Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 2/24.1BCLSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 06/20/2024 |
| Relator: | PEDRO NUNO FIGUEIREDO |
| Descritores: | RELAÇÕES JURÍDICO-ADMINISTRATIVAS DESPORTIVAS TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO COMPETÊNCIA ARBITRAGEM NECESSÁRIA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA |
| Sumário: | I. Nos litígios decorrentes de relações jurídico-administrativas desportivas, o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), criado pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (LTAD), é o tribunal arbitral necessário, nos termos do disposto nos artigos 1.º e 4.º deste diploma legal. II. De acordo com este último preceito, a competência do TAD, no âmbito da arbitragem necessária, cinge-se aos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina. III. Se o litígio configurado pela demandante respeita à vida associativa de um clube de natureza privada, o mesmo fica fora do âmbito da arbitragem necessária, antes se integrando no âmbito da arbitragem voluntária, conforme expressamente resulta do artigo 6.º da LTAD. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção COMUM |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum do Tribunal Central Administrativo Sul A Federação Portuguesa de Aeronáutica instaurou ação no Tribunal Arbitral do Desporto contra o A..., na qual pede se declare a nulidade dos apontados preceitos dos estatutos do demandado, se ordene que proceda à sua efetiva eliminação e desaplicação, estabelecendo um prazo, não superior a 15 dias, para a concretização da respetiva escritura de alteração dos seus Estatutos, e fixando ainda uma sanção pecuniária compulsória aplicável ao eventual incumprimento desta decisão, de valor não inferior a EUR 200,00 por dia, a contar da data de final do prazo estabelecido, se obrigue a comunicar à FAI - Fédération Aeronautique Internationale, por correio registado e/ou por correio eletrónico, com conhecimento ao demandante, a sua desfiliação imediata como Membro Ativo (Active Member) daquela federação internacional, estabelecendo um prazo, não superior a 5 dias, para o envio dessa comunicação, e fixando uma sanção pecuniária aplicável ao eventual incumprimento desta decisão, de valor não inferior a EUR 200,00 por dia, a contar da data de final do prazo estabelecido, e se obrigue a comunicar à FAI - Fédération Aeronautique Internationale, por correio registado e/ou por correio eletrónico, com conhecimento ao demandante, em simultâneo com a comunicação anterior, que o novo representante de Portugal na FAI, como Membro Ativo, é a Federação Portuguesa de Aeronáutica. Indicou como Contrainteressados a Federação Portuguesa de Paraquedismo, a Federação Portuguesa de Voo Livre, a Federação Portuguesa de Aeromodelismo e o Instituto Português do Desporto e Juventude, I.P. Por decisão datada de 13/11/2023, o Tribunal Arbitral do Desporto julgou verificada a exceção dilatória da incompetência do tribunal, que é de conhecimento oficioso e obsta ao conhecimento do mérito da causa, absolvendo, consequentemente, a demandada, e os contrainteressados, da instância. Inconformada, a demandante interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: “i. No âmbito do Processo n.º 13/2023, o Tribunal Arbitral do Desporto decidiu julgar verificada a exceção dilatória de incompetência do tribunal, e absolveu a Demandada e os Contrainteressados da instância. ii. Na decisão Arbitral, votou de vencido o Exmo. Sr. Árbitro Dr. H...., ao entender que o TAD dispõe de competência material para apreciar uma ação em que se peticiona a declaração de nulidade de disposição estatutária de um clube desportivo, e a tomada de decisões por parte deste, tendo em vista o exercício de um poder regulamentação, organização, direção e disciplina concedido pelo Regime Jurídico das Federações Desportivas exclusivamente às federações desportivas e que, ademais, impacta na participação em competições desportivas internacionais. iii. A Recorrente entende que, atenta a causa de pedir e os pedidos por si formulados ao TAD, este goza de competência exclusiva para dirimir o litígio ao abrigo da arbitragem necessária, pelo que a fundamentação expendida pelo Tribunal o quo para sustentar a incompetência não encontra acolhimento nos comandos normativos aplicáveis. iv. Os pedidos formulados pela Recorrente ao TAD foram, em síntese, os seguintes: (i) Que declarasse a nulidade de determinados preceitos dos Estatutos do A..., e ordenasse a respetiva eliminação através de alteração estatutária, (ii) que ordenasse o A... a comunicar à FAI - Fédération Aeronautique Internationale a sua desfiliação imediata como Membro Ativo daquela federação e (iii) que ordenasse o A... a comunicar à FAI que o novo representante de Portugal, como Membro Ativo, seria a Recorrente. v. Foram citados o A..., como Demandado, e posteriormente a Federação Portuguesa de Paraquedismo, a Federação Portuguesa de Voo Livre e o Instituto do Desporto e da Juventude, I.P., que contestaram, e ainda a Federação Portuguesa de Aeromodelismo, que não contestou. vi. Concluída a fase dos articulados, veio o Tribunal a quo proceder ao saneamento do processo, tendo desde logo enunciado a questão da (in)competência do TAD para dirimir o litígio. vii. No Requerimento Inicial, a Recorrente dedicou um capítulo específico à questão da competência do TAD para julgar o litígio, defendendo desde logo que se tratava de um caso de arbitragem necessária. viii. Invocou, desde logo, o artigo 4.º, n.º 1, da LTAD: Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina. ix. Em causa estava, no entender da Recorrente, “uma omissão de uma entidade desportiva -o A...