Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 2/09.1BEALM |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 07/15/2025 |
| Relator: | TIAGO BRANDÃO DE PINHO |
| Descritores: | DEDUÇÃO DE IVA FACTURAS PRIMADO DO DIREITO COMUNITÁRIO |
| Sumário: | 1 – Os Estados-Membros não podem impor obrigações de faturação suplementares às fixadas na Diretiva IVA. 2 – A Diretiva IVA impõe que o número sequencial do documento, a identificação do adquirente e a identificação do fornecedor seja mencionado em cada fatura, mas não exige que estes elementos constem de todas as páginas que a componham. 3 – As faturas passadas na forma legal permitem o exercício do direito à dedução do IVA. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam na Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: Na Impugnação Judicial n.º 2/09.1BEALM, deduzida por A..., Lda. contra Autoridade Tributária e Aduaneira no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, foi proferida sentença em 23 de novembro de 2017 que, julgando-a procedente, anulou a liquidação adicional de IVA relativa a novembro de 2007. A sentença ora posta em xeque considerou, na sua fundamentação, que apesar de as folhas de continuação das faturas 72, 74 e 75, emitidas por F... – Sucursal em Portugal em 31 de outubro de 2007, não fornecerem a indicação do tipo ou número do documento, do valor acumulado, da identificação do adquirente nem a data de emissão, tal não afasta o direito à dedução do IVA. Inconformada, a Administração recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo que se julgou incompetente em razão da hierarquia e fixou a competência para conhecer do Recurso neste Tribunal Central Administrativo Sul, tendo formulado as seguintes conclusões: A) Com ressalva do muito respeito que nos merece o Tribunal recorrido, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o decidido; B) A liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios objeto dos presentes autos não conferem direito à dedução por não respeitarem os requisitos legais previstos no n.º 5 do art. 35.º do Código do IVA (atual n.º 5 do art. 36.º) e no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 147/2003 de 11/07; C) Apenas a primeira folha das faturas emitidas pelo fornecedor da impugnante se encontrava numerada e identificada de forma unívoca, em cumprimento do prescrito no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 147/2003 de 11/07. D) O mesmo se não verificando quanto às suas folhas de continuação em que não consta qualquer elemento identificativo do documento que integra, em violação do disposto no n.º 3 do citado art. 5.º do Decreto-Lei n.º 147/2003 de 11/07. E) Sendo certo que o art. 5.º do Decreto-Lei n.º 147/2003, de 11/07 não prevê a intercalação de folhas, não previamente numeradas, em faturas pré impressas, como as que estão em causa nos autos; F) Assim sendo, como é, aquelas faturas não foram passadas na forma legal, pelo que não conferem direito à dedução como se retira, a contrario sensu, do disposto no n.º 2 do art. 19.º do CIVA, na redação vigente ao tempo; G) Acresce que, como referido na douta sentença recorrida, o Supremo Tribunal Administrativo (STA), tem vindo a entender de forma reiterada que as faturas que não cumpram com os requisitos legalmente exigidos obstam à dedução do IVA, possuindo aqueles a natureza de formalidade ad substantiam; H) Consequentemente, ao decidir como fez, o Tribunal "a quo" violou disposto no n.º 2 do art. 19.º e n.º 5 do art. 35.º (atual art. 36.º) do CIVA e art. 5.º do DL n.º 147/2003, de 11/07, pois que as liquidações objeto dos presentes Autos não estão inquinadas do vício de erro nos pressupostos de direito, sendo legais. I) Consequentemente, sendo legais as liquidações de IVA Impugnadas, não houve qualquer pagamento indevido e, consequentemente não se encontram reunidos os requisitos legais que determinem a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante; J) Consequentemente, ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” violou disposto no n.º2 do art. 19.º e n.º 5 do art. 35.º (atual art. 36.º) do CIVA e art. 5.º do DL n.º 147/2003, de 11/07, e art. 43.