Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 156/23.4BCLSB |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 01/11/2024 |
Relator: | PEDRO NUNO FIGUEIREDO |
Descritores: | REGIME JURÍDICO DA SEGURANÇA E COMBATE AO RACISMO, À XENOFOBIA E À INTOLERÂNCIA NOS ESPETÁCULOS DESPORTIVOS GRAVAÇÕES DE IMAGEM E SOM TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS REGIME DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE SEGURANÇA PRIVADA REGULAMENTO DISCIPLINAR DA LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL |
Sumário: | I. A Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que veio estabelecer o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, prevê no respetivo artigo 18.º, na redação da Lei n.º 113/2019, de 11 de setembro, os requisitos do ‘sistema de videovigilância’. II. O n.º 7 deste artigo 18.º, na referida redação, não previa a possibilidade de envio de gravação do som ao organizador da competição. III. Em diversos passos deste diploma existem referências a gravações de imagem e som, vejam-se os artigos 8.º, n.º 1, al. u), 18.º, n.os 1, 2 e 3, 22.º, n.º 1, al. h), 39.º-A, n.º 1, al. t). IV. E a referência somente a imagens consta do já citado artigo 18.º, n.os 6 e 7 do mesmo diploma legal. V. A Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, que assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, prevê no respetivo artigo 19.º, n.º 4, que nos casos em que é admitida a videovigilância, é proibida a captação de som, exceto no período em que as instalações vigiadas estejam encerradas ou mediante autorização prévia da CNPD. VI. A Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, que aprovou o Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada, prevê no artigo 31.º, n.º 9, ser proibida a gravação de som pelos sistemas referidos no presente artigo, salvo se previamente autorizada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, nos termos legalmente aplicáveis. VII. É, pois, evidente que o legislador distingue entre a captação de registo vídeo e a captação concomitante de registo vídeo e som. VIII. No caso vertente, afigura-se que a norma em questão, artigo 86.º-A do RDLPFP, sanciona a omissão de envio de cópia dos registos vídeo, não a omissão de envio dos registos de som. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Indicações Eventuais: | Subsecção SOCIAL |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD, instaurou ação arbitral contra a Federação Portuguesa de Futebol, visando a impugnação da decisão proferida em 18/07/2023, pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da demandada, no qual foi condenada pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 86.º-A, n.º 1 e 3, do RDLPFP, na sanção de multa de € 6.120,00 (seis mil cento e vinte euros). Por decisão de 12/10/2023, o Tribunal Arbitral do Desporto decidiu conceder provimento ao recurso interposto pela demandante e, em consequência, julgar procedente o pedido de revogação do acórdão recorrido. Inconformada, a entidade demandada interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: “1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitrai constituído junto do Tribunal Arbitrai do Desporto, notificado em 12 de outubro de 2023, que julgou procedente o recurso apresentado pela Recorrida, que correu termos sob o n.º 60/2023. 2. Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitrai em revogar a sanção de multa aplicada pelo Conselho de Disciplina da Recorrente, no âmbito do Processo Disciplinar n.º 104-22/23, que correu termos na Secção Profissional daquele órgão, por violação do artigo 86.º- A, n.º 1 e 3 do RDLPFP. 3. O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito, com os quais a Recorrente não se pode conformar. 4. Para o que ora nos interessa, a Recorrida foi sancionada porquanto, apesar de regulamentarmente notificada para o efeito, não habilitou a Comissão de Instrutores no prazo indicado com cópias do registo das imagens com som, criado pelo sistema de videovigilância instalado no respetivo estádio aquando do jogo n.º 13103, disputado entre a Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD e a Sporting Clube de Braga - Futebol, SAD, a contar para a 31.s jornada da Liga Portugal …., no Estádio do Sport Lisboa e Benfica. 5. O TAD entendeu, no seu aresto, que ‘Não se encontra expresso na norma legal, a possibilidade de envio de gravação do som ao organizador da competição, ou aos seus órgãos disciplinares, ao contrário do previsto para as situações em que o pedido é efetuado pelas forças de segurança ou pela APCVD para efeitos de prova em processo penal ou contraordenacional.’ 