-que por omissão-ou, digamos, inércia, ainda que intencional - não adotou os procedimentos necessários - maxime, de organização interna - de modo a deixar de ser o representante de Portugal na Fédération Aéronautique Internationale (“FAI”) - Federação internacional que tutela, a nível mundial, os desportos aéreos - quando para isso deixou de ter competência, nos termos da legislação publicada em Portugal”. x. Ademais, “o A... fê-lo no âmbito do exercício dos seus poderes de regulamentação e organização, isto é, no âmbito destes poderes, não adotou os procedimentos necessários a cessar a representação de Portugal na FAI, a que passou a estar obrigado”. xi. Segundo a decisão Arbitral, o TAD tem “competência específica para, em Portugal e gozando de jurisdição plena em matéria de facto e de Direito, administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou que estejam relacionados com a prática do desporto (cf Arts. l.º, n.- 2, 2.- e 3.º da LTAD)”. xii. Acrescentando, ainda, que “Esta distinção entre os litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo e os litígios que estejam relacionados com a prática do desporto subjaz, em termos literais e sistemáticos, à distinção entre a arbitragem necessária e a arbitragem voluntária do TAD”. xiii. Quanto à arbitragem necessária, defende que “incide, pois, sobre uma delimitação dos litígios relacionados direta ou indiretamente com a prática do desporto, através da densificação do conceito, mais delimitado, de litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo; o que também logicamente significa que aqueles litígios decorrentes da relação associativa só poderão ser objeto dessa arbitragem necessária se puder considerar-se que igualmente relevam do ordenamento jurídico desportivo”. xiv. No que respeita aos “litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo”, são, entendimento da decisão, aqueles “emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito dos correspondentes poderes de regulamentação, organização e disciplina; poderes esses que deverão ter natureza administrativa, estando, por isso mesmo, disponíveis as modalidades de garantia contenciosa previstas no CPTA que forem aplicáveis (cf. art. 4.g, ngs 1 e 2, da Lei do TAD)”. xv. 0 Tribunal a quo conclui da seguinte forma: “Parece-nos, pois, inquestionável que, à luz do elemento literal normativo em causa, a arbitragem necessária apenas se poderá equacionar no quadro das competições desportivas”. xvi. E decide que “No caso dos presentes autos estamos fora de um recurso de um qualquer ato do órgão de disciplina ou do órgão de justiça das federações desportivas, bem como de qualquer decisão final de órgão de ligas profissionais ou de outras entidades desportivas”. xvii. Entende a Recorrente que a decisão Arbitral faz uma interpretação excessivamente restritiva da competência do TAD em matéria de arbitragem necessária, na medida em que lhe retira competências que especifica e expressamente lhe são atribuídas pela letra da lei, sem qualquer sustentação legal para o efeito. xviii. A decisão “entende que estamos perante uma questão interna de relação associativa - “maxime, de organização interna” (como confirma a Demandante no Artigo 4.º do Requerimento Inicial) - respeitante à filiação como membro de uma federação internacional”. xix. E defende que “afiliação do Demandado na referida federação internacional configura uma decisão tomada ao abrigo dos respetivos Estatutos e, no caso do Demandado, à luz do enquadramento legal dado pelos arts. 167º a 184.º do Código Civil”. xx. Assim, conclui a decisão que “tudo milita a favor da conclusão de que, no presente caso, não estamos no âmbito de um litígio que releve do ordenamento jurídico desportivo ou que esteja relacionado com a prática do desporto, resultante do exercício (ou omissão) de poderes de natureza administrativa no domínio dos respetivos poderes de regulamentação, organização e disciplina de outra entidade desportiva”. xxi. Na decisão Arbitral, votou de vencido o Exmo. Sr. Árbitro Dr. H...., levando a cabo uma análise pragmática do Requerimento Inicial da Recorrente, distinguindo a causa de pedir e os três pedidos, analisando a competência do TAD em função destes. xxii. A causa de pedir corresponderia ao artigo 4.º do Requerimento Inicial: “uma omissão de uma entidade desportiva, o Aero Clube de Portugal, que por omissão - ou, digamos, inércia, ainda que intencional - não adotou os procedimentos necessários - maxime, de organização interna - de modo a deixar de ser o representante de Portugal na Fédération Aéronautique Internationale (“FAI”) - Federação internacional que tutela, a nível mundial, os desportos aéreos - quando para isso deixou de ter competência, nos termos de legislação entretanto publicada em Portugal” xxiii. O voto de vencido assinala-e bem-que “a competência material se afere pelos pedidos dirigidos ao Tribunal e pela causa de pedir (vide, entre outros, acórdão do processo 2325/18.0BELRS) tal como configurada pelo Demandante”. xxiv. Pugnando ainda estar em causa a “[alegada] violação de normas de direito público, em concreto de normas da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto e do Regime Jurídico das Federações Desportivas”. xxv. Por referência ao artigo 4.º, n.º 1, da LTAD, o Dr. H.... defende que “a causa que sustenta o pedido é uma omissão de “outra entidade desportiva”, a saber, um clube desportivo (art. 26- LBAFD)”. xxvi. E considera que, “estando em causa a omissão de um clube desportivo relativa ao poder de pertença a uma federação internacional, considero que esse poder abarca, entre outros, a possibilidade de participar em competições desportivas (designadamente através de seleções nacionais-art. 2.a.iiido Regime Jurídico das Federações Desportivas - RJFD) e de, eventualmente, organizar competições desportivas de seleções sob a égide da respetiva federação internacional”. xxvii. Defendendo, por isso, que “o poder de pertença a uma federação internacional é um poder de natureza pública, decorrente do RJFD (vide art. 2 iii; art. 13.1.d) e e) do RJFD) que decorre do exercício dos poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina da respetiva entidade desportiva. É esta quem decide, a montante e por sua livre vontade, se deseja pertencer a uma federação internacional. E caso esse desejo se concretize, dessa pertença emergem as ditas consequências