquando do cumprimento efetivo do valor devido (art. 840.º, n.º 1, do CC, in fine). Isto é, o credor vai-se pagando por via das letras, cuja dívida vai "enfraquecendo" mas não se extingue (dação em função do cumprimento ou datio pro solvendo).

32. Portanto, o critério diferenciador entre as duas figuras jurídicas é o de se obter ou não, com a entrega da coisa diversa da devida (letras), a extinção imediata da obrigação acordada inicialmente pelas partes, isto é, do cumprimento da dívida pelo devedor ao credor.

33. Se o credor emite uma nova letra onde inclui o valor em dívida da primeira e o devedor a aceita, não está a negociar nova dívida, com novo prazo, mas a dar ao devedor uma oportunidade de pagamento em fase extrajudicial. É que, a partir do momento em que a data acordada para pagamento da dívida inicial se venceu, o devedor entrou em mora. Ao incluir a dívida na nova letra, o credor está a tentar cobrar a dívida através do retardamento da sua cobrança, mas não a renegociá-la, deixando-a cair para renascer outra. Mas a dívida inicial mantém-se, e obviamente o respetivo prazo. Para substituir a dívida antiga, substituindo-a por nova obrigação, teria de ser expressamente manifestada (art. 859.º do CC).

(…) 43. No caso apresentado, uma vez que entre o sujeito passivo e o adquirente foi estabelecido um prazo para pagamento da dívida, o vencimento do crédito ocorre na data convencionada entre as partes, sendo esta a data a considerar para efeitos de início da contagem do prazo a que se refere o art. 78.º-A, n.ºs 2 e 3 do CIVA, ou seja, a data fixada para o vencimento da fatura. (…)» (sublinhados nossos).

Ora, a fundamentação constante do RIT, que encontra tradução nos pontos E), a. e R) da matéria de facto provada não contém factos objectivos susceptíveis de demonstrar que a recorrida acordou com a sua devedora a novação da dívida ou sequer a alteração do prazo de vencimento da dívida, constituindo a base factual em que se sustenta o aludido RIT insuficiente para legitimar a correcção em causa, conforme a própria recorrente reconhece.

Nada resultando dos autos, que a intenção da recorrida fosse outra que não a de tornar mais fácil a satisfação do seu crédito, subsistindo a dívida inicial até à satisfação integral do crédito, pelo que, bem andou a sentença ao proceder à sua anulação.

Recorde-se que no domínio do procedimento tributário, a lei estipula que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque», conforme resulta do disposto no artigo 74.°, n.° 1 da LGT.

E por assim ser, a correcção em causa padece de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Pelo que, a sentença recorrida não padece de erro de julgamento que lhe vem dirigida, improcedendo assim, as conclusões apreciadas.


*

A recorrente insurge-se ainda contra a anulação da correcção referente à dedução como custo fiscal dos gastos com deslocações e estadas no montante de PTE 4 883 800$00 (€ 24 360,29), por estarem insuficientemente documentados e, portanto, por não estar comprovada a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos.

Alega que os documentos apresentados pela ora recorrida para comprovação dos gastos não permitiam identificar os beneficiários desses mesmos gastos e a natureza da operação.

Mais refere que em cinco situações documentadas de deslocações e estadias são referidos os beneficiários das mesmas [cf. alíneas b), c), f), i) e k) do ponto F dos factos dados como provados], no entanto, considera a recorrente que em nenhuma das situações é possível retirar dos documentos identificados a “natureza das operações” para a apreciação do requisito da necessidade ou indispensabilidade dos custos.

Alega que o Tribunal a quo justificou todas as deslocações e estadas da ora Recorrida somente com base no seu objecto social [publicidade], por ser concebível que sejam feitas viagens para obtenção de proveitos para a sociedade, o que, na sua óptica é admitir que todas as viagens efectuadas o sejam com intenção de obter proveitos para a empresa, quando a realidade poderá ser muito diferente.

A recorrida contrapõe que, não só a indispensabilidade abrange todos os custos que não se encontrem fora do escopo da atividade e objecto societário, como não existia, à data, nenhuma norma que determinasse como deveriam ser comprovadas as despesas. No entanto, apresentou prova testemunhal, como também apresentou facturas dessas despesas contabilizadas invocando que era entendimento da AT comummente conhecido, que facturas seriam meios idóneos para comprovar despesas.