6. Ora, bastantes dúvidas nos suscita o entendimento do Colégio Arbitral quanto à irrelevância disciplinar dos factos sub judice nos termos supra mencionados, pois vejamos, 7. Em causa, encontra-se a previsão constante dos artigos 86.º-A [Falta de colaboração com a justiça desportiva] n.º1 e 3 do RDLPFP, do artigo 35.º n.º1, alínea x) do RCLPFP e da alínea u) do artigo 6.º do ANEXO VI [Regulamento de Prevenção da Violência] do mesmo RCLPFP. 8. No que concerne ao conteúdo do dever regulamentar, importa ter presente também aquilo que resulta da Lei n.º 39/2009, de 30.07, na redação da Lei n.º 113/2019, de 11.09, que estabelece o Regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos e, em concreto, há que atender ao teor do artigo 18.º. 9. A existência de um sistema de videovigilância, com as enunciadas características, é um requisito legal inerente às condições de segurança dos estádios, como cristalinamente decorre do estatuído nos artigos 9.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.º 3 e 14.º, n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 141/2009, de 16 de junho e no artigo 14.º, n.os 1 e 2, do Decreto Regulamentar n.º 10/2001, de 7 de junho ; aliás, por força da sua previsão legal, tal requisito foi consignado no RCLPFP, como se constata do teor da Refª E18 - Dispositivos de Controlo de Entradas e Vigilância de Espectadores do respetivo Anexo IV (Regulamento das Infraestruturas e Condições Técnicas e de Segurança nos Estádios). 10. Para que se possa verificar o tipo disciplinar previsto pelo artigo 86.º-A, n.º l do RDLPFP [Falta de colaboração com a justiça desportiva], é necessário que, voluntariamente e ainda que de forma meramente culposa, (i) um clube promotor de espetáculo desportivo (ii) devidamente notificado; (iii) não habilite a Comissão de Instrutores, no prazo de dois dias úteis, com cópia das imagens capturadas pelo sistema de videovigilância do respetivo estádio. 11. Resulta da factualidade dada como provada pelo CD da Recorrente, bem como pelo Tribunal a quo, que a Recorrida é uma sociedade desportiva que, na época desportiva 2022/2023, disputou as competições profissionais organizadas pela LPFP, concretamente a Liga ..., assumindo, portanto, nos jogos disputados na qualidade de visitada, a condição de "promotor do espetáculo desportivo" (cf. artigo 3.º, al. k) da Lei n.º 39/2009, de 30.07, na redação atual, e artigo 5.º, al. b) do Regulamento de Prevenção da violência, que consta do anexo VI ao RCLPFP). 12. A matéria de facto dada como provada indica claramente que a Recorrida não remeteu à Comissão de Instrutores a gravação das imagens com som capturados pelo sistema de videovigilância do respetivo estádio. 13. Como resulta da jurisprudência do Conselho de Disciplina da Recorrente, o facto de o artigo 86.º- A do RDLPFP e de o n.º 7 do artigo 18.º da Lei n.º 113/2019, de 11.09, na redação de 2019, se referirem a «.cópia das imagens» e a «acesso às imagens», respetivamente, não deve ser interpretado em termos que confinem o dever dos clubes à remessa das imagens gravadas, com exclusão do som. 14. Esta linha interpretativa é de afastar, desde logo, por razões sistemáticas, porquanto a mobilização do advérbio de modo ‘designadamente’ no n.º 2 do referido artigo 18.º ilustra que o dever de conservar o registo de gravação de imagens e som durante 60 dias tem o propósito de salvaguardar a sua utilização em várias modalidades de processos sancionatórios públicos, inclusivamente no processo disciplinar. 15. Atento a todo o supra exposto, é possível dar por assente que: (i) Por consignação do legislador, reiterada nos regulamentos disciplinares desportivos, sobre os promotores de espetáculos desportivos em cujos recintos se realizem espetáculos desportivos de risco elevado impende o dever de instalar e manter em perfeitas condições de funcionamento um sistema de videovigilância. Tal sistema deve ser dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas; (ii) O promotor do espetáculo desportivo tem o dever de conservar os registos de gravação de imagem e som durante um período de 60 dias, pretendendo- se com isso salvaguardar a utilização desses registos para efeitos de prova em processo penal, contraordenacional ou disciplinar, (iii) O organizador da competição desportiva - conceito no qual se subsume o Conselho de Disciplina da FPF e a Comissão de Instrutores - podem aceder ao registo de gravação das imagens e som, para efeitos de exercício da ação disciplinar sobre os agentes desportivos sujeitos ao Regulamento disciplinar. 16. Com efeito, o n.º 2 do citado artigo 18.º estabelece que os registos de imagem e som podem ser utilizados para efeitos de prova em processo penal ou contraordenacional; o atual n.