legais previstas no RJFD”. xxviii. Tal como a Recorrente defende, o voto de vencido perfilha o entendimento segundo o qual “as questões suscitadas nos presentes autos são relevantes, igualmente, no quadro da participação e representação nacional em competições desportivas internacionais previstas no RJFD”. xxix. Efetivamente, da forma com a ação foi proposta, está em jogo uma omissão de um clube desportivo (“outra entidade desportiva”), que, de acordo com o pedido da Recorrente, não adotou procedeu a determinadas alterações estatutárias nem se desfiliou da federação internacional. xxx. Nota ainda o voto de vencido que “a alteração dos Estatutos é competência da Assembleia Geral”, e o “relacionamento com a Federação Internacional exteriorizo-se pelo órgão de administração ou por quem os Estatutos designarem”, por isso, “o conceito de decisão final abarca tanto os atos como as omissões referidas no n.º 1 do art. 4 da LTAD. Ou seja, as decisões e as não-decisões dos referidos órgãos”. xxxi. Conclui, assim, o Dr. H...., que “com os elementos de que dispomos nesta fase, o pedido e a causa de pedir emergem de uma omissão (isto é, uma não-decisão), final, de pelo menos um órgão - dois órgãos, parece-me - de um clube desportivo, clube esse que se arroga poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina com o fito de participar em competições desportivas internacionais”. xxxii. O Exmo. Sr. Árbitro vencido perfilha um entendimento - tal como a Recorrente - alicerçado, essencialmente, na letra da lei. xxxiii. Para tal, convoca também os regimes da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto e do Regime Jurídico das Federações Desportivas, que não foram considerados ou sequer citados pela decisão ora em crise. xxxiv. Ora, o ponto de partida para a análise da competência doTAD em matéria de arbitragem necessária é o artigo 4.º, n.º 1, da LTAD. xxxv. O qual procede, primeiro, a um recorte subjetivo, ao prever que o TAD conhece dos litígios emergentes dos atos e omissões de (i) federações desportivas, (ii), ligas profissionais e (iii) outras entidades desportivas. xxxvi. No caso sub judice, é incontornável que o Demandado, sendo um clube, é uma entidade desportiva - asserção que merece unanimidade. xxxvii. Segundo, conduz a uma delimitação objetiva, ao referir que o TAD conhece dos litígios “emergentes dos atos e omissões” dos supramencionados agentes, i. é., aos litígios que tenham na sua origem uma conduta ativa ou omissiva dos entes desportivos. xxxviii. Assim, as condutas do A... que deram causa a este litígio são primacialmente omissivas, no sentido de não ter eliminado dos seus Estatutos as referências à representação de Portugal junto da federação internacional (“FAI”), e de não lhe ter comunicado a renúncia a essa representação. xxxix. Finalmente, procede a um recorte subjetivo qualificado, ou seja, a conduta do ente desportivo deve ser praticada “no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina”. xl. É aqui que parece haver discordância da decisão Arbitral. xli. Porém, a configuração e o conteúdo dos estatutos de uma entidade desportiva correspondem ao exercício de um poder de regulamentação e organização. xlii. Poder esse que, sendo de representação do país na federação internacional, reveste natureza pública, e que a lei reserva às federações desportivas - e não aos clubes, como é o caso do A.... xliii. Além do que, o litígio ora em jogo “releva do ordenamento jurídico desportivo”. xliv. Ou seja, competência do TAD em matéria de arbitragem necessária fica circunscrita a litígios com as seguintes características: (i) Que relevam do ordenamento jurídico desportivo, (ii) Emergentes de atos e omissões; (iii) Praticados por federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas; (iv) No âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina. xlv. O que serão os “litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo”? xlvi. No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-07-2020 (Maria de Deus Correia], decidiu-se que “Estando em causa, nesta acção, atos relacionados com a organização interna da federação desportiva, com a definição da sua estrutura orgânica, não estando portanto em causa o exercício de poderes públicos” a matéria cai fora do âmbito da arbitragem do TAD. xlvii. Diferente, no presente litígio, estamos diante de um ato que, embora relacionado com a organização interna do A..., possui evidentes e relevantes efeitos externos, visto que concerne à representação de Portugal junto de uma federação internacional, xlviii. Representação essa, como se viu, que se encontra delimitada por diplomas nacionais, como a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto e o Regime Jurídico das Federações Desportivas os quais vedam a representação de Portugal junto das federações internacionais a clubes. xlix. Os estatutos, mau grado respeitem à organização interna, têm de se conformar com a legislação em vigor que lhes é aplicável. l. Sempre que os aspetos da organização interna de uma entidade desportiva contendam com terceiros, e com as atribuições destes, mormente no que respeita à representação internacional de uma (ou várias) modalidade(s), então a apreciação de questões controversas que se levantem releva do ordenamento jurídico desportivo. li. Mesmo que não contendessem com terceiros, a ilegalidade de determinas disposições estatutárias do A..., bem como da situação de ser um clube (sem UPD) a representar Portugal na federação internacional, são ambas questões que relevam do ordenamento jurídico, com impacto “no quadro das competições desportivas” (cfr. decisão Arbitral, p. 39, 2.