Vejamos, antes de mais, qual o enquadramento legal da questão.

Nos termos do artigo 17.° n.° l do CIRC, o lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, com as correcções determinadas nos termos do CIRC, constituindo tal resultado a diferença entre os elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas) verificadas no mesmo período.

Nos termos do artigo 23.° do CIRC, apenas relevam negativamente no apuramento do lucro tributável os custos ou perdas do exercício, que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora, estatuindo-se na previsão legal, uma enumeração exemplificativa dos mesmos.

Assim, se um gasto não está comprovado ou não é indispensável, então, não integra a previsão normativa do n.º 1 do artigo 23.º, do CIRC, podendo ser desconsiderada a sua dedução.

O advérbio comprovadamente traduz a necessidade de que o gasto seja documentado, para que se possa aquilatar da sua efectiva existência e dedutibilidade.

O conceito de indispensabilidade tem sido interpretado pela jurisprudência no sentido de integrar a prova de uma relação de causalidade económica entre o custo e a actividade lucrativa desenvolvida pela sociedade.

Neste sentido pode ver-se o Acórdão deste TCAS de 9/3/2010, rec. 02608/08 «A indispensabilidade a que se refere o art. 23° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.

A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro.»

O conceito de indispensabilidade tem assim, a sua delimitação por referência ao escopo social, pelo que se excluem, desde logo, os custos que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo por não visarem o lucro, ainda que indirectamente. Dito de outro modo, a dedutibilidade fiscal do custo depende, exclusivamente da sua relação causal, sendo justificada relativamente à actividade desenvolvida pelo contribuinte.

Neste sentido pode ver-se, entre muitos, o Acórdão do TCAS, de 23/02/2017, proferido no Processo n.º 05493/12: «Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (…) explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica».

Do ponto E), f. da matéria de facto resulta que o teor da fundamentação da correcção em causa foi a seguinte:
«f. PTE 4 883 800$00 relativo a despesas com viagens e hotéis, não aceites como custos fiscais nos termos dos artigos 23º e 41/1.h) CIRC, por se encontrarem insuficientemente documentados e não se ter comprovado serem indispensáveis à realização dos proveitos;»

O Tribunal recorrido anulou a correcção em causa, sustentando-se na seguinte fundamentação:

«Apesar de no relatório final do procedimento de inspeção tributária ser referido que as despesas em causa não estão devidamente documentadas, no sentido de não permitir identificar os beneficiários e a natureza da operação, os gastos não foram qualificados como despesas de representação ou considerados em sede de tributação autónoma, mas apenas acrescidos à matéria coletável por não se ter comprovado a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Ora, o artigo 23º do CIRC deve ser interpretado conjuntamente com o artigo 41º CIRC, com a redação coeva, com a epígrafe encargos não dedutíveis para efeitos fiscais.

Nos termos do artigo 41/2 CIRC não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades, consideradas como despesas de representação.

Anote-se aqui que se trata de empresa obrigada a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial (cf. artigos 29 a 31º do Código Comercial) e fiscal (cf. artigo 98 do CIRC), a qual permita o controlo do lucro tributável.

Como ensina Rui Duarte Morais, o objetivo parece ser o de tentar evitar (…) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não-empresariais bens que geram custos fiscalmente dedutíveis; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes.

Alega a Impugnante que as despesas que se destinam a assegurar o normal desenvolvimento do seu objeto social, dentro do circuito económico em que este naturalmente se manifesta. Dito de outra forma, encontrar-nos-íamos perante custos inerentes ao normal desenvolvimento da atividade principal da sociedade impugnante, de acordo com a definição do mesmo constante da alínea A) dos factos provados, enquadrando-se, assim no artigo 23/1.b), do CIRC, enquanto despesas de publicidade.

Tem, pois, razão a Impugnante quanto a esta questão: os gastos em causa são enquadráveis no nº 1, alínea b) do artigo 23.º do CIRC, com a redação então vigente, como encargos de promoção e logo gastos de publicidade e propaganda (gastos promocionais).»

A fundamentação da correcção baseou-se na insuficiência documental e na falta de prova da indispensabilidade.