º 6 do mesmo artigo diz que as imagens recolhidas podem ser utilizadas pela APCVD e pelas forças de segurança para efeitos de instrução de processo de contraordenação; e o subsequente nº 7, determina que o organizador da competição desportiva pode aceder às imagens gravadas para efeitos exclusivamente disciplinares. 17. Ademais, o artigo 8.º da Lei n.º 39/2009, na redação em vigor à data dos factos, estatui na alínea u), do seu n.º 1 que, sem prejuízo de outros deveres que lhe sejam cometidos nos termos dessa mesma lei e na demais legislação ou regulamentação aplicáveis, é dever do promotor do espetáculo desportivo proceder ao envio da gravação de imagem e som e impressão de fotogramas colhidos pelo sistema de videovigilância, quando solicitado pelas forças de segurança ou pela APCVD. 18. Nesta conformidade, entendeu o CD que “numa perspetiva sistemática e de coerência do sistema jurídico - não só na ótica das enunciadas normas, entre si, mas também destas com a preservação do direito à segurança de pessoas e bens que subjaz ao n. -1 do mesmo artigo 18°-, afigura-se- nos que a referência a imagens gravadas ou imagens recolhidas, nas citadas normas da Lei n.º 39/2009 que disciplinam o acesso aos sistemas de videovigilância quer pelas forças de segurança (n.- 6) quer pelo organizador da competição (n.g 7} compreende todos os registos ou gravações efetuados, portanto, a imagem e o som captados pelos sistemas de videovigilância; o mesmo valendo, como resulta óbvio, para a exegese hermenêutica do artigo 86 °- A, n.º 1, do RDLPFP. 19. Também, de acordo com o entendimento sufragado na declaração de voto vencido do Árbitro Sr. Dr. Sérgio Castanheira, entendeu-se, e bem, que “Pelo exposto, a interpretação da norma do n.º 7 do artigo 18.º deve ir no mesmo sentido da interpretação do n.º 6 desse mesmo artigo, ou seja, no sentido de que organizador da competição desportiva pode aceder às imagens e som gravadas pelo sistema de videovigilância, para efeitos exclusivamente disciplinares, tanto mais que aquele está obrigado a respeitar a legislação de proteção de dados pessoais, devendo, sem prejuízo da aplicação do n. - 2, assegurar-se das condições de reserva dos registos obtidos. O intérprete não deve fazer distinção onde o legislador não o fez. Se o legislador, nas normas do n.º 6 e 7 do artigo 18.º, não fez qualquer distinção entre a APCVD, as forças de segurança e o organizador da competição, então o intérprete também não o deve fazer. Em suma, a unidade do sistema jurídico reclama que, ou se permite a utilização do som captado pelo sistema de videovigilância pela APCVD, forças de segurança e organizador da competição, ou se impede tal utilização a todas as referidas entidades. Ainda, e não de somenos, cabe referir que as recentes alterações à Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, cujo decreto da Assembleia da República já foi promulgado, clarificam precisamente este particular, passando o artigo 18.º, n.º 7 a ter a seguinte redação: “O organizador da competição desportiva pode aceder às imagens e ao som gravados pelo sistema de videovigilância, para efeitos exclusivamente disciplinares e no respeito pela legislação de proteção de dados pessoais, devendo, sem prejuízo da aplicação do n.º 2, assegurar-se das condições de reserva dos registos obtidos”. 20. Aqui chegados, o comportamento da Recorrida, nos termos e circunstâncias em que se verificou, é objetiva e subjetivamente ilícito, porquanto apesar de regulamentarmente notificada para o efeito, não habilitou a Comissão de Instrutores no prazo indicado, ou em qualquer outro, com cópias do registo das imagens com som, criado pelo sistema de videovigilância instalado no respetivo estádio aquando do jogo n.º 13103, tendo atuado com manifesto dolo direto (cfr. artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal), mostrando-se assim preenchidos os elementos integrativos da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 86.º-A, n.º 1, do RDLPFP. 21. Por último, a posição supra explanada não viola, de qualquer forma o princípio da legalidade, como entendeu o Tribunal a quo. 22. O princípio da tipicidade não vale no direito disciplinar com intensidade idêntica à que é reclamada pelo princípio da legalidade na intervenção penal, não sendo, como tal, possível fazer uma simples transposição do princípio da tipicidade penal, em todo o seu rigor garantístico, para o domínio meramente disciplinar e, em especial, para o domínio do direito público disciplinar. 23. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos de 11-11-2004 (proc. n.º 957/02), de 22-02- 2006 (proc. n.º 0219/05), de 23-05-2006 (proc. n.º 0957/02 - Pleno), de 23-09-2010 (proc. n.