Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 13530/25.2BELSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 09/25/2025 |
| Relator: | JOANA COSTA E NORA |
| Descritores: | CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA INCOMPETÊNCIA MATERIAL TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS |
| Sumário: | Considerando que a intimação para a prestação de informações, prevista e regulada nos artigos 104.º e ss. do CPTA, é o meio processual próprio para reagir contra qualquer forma de recusa de informação, não estamos, nesta sede e em face de tal recusa por parte do Conselho Superior da Magistratura ou pelo seu Presidente, perante qualquer acto materialmente administrativo pelos mesmos praticado, pelo que não é aplicável ao caso a norma da alínea c) do n.º 4 do artigo 4.º do ETAF. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO P… intentou intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, contra o Conselho Superior da Magistratura. Pede a intimação da entidade demandada a facultar-lhe toda a informação requerida no seu requerimento de 09.02.2024. Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a absolver da instância a entidade demandada por verificação da excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal. O autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “A. O presente recurso é interposto da sentença que absolveu o Conselho Superior da Magistratura da instância, com fundamento na exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, nos termos da alínea a) do artigo 96.° do CPC. B. Alega o Recorrente que a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal tem fundamento nos termos do disposto no artigo 4.° n.°4 al. c) do ETAF, fazendo a esse respeito uma interpretação da letra da lei, ao abrigo do artigo 9.° n.°1 do Código Civil. C. O artigo 4.° n.° 4 al. c) do ETAF exclui do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de atos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura e seu Presidente. D. A ação intentada pelo Recorrente consubstancia um pedido de intimação para prestação de informações e passagem de certidões, nos termos dos artigos 104.° e seguintes do CPTA, visando unicamente o exercício de um direito à informação e não a apreciação de qualquer ato administrativo. E. Por sua vez, o douto Tribunal tenta expor o seu entendimento através de uma interpretação "extensiva" do art. 4.° n.° 4 al. c) do ETAF, contudo excede os limites do juridicamente aceitável à luz da letra clara e inequívoca da norma, que exige a verificação de um ato materialmente administrativo. F. Nos termos do artigo 9.° do Código Civil, a interpretação da lei não deve afastar-se da letra quando esta é clara, como sucede no presente caso, sendo abusivo o alargamento do conceito de "ato materialmente administrativo" a meras condutas informativas. G. O espírito da lei, ao excluir a jurisdição administrativa para atos materialmente administrativos praticados pelo CSM, visa preservar a autonomia do poder judicial e evitar a interferência do poder administrativo nos atos internos da magistratura. Contudo, a solicitação de informações não se insere nesse contexto, pois trata-se de um direito de acesso à informação pública, não de uma avaliação administrativa. H. A intimação para prestação de informações prevista nos artigos 104.° e seguintes do CPTA não visa a apreciação de um ato administrativo, mas sim a obtenção de uma prestação de facto (informação, certidão ou acesso a documento), sendo uma ação autónoma e de natureza procedimental. I. Ao contrário do decidido, não existe nos autos qualquer ato administrativo praticado pelo Conselho Superior da Magistratura suscetível de exclusão da apreciação jurisdicional nos termos da norma invocada, pelo que não se verifica a alegada incompetência absoluta do tribunal. J. Acresce que, em processo anterior entre as mesmas partes e com objeto análogo — Processo n.° 894/22.9BELSB —, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa apreciou do mérito de uma intimação para prestação de informações, sem suscitar qualquer questão de competência, tendo inclusive decidido favoravelmente ao aqui Recorrente. K. Por tudo isto, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento dos autos na jurisdição administrativa, com apreciação do mérito da ação de intimação para prestação de informações.” A entidade recorrida, notificada da interposição do recurso, respondeu à alegação do recorrente, sem apresentar conclusões, pugnando pela improcedência do recurso. O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se pela improcedência do recurso, nos termos da sentença recorrida. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Considerando que não foi impugnada, nem há lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria, nos termos do n.º 6 do artigo 663.º do CPC. