Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:4546/23.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/16/2024
Relator:ANA CARLA TELES DUARTE PALMA
Descritores:DEVER DE ADJUDICAR
ATO DE NÃO ADJUDICAÇÃO
AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO, PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ESPECIAL
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA CPA
Sumário:I – O ato de não adjudicação é um verdadeiro ato administrativo, de conteúdo negativo, é certo, mas com vocação definidora da situação individual e concreta dos concorrentes em face do procedimento;
II – O ato de não adjudicação, embora determine a revogação da decisão de contratar, nos termos do disposto no artigo 80.º, é um verdadeiro ato primário, exercido ao abrigo de uma norma de competência própria, a do artigo 79.º do CCP;
III – Não resulta da disciplina do artigo 79.º do CCP que o ato de não adjudicação deva ser precedido de audiência dos interessados, ao contrário do que se prevê no artigo 147.º a propósito do ato de adjudicação;
IV – A omissão, no artigo 79.º, quanto à exigência de audiência dos interessados em momento prévio à prática do ato de não adjudicação, não deve ter-se como lacunar, visto que outras garantias procedimentais aí estão previstas, como é o caso do dever de notificação e de fundamentação;
V – Não opera, por isso, a aplicação subsidiária do Código do Procedimento Administrativo, no que respeita às garantias previstas para o procedimento do ato administrativo, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 5, daquele Código.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Sul.

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Relatório

O…, SA, intentou contra os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde Epe, ação de contencioso pré-contratual de impugnação da decisão de não adjudicação, e consequente revogação da decisão de contratar, proferida no âmbito do procedimento de formação de contratos para aquisição de veículos elétricos ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a ação foi julgada totalmente procedente, anulada a decisão impugnada e condenada a entidade demandada a retomar o procedimento concursal.

Dessa sentença vem interposto o presente recurso, pela demandada Serviços Partilhados do Ministério da Saúde Epe, no qual foram formuladas as seguintes conclusões:

A. O Saneador-Sentença encontra-se ferido de vários erros de julgamento.

B. Desde logo, o Tribunal a quo considerou que o Ato Impugnado (um ato que consubstancia uma decisão de não adjudicação), sendo um ato administrativo, deveria ter sido precedido de audiência prévia dos interessados.

C. Porém, o procedimento pré-contratual subjacente aos presentes autos rege-se pelo CCP, constituindo, por isso um procedimento especial, regulado por um diploma próprio e não, diretamente, pelo CPA.

D. Sucede que contrariamente do que sucede noutros casos (tais, como a caducidade da adjudicação), o CCP, mais concretamente o respetivo artigo 79.º, não prevê a necessidade de uma decisão de não adjudicação ser antecedida da audiência prévia dos interessados.

E. Ora, quando os procedimentos especiais (como é o caso) não preveem a audiência prévia dos interessados, impõe-se ao intérprete e, naturalmente, ao julgador da causa averiguar se essa ausência de regulação deve ser entendida como um caso de dispensa da formalidade em referência ou, ao invés, se deve ser subsidiariamente aplicável o CPA, aplicando-se, neste último caso, a fase de audiência prévia.

F. Relembra-se que o Ato Impugnado configura uma decisão de não adjudicação fundada no artigo 79.º, n.º 1, alínea c) do CCP, suportando-se, assim, em juízos de prossecução do interesse público concretamente supra enunciados, para a qual os particulares não são chamados a participar.

G. Sublinha-se que, tendo o CCP criteriosamente identificado em cada fase do procedimento a sua sujeição à audiência prévia, conferindo especificamente um prazo de 5 dias (e não de 10), é evidente que, ao não o ter feito para a adoção da decisão de não adjudicação, o legislador intencionalmente considerou a mesma não aplicável.

H. Aliás, tendo o CCP previsto prazos de audiência prévia de 5 dias, carece de fundamento a consideração de que para o ato em crise, o regime aplicável fosse o do CPA com um prazo regra de 10 dias.

I. Similarmente, observe-se que a resolução contratual com base em motivos de interesse público também não se encontra sujeita à audiência prévia dos interessados (cfr. o artigo 308.º, n.º 1 do CCP).

J. Acresce referir que nos encontramos diante de um procedimento adjudicatório lançado no âmbito do PRR, pelo que era urgente colocar-lhe termo e iniciar, com toda a brevidade, um novo procedimento, que refletisse as correções às especificações técnicas identificadas no concurso em apreço.