º 058/10) e, mais recentemente, de 28-03-2019 (proc. n.º 0343/15.9BALSB). 24. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal o quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 86.º-A, n.º 1 e 3 do RDLPFP.” A demandante apresentou contra-alegações, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “A. O recurso interposto pela Demandada, ora Recorrente, Federação Portuguesa de Futebol, tem por objecto o Acórdão proferido pelo Colégio Arbitrai constituído junto do Tribunal Arbitrai do Desporto que julgou procedente o recurso apresentado pela Recorrida Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD, que correu termos no TAD sob o número de Processo 60/2023. B. Por força dessa Decisão arbitral foi revogada a deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que condenara a Recorrida pela prática de uma infracção disciplinar p. e p. pelo artigo 86.º-A, n.s 1 e 3 do RDLPFP, na sanção de multa de € 6.120,00 (seis mil cento e vinte euros). C. Previa o artigo 86.º-A, n.º 1, do RDLPFP, na redacção em vigor à data da prática dos factos, que ""[o] clube que, notificado para o efeito, não habilite a Comissão de Instrutores, no prazo de dois dias úteis, com cópia das imagens capturadas pelo sistema de videovigilância do respetivo estádio, será punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 20 UC e o máximo de 100 UC". D. Nos autos está demonstrado - e a Recorrente não contesta - que a Recorrida habilitou a Comissão de Instrutores, no prazo de dois dias úteis, com cópia das imagens capturadas pelo sistema de videovigilância do respectivo estádio, cumprindo assim a sua obrigação legal e regulamentar. E. Não habilitou, todavia, a Comissão de Instrutores com cópia do som gravado pelo sistema de videovigilância pelas razões que, oportunamente, por requerimento escrito, deu a conhecer àquela Comissão. F. Com efeito, inexistia, à data da prática dos factos, qualquer norma legal que habilitasse o organizador da competição (ou qualquer um dos seus órgãos, designadamente, a Comissão de Instrutores) a exigir a gravação de som obtida pelo sistema de videovigilância. Pelo contrário, a Lei previa tão-só o direito de acesso do organizador da competição à gravação das imagens obtidas pelo aludido sistema de videovigilância - vide, em concreto, o artigo 189, n.s 7, e artigo 82, n.s 1, al. u), da Lei n.s 38/2009, na redacção à data em vigor). G. No mesmo sentido, o artigo 86º-A, n.21, do RDLPFP, na redacção à data em vigor, previa apenas a punição disciplinar para os casos em que o clube, notificado para o efeito, não habilitasse a Comissão de Instrutores, no prazo de dois dias úteis, "com cópia das imagens". Mas nada estatuía quanto à não entrega da gravação de som. Essa redacção, além de textualmente inequívoca, encontrava-se em perfeita harmonia, aliás, com a redacção à data em vigor da Lei n.2 39/2009, pois que nenhuma norma legal previa o direito de acesso do organizador da competição à gravação do som. H. O direito de acesso ao som por parte do organizador da competição apenas passou a estar previsto na lei depois da alteração legislativa introduzida pela Lei n.2 40/2023, de 10 de Agosto, que expressamente alterou o texto das normas ínsitas no artigo 18e, n.s 7, e 8s, ns l, al. u), da Lei n.s 39/2009, e alargou o âmbito das mesmas de modo a nelas incluir o direito do organizadorde exigir (e o correspectivo dever do promotor de enviar) a gravação do som se solicitada no âmbito de procedimento disciplinar desportivo. I. "O princípio da legalidade, com inscrição constitucional (artigo 29°, n° 1 da Constituição) significa, no conteúdo essencial, que não pode haver crime nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa (nullum crimen, nulla poene sine lege). O princípio da legalidade exige que uma infracção esteja claramente definida na lei, estando tal condição preenchida sempre que o interessado possa saber, a partir da disposição pertinente, quais os actos ou omissões que determinam responsabilidade penal e as respectivas consequências". J. O princípio da legalidade constitui, também, princípio basilar do procedimento disciplinar desportivo, prevendo o artigo 82 do RD LPFP que "[s]ó pode ser punido disciplinarmente o facto descrito e declarado passível de sanção por norma legal ou regulamentar vigente no momento da sua prática". K. E acrescentando o artigo 9.2 do mesmo RD LPFP que "[a]s sanções disciplinares têm unicamente os efeitos declarados neste Regulamento" e que "[njão é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como infração disciplinar". L. No caso, o Regulamento Disciplinar da Liga, na versão vigente à data dos factos, não previa nem punia o não envio de cópia do som obtido pelo sistema de videovigilância, em linha, aliás, com a falta de previsão legal que habilitasse o organizador da competição a solicitar directamente ao promotor do espectáculo desportivo o acesso à gravação de som. M. Neste sentido, não podia o Conselho de Disciplina da Recorrente incluir na interpretação e aplicação do artigo 86.