º parágrafo). lii. O thema decidendum integra o núcleo duro do ordenamento jurídico desportivo, no âmbito do qual é o TAD que goza das competências técnico-jurídicas e científicas especializadas para melhor dirimir o litígio, em respeito até aos motivos subjacentes à sua instituição. liii. Nas palavras do Acórdão da Relação de Lisboa de 02-07-2020, “todos os conflitos desportivos de Direito Administrativo encontram-se submetidos à arbitragem necessária do TAD. São, portanto, compreendidos aqueles conflitos que derivam de «poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina». Incluem-se aqui, por exemplo, conflitos que derivam de uma sanção disciplinar ou de uma norma de um regulamento (administrativo) de uma federação desportiva”. liv. In casu, temos normas dos estatutos de um ente desportivo em confronto com a legislação desportiva, ilegitimamente atribuindo àquele um poder de representação internacional. Iv. A representação de Portugal nas federações internacionais é delimitada pela lei interna, que confere poderes públicos de representação, desde que preenchidos certos requisitos. Ivi. Se a questão a decidir não é desportiva, ou não releva do ordenamento jurídico desportivo, então este conceito encontra-se esvaziado, se seguirmos a tese da decisão Arbitral. Ivii. Relegar este litígio desportivo para os tribunais defronta, até, o critério da competência residual destes. íviii. Como assinala João Miranda, o TAD “há de ser competente para apreciar todos os litígios emergentes de relações jurídico-desportivas, em que as entidades desportivas atuem ao abrigo de normas de Direito Público, entendidas estas como aquelas que habilitam a delegação de poderes públicos estaduais (regulamentação, organização, direção e disciplina)...” lix. E justifica esta interpretação defendendo que “a disposição em causa [o artigo 4.º, n.º 1, da LTAD] tem de ser aplicada conjugadamente com a cláusula geral respeitante à competência do Tribunal Arbitral do Desporto, plasmada no n.º 2 do artigo l.º: “administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto”. Ix. Indo até mais longe, preconizando que “deveria ser acrescentado ao n.º 1 do artigo 4.º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto um inciso final dizendo “ou da aplicação de normas de direito público”, assim se elucidando que a sua competência não se atém aos litígios respeitantes à atuação relativa ao exercício de poderes públicos delegados pelas federações desportivas, ligas profissionais ou outras entidades desportivas”. Ixi. Assim, por um lado, não é defensável, atendendo à letra da Lei e ao espírito do legislador, que a “distinção entre os litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo e os litígios que estejam relacionados com a prática do desporto subjaz, em termos literais e sistemáticos, à distinção entre arbitragem necessária e a arbitragem voluntária”. Ixii. O que parece resultar da Lei é antes que a arbitragem desportiva necessária abarca tanto os litígios que relevam do ordenamento jurídicos desportivo como (i. é., em cúmulo) aqueles que estejam relacionados com a prática do desporto. Ixiii. Por outro, a referência do artigo 4.º, n.º 1, da LTAD, ao “exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina” deve ser interpretada de forma ampla, não sendo necessário que se esteja perante os tais poderes públicos delegados, devendo a arbitragem necessária albergar também os casos em que se está diante da mera aplicação de normas de direito público. Ixiv. Mas ainda que se aceitasse essa destrinça, o caso sub judice “releva do ordenamento jurídico desportivo” e está intrinsecamente relacionado com a prática do desporto, pois a representação do país na federação internacional implica a organização de seleções nacionais, a sua participação em “competições desportivas” internacionais, tudo diretamente relacionado com a prática do desporto, estando também em causa a aplicação (e o respeito) de normas de direito público. Ixv. Ainda que se perfilhe uma posição mais restritiva no tocante à competência do TAD em matéria de arbitragem necessária, o presente litígio não pode deixar de ser enquadrado nessa competência.” O demandado apresentou contra-alegações, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “A) Por Acórdão Arbitral proferido com data de 13.11.2023, notificado às partes em 14.11.2023. o Tribunal Arbitral do Desporto veio proferir decisão absolutória para o Recorrido A... e Contra-lnteressadas Federação Portuguesa de Voo Livre. Federação Portuguesa de Paraquedismo e Instituto Português do Desporto e Juventude, I.P., na ação Arbitral instaurada pela Federação Portuguesa de Aeronáutica. B) Na ação Arbitral, a Demandante Federação Portuguesa de Aeronáutica peticionou. contra o Demandado A..., (i) a declaração de nulidade de normas constantes do Estatutos do A... e outras medidas consequentes destinadas a levar a execução essa declaração de invalidade; (ii) uma injunção/intimação ao A... para que o mesmo promovesse a sua desfiliação da Federação Aeronáutica Internacional e medidas consequentes destinadas a levar a execução essa injunção/intimação e (iii) uma segunda injunção/intimação ao A... para comunicação à Federação Aeronáutica Internacional, com vista a ser. pelo A..., designada a Demandante como Membro Ativo nessa entidade internacional (em substituição do A...). D) A Recorrente assenta as suas alegações de recurso numa censura ao Acórdão Arbitral quanto à interpretação que faz da competência do Tribunal Arbitral do Desporto, no que toca à arbitragem necessária, entendendo que o que está em causa é uma omissão de entidade desportiva (A...) referente à participação em federação internacional e exercício de representação internacional nessa (inter alia. conclusões XXXIV a XL1II e XLVII a L). E) A Recorrente procura justificar que o litígio, como o configurou e com os pedidos que deduziu, ainda se integra no conceito constante do n.° 1 do artigo 4.° da LTAD. e socorre-se - a título subsidiário - da ideia que a competência do TAD não deve, em caso final, ser delimitada a litígios que se prendam com o uso de poderes públicos, assim propondo uma interpretação extensiva do que signifique “exercício dos (...) poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina” (cfr. conclusões LX a LXII). F) Para o Recorrido, o ponto de partida para a avaliação da competência do Tribunal Arbitral do Desporto é o artigo 4.° da LTAD (versão atual) cujo elemento literal, em particular o seu n.