K. Donde, não era exigível que o Ato Impugnado fosse precedido de audiência prévia dos interessados.

L. No limite, a situação em apreço enquadrar-se-ia no artigo 124.º, n.º 1, alínea a) do CPA.

M. O segundo erro de julgamento em que incorreu o Tribunal recorrido, prende-se com a circunstância de, contrariamente ao decidido no Saneador-Sentença, o Ato Impugnado se encontrar devidamente fundamentado, por remissão expressa para a respetiva proposta de não adjudicação, acolhida na decisão final, e constante do Relatório Final II.

N. Em particular, foi identificado, ao longo do procedimento concursal, que as especificações técnicas previstas no Caderno de Encargos careciam de ser alteradas - nomeadamente relacionadas com as dimensões (altura) das viaturas a adquirir -, dado que tinham lacunas essenciais e contemplavam requisitos que não se encontravam corretamente estabelecidos.

O. Atento o que antecede, o Júri do procedimento considerou necessário não continuar com a tramitação do procedimento e realizar “uma reavaliação sobre as especificações técnicas e respetivos requisitos técnicos” (cfr. a página 5 da proposta de não adjudicação).

P. Referindo-se, no Relatório Final II, que “não se reconhece exequível dar continuidade à tramitação do presente procedimento, pois a sua continuidade, colocaria em causa a aquisição destas Unidades Móveis em conformidade com as necessidades das entidades que mandataram a SPMS para o efeito” (cfr. a respetiva página 13).

Q. E, concluindo-se no mesmo relatório, que “tendo em conta estes factos já relatados [reportando-se aos factos ínsitos no relatório], é manifesta a necessidade de alterarmos aspetos essenciais das peças que não foram contemplados até ao fim do prazo para a apresentação de propostas, que ora se revelam imprescindíveis para a presente aquisição” (cfr. a página 13).

R. Estão, assim, em causa aspetos fundamentais das peças do procedimento e que não foram previstos ab initio pela Recorrente que, de outro modo, tê-los-ia desde logo contemplado nas peças.

S. Trata-se, pois, de uma fundamentação sucinta, como, aliás, prevê o artigo 153.º, n.º 1 do CPA, que poderia ser perfeitamente compreendida pelos seus destinatários (no caso, os concorrentes, e, por isso, também a Recorrida).

T. Tanto mais quando as alterações / retificações supra expostas foram contempladas no novo concurso e a Recorrida apresentou proposta neste concurso, o que demonstra que esta tinha e tem perfeito conhecimento da fundamentação e de tais alterações.

U. Assim, e em suma, o Tribunal recorrido errou ao considerar implicitamente exigível a apresentação de uma fundamentação mais densificada no Ato Impugnado.

V. Na verdade, importa não perder de vista que a jurisprudência entende, há muito, não ser possível impor esta exigência da fundamentação da fundamentação.

W. Finalmente, mesmo tendo sido reconhecida a existência de causas de invalidade do Ato Impugnado, sempre se imporia que, em obediência ao princípio do aproveitamento do ato administrativo, atualmente consagrado no artigo 163.º, n.º 5 do CPA, porquanto, mesmo sem esses vícios, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.

X. Porém, quanto a este ponto, o Tribunal a quo, adotando uma fundamentação algo intrincada (e até paradoxal), escusou-se a fazer um juízo de prognose acerca de qual seria o conteúdo do novo ato, concluindo que o antedito princípio é inaplicável ao caso concreto.

Y. De um outro prisma, acresce relembrar que o Relatório Final II evidencia igualmente a proposta de exclusão da proposta apresentada pela Recorrida.

Z. Significa isto que, pelos motivos constantes no Relatório Final II e acima enunciados, mesmo que o procedimento não tivesse findado com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP, seria igualmente adotada decisão de não adjudicação com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do mesmo código.

AA. Ou seja, seja qual for o prisma de análise, o desfecho do procedimento adjudicatório em exame teria sido o da adoção de uma decisão de não adjudicação, seja com base na alínea c), seja com base na alínea b), ambas do artigo 79.º, n.º 1 do CCP, pelo que se impunha o aproveitamento do ato à luz do preceituado no artigo 163.º, n.º 5, alíneas c) e a) respetivamente do CPA.

BB. Uma palavra adicional é devida somente para referir que, caso, como se espera, o presente Tribunal considere que o presente recurso tem fundamento e decida analisar o vício de violação de lei, cujo conhecimento ficou prejudicado, desde já se remete, por razões de economia processual, para a argumentação mobilizada nos artigos 49.º a 86.º da Contestação.