º do CPPT, incorrendo em erro de julgamento por errada aplicação do direito. * E contra-alegando conclui, por sua vez, o Sujeito Passivo:I. O presente recurso vem interposto pela RFP da sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo no processo que correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada sob o n.º 2/09.1BEALM. II. O Douto Tribunal Recorrido considerou que os atos de liquidação adicional de IVA de Novembro de 2007, objeto do supramencionado processo, tem na sua origem correções ilegais, e portanto sem justificação legal, devendo ser anulados. III. Considerou o douto tribunal a quo que, em face de toda a factualidade produzida e analisada, ficou provado que as faturas controvertidas suportam operações realizadas, contabilizadas igualmente pelos sujeitos das respetivas operações, e conformes às exigências da Diretiva do IVA. IV. Para aquele tribunal, e bem, a manutenção dos referidos atos de liquidação é que consubstanciam uma manifesta violação do direito à dedução do IVA prevista no artigo 226.º da DIVA. IV. Inconformada com a sentença, apresentou a RFP o presente recurso per saltum, invocando, no entanto, uma errada apreciação da prova produzida e das conclusões aferidas. Vl. Determina o artigo 280.º do CPPT que “(…) Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. (…)” VII. Pelo que, o meio próprio seria o recurso para o Tribunal Central Administrativo, in casu, o Sul, conforme decorre expressamente dos artigos 280.º e 284.º do CPPT. VIII. Deste modo, e sem mais, deverá o presente recurso ser rejeitado por não se encontrarem preenchidos os requisitos legalmente previstos para o seu conhecimento, o que desde já se requer. IX. Por seu turno, materialmente o recurso apresentado pela RFP padece de falta de fundamento, uma vez que, conforme supra exposto, esta decisão está em linha com a melhor jurisprudência comunitária sobre o IVA, aliás, muito bem referida e descrita na douta sentença recorrida, que filtra de forma cristalina o sentido, objeto e alcance das exigências formais associadas a este imposto. X. Bem concluiu o tribunal a quo que as faturas questionadas pela AT titulam operações reais a que corresponde IVA devidamente liquidado e cobrado nos termos do Código do IVA e entregue nos cofres do Estado. XI. Mais considerou que as exigências formais estabelecidas para este imposto tem como finalidade apetrechar a Administração Fiscal de mecanismos de controlo da situação tributária, que servem para evitar a fuga e evasão fiscal, sem pretendem transformar o estado num controlador burocrático e formal. XII. Esta é a decisão que melhor respeita os princípios norteadores do direito Tributário, como são, o princípio da proporcionalidade, da descoberta da verdade material, da boa-fé da Administração e da justiça. XIII. Em suma, não tem qualquer fundamento legal a argumentação em causa, conforme bem decidiu o douto Tribunal a quo, incorrendo o ato de liquidação em crise em manifesta violação do direito à dedução do IVA destas faturas, uma vez que os seus requisitos respeitam as formalidades previstas no artigo 226.º da Diretiva do IVA. XIV. Pelo que, a sentença ora contestada faz uma correta aplicação do direito aos fatos dados como provados, devendo manter-se incólume na nossa ordem jurídica, o que desde já se requer. * * A questão a decidir é, então, a de saber se a sentença errou ao considerar que o sujeito passivo podia deduzir o IVA titulado pelas faturas 72, 74 e 75, emitidas por F... – Sucursal em Portugal em 31 de outubro de 2007.* Colhidos os vistos legais, nada obsta à decisão.Em sede factual, vem apurado que: A. Em 08.01.2008, a Impugnante apresentou um pedido de reembolso do IVA relativo ao mês de Novembro de 2007 - cf. informação que se extrai de fls. 14 do PAT, que se dá por integralmente reproduzida; B. Em 22.02.2008, a Impugnante foi notificada do projeto de conclusões de relatório de inspeção tributária (“RIT”) elaborado no seguimento de uma ação de inspeção desencadeada pelo pedido de reembolso do IVA referido no ponto A. que antecede - cf. informação que se extrai de fls. 24 a 27 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas; C. Em 04.03.2008, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia relativamente ao projeto de RIT referido no ponto B. que antecede - cf. informação que se extrai de fls. 24 a 27 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas; D. Em 27.06.2008, a Impugnante foi notificada do RIT, no qual, além do