° 1. é explícito quanto ao recorte de matérias que estão e obrigatoriamente sujeitas a arbitragem necessária e essas são afetas aos “(...) litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina. “, G) A arbitragem necessária corresponde a um desaforamento aos tribunais estaduais, com a correspondente sujeição de partes a uma jurisdição especial - i.e. Arbitral com o que a imposição de um tal ónus sobre as partes terá a corresponder, necessariamente, uma interpretação restritiva dos conceitos que constituam o âmbito material da competência de tribunais Arbitrals necessários. H) O convite ínsito nas alegações da Recorrente para se desconsiderar a letra da lei e se considerar que quaisquer atos ou omissões de entidades desportivas deve ser entendido como integrando o n.° 1 do artigo 4.° da LTAD. não pode ter acolhimento. I) Também não tem acolhimento a ideia que a Recorrente preconiza, segundo a qual existe uma omissão do A..., materializada na ausência de alteração de estatutos e na ausência de prática de atos que levassem a uma aceitação, pela Federação Aeronáutica Internacional (“FAF), que o seu “Membro Ativo” representante nacional, fosse a Demandante. J) Na estrutura dos pedidos apresentados pela Recorrente, a mesma centra-se na obtenção de declaração de nulidade de normas estatutárias do A..., o que corresponde a uma pretensão de efeito invalidante, logo constitutiva, de normas afetas à vida interna do Demandando como associação de cariz privado. A título consequente, a Recorrente peticiona intimações contra o Demandado para que este pratique atos que levem a que a mesma seja elevada à qualidade de representante na Federação Aeronáutica Internacional. K) O pedido dirigido pela Recorrente não é uma omissão de entidade desportiva. As omissões de entidades desportivas são, para todos os efeitos legais, inexistências fatuais a que a lei ou uma decisão administrativa ou judicial atribui um sentido para ílz de prova ou associa um efeito jurídico. L) A tentativa de justificação da competência do Tribunal Arbitral do Desporto pela ficção de uma omissão do A..., não tem procedência. M) A pretensão de impugnação de normas estatutárias diz respeito à produção de efeitos sobre a vida interna de um clube (associação desportiva) e não corresponde a qualquer exercício de “poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina” que relevem do ordenamento jurídico desportivo ou relativo à prática do desporto. N) O n° 2 do artigo da LTAD delimita a jurisdição do Tribunal Arbitral do Desporto à administração da justiça ao campo de litígios que “relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto”, o que significa que os atos e omissões, têm de proceder de poderes públicos de regulamentação, organização, direção e disciplina, no campo do ordenamento jurídico desportivo ou relativos a prática do desporto. O) O litígio que a Recorrente pretendeu trazer aos autos Arbitrals é uma questão relativa a vida associativa, em que a Demandante (que é uma associação do tipo federativa), contesta a presença em estatutos de outra associação (que é um clube de natureza privada), de norma que a habilita a ter assento em federação internacional (que é outra associação de direito privado estrangeiro). P) A leitura do n.° 2 do artigo 6.° da LTAD permite retirar - com meridiana clareza - que os litígios de natureza associativa apenas podem ser sujeitos a arbitragem voluntária, o que seria suficiente para afirmar que uma questão, como aquela que a Federação Portuguesa de Aeronáutica traz aos autos, está excluída das matérias sujeitas a arbitragem necessária. Q) Não estamos perante um litígio que diga respeito à prática do desporto, cabendo saber se o litígio em causa é um que possa respeitar ao “ordenamento jurídico do desporto”. R) A resposta passa pela concatenaçào do n.° 2 do artigo l.° e do n.° 1 do artigo 4.° da LTAD com o disposto no n.° 2 do mesmo artigo 4.° da LTAD. S) Na economia da LTAD, as garantias a que a parte pode recorrer perante o TAD são aquelas comuns às existentes no contencioso administrativo, o que implica que os litígios tenham de ser apontados à declaração de invalidade de atos ou condutas de órgãos titulares de poderes públicos ou à condenação na prática de atos, condutas ou de abstenções de uns e outros, de entidades dotadas de poderes públicos. T) O poder do n.° 2 do artigo 4.° da LTAD. conjugado com a noção de “litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo” resultante do n.° 2 do artigo l.° da LTAD. remete para a decisão de litígios em que estejam em causa o uso (ou omissão) de poderes públicos. U) Esta interpretação é a única que pode cumprir o comando ínsito no n.° l.° do artigo 4.° da LTAD quando esse determina que: “Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina.”. V) O “exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina” a que se refere a 2a parte do n.° 1 do artigo 4.° da LTAD, é o exercício dos poderes públicos pelas entidades desportivas, através de atos administrativos ou omissões de tais atos. W) A exclusiva sujeição ao Tribunal Arbitral de litígios emergentes de atos ou omissões de entidades desportivas no uso de poderes públicos, implica a impossibilidade de sujeição de matéria de índole privada ou associativa a arbitragem necessária. X) Na configuração da lide e dos pedidos que a Federação Portuguesa de Aeronáutica levou a efeito nada existe que se possa associar com o uso de poderes públicos de qualquer parte envolvida, por ação ou omissão, muito menos no âmbito de poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina. Y) A aprovação de estatutos por uma associação de direito privado como é o A... ou a não alteração dos mesmos, não corresponde ao uso de poderes públicos de regulamentação de provas e competições desportivas, pois que o A... não estava a regulamentar qualquer prova ou competição, acesso à mesma, ou a promover a organização, seja de provas ou competições ou de condições de acesso às mesmas, muito menos a usar de poderes de direção ou de disciplina sobre qualquer praticante ou entidade desportiva. Z) A lide. como definida pela Demandante, representa, apenas uma disputa quanto a regras internas da mesma que a Federação Portuguesa de Aeronáutica entende contenderem com o seu alegado direito a ser representante nacional junto da FAI, quando a própria FAI já a rejeitou como membro, de acordo com as suas regras internas. AA) A invocação de efeitos externos produzidos pelas normas constantes dos estatutos do A... também não serve de justificação para se considerar que a sua existência ou a recusa na sua alteração constituam fundamentos que permitam preencher o conceito de “exercício (...) de poderes de regulamentação” ou de “organização” a que alude o n.