CC. Por último, requer-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos acima expostos, e de acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP.

Pela autora, aqui Recorrida, foram apresentadas contra-alegações e formuladas as seguintes conclusões:

I. Não se conformando com o teor do saneador-sentença prolatado nos presentes autos, datado de 14.06.2024, e ao qual foi atribuída a referência SITAF 009718879, a Recorrente interpôs, no passado dia 03.07.2024, um recurso de apelação que tinha como objeto o referido saneador-sentença, tendo, para o efeito, junto aos autos as alegações de recurso às quais foi atribuída a referência SITAF 009774110;

II. A Recorrente fundamentou as suas alegações em três pilares essenciais: i) erro de julgamento relativo à preterição de audiência prévia; ii) erro de julgamento relativo à falta de fundamentação; iii) erro de julgamento quanto ao aproveitamento do ato administrativo;

III. O alegado pela Recorrente carece de qualquer tipo de crédito jurídico e, nessa medida, o presente recurso deverá ser julgado totalmente improcedente, por não provado, ordenando-se, assim, a manutenção da decisão recorrida na ordem jurídica portuguesa por motivo algum haver para determinar a sua revogação;

IV. Resulta cristalino do n.º 5 do artigo 2.º do CPA que, ainda que se esteja perante um ato proferido num procedimento administrativo especial, que será regulado por disposições especiais como é o caso do CCP, a disciplina do CPA nunca deixará de ser aplicável àquele, a título subsidiário, em caso de inexistência de regulação especial daquele diploma;

V. Não é por acaso que o legislador, ao construir aquela norma, teve o especial cuidado de individualizar, dentro das disposições do CPA aplicáveis subsidiariamente aos procedimentos administrativos especiais, as normas daquele diploma relativas às garantias dos particulares, nas quais se inclui, sem sombra de dúvidas, o direito de audiência prévia;

VI. A concessão do direito de audiência prévia é a regra no nosso ordenamento jurídico e, nessa medida, deverá sempre, em qualquer procedimento administrativo, concedido um prazo para o exercer;

VII. Na hipótese de o Recorrente pretender utilizar a prerrogativa prevista no artigo 124.º do CCP, tal realidade deveria estar expressamente prevista na decisão ora impugnada, algo que, como se sabe, não acontece no caso concreto;

VIII. A realidade é só uma e a Recorrente, por mais que lhe desagrade, tem de com aquela se conformar: a decisão impugnada corresponde a uma decisão proferida no âmbito de um procedimento administrativo que, especial ou não, está sujeito às normas do CPA relativas à audiência dos interessados nos termos definidos naquele diploma legal, correspondendo o incumprimento daquelas a um vício jurídico que afeta a regularidade jurídica dessa mesma decisão;

IX. Não se vislumbra qualquer tipo de ligação entre o ato administrativo em causa e os atos administrativos descritos pelo n.º 1 do artigo 308.º do CCP;

X. Mesmo a admitir-se tal identidade, sempre se diga que a argumentação da Recorrente apenas vem confirmar o entendimento da sentença recorrida e, modéstia à parte, da Recorrida: existe sempre audiência prévia quando em causa estejam atos administrativos praticados no âmbito do CCP, a menos que tal seja expressamente afastado por este, o que não é o caso das decisões de não adjudicação como a que se encontra impugnada nos presentes autos;

XI. A recorrente não demonstra, nem alega de que forma é que a concessão do direito de audiência prévia à Recorrida poderia colocar em causa o cumprimento, por si, da obrigação prevista no n.º 3 do artigo 79.º do CCP;

XII. Através das suas alegações concernentes com o segundo fundamento de recurso, a Autora limita-se a aproveitar as suas alegações para justificar postumamente o teor da decisão impugnada, o que surge em plena contravenção contra o entendimento jurisprudencial quanto ao momento em que deverá ocorrer tal fundamentação;

XIII. Tal inadmissibilidade é absolutamente evidente, uma vez que é hoje absolutamente indubitável que a fundamentação de qualquer decisão administrativa tem que estar expressa no texto da própria decisão, não podendo ser realizada posteriormente àquela, e muito menos em sede judicial tal como a Recorrente sempre pretendeu fazer no âmbito da presente lide;