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A sentença recorrida absolveu da instância a entidade demandada por verificação da excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal, considerando que “(…) a intimação para prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões, tendo por finalidade o acesso a informação constante de atas e/ou deliberações originais e integrais do Conselho Permanente do CSM, de reuniões ordinárias ou extraordinárias, nas secções de assuntos gerais, de assuntos inspetivos e disciplinares e de acompanhamento e ligação aos tribunais judiciais, bem como atas e/ou deliberações originais e integrais, do Conselho Plenário, de reuniões ordinárias ou extraordinárias, está abrangida pela alínea c) do n.º 4 do artigo 4.º do ETAF, e como tal, excluída do âmbito da jurisdição administrativa, devendo ser deduzida perante o Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Isto, aliás, em consonância com um dos principais desvios ao regime do artigo 4.º do ETAF, referente às deliberações do CSM, que são impugnáveis perante a secção de contencioso do STJ (cfr. artigos 169.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho).” Nestes termos, considerou o Tribunal a quo que os pedidos formulados contra o Conselho Superior da Magistratura na presente intimação estão excluídos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, sendo da competência do Supremo Tribunal de Justiça. O recorrente insurge-se contra o assim decidido, contrapondo que a presente acção visa apenas o exercício do direito à informação, e não a apreciação de qualquer acto administrativo, pelo que não é aplicável ao caso a norma da alínea c) do n.º 4 do artigo 4.º do ETAF, nem mesmo por interpretação extensiva, por não se conter na letra da lei, sob pena de violação do artigo 9.º do Código Civil. Vejamos. Nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal “A apreciação de atos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura e seu Presidente”. O Conselho Superior da Magistratura é o órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial (artigo 136.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho) e, considerando as competências que a lei lhe atribui (artigo 149.º), exerce funções materialmente administrativas, razão pela qual a doutrina o equipara às entidades administrativas independentes – cfr. JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 191. No exercício de tais funções, o Conselho Superior da Magistratura pratica actos materialmente administrativos, no sentido previsto no artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo, que contém a definição de acto materialmente ou substancialmente administrativo: “decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”. Todavia, naturalmente que nem todos os actos praticados por tal entidade constituem actos materialmente administrativos. Na acção em causa, é pedida a intimação do Conselho Superior da Magistratura a facultar ao autor toda a informação constante do seu requerimento de 09.02.2024, pedido este que decorre da circunstância de lhe ter sido indeferido o acesso à documentação não constante da averiguação sumária n.º 2018/AV/346 e do inquérito n.º 2021/IN/0014, através da deliberação da entidade demandada de 19.02.2025. Assim, o objecto do litígio consiste em apreciar se impende sobre o Conselho Superior da Magistratura o dever de prestar a informação que lhe foi requerida pelo autor e cujo acesso lhe foi recusado. É certo que tal recusa se materializou na deliberação de indeferimento acima enunciada. Todavia, nos presentes autos de intimação para a prestação de informações não é impugnado tal acto de indeferimento, dirigindo-se este meio processual à realização de prestações de facto, consubstanciadas em prestar informações, facultar a consulta de processos ou passar certidões. Considerando que a intimação para a prestação de informações, prevista e regulada nos artigos 104.º e ss. do CPTA, é o meio processual próprio para reagir contra qualquer forma de recusa de informação, não estamos, nesta sede e em face de tal recusa por parte do Conselho Superior da Magistratura ou pelo seu Presidente, perante qualquer acto materialmente administrativo pelos mesmos praticado, pelo que não é aplicável ao caso a norma da alínea c) do n.º 4 do artigo 4.º do ETAF. Diferentemente, está em causa a tutela do direito à informação, que é da competência dos tribunais administrativos. Pelo exposto, a sentença recorrida, ao concluir pela procedência da excepção dilatória de incompetência do Tribunal em razão da matéria, padece de erro de julgamento, com o que se impõe julgar procedente o presente recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de no mesmo se prosseguir com a tramitação dos presentes autos. * Vencido, é o recorrido responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de, se nada mais a tal obstar, no mesmo se prosseguir com a tramitação dos presentes autos. Custas pelo recorrido. Lisboa, 25 de Setembro de 2025 Joana Costa e Nora (Relatora) Marta Cavaleira Ana Lameira |