° 1 do artigo 4.° do LTAD e por maioria de razão, nao fundam um litígio reconduzível a questão que releve do “ordenamento jurídico desportivo” do n.° 2 do artigo 1.° da LTAD. BB) Resulta do exposto que a decisão de absolvição do Demandado e dos Contra- Interessados por incompetência do Tribunal Arbitral em vista dos preceitos atrás expostos e por efeito do artigo 89.°, n°s 2 e 4. alínea a) do CPTA, aplicado ex vi artigo 61.° da LTAD encontra-se justificado, devendo ser mantida, negando-se provimento ao recurso interposto.” As contrainteressadas aderiram às contra-alegações do demandado. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender que a decisão arbitral não padece dos vícios e erros de julgamento invocados em sede do presente recurso, sufragando na íntegra os fundamentos de direito vazados, de forma exaustiva e criteriosa, na decisão a quo. * Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da decisão recorrida ao julgar verificada a exceção dilatória de incompetência do TAD em razão da matéria. Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir. * Consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação: “É o TAD que tem competência específica para, em Portugal e gozando de jurisdição plena em matéria de facto e de Direito, administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou que estejam relacionados com a prática do desporto (cf. arts. 1n.° 2, 2.° e 3.° da LTAD). Esta distinção entre os litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo e os litígios que estejam relacionados com a prática do desporto subjaz, em termos literais e sistemáticos, à distinção entre a arbitragem necessária e a arbitragem voluntária do TAD. Pois, tal como o que releva do ordenamento jurídico desportivo constitui uma delimitação conceitual do que esteja relacionado com a prática do desporto. também a arbitragem voluntária do TAD abrange todos os litígios que nao integrem a delimitação própria da arbitragem necessária do TAD. É assim que, conforme o art. 6.° da LTAD, a arbitragem voluntária que neste pode ocorrer integra todos os litígios arbitráveis relacionados direta ou indiretamenfe com a prática do desporto - precisamente aquele conceito mais amplo referido no art. 1n.° 2, da LTAD mas desde que não abrangidos pelos seus artigos 4.° e 5.°. E o n.° 2 do art. 6.° da LTAD refere expressamente como passíveis de sujeição à arbitragem voluntária do TAD os litígios decorrentes da relação associativa. Isto, naturaimente, para além da arbitragem voluntária em matéria laborai, prevista expressamente no art. 7oda LTAD. A arbitragem necessária do TAD incide, pois, sobre uma delimitação dos litígios relacionados direta ou indiretamente com a prática do desporto, através da densificação do conceito, mais delimitado, de litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo: o que também logicamente significa que aqueles litígios decorrentes da relação associativa só poderão ser objeto dessa arbitragem necessária se puder considerar-se que igualmente relevam do ordenamento jurídico desportivo. E o que sejam litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo é algo a densificar mediante a adequada interpretação do art. 4.°, n.°s 1, 2, 3 e 6, da LTAD. A competência do TAD em sede de arbitragem necessária, relativa necessariamente aos litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo, reconduz-se aos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito dos correspondentes poderes de regulamentação, organização e disciplina: poderes esses que deverão ter natureza administrativa, estando, por isso mesmo, disponíveis as modalidades de garantia contenciosa previstas no CPTA que forem aplicáveis (cf. art. 4.°, n.°s 1 e 2, da Lei do TAD). Isto para além das vias de recurso previstas no art. 4.°, n.° 3, da LTAD. Cabe, pois, na previsão do art. 4.°, n.°s 1 e 2, da LTAD, designadamente, o pedido de declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral ou com efeitos circunscritos ao caso concreto (desaplicação), de norma regulamentar imediatamente operativa (cf. art. 73.°, n.°s I e 2, do CPTA); até porque a previsão deste n.° 2 obviamente não se cinge às vias de recurso reguladas no n.° 3 do mesmo art. 4.°; nem esse é o sentido da expressão contida naquele n.° 2 “sem prejuízo do disposto no número seguinte”. Na versão inicial da LTAD (a versão aprovada com a Lei n.° 74/2013, de 6 de setembro, antes portanto das alterações introduzidas pela Lei n.° 33/2014, de 16 de junho) era a seguinte a redação do n.° 3 do art. 4.°; “O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso das decisões dos órgãos jurisdicionais das federações desportivas ou das decisões finais de outras entidades desportivas referidas no n.° I, não dispensando a necessidade de fazer uso dos meios internos de impugnação, recurso ou sancionamento dos atos ou omissões referidos no n° I e previstos nos termos da íei ou de norma estatutária ou regu/amenfar.” Com a alteração introduzida pela Lei n.° 33/2014, de 16 de junho, decorrente sobretudo do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 781 /2013, esta imposição de que a intervenção do TAD só ocorresse após esgotamento dos referidos “meios internos” veio a alterar-se, traduzindo-se nas novas alíneas a) e b) do n.° 3 do art. 4.