Conforme resulta do ponto AA) da matéria de facto provada, aditada oficiosamente, na sequência da audição prévia da impugnante, ora recorrida, sobre o projecto de relatório de inspecção foi densificado o entendimento da AT traduzindo-se na falta de identificação nos documentos da pessoa beneficiária, do local e da data da deslocação, ou «em alguns poucos casos identificando apenas a pessoa ou o país a que se deslocou».

Não estão em causa despesas de representação, mas antes custos com réperage, ou seja, custos com deslocações das equipas de trabalho aos locais onde podem decorrer as filmagens necessárias à realização das campanhas publicitárias.

Estabelecia a alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, sob a epígrafe «encargos não dedutíveis para efeitos fiscais» o seguinte:

«1 - Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício: (…)

h) Os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial; (…)».

Ora, à data dos factos o CIRC não estabelecia qualquer definição do conceito de custos devidamente comprovados, ao contrário do que sucedia e sucede em sede de IVA.

Estabelecia o artigo 29.º, n.º 1, alínea b) do CIVA a obrigatoriedade de emissão de factura, com as formalidades previstas no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA.

A jurisprudência tem mantido o entendimento uniforme de que da conjugação dos referidos preceitos legais, à data dos factos, em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo do custo ou gasto, para efeitos dos artigos 23.º, n.º 1 e 42.º, n.º 1, alínea h) do CIRC não tinha de assumir as formalidades previstas para as facturas em sede de IVA. Isto porque, ao tempo, a exigência de prova documental não se confundia nem se esgotava na exigência de factura.

Na maior parte dos casos a comprovação da existência do custo decorrerá da respectiva factura, presumindo-se a veracidade do custo que documenta, no entanto, esse custo poderia ser comprovado por outro documento. Mostrando-se tal documento insuficiente, poderia ser complementado através de recurso a outros meios de prova, conforme resulta do disposto nos artigos 72.º da LGT e 50.º e 115.º, n.º 1 do CPPT, designadamente outra prova documental e testemunhal.

Assim, os encargos consideram-se devidamente documentados quando suportados por documentos externos (ex: facturas, recibos e notas de crédito), com menção dos elementos essenciais ou características fundamentais da operação em causa. Mesmo que se trate de documentos internos, isto é, produzidos pelo próprio adquirente, desde que permitam aferir sobre a efectividade da operação e o montante em causa, exigindo-se que contenham os requisitos fundamentais das mesmas complementados pela sua demonstração, através dos meios gerais de prova permitidos.

Como sublinha Rui Marques, Código do IRC, anotado e comentado, Almedina, 2019, p. 209: «[p]ara efeitos da dedutibilidade fiscal dos gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o comprovativo documental, independentemente da natureza ou suporte, tem que obedecer a um conteúdo mínimo. Assim, pelo menos, deve conter determinados elementos: o nome ou a denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; os números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável em território nacional; a quantidade e a denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; o valor da contraprestação, designadamente o preço; a data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.»

Também a jurisprudência tem sido unânime e reiterada no sentido de que «a comprovação dos custos não tem, necessariamente, de ser efetuada através de documentos “externos” justificativos da contabilidade, podendo ser efetuada através de documentos “internos”, desde que os mesmos permitam comprovar a veracidade da operação e contenham elementos suficientes que permitam à Administração fiscal identificar os montantes despendidos e os seus destinatários.» (Acórdão do TCA Norte datado de 30/06/2022, proferido no processo n.º 01744/06.9BEPRT).

Também esse TCA Sul se tem pronunciado no mesmo sentido, podendo ver-se por todos o Acórdão proferido no processo n.º 69/17.9BCLSB, datado de 28/03/2019: «não obstante os custos incorridos deverem estar suportados pelos documentos externos respectivos, na medida em que adequados a conferirem-lhes credibilidade e a compor uma contabilidade legalmente organizada, à luz do direito (comercial, fiscal e contabilístico), sendo criadores de uma presunção de verdade, a circunstância de o não estarem não tem, necessária e vinculadamente, por consequência, a respectiva desconsideração no apuramento do lucro tributável, tudo em consonância com o princípio da prevalência da substância sobre a forma, no sentido de que, nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade, relevante para efeitos de tributação (cfr.J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.154 e seg.).