XIV. O facto de a Recorrente ter apresentado os fundamentos que estão na base da sua decisão de não adjudicação nas suas alegações de recurso não demonstra (como já não demonstravam na contestação por si apresentada) que o ato impugnado se encontrava devidamente fundamentado aquando da sua notificação aos concorrentes do procedimento pré-contratual em causa e, bem assim, não sana o vício de falta de fundamentação desse ato;

XV. Descendo ao caso concreto, torna-se possível vislumbrar que quer do 2.º Relatório Final, quer da informação n.º 2872/CCS/UCBST/2023 aprovadas pela Ré através da decisão ora impugnada, não consta, de forma alguma, quais as circunstâncias que não foram previstas nas peças do procedimento e, de igual modo, naqueles documentos não se refere, em concreto e detalhadamente, quais os aspetos essenciais das peças de procedimento que devem ser alterados por força da consideração ex novo dessas mesmas circunstâncias;

XVI. Não estando o ato impugnado fundamentado de acordo com as exigências legais – aliás, como se demonstrou – a possível situação de fundamentação da fundamentação nunca se colocaria;

XVII. O que o douto Tribunal a quo pretendia significar com a decisão que tomou quanto ao aproveitamento do ato foi que, ainda que fosse possível relevar o vício de preterição de audiência prévia – o que não era nos termos magistralmente defendidos na sentença recorrida - o vício da falta de fundamentação nunca permitiria que fosse viabilizado o aproveitamento do ato impugnado, nos termos do n.º 5 do artigo 163.º do CPA;

XVIII. Caso não fosse tomada a decisão impugnada, não era certo que a proposta apresentada pela Recorrida fosse imediatamente excluída, condição essencial para que pudesse ser praticada uma decisão de adjudicação com base na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP, uma vez que tal operação tinha, legalmente, que ser precedida de audiência prévia da Recorrida da qual poderia resultar a revisão da proposta tendente à sua exclusão;

XIX. Ao admitir que lhe seria legítimo praticar uma decisão de não adjudicação com base na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP na eventualidade de não ter praticado a decisão impugnada, a Recorrente não mais está a fazer do que afirmar que não concederia à Recorrida o direito de audiência prévia à luz do artigo 148.º do CCP para se rebelar contra aquele projeto decisório;

XX. Mesmo admitindo como boa aquela alegação e que a Recorrente praticaria uma decisão de não adjudicação à luz do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP, tal significa que aquela teria um fundamento distinto daquele que teve por base a decisão de não adjudicação impugnada nos presentes autos;

XXI. Contrariamente à conclusão retirada pela Recorrente, não seria de todo possível (ou sequer admissível) aplicar o n.º 5 do artigo 163.º do CPA e proceder ao aproveitamento do ato administrativo em causa, uma vez que, de todo em todo, não se encontram casuisticamente verificados os requisitos legais para o efeito;

XXII. Todos os fundamentos invocados pela Recorrente estão condenados a soçobrar, pelo que não poderá ser outra a decisão do Tribunal ad quem senão a de julgar o presente recurso de apelação manifestamente improcedente, por não provado, ordenando a manutenção na ordem jurídica da decisão recorrida, pela mesma não evidenciar qualquer vício determinante da sua legalidade.

Termos em que, e nos mais de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Exa., deverá o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, por não provado, devendo, assim, o saneador-sentença recorrido manter-se na ordem jurídica nos precisos termos em que foi doutamente prolatada pelo Tribunal a quo, com todas as consequências legais que de tal julgamento necessariamente resultam.

O Ministério Público foi notificado para os efeitos previstos no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA.

Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


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Questões a decidir

O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações do recurso interposto, é a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, em ambos os segmentos decisórios, e a questão a decidir, a de saber se o ato impugnado devia ou não ter sido precedido de audiência dos interessados e se se encontra devidamente fundamentado. Ainda, no caso de se concluir, como na sentença recorrida, pela invalidade do ato impugnado, se seria ou não de afastar o efeito anulatório.