º-A do RD LPFP facto (novo) não descrito nem declarado passível de punição pela referida disposição regulamentar para, assim, poder qualificar a conduta da Recorrida como disciplinarmente ilícita e condená-la, como sucedeu, sob pena de flagrante violação do princípio da legalidade consagrado na Constituição da República Portuguesa, na Lei e no RD LPFP. N. O entendimento propugnado pela Recorrente viola, pois, ostensivamente, entre outros, o princípio da legalidade. O. O Tribunal Arbitral a quo julgou correctamente dos factos e procedeu à aplicação correcta do Direito ao decidir revogar a deliberação disciplinar recorrida por considerar que os factos imputados à Recorrida não integram a infracção disciplinar p. e p. pelo número 1 do citado artigo 86º-A do RD LPFP, na redacção à data em vigor, concluindo assim pela absolvição.” O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, por entender, em síntese, ser facto notório que os sistemas de vídeo captam imagens e tudo o que a elas está associado, nomeadamente o som, pelo que não se pode aceitar que o som captado nessa gravação esteja excluído da captação de imagem efetuada. * Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da decisão recorrida ao considerar que os factos imputados à recorrida não integram a infração disciplinar p. e p. pelo artigo 86.º-A, n.º 1, do RDLPFP. Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir. * II. FUNDAMENTOS II.1 DECISÃO DE FACTO Nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC, ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância. * II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação: “[A] norma aplicada na punição sub judice é o artigo 86.°-A do RD LPFP «falta de colaboração com a justiça desportiva)) que consagra no seu n.° 1 que '“[o] clube que, notificado para o efeito, não habilite a Comissão de Instrutores, no prazo de dois dias úteis, com cópia das imagens capturadas pelo sistema de videovigilância do respetivo estádio, será punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 20 UC e o máximo de 100 UC.” Ou seja, a norma prevê e pune diretamente o não envio de cópia das imagens capturadas pelo sistema de videovigilância do respetivo estádio. Nada se referindo quanto ao envio do som de tais ficheiros. Defende a Demandante que ‘‘inexiste qualquer dever legal que obrigue o promotor do espetáculo desportivo a enviar ao organizador da competição - nomeadamente, à Cl ou ao Conselho de Disciplina - a gravação de som obtida pelo sistema de videovigilância." Entendendo ainda que, esse sendo o texto da lei, pela aplicação do princípio da tipicidade do Processo Penal não pode ser punida. Repetimos o que sumariamente supra concluímos, não se encontra aqui em discussão se a Demandante cumpriu ou não a ordem da Cl. Na verdade, encontra-se plasmado de forma clara em sede de matéria provada na presente decisão nos factos dados como provados sob 3 e 4 que, apesar de legalmente notificada para, em dois dias, remeter ficheiros de vídeo e som, não cumpriu. Com efeito, o que está em causa é a real censurabilidade, ética e jurídica, destes factos. 0 artigo 86.°-A do RD LPFP, em vigor na época 2022/2023, consagra: 1 - O clube que, notificado para o efeito, não habilite a Comissão de Instrutores, no prazo de dois dias úteis, com cópia das imagens capturadas pelo sistema de videovigilância do respetivo estádio5, será punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 20 UC e o máximo de 100 UC. 2-0 clube que, notificado para o efeito, não habilite a Comissão de Instrutores, no prazo de dois dias úteis, com cópia das imagens, em bruto, captadas pelas câmaras da produção dos jogos que sejam transmitidos por sociedade comercial por si dominada nos termos do Código dos Valores Mobiliários, será punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 20 UC e o máximo de 100 UC. 3 - Em caso de reincidência em algum dos ilícitos previstos nos números anteriores, os limites mínimo e máximo da sanção neles prevista serão elevados para o dobro. O artigo 18° da Lei n.° 39/2009 o seguinte: “1-0 promotor do espetáculo desportivo, em cujo recinto se realizem espetáculos desportivos de natureza profissional ou não profissional considerados de risco elevado, sejam nacionais ou internacionais, instala e mantém em perfeitas condições um sistema de videovigilância que permita o controlo visual de todo o recinto desportivo e respetivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas, as quais visam a proteção de pessoas e bens, com observância do disposto na legislação de proteção de dados pessoais. 