E recorde-se que a prova do custo pode ser efectuada através de documento interno (emitido pelo próprio sujeito passivo), desde que coadjuvado por qualquer outro meio de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao Tribunal aquilatar sobre o preenchimento do respectivo ónus probatório. Deste modo, um custo não documentado externamente, pode assumir relevo fiscal se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto. Por outras palavras, um documento de origem interna pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/01/2017, proc.9894/16; Joaquim Manuel Charneca Condesso, "Operações simuladas em sede de I.V.A. e de I.R.C. Perspectiva da Jurisprudência Tributária", in Cadernos de Justiça Tributária, edição do CEJUR-Centro de Estudos Jurídicos do Minho, nº.12, Abril/Junho 2016, pág.21 e seg.).

É que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à A. Fiscal o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a Fazenda Pública questionar essa indispensabilidade (cfr.artºs.74, nº.1, e 75, nº.1, da L.G.T.).»

Destaca-se ainda o Acórdão do STA de 05/07/2012, proferido no processo n.º 0658/11: «o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g) do CIRC não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA. A exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só, para alguns autores, um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação. (…)

As exigências formais compreendem a vertente interna e a externa. Os documentos internos são elaborados na empresa, normalmente para uso exclusivo interno (folhas de férias e as notas de lançamento). Os documentos externos são aqueles que provêm ou se destinam ao exterior, como as facturas, recibos e notas de débito, e são estes que normalmente cabem no conceito de documentos justificativos, que acompanham todo e qualquer gasto».

No caso sub judice, a correcção fundamentou-se, recorde-se, na consideração de que as deslocações se encontram insuficientemente documentadas porquanto apenas foram apresentadas facturas emitidas pelas agências de viagem que refletem «serviços de viagens e estadia», «deslocações ao estrangeiro», etc…, não identificando a pessoa, o local, nem a data da deslocação, ou em alguns poucos casos identificando apenas a pessoa ou o país a que se deslocou.

Por Outro lado verifica-se que não foram contabilizadas quaisquer despesas com refeições bilhetes de transporte (autocarro, metro, táxis) alojamento, etc, que seriam indispensáveis realizar nos locais onde as pessoas supostamente se deslocaram.

Também não foram apesentados bilhetes de avião, correspondência com clientes ou fornecedores a marcar reuniões ou encontros ou quaisquer outros documentos que se relacionassem com as refendas deslocações,

Por exemplo: Quanto ao documento Interno nº 8394 relativo a uma deslocação a Espanha efectuada numa 6ª feira verifica-se que o mesmo empregado apresentou no mesmo dia deslocações em Kms a dois clientes (em princípio um de manhã e outro à tarde) não tendo apresentado despesas efectuadas em Espanha como alojamento, alimentação, etc . Tudo indica que a deslocação se teria efectuado no final da tarde ou na noite de 6ª feira o que implicaria alimentação e alojamento nesse mesmo dia.

Questionado o sujeito passivo sobre a inexistência destes custos foi retendo que se devia ao seguinte:

- as refeições eram oferecidas pelos clientes

. quanto às despesas com alojamento foi posta a hipótese de também serem suportada pelos clientes

Nenhuma destas soluções nos parece razoável, pois seria normal que os clientes oferecessem algumas refeições, mas não todas. Será menos normal que os clientes suportem as despesas com alojamento.

Não foi possível relacionar estas deslocações com os correspondentes proveitos.

Atendendo aos factos expostos verifica-se o seguinte:

- por um lado, estas deslocações encontram-se insuficientemente documentadas.

- por outro, não foram contabilizadas quaisquer despesas associadas àquelas deslocações que seriam indispensáveis caso as referidas viagens fossem efectivamente realizadas.

- também não foram apresentados documentos extra contabilísticos relacionados com estas deslocações que possam comprovar a veracidade das mesmas bem como a sua relação com os proveitos. (…)»

Para questionar a materialidade dos custos, a AT não põe em causa as facturas ou os fluxos financeiros. O que a AT questiona, conforme resulta das conclusões R), W) e Y) é que os documentos apresentados não permitem identificar os beneficiários desses gastos, nem a natureza da operação, ou o fim específico.