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Fundamentação

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Pelo Tribunal de 1ª instância foi considerada assente a seguinte matéria de facto, não impugnada pela Recorrente:

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1. Em 12 de junho de 2023, foi publicado na II, Série do Diário da República, o anúncio de procedimento n.º 9641/2023, do qual se retira, o seguinte: -------------------------------------------
“(…)2 - OBJETO DO CONTRATO Designação do contrato: CCS/UCBST - 574/2023 - aquisição de veículos elétricos ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência ------------------------------
Descrição sucinta do objeto do contrato: CCS/UCBST - 574/2023 - aquisição de veículos elétricos ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência ---------------------------------------------------------------
Tipo de Contrato Principal: Fornecimentos ------------------------------------------------------------------
Tipo de Contrato: Aquisição de Bens Móveis Preço base do procedimento? Sim ----------------------
Valor do preço base do procedimento: 24,200,000.00 EUR (…) --------------------------------------------
5 - DIVISÃO EM LOTES, SE FOR O CASO O contrato é dividido em lotes? Sim ---------------
Número máximo de lotes que podem ser adjudicados a um concorrente: 5 -----------------------------
Lote n.º 1 Designação: Tipologia 1 - Furgão de passageiros - 5 lugares --------------------------------
Preço Base do lote: 9,000,000.00 EUR -------------------------------------------------------------------
Classificação CPV (Vocabulário Comum para os Contratos Públicos) -------------------------------
Objeto principal---------------------------------------------------------------------------------------------------
Vocabulário principal: 34114000 -----------------------------------------------------------------------------
Lote n.º 2 Designação: Tipologia 1 - Furgão de passageiros - 5 lugares ---------------------------------
Preço Base do lote: 8,970,000.00 EUR -----------------------------------------------------------------------
Classificação CPV (Vocabulário Comum para os Contratos Públicos) --------------------------------
Objeto principal -------------------------------------------------------------------------------------------------
Vocabulário principal: 34114000 -----------------------------------------------------------------------------
Lote n.º 3 Designação: Tipologia 2 - Furgão de passageiros - 5 lugares ---------------------------------
Preço Base do lote: 3,600,000.00 EUR -----------------------------------------------------------------------
Classificação CPV (Vocabulário Comum para os Contratos Públicos) -------------------------------
Objeto principal Vocabulário principal: 34114000 ---------------------------------------------------------
Lote n.º 4 Designação: Tipologia 3 - Ligeiro de passageiros - Médio inferior elétrico -----------------
Preço Base do lote: 1,590,000.00 EUR --------------------------------------------------------------------
Classificação CPV (Vocabulário Comum para os Contratos Públicos) -------------------------------
Objeto principal Vocabulário principal: 34114000 ---------------------------------------------------------
Lote n.º 5 Designação: Tipologia 4 - Unidade móvel -----------------------------------------------------
Preço Base do lote: 1,040,000.00 EUR ---------------------------------------------------------------------
Classificação CPV (Vocabulário Comum para os Contratos Públicos) ------------------------------
Objeto principal --------------------------------------------------------------------------------------------------
Vocabulário principal: 34114000 (…) -------------------------------------------------------------------------
12 - CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO ------------------------------------------------------------------------
Se no ponto 5 for sim, o critério de adjudicação é diferenciado por lote? Não -------------------
Multifator? Não -------------------------------------------------------------------------------------------------
Monofator ---------------------------------------------------------------------------------------------------------
Fator - Nome: Preço” – cfr. Processo Administrativo (PA), a fls. 93;
2. Do Anexo I, do Caderno de Encargos, do procedimento de concurso público para aquisição de viaturas elétricas para as entidades do Ministério da Saúde, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), ref.ª n.º 574/2023, com o título “Especificações Técnicas”, 1. consta, designadamente, o seguinte: “(…)-----------------------------------------------------------------

3. Foram apresentados pedidos de esclarecimentos, por vários concorrentes, de entre os quais a R… Portugal, tendo o júri do procedimento de concurso público para aquisição de viaturas elétricas para as entidades do Ministério da Saúde, no âmbito do PRR, ref.ª n.º 574/2023 prestado o seguinte esclarecimento: -----------------------------------------------------------




4. Em 17 de julho de 2023, a Autora apresentou proposta ao procedimento de concurso público para aquisição de viaturas elétricas para as entidades do Ministério da Saúde, PRR, ref.ª n.º 574/2023, com o preço total de € 1.033.600,00 – cfr. PA, a fls. 168 e seguintes;

5. Em 26 de julho de 2023, o júri do procedimento de concurso público para aquisição de viaturas elétricas para as entidades do Ministério da Saúde, no âmbito do PRR, ref.ª n.º 574/2023, documento intitulado de “Relatório Preliminar”, do qual se retira, o seguinte:----


«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»


6. Em 02 de agosto de 2023, a Autora apresentou requerimento de audiência prévia ao procedimento de concurso público para aquisição de viaturas elétricas para as entidades do Ministério da Saúde, no âmbito do PRR, ref.ª n.º 574/2023, cujo teor se tem aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais – cfr. PA, a fls. 283;