2 - A gravação de imagem e som, aquando da ocorrência de um espetáculo desportivo, é obrigatória, desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo, devendo os respetivos registos ser conservados durante 60 dias, por forma a assegurar, designadamente, a utilização dos registos para efeitos de prova em processo penal ou contraordenacional, prazo findo o qual são destruídos em caso de não utilização. 3 - Nos lugares objeto de videovigilância é obrigatória a afixação, em local bem visível, de um aviso que verse «Para sua proteção, este local é objeto de videovigilância com captação e gravação de imagem e som». 4- 0 aviso referido no número anterior deve, igualmente, ser acompanhado de simbologia adequada e estar traduzido em, pelo menos, uma língua estrangeira, escolhida de entre as línguas oficiais do organismo internacional que regula a modalidade. 5- 0 sistema de videovigilância previsto nos números anteriores pode, nos mesmos termos, ser utilizado por elementos das forças de segurança. 6 - As imagens recolhidas pelos sistemas de videovigilância podem ser utilizadas pela APCVD e pelas forças de segurança para efeitos de instrução de processos de contraordenação por infrações previstas na presente lei. 7- 0 organizador da competição desportiva pode aceder às imagens gravadas pelo sistema de videovigilância,6 para efeitos exclusivamente disciplinares e no respeito pela legislação de proteção de dados pessoais, devendo, sem prejuízo da aplicação do n.° 2, assegurar-se das condições de reserva dos registos obtidos.”. Ora, face ao licenciamento em vigor, nenhuma dúvida existe que o Estádio da Demandante tem instalado um sistema de videovigilância dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas. Estando obrigada a disponibilizar tais registos de som e imagem para efeitos de prova em processo penal ou contraordenacional. A notificação para envio da gravação de som e imagem capturada pelo sistema de videovigilância relativa ao jogo SL Benfica SAD vs SC Braga SAD, foi efetuado pela Comissão de Instrutores para efeitos de instrução de um processo disciplinar, sendo que o número 7 do referido artigo 18° da Lei n.° 39/2009, reitera-se, consagra “[o] organizador da competição desportiva pode aceder às imagens gravadas pelo sistema de videovigilância, para efeitos exclusivamente disciplinares e no respeito pela legislação de proteção de dados pessoais, devendo, sem prejuízo da aplicação do n.° 2, assegurar-se das condições de reserva dos registos obtidos.” Não se encontra expresso na norma legal, a possibilidade de envio de gravação do som ao organizador da competição, ou aos seus órgãos disciplinares, ao contrário do previsto para as situações em que o pedido é efetuado pelas forças de segurança ou pela APCVD para efeitos de prova em processo penal ou contraordenacional. Assim, resulta óbvio que do texto da norma não prevê o dever legal de envio da gravação de imagem e som à Comissão de Instrutores. Com efeito, importa recordar que o RDLPFP, em harmonia com o disposto no artigo 53.°, al. a), do Regime Jurídico das Federações Desportivas (“RJFD”} e nos artigos 29.°, n.° 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP"), explicita, logo no seu artigo 9.°, as duas dimensões essenciais do princípio da legalidade a observar no procedimento disciplinar. Assim, por um lado, estabelece que “As sanções disciplinares têm unicamente os efeitos declarados neste Regulamento'' (n.° 1). E, por outro, determina que “Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como infração disciplinar” (n.° 2). O que, de resto, encontra suporte na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, segundo a qual "No direito disciplinar vigora o princípio das legalidades das penas ("nu//a poena sine lege”)” (acórdão de 28 de Junho de 1990, processo n.° 017986).” Vejamos então o que se quer dizer. O princípio da legalidade, com respaldo no artigo 29°, n° I da Constituição significa, grosso modo, que não pode haver crime nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa (nullum crimen, nulla poene sine lege). Exige-se que uma infração esteja claramente definida na lei, estando tal condição preenchida sempre que o interessado possa saber, a partir da disposição pertinente, quais os atos ou omissões que determinam responsabilidade penal e as respetivas consequências. Não há censurabilidade na conduta da Demandante, pois a letra da Lei Regulamentar que invoca na justificação para o não cumprimento do despacho da Cl, demonstra que não lhe era exigido um comportamento diferente. Face a todo o supra exposto, não ficaram provados os elementos necessários ao preenchimento do preceituado nas normas do RDLPFP, em concreto no artigo 86.