mais, consta o seguinte: “(…) As facturas apresentadas como suporte do IVA deduzido no montante de € 102.772,81, correspondem a documentos emitidos por F... – Sucursal em Portugal (…). Os documentos na sua primeira folha referem a existência de outras, sendo que só nesta é possível de encontrar, o seu número, a data de emissão e a identificação do adquirente dos bens ou serviços, não patenteando as prováveis páginas subsequentes qualquer elo de ligação com a primeira, nomeadamente, a página de que consta o valor do imposto deduzido pela Autoeuropa Lda. não evidencia nenhum elemento identificativo do documento que integra, do adquirente ou sequer do seu fornecedor (o IBAN não é elemento identificador previsto no Código do IVA). Os documentos deveriam respeitar as regras definidas no art 5º do DL 147/2003, nomeadamente o seu nº 3, e nas folhas subsequentes, identificar de forma inequívoca as facturas ou documentos equivalentes a que respeitam e verificar todos os requisitos legais facultando porventura o valor transposto, e ou, o valor a transportar. Ora tal não se verifica nos originais em posse da Autoeuropa, dos quais se reproduzem cópias em anexo (…) que exibem folhas sem fornecer indicação do tipo ou número do documento, do valor acumulado, da identificação do adquirente, a data de emissão. Nos termos do nº 2 do art. 19º do CIVA “Só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal” que respeitem os requisitos legais de forma prescritos no nº 5 do art. 35º do CIVA, sendo por isso indevido o imposto deduzido pela A... LDA no valor de € 102.772,81. (…)” - cf. RIT que consta de fls. 17 a 27 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas; E. A sociedade F... – Sucursal em Portugal emitiu à Impugnante as faturas n.os 0072, 0074, 0075, com data de 31.10.2007 – cf. fls. 68 a 74 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; F. A Impugnante e a F... – Sucursal em Portugal contabilizaram os mesmos valores de IVA e de base tributável relativamente às operações tituladas pelas faturas n.os 0072, 0074, 0075, com data de 31.10.2007 – cf. fls. 75 a 81 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; G. Em 11.08.2008, a Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IVA n.º 08118946, com o valor a pagar de € 103.245,41, o qual foi pago em 30.09.2008 – cf. fls. 22 e 66 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; H. Em 20.10.2008, a Impugnante foi notificada da liquidação de JC n.º 08118947, com o valor a pagar de € 1.595,35, o qual foi pago em 28.11.2008 – cf. fls. 23 e 67 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; I. Em 02.01.2009, a presente impugnação judicial deu entrada neste Tribunal – cf. carimbo aposto a fls. 1 dos autos. Factos não provados Não se vislumbram outros factos alegados cuja não prova releve para a decisão da causa. * Vejamos, pois:QUANTO AO DIREITO À DEDUÇÃO DO IVA E AOS REQUISITOS DAS FATURAS: No âmbito da implementação do mercado comum europeu surgiu a necessidade da adoção de um modelo de tributação do consumo neutro que não falseasse as condições de concorrência, nem impedisse a livre circulação de mercadorias e serviços. A resposta foi o IVA, um imposto de origem europeia, cujo primeiro sistema comum foi definido pelas Primeira e Segunda Diretivas de 1967, depois substituído pelo sistema criado pela Sexta Diretiva, de 1977, que, por sua vez, foi substituído pelo sistema comum do IVA implementado pela Diretiva IVA, a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006. Foi criado, então, um imposto geral que visa tributar a capacidade contributiva evidenciada no consumo de bens e serviços. Através dele é o consumidor final quem suporta o tributo, funcionando os operadores económicos como cobradores, uma vez que lhes é exigido receberem, juntamente com o preço do bem, o montante do imposto que, depois, devem entregar ao Estado, funcionando assim como sujeitos passivos de direito. Deste modo, cada operador deve, na fase do circuito económico em que se encontre, pôr em funcionamento o método subtrativo indireto (ou das faturas ou do crédito do imposto) que consiste, em cada fase de produção ou distribuição, em subtrair à importância resultante da aplicação da taxa do IVA ao preço da venda o montante do imposto suportado na compra (que mais não é que a importância resultante