7. Em 11 de outubro de 2023, o júri do procedimento de concurso público para aquisição de viaturas elétricas para as entidades do Ministério da Saúde, no âmbito do PRR, ref.ª n.º 574/2023, elaborou documento intitulado de “Relatório Final | Lote 5”, do qual se retira, o seguinte:------------------------------------------------------------------------------------------------------------


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8. Em 18 de outubro de 2023, a concorrente W… apresentou requerimento de audiência prévia, ao procedimento de concurso público para aquisição de viaturas elétricas para as entidades do Ministério da Saúde, no âmbito do PRR, ref.ª n.º 574/2023, requerendo a sua readmissão e a exclusão da proposta da Autora, e cujo teor se tem aqui integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais – cfr. PA, a fls. 313;

9. Em 07 de novembro de 2023, o júri do procedimento de concurso público para aquisição de viaturas elétricas para as entidades do Ministério da Saúde, no âmbito do PRR, ref.ª n.º 574/2023, elaborou um documento intitulado de “2.º Relatório Final”, do qual se extrata o seguinte: -----------------------------------------------------------------------------------------------------------


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«Imagem em texto no original»

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10. Em 08 de novembro de 2023, o Conselho de Administração da Ré deliberou aprovar a proposta de decisão constante da informação n.º 2872/CCS/UCBST/2023, de 06 de novembro de 2023, elaborada pelos seus serviços, da qual se retira, designadamente, o seguinte:

11. “(…)

12. Em 10 de novembro de 2023, a Autora foi notificada da decisão de não adjudicação e consequente revogação da decisão de contrato, no âmbito do procedimento de concurso público para aquisição de viaturas elétricas para as entidades do Ministério da Saúde, no âmbito do PRR – facto não controvertido;
13. Em 17 de novembro de 2023, a Autora apresentou requerimento de audiência prévia ao procedimento de concurso público para aquisição de viaturas elétricas para as entidades do Ministério da Saúde, no âmbito do PRR, ref.ª n.º 574/2023, onde requer que se reverta o projeto de decisão de não adjudicação e de exclusão da sua proposta, propondo, ao invés, a adjudicação a favor da Autora, e cujo teor se tem aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais – cfr. PA, a fls. 339;
14. Em 22 de novembro de 2023, foi publicado na II Série do Diário da República, o anúncio de procedimento n.º 19919/2023, do qual se retira, o seguinte: ------------------------------------------
“(…) 1 - IDENTIFICAÇÃO E CONTACTOS DA ENTIDADE ADJUDICANTE --------
Designação da entidade adjudicante: SPMS - Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E. P. E.
NIPC: 509540716 Endereço: Avenida da República, 61 Código postal: 1050 189 Localidade: Lisboa País: PORTUGAL Endereço Eletrónico: umc.saude@spms.min-saude.pt --------------------------------
2 - OBJETO DO CONTRATO Designação do contrato: CCS-UCBST - 726/2023 - Aquisição de Unidades Móveis ao abrigo do PRR para as Unidades de Cuidados de Saúde Primários--------
Descrição sucinta do objeto do contrato: CCS-UCBST - 726/2023 - Aquisição de Unidades Móveis ao abrigo do PRR para as Unidades de Cuidados de Saúde Primários-----------------------------------
Tipo de Contrato Principal: Fornecimentos -----------------------------------------------------------------
Tipo de Contrato: Aquisição de Bens Móveis ------------------------------------------------------------------
Preço base do procedimento? Sim -------------------------------------------------------------------------------
Valor do preço base do procedimento: 1,040,000.00 EUR (…) ---------------------------------------------
5 - DIVISÃO EM LOTES, SE FOR O CASO -----------------------------------------------------------O contrato é dividido em lotes? Não (…)” – cfr. fls. 384.»

Factos Não Provados

Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito.»


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Da decisão sobre a matéria de facto:

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, adita-se à matéria de facto provada o ponto 14., com o teor seguinte:

5. A decisão de não adjudicação não foi precedida de audiência dos interessados (facto não controvertido).


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Recuperando as questões a decidir no presente recurso e não tendo sido apontadas nulidades à sentença sob recurso de que cumpra conhecer, passamos à análise respetiva.

I – Da preterição da audiência dos interessados

A sentença recorrida considerou que o ato de não adjudicação impugnado, e de revogação da decisão de contratar, não tendo sido precedido de audiência dos interessados, é inválido e, por isso, anulável.