°-A, epigrafado de “Falta de Colaboração com a Justiça Desportiva”, razão pela qual deverá se revoga o Acórdão recorrido.” Invoca a recorrente erro de julgamento da decisão recorrida, por entender, em síntese, o seguinte: - o facto de os artigos 86.º-A do RDLPFP e 18.º, n.º 7, da Lei n.º 113/2019, de 11 de setembro, na redação de 2019, se referirem a «cópia das imagens» e a «acesso às imagens», respetivamente, não deve ser interpretado em termos que confinem o dever dos clubes à remessa das imagens gravadas, com exclusão do som, desde logo, por razões sistemáticas, porquanto a mobilização do advérbio de modo ‘designadamente’ no n.º 2 do referido artigo 18.º ilustra que o dever de conservar o registo de gravação de imagens e som durante 60 dias tem o propósito de salvaguardar a sua utilização em várias modalidades de processos sancionatórios públicos, inclusivamente no processo disciplinar; - o n.º 2 do citado artigo 18.º estabelece que os registos de imagem e som podem ser utilizados para efeitos de prova em processo penal ou contraordenacional, o n.º 6 diz que as imagens recolhidas podem ser utilizadas pela APCVD e pelas forças de segurança para efeitos de instrução de processo de contraordenação, e o n.º 7 determina que o organizador da competição desportiva pode aceder às imagens gravadas para efeitos exclusivamente disciplinares; - o artigo 8.º, n.º 1, al. u), da Lei n.º 39/2009, prevê como dever do promotor do espetáculo desportivo proceder ao envio da gravação de imagem e som e impressão de fotogramas colhidos pelo sistema de videovigilância, quando solicitado pelas forças de segurança ou pela APCVD; - com as mais recentes alterações à Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, o artigo 18.º, n.º 7, passa a prever que o organizador da competição desportiva pode aceder às imagens e ao som gravados pelo sistema de videovigilância, para efeitos exclusivamente disciplinares; - a posição supra explanada não viola o princípio da legalidade, na medida em que o princípio da tipicidade não vale no direito disciplinar com intensidade idêntica à que é reclamada pelo princípio da legalidade na intervenção penal. Vejamos então. Mostra-se assente que, por despacho datado de 12/05/2023, a recorrente determinou que se procedesse à notificação da recorrida para, no prazo de dois dias úteis, remeter aos autos cópia das imagens e som captados pelo sistema de videovigilância instalado no seu Estádio, aquando do jogo realizado no dia 06/05/2023, entre si e a Sporting Clube de Braga - Futebol, SAD. Mais se mostra assente que, nessa sequência, a recorrida remeteu aos autos os ficheiros vídeo, os quais não continham som. Entende a recorrente que tal conduta consubstancia a prática da infração disciplinar prevista no artigo 86.º-A, n.os 1 e 3, do Regulamento Disciplinar das competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional para a época 2022/2023, onde se prevê o seguinte, sob a epígrafe ‘falta de colaboração com a justiça desportiva’: “1. O clube que, notificado para o efeito, não habilite a Comissão de Instrutores, no prazo de dois dias úteis, com cópia das imagens capturadas pelo sistema de videovigilância do respetivo estádio, será punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 20 UC e o máximo de 100 UC. (…) 3. Em caso de reincidência em algum dos ilícitos previstos nos números anteriores, os limites mínimo e máximo da sanção neles prevista serão elevados para o dobro.” Sem razão, contudo. Vejamos porquê. A Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, veio estabelecer o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, prevendo no respetivo artigo 18.º, na redação da Lei n.º 113/2019, de 11 de setembro, e sob a epígrafe ‘sistema de videovigilância’, o seguinte: “Artigo 18.º 1 - O promotor do espetáculo desportivo, em cujo recinto se realizem espetáculos desportivos de natureza profissional ou não profissional considerados de risco elevado, sejam nacionais ou internacionais, instala e mantém em perfeitas condições um sistema de videovigilância que permita o controlo visual de todo o recinto desportivo e respetivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas, as quais visam a proteção de pessoas e bens, com observância do disposto na legislação de proteção de dados pessoais. 