No confronto do ponto F) com o mapa 1 anexo ao RIT [ponto AB)], resulta claramente que a AT efectuou a correspondência dos custos com as facturas e os documentos internos, nos casos em que existiam, com a respectiva data, resultando indicado em todos os casos o fornecedor. Tal prova, complementada com a prova testemunhal (cf. pontos U) a Z) da matéria de facto aditada), permite comprovar os elementos essenciais da operação subjacente ao lançamento contabilístico e a respectiva quantificação.

Também permite a apreensão de que estão em causa custos com deslocações efectuadas por equipas técnicas, com o propósito de realizar a réperage necessária para a realização da maquete ou mesmo para a realização da filmagem da publicidade contratada pelos clientes. O facto de os documentos não conterem o nome da pessoa beneficiária, em nada contende com a sua admissibilidade, na medida em que o beneficiário é o cliente que contrata a publicidade, constituindo os custos com as viagens destinado à deslocação da equipa de criativos que realizam/executam a publicidade que são funcionários da recorrida, conforme resulta da prova testemunhal produzida nos autos, não se impunha que além da identificação da adquirente também constasse o nome do cliente a quem se destina o serviço.

Quanto ao requisito da sua indispensabilidade foi demonstrado através da prova testemunhal produzida nos autos, da qual resultou, como já antes o dissemos, a clarificação de que as deslocações e estadas se relacionavam com a réperage, ou seja, visita (técnica ou não) ao local de filmagem, necessária à preparação da produção das campanhas publicitárias que integram o objecto de actividade da recorrida, e não relacionada com a representação da recorrida como se conclui na sentença. Nessa medida encontra-se provada a indispensabilidade dos custos, já que constituem custos necessários à obtenção dos proveitos, pois integram a preparação das filmagens e a realização da maquete destinada à aprovação do cliente, após o que se seguiriam as filmagens no local aprovado pelo cliente.

Assim, importa concluir que se encontra comprovada a sua indispensabilidade.

Resta, no entanto o argumento de que não foram contabilizadas quaisquer despesas com refeições, bilhetes de transporte (autocarro, metro, táxis), alojamento, etc. que seriam indispensáveis realizar nos locais onde as pessoas supostamente se deslocaram, nem foram juntos bilhetes de avião, correspondência com clientes ou fornecedores a marcar reuniões ou encontros.

Mais questiona «que seria normal que os clientes oferecessem algumas refeições, mas não todas. Será menos normal que os clientes suportem as despesas com alojamento.»

Refira-se que a contabilização e dedução de custos relativos a viagens, sem que se encontrem contabilizados custos com alimentação e alojamento, não permite, só por si, colocar em causa a efectividade dos custos deduzidos.

Por um lado, resulta claramente do ponto F) b, c, d, e, g, j, l e s, dos factos assentes, que além das viagens é expressamente mencionado o alojamento ou hotel, como integrando a contraprestação paga pela impugnante, mencionando-se em alguns casos refeições.

Ora, tais fundamentos constituem questões que não contendem com a comprovação do custo em si, uma vez que se sabe quem é o adquirente dos serviços, quem é o fornecedor, está identificada a designação do serviço prestado e o seu preço, sendo feita a identificação fiscal das partes intervenientes na operação.

Ainda assim, se dúvidas pudessem decorrer dos referidos fundamentos da correcção, quanto à existência da relação subjacente, sempre se dirá que, no âmbito da produção de prova testemunhal apurou-se que estão em causa clientes internacionais, e que os custos com a réperage nem sempre eram suportadas na sua totalidade pela recorrida, dependendo do acordo efectuado com o cliente. Conforme decorre da prova adquirida nos autos, está em causa uma sociedade que integra um grupo multinacional referindo-se a testemunha inquirida à colaboração «entre escritórios», aludindo às congéneres sediadas nos locais de destino das deslocações, que suportavam alguns custos necessários à produção da publicidade, que envolvia por vezes a produção conjunta.

Atento o exposto, impõe-se julgar improcedentes as conclusões de recurso apreciadas.


*

Nas conclusões HH) a OO) imputa a recorrente a verificação de erro de julgamento alegando que, nos termos da legislação aplicável, que identifica (artigo 41.º, n.º 1 alínea f) do CIRC, Lei n.º 87-B/98, de 31/12, Lei 30-G/2000, de 29/12), exige-se que as despesas com ajudas de custo e de compensação com deslocação em viatura própria do trabalhador fossem facturadas a clientes e escrituradas a qualquer título e que tal prova não foi feita, pelo que, não podia a inspeção tributária agir de outro modo que não corrigindo tais custos.