da aplicação da taxa do IVA ao preço da venda pelo fornecedor do operador económico, na fase imediatamente anterior do circuito económico). O IVA é, pois, um tributo plurifásico que incide sobre o valor acrescentado em cada transação e se apura com a liquidação do tributo a jusante (na venda) e a respetiva subtração ou dedução a montante (na compra), o que assegura a neutralidade do imposto no comércio interno já que evita que o operador económico contabilize o imposto como custo da sua atividade e, consequentemente, que o reflita no preço do bem ou do serviço. Deste modo, o IVA não influencia a oferta (o modo de produção do bem ou da prestação do serviço), nem a procura (uma vez que não se reflete no preço). O direito à dedução é, portanto, um elemento central no IVA uma vez que garante a neutralidade do tributo, na medida em que assegura a repercussão do imposto até ao consumidor final que, por não efetuar outra transação no circuito económico, não pode deduzir o imposto pago na compra. Cfr. Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 4.ª edição, 2009, pp. 195-196. * O exercício do direito à dedução do IVA está dependente da verificação cumulativa de requisitos objetivos/materiais relacionados com o tipo de despesa, de requisitos subjetivos atinentes ao sujeito passivo e de requisitos formais relativos à documentação de suporte. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, na redação anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de junho, só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas. Pretendeu, assim, o legislador que a natureza da despesa fosse um requisito objetivo do direito à dedução, devendo o IVA ter incidido sobre bens ou serviços necessários para a realização de operações tributáveis. Ora, baseando-se o IVA em pagamentos parcelares do imposto que o repercute sucessivamente para a fase seguinte do circuito económico, de maneira a tributar apenas o consumo final, é fundamental, para atingir este desiderato, que o imposto pago nas operações intermédias seja deduzido, pelo que o direito à dedução deveria, em princípio, abranger todo o imposto suportado a montante, independentemente da natureza dos inputs no circuito económico. Contudo, uma vez que o direito à dedução tem aquela relação com a repercussão do imposto nas sucessivas operações tributáveis, o direito à dedução fica desde logo afastado quando os inputs se destinam a operações isentas ou não sujeitas a imposto, como é o caso de compra para consumo final (ou privado, isto é, fora do uso empresarial - neste sentido, cfr. Vidal Lima, IVA comentado e anotado, Porto Editora, 6.ª edição, nota 1 ao artigo 20.º). Assim, se é certo que “a dedução do imposto suportado a montante é uma «dedução financeira» e não «física», pois se processa, verificados que sejam os pressupostos referidos nos n.os 2 e 3 [do artigo 19.º do CIVA], independentemente da venda dos bens adquiridos no mesmo período”, “No artigo 20.º estabelecem-se, todavia, limitações ao direito à dedução, ao determinar-se que apenas poderá ser deduzido o IVA que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações referidas no seu n.º 1, ou seja, bens ou serviços adquiridos para os fins próprios da empresa, para consumos intermédios do circuito económico. Se a empresa relativamente a certos bens ou serviços age como consumidor final não pode, obviamente, beneficiar da dedução.” - cfr. Pinto Fernandes e Cardoso dos Santos, Código do IVA anotado e comentado, Colecção Empresa, Contabilidade e Fiscalidade, Eugénio Branco, Lda., Porto, 1988, p. 294. Por outro lado, quanto ao último requisito previsto no n.º 1 do artigo 20.º - a realização de operações sujeitas a IVA e dele não isentas -, tais operações dão lugar, “para além da obrigação do pagamento do imposto”, à emissão de “uma factura ou documento equivalente por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º do presente diploma, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efectuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços” – cfr. o artigo 28.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, na redação anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de junho. * No ponto, dispõe o artigo 19.º, n.