A entidade demandada, aqui Recorrente, discordando do decidido, veio sustentar que o Código dos Contratos Públicos (CCP) não determina que a prática do ato de não adjudicação deva ser precedida de audiência dos interessados e que, estando em causa um procedimento especial, não é de aplicar o Código do Procedimento Administrativo (CPA).

Acrescenta ainda, a favor da sua tese, o exemplo da norma do artigo 308.º, n.º 1, do CCP, que afasta, de forma expressa, o regime da marcha do procedimento previsto no CPA, no que respeita à formação de atos administrativos no âmbito da relação contratual, acrescentando ainda que sempre se estaria, no caso, perante uma situação de dispensa da audiência prévia, em razão da urgência da decisão.

Vejamos.

Em causa nos presentes autos está uma decisão de não adjudicação, praticada no âmbito do procedimento para formação do contrato de aquisição de veículos elétricos ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência.

O procedimento de formação de contratos, previsto no CCP, tem em vista a celebração de um contrato e a escolha de uma proposta, ou a sua aceitação, no caso de a proposta apresentada ser única. A escolha ou aceitação da proposta materializa-se através da prática do ato de adjudicação, com o qual culmina o procedimento adjudicatório (ou subprocedimento adjudicatório, como é qualificado por alguma doutrina (João Pacheco de Amorim, As decisões de Adjudicação e não Adjudicação no Código dos Contratos Públicos, Almedina, 2021, p.16. No mesmo sentido Pedro Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, 6.ª edição, Almedina, p.848)).

O ato de adjudicação é um ato administrativo, revestido de todos os elementos que caracterizam esta atuação típica do exercício da função administrativa e que se encontram elencados no artigo 148.º do CPA, estabelecendo o CCP que o mesmo deve ser precedido de audiência dos interessados, que se concretiza através do envio, aos concorrentes, do Relatório Preliminar, com a proposta do júri quanto à ordenação e exclusão das propostas, sendo o caso. É o que decorre, com relevância para o caso, das disposições dos artigos 146.º e 147.º do CCP. (no sentido de que o ato de adjudicação é um ato de duplo sentido, abarcando também uma declaração negocial, Pacheco de Amorim, op. cit., p.14.).

Importa ainda ter presente, no enquadramento de que nos ocupamos, que o ato de adjudicação é também expressão do dever de adjudicar, no qual fica investida a entidade adjudicante, pelo menos a partir do momento em que, exteriorizada a decisão de contratar através da publicação do anúncio, ou do envio do convite à apresentação de propostas, seja apresentada, pelo menos, uma proposta em conformidade com as disposições concursais ou procedimentais aplicáveis e que não seja objeto de exclusão na fase de análise das propostas.

É hoje incontroversa a existência de um dever de adjudicação, com expressão na disposição do artigo 76.º, n.º 1, do CCP e, também nas disposições do artigo 79.º, onde são elencados, de forma taxativa, os casos em que a entidade adjudicante pode não adjudicar, ou seja, eximir-se ao cumprimento do aludido dever de adjudicar.

O ato de não adjudicação, sujeito aos limites previstos no artigo 79.º do CCP, é também, a par com o ato de adjudicação, o ato extintivo do procedimento adjudicatório, sem prejuízo do dever de dar início a um novo procedimento, no caso de este ter o fundamento previsto na alínea c) do n,º 1, nos termos do disposto no n.º 3. E é também um verdadeiro ato administrativo, de conteúdo negativo, é certo, mas com vocação definidora da situação individual e concreta dos concorrentes em face do procedimento. E mais, pese embora esse ato encerre uma revogação da decisão de contratar, nos termos do disposto no artigo 80.º, trata-se de um verdadeiro ato primário, exercido ao abrigo de uma norma de competência própria, a do artigo 79.º do CCP.

Aqui chegados e porque também da qualificação do ato de não adjudicação depende a questão de saber se ao mesmo se aplicam as formalidades respeitantes ao procedimento do ato administrativo, importa analisar a questão em discussão, qual seja a de saber se aquele ato estava ou não sujeito à audiência prévia dos interessados.

É incontroverso, em face dos factos provados (ponto 14), que a decisão de não adjudicação não foi precedida de audiência dos interessados. É também sabido que o CCP não contempla essa exigência quanto ao ato de não adjudicação, ao contrário do que sucede quanto ao ato de adjudicação, relativamente ao qual, como visto, essa audiência prévia se impõe, nos termos, designadamente do artigo 147.º, do CCP.