Está em causa a correcção no montante de 4 803 900$00 (€ 23 691,75) relativos a deslocações em viatura própria dos trabalhadores e colaboradores da Impugnante consubstanciados em despesas com quilómetros contabilizadas em deslocações e estadas que não foram aceites como custo fiscal, nos termos dos artigos 23.º e 41.º n.º 1 alínea h) CIRC, por se encontrarem insuficientemente documentadas e não ter ficado comprovado serem indispensáveis à realização dos proveitos, nada se referindo no relatório de inspecção que estivesse em causa a falta de prova de que os montantes tivessem disso facturadas a clientes.

Recorde-se que a liquidação de IRC objecto de impugnação refere-se ao exercício de 1996. Pelo que seria de estranhar que a correcção se sustentasse na norma que a recorrente invoca pois, como a própria reconhece, a referida norma foi introduzida pela Lei n.º 87-B/98, de 31/12, pelo que não lhe é aplicável, sob pena de intolerável aplicação retroactiva, não sendo de considerar a existência de um requisito implícito, como pretende a recorrente.

A alínea f) do n.º 1 do artigo 41.º foi introduzida pelo artigo 30.º da Lei n.º 87-B/98, de 31/12 com a seguinte redacção: «1 - Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:

(…)

f) As despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS, na esfera do respectivo beneficiário;».

Trata-se de norma inovatória e não de norma interpretativa, via pela qual se poderia admitir que o legislador explicitasse a interpretação pretendida com uma norma cuja interpretação suscitasse dúvidas, o que não constitui o caso.

Ora, a redacção da norma aplicável que vigorava à data dos factos, determinava a não consideração dos custos «não devidamente documentados», como supra já aludimos, sendo a redacção da lei vigente ao tempo do facto tributário aquela que importa ter em consideração.

Ainda assim, sempre se dirá que a interpretação da norma (alínea h) introduzida pelo artigo 30.º da Lei n.º 87-B/98, de 31/12), que vem sendo feita pela jurisprudência é no sentido de que «[n]a redacção da Lei 87.º-B/98, de 31/12, a expressão ajudas de custo “facturadas a clientes”, que constava da alínea f) do n.º1 do art.º41.º do CIRC para efeitos da dedutibilidade integral do seu valor, correspondia a encargos a esse título debitados aos clientes e incluídos no valor da factura, não se exigindo a discriminação do seu montante na própria factura, nem qualquer formalidade na sua escrituração (…) a leitura que faz da expressão “facturadas a clientes”, como significando que só são fiscalmente aceites na sua totalidade as ajudas de custo e deslocações desde que os respectivos montantes estejam discriminados na facturação emitida aos clientes, não é de acolher.» (cf. Acórdão do TCA Norte, proferido no processo n.º 00005/04.2BEPNF, datado de 12/03/2015).

A recorrente alega, por fim, a existência de erro de julgamento quanto à mesma correcção, decorrente da circunstância de a sentença se ter bastado com os documentos internos a que alude o Relatório de Inspeção, documentos dos quais constam como elementos: o local visitado, o mês do evento, os quilómetros percorridos; estando os mesmos assinados pelos sujeitos que efetuaram as deslocações e quantia recebida, para desta forma se determinar a anulação da correção efetuada pelos serviços de inspeção tributária, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do art.º 41.º do CIRC, por falta de suporte legal.

Na sentença recorrida expendeu-se a seguinte fundamentação: «Os montantes recebidos pela utilização de viatura própria ao serviço da entidade patronal, são, em regra e até pela sua natureza, compensações pelos gastos suportados pelo trabalhador em favor da sua entidade patronal.

Assim, a compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal é uma despesa que a entidade patronal suporta para ressarcir o trabalhador pela utilização da viatura própria ao serviço da empresa. “

A Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderou o custo relativo a deslocações por se mostrar suportado em documento interno que não identificava, em simultâneo, os dias da deslocação, com indicação do local e hora de partida o percurso efetuado e o local e hora de chegada e o motivo das deslocações.