º 2, do CIVA, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 122/88, de 20 de abril, que só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas e documentos equivalentes passados na forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, sendo que – n.º 6 – “Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passados na forma legal as facturas ou documentos equivalentes que contenham os elementos previstos no artigo 35.º”.Ora, nos termos do artigo 35.º, n.º 5, do CIVA, tais faturas ou documentos equivalentes devem “ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos: a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto; b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas deverão ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução; c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável; d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido; e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso. f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura; g) No caso de a operação ou operações às quais se reporta a factura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável.” Pretendeu, assim, o legislador que a existência de faturas passadas em forma legal seja, então, um requisito objetivo do direito à dedução. O que bem se compreende: com tais exigências formais, “o que o legislador pretendeu foi evitar a fuga e a fraude fiscal, exigindo várias formalidades aos documentos que atestam a existência de factos tributários”, sendo que face ao reconhecido carácter formalista do IVA, “as respectivas formalidades o são ad substanciam, que não meramente ad probationem”, “Daí que a não observância de determinadas formalidades, só por si, possa ocasionar a dívida de imposto ou impedir a dedução” – cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31 de Janeiro de 2008 – processo n.º 902/07. Impõe-se aprofundar que formalidades são estas que obstam à dedução do IVA e, consequentemente, afastam a neutralidade que é o seu traço identificador. * Ao nível interno, o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 198/90, de 19 de junho, estipula que “A partir de 1 de janeiro de 1992, a numeração e a impressão das facturas e documentos equivalentes referidos no artigo 35.º do Código do IVA devem obedecer aos requisitos exigidos no n.º 3 do artigo 3.º, artigo 4.º e artigos 7.º a 11.º do Decreto-Lei n.º 45/89, de 11 de Fevereiro”, o qual estabelecia as normas aplicáveis aos documentos que devem acompanhar as mercadorias em circulação, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 147/2003, de 11 de julho, que aprovou o regime de bens em circulação objeto de transações entre sujeitos passivos de IVA, nomeadamente quanto à obrigatoriedade e requisitos dos documentos de transporte que os acompanham.Todavia, como se referiu inicialmente, a fonte formal do IVA é um ato legislativo europeu, no caso dos autos a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006. Por as normas do CIVA resultarem da transposição de Diretivas, a sua interpretação deve atender aos princípios do Direito Europeu, nomeadamente ao princípio da interpretação conforme e ao princípio do primado do direito europeu, bem como à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia. Ora, nos termos do artigo 178.º, alínea a), da Diretiva IVA, para poder exercer o direito à dedução do IVA devido ou pago quanto a bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues, o sujeito passivo deve, além do mais, “possuir uma factura emitida em conformidade com os artigos 220.º a 236.º, 238.º, 239.º e 240.º”. O artigo 226.º da Diretiva IVA trata do conteúdo das faturas, dispondo, no que ora interessa, do seguinte modo: “Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente directiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas facturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º são as seguintes: 1) A data de emissão da factura; 2) O número sequencial, baseado numa ou mais séries, que identifique a factura de forma unívoca; 3) O número de identificação para efeitos do IVA, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual o sujeito passivo efectuou a entrega de bens ou a prestação de serviços; 4) O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual foi efectuada uma entrega de bens ou uma prestação de serviços pela qual aquele seja devedor do imposto ou uma entrega de bens referida no artigo 138.