° da LTAD; as deliberações do órgão de disciplina das federações desportivas passaram a ser direta e imediatamente recorríveis para o TAD, tal como as decisões finais dos órgãos das ligas profissionais e de outras entidades desportivas. Assim sendo, a competência do TAD pode descrever-se, no que interessa à presente ação, nos termos seguintes: a) É o TAD que tem competência específica para, em Portugal e gozando de jurisdição plena em matéria de facto e de Direito, administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou que estejam relacionados com a prática do desporto, conhecendo necessariamente dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, das ligas profissionais e de outras entidades desportivas, no âmbito dos respetivos poderes de regulamentação, organização e disciplina (cf. arts. I °, n.° 2, 2.°, 3.° e 4.°, n.° 1, da LTAD); b) Para o exercido dessa arbitragem necessária, salvo disposição em contrário, estão disponíveis as adequadas modalidades de garantia contenciosa previstas no CPTA (cf. art. 4.°, n.° 2, da LTAD): c) Mas a utilização dessas garantias não pode contender com a exigência de que o acesso ao TAD seja exclusivamente admissível, em (caso de) via de recurso (cfr. art. 4.°, n.°s 2 e 3, da LTAD): 1) No caso das federações desportivas: (i) das deliberações do órgão de disciplina: (ií) das decisões do órgão de justiça proferidas em recurso de deliberações de outros órgãos federativos que não o órgão de disciplina; 2) No caso das ligas profissionais: das decisões finais dos seus órgãos: 3) No caso de outras entidades desportivas: das decisões finais dos seus órgãos; d) Mas da jurisdição do TAD, incluindo para tal via de recurso, está excluída “a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva” (cf. art. 4.°, n.° 6, da LTAD); e) No âmbito da mesma arbitragem necessária, é o TAD que tem competência exclusiva para decretar providências cautelares (cf. art. 41.°, n.°s 1 e 2, da LTAD). Temos assim, no âmbito desta arbitragem necessária, que o TAD só pode ser chamado a administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou que estejam relacionados com a prática do desporto, conhecendo necessariamente dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, das ligas profissionais e de outras entidades desportivas, no âmbito dos respetivos poderes de regulamentação, organização e disciplina, poderes esses que deverão ter natureza administrativa, estando, por isso mesmo, disponíveis as modalidades de garantia contenciosa previstas no CPTA que forem aplicáveis. Parece-nos, pois, inquestionável que, à luz do elemento literal do normativo em causa, a arbitragem necessária apenas se poderá equacionar no quadro das competições desportivas. No caso dos presentes autos estamos fora de um recurso de um qualquer ato do órgão de disciplina ou do órgão de justiça das federações desportivas, bem como de qualquer decisão final de órgão de ligas profissionais e de outras entidades desportivas. Segundo a qualificação da Demandante, estamos aqui perante um caso de uma omissão de uma entidade desportiva, o Aero Clube de Portugal, que por omissão-ou, digamos, inércia, ainda que intencional-não adotou os procedimentos necessários - maxime, de organização inferna - de modo a deixar de ser o representante de Portugal na Fédération Aéronautique Internationale (“FAI”J - Federação internacional que tutela, a nível mundial, os desportos aéreos - quando para isso deixou de ter competência, nos termos de legislação entretanto publicada em Portugal Afirma ainda a Demandante que o Demandado fê-lo no âmbito do exercício dos seus poderes de regulamentação e organização, isto é, no âmbito destes poderes, não adotou os procedimentos necessários a cessar a representação de Portugal na PAI, a que passou a estar obrigado, pelo que “(...) estamos no âmbito de um litígio inequivocamente desportivo, e de arbitragem necessária do TAD.” Contudo, resulta claro, por um lado, do primeiro pedido formulado pela Demandante, de cuja precedência dependem os restantes pedidos, que esta pretende obter a declaração de nulidade de preceitos estatutários do Demandado, estatutos que, nos termos do art. 168.°, n.° 1, do Código Civil, constam de escritura pública, constituindo, assim, um ato notarial. Por outro lado, não se encontra demonstrado nos autos que estejamos perante uma omissão de outra entidade desportiva, no âmbito dos respetivos poderes de regulamentação, organização e disciplina, poderes esses que deverão ter natureza administrativa, ou seja, um cunho público. Aliás, como a própria Demandante assevera: - o A..., sendo um clube, não tutela qualquer modalidade em Portugal, porquanto a Lei não o permite: tal competência é reservada às federações desportivas, as quais gozam do estatuto de utilidade pública desportiva.” (cf. Artigo 10.° do Requerimento Inicial); - o A... não engloba clubes, sendo ele próprio apenas e simplesmente um Clube, nem representa nenhuma modalidade desportiva, visto que essa é uma competência não atribuída aos clubes, pelo que jamais o A... poderá ser considerado uma federação desportiva, de acordo com o conceito de federação desportiva estabelecido pela Lei.” (cf. Artigo 23.° do Requerimento Inicial); -”(...) não sendo o A... uma federação desportiva, é-lhe vedada a faculdade de conferir títulos desportivos bem como a de organizar competições desportivas.” (cf. Artigo 25.° do Requerimento Inicial). Assim sendo, o Tribunal entende que estamos perante uma questão interna de relação associativa - “maxime, de organização interna” (como confirma a Demandante no Artigo 4.° do Requerimento Inicial) - respeitante à filiação como membro numa federação internacional, no caso a “Fédération Aéronautique Internationale”. Na realidade, a filiação do Demandado na referida federação internacional configura uma decisão tomada ao abrigo dos respetivos Estatutos e, no caso do Demandado, à luz do enquadramento legal dado pelos arts. 167.° a 184.