2 - A gravação de imagem e som, aquando da ocorrência de um espetáculo desportivo, é obrigatória, desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo, devendo os respetivos registos ser conservados durante 60 dias, por forma a assegurar, designadamente, a utilização dos registos para efeitos de prova em processo penal ou contraordenacional, prazo findo o qual são destruídos em caso de não utilização. 3 - Nos lugares objeto de videovigilância é obrigatória a afixação, em local bem visível, de um aviso que verse «Para sua proteção, este local é objeto de videovigilância com captação e gravação de imagem e som». 4 - O aviso referido no número anterior deve, igualmente, ser acompanhado de simbologia adequada e estar traduzido em, pelo menos, uma língua estrangeira, escolhida de entre as línguas oficiais do organismo internacional que regula a modalidade. 5 - O sistema de videovigilância previsto nos números anteriores pode, nos mesmos termos, ser utilizado por elementos das forças de segurança. 6 - As imagens recolhidas pelos sistemas de videovigilância podem ser utilizadas pela APCVD e pelas forças de segurança para efeitos de instrução de processos de contraordenação por infrações previstas na presente lei. 7 - O organizador da competição desportiva pode aceder às imagens gravadas pelo sistema de videovigilância, para efeitos exclusivamente disciplinares e no respeito pela legislação de proteção de dados pessoais, devendo, sem prejuízo da aplicação do n.º 2, assegurar-se das condições de reserva dos registos obtidos.” Conforme assinalou a recorrente, este n.º 7 veio a ser alterado através da Lei n.º 40/2023, de 10 de agosto, passando a ter a seguinte redação: “O organizador da competição desportiva pode aceder às imagens e ao som gravados pelo sistema de videovigilância, para efeitos exclusivamente disciplinares e no respeito pela legislação de proteção de dados pessoais, devendo, sem prejuízo da aplicação do n.º 2, assegurar-se das condições de reserva dos registos obtidos.” Uma vez que os factos em causa nestes autos são anteriores à entrada em vigor deste diploma legal, tal alteração não é aqui aplicável. Ou seja, na redação aplicável ao caso dos autos, a referida norma legal não previa a possibilidade de envio de gravação do som ao organizador da competição. Em diversos passos deste diploma existem referências a gravações de imagem e som, vejam-se os artigos 8.º, n.º 1, al. u), 18.º, n.os 1, 2 e 3, 22.º, n.º 1, al. h), 39.º-A, n.º 1, al. t). E a referência somente a imagens consta do já citado artigo 18.º, n.os 6 e 7 do mesmo diploma legal. No mais, não é despicienda a chamada à colação da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, que assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, que prevê no respetivo artigo 19.º, n.º 4, que nos casos em que é admitida a videovigilância, é proibida a captação de som, exceto no período em que as instalações vigiadas estejam encerradas ou mediante autorização prévia da CNPD. Assim como da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, que aprovou o Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada, que prevê no artigo 31.º, n.º 9, ser proibida a gravação de som pelos sistemas referidos no presente artigo, salvo se previamente autorizada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, nos termos legalmente aplicáveis. É, pois, evidente que o legislador distingue entre a captação de registo vídeo e a captação concomitante de registo vídeo e som. Sendo certo, como é consabido, que existem sistemas de videovigilância com captação de som e sem captação de som. Na norma invocada para consubstanciar a responsabilidade disciplinar da recorrida a previsão é clara, apenas está em causa a captação de vídeo. No âmbito do direito sancionatório, a conduta típica ilícita e culposa tem de estar claramente definida na previsão normativa que prevê a sua punição. No caso vertente, afigura-se evidente que a norma em questão, artigo 86.º-A do RDLPFP, sanciona a omissão de envio de cópia dos registos vídeo, não a omissão de envio dos registos de som. Entendimento diverso terá o legislador assumido mais recentemente no âmbito do regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos. Contudo, a lei em vigor à data dos factos não sustenta a interpretação defendida pela recorrente, posto que não encontra na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil. Tem, assim, razão de ser a invocação do princípio da legalidade, posto que ninguém pode ser condenado disciplinarmente senão em virtude de lei ou regulamento anterior que declare punível a ação ou a omissão. Em suma, impõe-se negar provimento ao presente recurso e manter a decisão recorrida. * III. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida. Custas a cargo da recorrente. Lisboa, 11 de janeiro de 2024 (Pedro Nuno Figueiredo) (Rui Pereira) (Carlos Araújo) |