º; 5) O nome e o endereço completo do sujeito passivo e do adquirente ou destinatário; 6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados; 7) A data em que foi efectuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços ou a data em que foi efectuado o pagamento por conta, referido nos pontos 4) e 5) do artigo 220.º, na medida em que essa data esteja determinada e seja diferente da data de emissão da factura; 8) O valor tributável para cada taxa ou isenção, o preço unitário líquido de IVA, bem como os abatimentos e outros bónus eventuais, se não estiverem incluídos no preço unitário; 9) A taxa do IVA aplicável; 10) O montante do IVA a pagar, salvo em caso de aplicação de um regime especial para o qual a presente directiva exclua esse tipo de menção; (…)” Estatui, assim, o legislador europeu, nesta listagem, “as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar” (sublinhado nosso), para efeitos do IVA, nas faturas emitidas. Neste sentido se decidiu no acórdão do TJUE de 24 de maio de 2023 – processo C-690/22, citado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de novembro de 2023 – processo n.º 02266/15.2BEPRT: “28 – (…) nos termos de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito à dedução do IVA constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado, e é exercido imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante pelo sujeito passivo (acórdão de 16 de fevereiro de 2023, DGRFP Cluj, C-519/21, EU:C:2023:106, n.º 93 e jurisprudência referida) 29 – Este regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum de IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam por sua vez sujeitas a IVA (acórdão de 16 de fevereiro de 2023, DGRFP Cluj, C-519/21, EU:C:2023:106, n.º 94 e jurisprudência referida”. Referindo, no ponto 31, resultar “do artigo 178.º, alínea a), da Diretiva IVA que o exercício deste direito está subordinado à posse de uma fatura emitida nos termos do artigo 226.º desta Diretiva (acórdão de 21 de novembro de 2018, Vádan, C-664/16, EU:C:2018:933, n.º 40 e jurisprudência aí citada)”, o TJUE esclarece no ponto 32 que “O artigo 226.º da Diretiva IVA indica que, sem prejuízo das disposições específicas previstas nesta Diretiva, só as menções citadas nesse artigo devem obrigatoriamente figurar, para efeitos de IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto no artigo 220.º da referida Diretiva”, uma vez que – ponto 34 - “A finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da fatura consiste em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos de pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito à dedução do IVA. É, portanto, à luz desta finalidade que importa analisar se as faturas como as que estão em causa respeitam as exigências do artigo 226.º”. Finalmente, se é certo que nos termos do primeiro parágrafo artigo 273.º da Diretiva IVA os Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exacta do IVA e para evitar a fraude, o segundo parágrafo deste mesmo artigo esclarece, de forma lapidar, que “A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de facturação suplementares às fixadas no Capítulo 3”. Assim, os requisitos exigidos pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 147/2003, de 11 de julho, relativos ao «processamento dos documentos de transporte», não podem, desde logo por força do princípio do primado do direito europeu, contrariar o disposto na Diretiva IVA. * Analisemos então à luz da predita finalidade de fiscalização do direito à dedução, bem como do primado do direito europeu, se as faturas em crise nos autos respeitam as exigências da Diretiva IVA, sendo certo que “42 – O Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito” – cfr. o acórdão do TJUE de 15 de junho de 2016 – processo C-516/14 (acórdão Barlis) e jurisprudência aí citada.