° do Código Civil. Por conseguinte, tudo milita a favor da conclusão de que, no presente caso, não estamos no âmbito de um litígio que releve do ordenamento jurídico desportivo ou que esteja relacionado com a prática do desporto, resultante do exercício (ou omissão) de poderes de natureza administrativa no domínio dos respetivos poderes de regulamentação, organização e disciplina de outra entidade desportiva. Em face do exposto, não podemos, pois, deixar de concluir que o TAD não dispõe de competência para o conhecimento do presente litígio, assim se considerando verificada a exceção dilatória da “incompetência do tribunal”. Na ação instaurada no Tribunal Arbitral do Desporto, a recorrente formulou os seguintes pedidos: - se declare a nulidade dos apontados preceitos dos estatutos do demandado; - se ordene ao demandado que proceda à sua efetiva eliminação e desaplicação; - se obrigue o demandado a comunicar à FAI - Fédération Aeronautique Internationale a sua desfiliação imediata como Membro Ativo (Active Member) daquela federação internacional; - se obrigue o demandado a comunicar à FAI - Fédération Aeronautique Internationale, em simultâneo com a comunicação anterior, que o novo representante de Portugal na FAI, como Membro Ativo, é a Federação Portuguesa de Aeronáutica. É entendimento da recorrente que está em causa um litígio decorrente de relações jurídico-administrativas desportivas, pelo que o Tribunal Arbitral do Desposto (TAD), criado pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (LTAD), é o tribunal arbitral necessário, nos termos do disposto nos artigos 1.º e 4.º daquele diploma legal. A sobredita Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que criou o Tribunal Arbitral do Desporto e aprovou a respetiva lei, prevê no respetivo artigo 1.º, n.º 2, que o TAD tem competência específica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto. Mais se prevê no respetivo artigo 4.º, com a epígrafe ‘arbitragem necessária’, o seguinte (na redação conferida pela Lei n.º 33/2014, de 16 de junho): “1 - Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina. 2 - Salvo disposição em contrário e sem prejuízo do disposto no número seguinte, a competência definida no número anterior abrange as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que forem aplicáveis. 3 - O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso de: a) Deliberações do órgão de disciplina ou decisões do órgão de justiça das federações desportivas, neste último caso quando proferidas em recurso de deliberações de outro órgão federativo que não o órgão de disciplina; b) Decisões finais de órgãos de ligas profissionais e de outras entidades desportivas. 4 - Com exceção dos processos disciplinares a que se refere o artigo 59.º da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, compete ainda ao TAD conhecer dos litígios referidos no n.º 1 sempre que a decisão do órgão de disciplina ou de justiça das federações desportivas ou a decisão final de liga profissional ou de outra entidade desportiva não seja proferida no prazo de 45 dias ou, com fundamento na complexidade da causa, no prazo de 75 dias, contados a partir da autuação do respetivo processo. 5 - Nos casos previstos no número anterior, o prazo para a apresentação pela parte interessada do requerimento de avocação de competência junto do TAD é de 10 dias, contados a partir do final do prazo referido no número anterior, devendo este requerimento obedecer à forma prevista para o requerimento inicial. 6 - É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.” Nestes termos, a competência do TAD, no âmbito da arbitragem necessária, cinge-se aos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina. A letra da lei é clara, a competência tanto abrange ações como omissões das referidas federações, ligas ou outras entidades desportivas. Ponto é que aquelas ações ou omissões respeitem ao exercício dos respetivos poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina. Em primeiro lugar, pretende a recorrente a declaração de nulidade de normas estatutárias do demandado, aqui recorrido, tratando-se no demais de pedidos consequentes, que se traduzem em intimações àquele dirigidas. Conforme se assinala na decisão recorrida, é a própria recorrente que admite que o demandado é um clube, que não tutela qualquer modalidade em Portugal, sendo-lhe vedada a faculdade de conferir títulos desportivos, bem como a de organizar competições desportivas. Desde logo, ficou por demonstrar que o demandado exerça os referidos poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina, que relevem do ordenamento jurídico desportivo ou relativo à prática do desporto. É que aqui estão naturalmente em causa poderes públicos de regulamentação, organização, direção e disciplina, no campo do ordenamento jurídico desportivo ou relativos a prática do desporto, quando o litígio configurado pela recorrente respeita à vida associativa de um clube de natureza privada, conforme bem se assinala nas contra-alegações de recurso. E estes litígios de natureza associativa quedam fora do âmbito da arbitragem necessária, antes se integrando no âmbito da arbitragem voluntária, conforme expressamente resulta do artigo 6.º da LTAD: “1 - Podem ser submetidos à arbitragem do TAD todos os litígios, não abrangidos pelos artigos 4.º e 5.º, relacionados direta ou indiretamente com a prática do desporto, que, segundo a lei da arbitragem voluntária (LAV), sejam suscetíveis de decisão arbitral. 2 - A submissão ao TAD dos litígios referidos no número anterior pode operar-se mediante convenção de arbitragem ou, relativamente a litígios decorrentes da correspondente relação associativa, mediante cláusula estatutária de uma federação ou outro organismo desportivo.” (sublinhado nosso) Com o que se revela inelutável concluir que bem andou o Tribunal Arbitral do Desporto ao decidir pela procedência da exceção dilatória de incompetência. Em suma, impõe-se negar provimento ao presente recurso e manter a decisão recorrida. * III. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida. Custas a cargo da recorrente. Lisboa, 20 de junho de 2024 (Pedro Nuno Figueiredo) (Lina Costa) (Ilda Côco) |