Todavia, os documentos juntos em anexo ao relatório identificam os meses, o local de chegada e o número de quilómetros percorridos pelo trabalhador.

Vejamos:

Dizia o artigo 41.f) CIRC: as despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS, na esfera do respetivo beneficiário.

Ora, com redação da lei vigente ao tempo que importa ter em conta não se exigia qualquer requisito formal que deveriam revestir os documentos, nem quanto aos elementos que deveriam constar dos mesmos.

Como vimos já, nos termos do artigo 23º do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Estatuindo, o artigo 41°, n° 1, alínea h) do CIRC: não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício: h) Os encargos não devidamente documentados ...»

Assim sendo, a realização de gastos tem de estar devidamente justificada por meio de documento para que seja fiscalmente dedutível enquanto custo fiscal.

(…) No caso, no que toca aos documentos internos a que alude o Relatório de Inspeção verifica-se que dos mesmos constam os seguintes elementos: o local visitado, o mês do evento, os quilómetros percorridos; e encontram-se assinados pelos sujeitos que efetuaram as deslocações e quantia recebida.

Perante estas circunstâncias fácticas, entendemos que os documentos incluem os elementos essenciais da operação que titulam de modo a permitir à Autoridade Tributária e Aduaneira o controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do custo gasto.

Em suma, afigura-se-nos que está evidenciado que o intuito da assunção do encargo suportado a titulo de deslocações e estadas tenha a ver com o interesse e escopo da Impugnante na medida em que, resulta assente, e não vem impugnado que no ano de 1996, a Impugnante tinha clientes em todo o território nacional e no estrangeiro.

Tem, pois, razão a Impugnante quanto a esta questão.»

E assim é. Conjugando o ponto G) com a prova testemunhal produzida (cf. ponto AG) e AH) dos factos provados) decorre a demonstração da existência das deslocações, dos locais de destino (clientes) e da sua ligação com a actividade desenvolvida, donde se comprova também a sua indispensabilidade.

Ora, no que se refere à documentação destinada a comprovar o pagamento de ajudas de custos, em sede de IRC, não se encontra na lei, à data, qualquer tipo de exigência documental, para além das exigências gerais, nem se impõe que a prova obedeça a características ou forma específica admitindo-se, a par, e conjugadamente com a produção da prova documental disponível, a produção de outros meios gerais de prova, como a prova testemunhal, o que a recorrida logrou conseguir, pelo que não ocorre o apontado erro de julgamento.

Assim sendo, improcede na totalidade o recurso apresentado pela Fazenda Pública.


*

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual as custas são pagas pela parte que lhes deu causa.

Vencida na acção, considera-se que foi a recorrente quem deu causa às custas do presente processo (cf. n.º 2), e, portanto, deve ser condenado nas respectivas custas (cf. n.º 1, 1.ª parte).

IV – CONCUSÕES

I - A validade das correcções efectuadas no âmbito de uma acção inspectiva é, em princípio apreciada à luz da fundamentação constante do relatório de inspecção tributária, nos termos do disposto nos artigos 62.º, n.º 3, alínea i) e 63.º do RCPITA, ou havendo novos elementos de prova fornecidos pelo contribuinte, à luz da fundamentação constante das decisões proferidas nos procedimentos de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou de revisão e não à luz de prova testemunhal a produzir no processo judicial;

II – Os créditos em mora titulados por letras de câmbio mantém-se, aplicando-se as regras quanto à sua consideração como créditos de cobrança duvidosa por referência às facturas e não às letras, por não decorrer da prova que a intenção das partes não fosse outra que não a de tornar mais fácil a satisfação do crédito, subsistindo a dívida inicial até à sua satisfação integral.

III – O requisito da prova da facturação aos clientes das ajudas de custo pagas a trabalhadores por deslocações em viatura própria não pode ser aplicado retroactivamente a situações verificadas antes da entrada em vigora da norma que o veio a estabelecer.

V - DECISÃO


Termos em que, acordam os juízes que integram a Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

a) rejeitar a ampliação do objecto do recurso;

b) negar provimento ao recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 16 de Maio de 2024.


Ana Cristina Carvalho - Relatora

Jorge Cortês – 1º Adjunto

Patrícia Manuel Pires – 2ª Adjunta