* No caso dos autos, resulta provado que o sujeito passivo deduziu IVA no montante de € 102.772,81 suportado nas faturas com os números 0072, 0074 e 0075, datadas de 31 de outubro de 2007, emitidas por F... – Sucursal em Portugal – cfr. pontos D e E do probatório.Ficou também demonstrado que o sujeito passivo e o fornecedor F... – Sucursal em Portugal contabilizaram os mesmos valores de IVA e de base tributável relativamente às operações tituladas pelas faturas com os números 0072, 0074 e 0075 – cfr. ponto F do probatório. Todavia, a Inspeção não aceitou a dedução do IVA titulado por estas faturas por ter verificado, em violação do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 147/2003, que “Os documentos na sua primeira folha referem a existência de outras, sendo que só nesta é possível encontrar o seu número, a data de emissão e a identificação do adquirente dos bens e serviços, não patenteando as prováveis páginas subsequentes qualquer elo de ligação com a primeira, nomeadamente, a página de que consta o valor do imposto deduzido pela Autoeuropa Lda. não evidencia nenhum elemento identificativo do documento que integra, do adquirente ou sequer do fornecedor (o IBAN não é elemento identificador previsto no Código do IVA)”, sustentando que “Os documentos deveriam respeitar as regras definidas no art. 5.º do DL 147/2003, nomeadamente o seu n.º 3, e nas folhas subsequentes, identificar de forma inequívoca as facturas ou documentos equivalentes a que respeitam e verificar todos os requisitos legais facultando porventura o valor transposto, e ou, o valor a transportar”, o que “não se verifica nos originais em posse da Autoeuropa, dos quais se reproduzem cópias em anexo (…) que exibem folhas sem fornecer indicação do tipo ou número do documento, do valor acumulado, da identificação do adquirente, a data de emissão” – cfr. o predito ponto D do probatório. E conclui não ser possível a dedução do IVA por este não se encontrar mencionado em faturas passadas em forma legal. A Inspeção defende, então, que as faturas não facultam o valor transposto e o valor a transportas de uma página para outra, nem identificam em todas as páginas o tipo ou número do documento, o valor acumulado, a identificação do fornecedor e do adquirente nem a data de emissão, sustentando a Recorrente nas conclusões C) e D) do Recurso que “Apenas a primeira folha das faturas emitidas pelo fornecedor da impugnante se encontrava numerada e identificada de forma unívoca, em cumprimento do prescrito no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 147/2003, de 11/07”, “O mesmo se não verificando quanto às suas folhas de contrinuação em que não consta qualquer elemento identificativo do documento que integra, em violação do disposto no n.º 3 do citado art. 5.º do Decreto-Lei n.º 147/2003, de 11/07”. Todavia, como se viu, o artigo 226.º da Diretiva IVA enumera “as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos de IVA, nas facturas”, que não em cada uma das páginas que as componham. Sendo certo que a Inspeção reconhece que as menções obrigatórias do número sequencial da fatura (exigido pelo artigo 226.º, 2), da Diretiva IVA), da data de emissão (exigido pela alínea 1) do mesmo artigo 226.º) e da identificação do adquirente (exigido pelas alíneas 4) e 5) do mesmo artigo) se encontram nas primeiras páginas das faturas desconsideradas. E que reconhece também que “o valor do imposto deduzido”, rectius o montante do IVA a pagar (exigido pela alínea 10) do dito artigo 226.º) se encontra na fatura, não na página inicial, mas numa página subsequente da qual não consta o número sequencial da fatura, nem a identificação do adquirente e do fornecedor (“não evidencia nenhum elemento identificativo do documento que integra, do adquirente ou sequer do fornecedor”), os quais constam apenas da primeira página da fatura. Ora, assim sendo, é manifesto que as faturas desconsideradas contêm todos os elementos que a Inspeção refere, apenas não em todas as páginas que as compõem, obedecendo aos requisitos do artigo 226.º da Diretiva IVA que, nos apontados termos do segundo parágrafo do artigo 273.º, não admitem obrigações suplementares de faturação criadas por lei interna. Deste modo, impõe-se concluir que as faturas reúnem todos os requisitos formais que permitem à Inspeção fiscalizar os requisitos materiais/objetivos e subjetivos do direito à dedução, sendo idóneas para titular o direito à dedução. Em suma: a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada não merece qualquer censura, devendo ser integralmente confirmada. * Termos em que se acorda negar provimento ao presente recurso e manter a sentença recorrida.São devidas custas, neste TCA Sul, pela Recorrente. Lisboa, 15 de julho de 2025. Tiago Brandão de Pinho (relator) – Isabel Silva – Cristina Coelho da Silva |