É também de referir que o artigo 79.º, do CCP, não é completamente omisso a respeito dos aspetos procedimentais que devem ser observados a propósito deste ato extintivo do procedimento, dispondo o n.º 2 quanto ao dever de notificação e, embora de forma indireta, quanto ao dever de fundamentação.

Acresce referir que, sendo o procedimento de formação de contratos e, dentro dele, o procedimento adjudicatório, um procedimento especial, face ao procedimento do ato administrativo previsto no CPA, determina-se, no artigo 2.º, n.º 5 daquele Código que as disposições nele contidas, designadamente as garantias nele reconhecidas aos particulares, aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos administrativos especiais.

Resta, pois, saber, se o CCP, no artigo 79.º, afastou aquela formalidade ou simplesmente a omitiu, deixando espaço para a aplicação subsidiária do CPA quanto, por exemplo, à exigência de audiência prévia dos interessados.

Antes, uma breve referência ao instituto de que nos ocupamos.

A audiência dos interessados, em momento prévio ao da tomada de decisão assume, no nosso ordenamento jurídico, uma dupla função, qual seja, por um lado, a de facultar aos interessados a possibilidade de trazer e fazer valer no procedimento os seus argumentos e as suas posições – função garantística e de participação – e, por outro lado, a de colaborar e auxiliar a administração na tomada da decisão (cfr. artigo 267.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigos 11.º, 12.º e 121.º do CPA).

Compulsada a disciplina prevista no artigo 79.º do CCP, verifica-se que as causas de não adjudicação aí elencadas respeitam a circunstâncias do procedimento ou da entidade adjudicante, nenhuma se relacionando com os concorrentes ou com as propostas. Dessa circunstância decorre que a participação dos interessados na tomada de decisão, no quadro das finalidades acima descritas, dificilmente traduziria a concretização das funções de defesa das posições subjetivas dos concorrentes e de dotação do procedimento de elementos relevantes para a formação da vontade administrativa, atenta a natureza dos factos em causa. Isto sem prejuízo da existência de outras garantias, administrativas e contenciosas, que visem o ato e o controlo da sua validade e/u oportunidade e conveniência.

Não desconhecendo alguma doutrina que considera que o ato de não adjudicação deve ser precedido de audiência dos interessados, apesar de o artigo 79.º não a prever (Rodrigo Esteves de Oliveira, a não Adjudicação, Revista dos Contratos Públicos, n.º 30, p. 49), consideramos que a disciplina do artigo 79.º do CCP não é omissa quanto às garantias procedimentais a observar, tendo contemplado aquelas que considerou serem aplicáveis, o que não foi o caso da audiência dos interessados.

Concluímos, assim, que a disciplina prevista no CCP a propósito da prática do ato de não adjudicação é de molde a afastar a exigência de audiência dos interessados antes da prática do ato, não operando a aplicação subsidiária do CPA no que à audiência dos interessados diz respeito.

II – Da violação do dever de fundamentação

Considerou ainda a sentença recorrida que a decisão de não adjudicação não se encontra fundamentada.

Recuperando o discurso fundamentador sob recurso, aí se referiu que «Perscrutado o “Relatório Final II”, não nos é possível perceber, de facto, quais as concretas circunstâncias imprevistas que justificam e fundamentam a decisão de não contratar. Com efeito, a Ré limita-se a concluir pela necessidade de reavaliação das especificações técnicas e requisitos, sem cuidar em identificar quais as especificações e os requisitos e quais os motivos que fundamentam a necessidade dessa reavaliação.».

A Recorrente alegou que a decisão se encontra suficiente e devidamente fundamentada, nos termos do disposto no artigo 153.º, n.º 1, do CPA.

Vejamos se assim é.

Compulsada a matéria provada, verifica-se que a entidade adjudicante decidiu não adjudicar o contrato sob a invocação da necessidade de alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP.

A decisão impugnada foi de concordância com o vertido no 2.º Relatório Final e na informação n.º 2872/CCS/UCBST/2023, cujo conteúdo se encontra reproduzido nos pontos 9 e 10 do probatório.

Considerando o disposto no artigo 148.º do CCP e, bem assim, no artigo 153.º, n.º 1, do CPA, 2.ª parte, o vertido no Relatório Final e na Informação n.º 2872/CCS/UCBST/2023, fazem parte integrante do ato de não adjudicação.

Da leitura do 2.º Relatório Final é possível extrair que o júri, após concluir pela irregularidade de todas as propostas apresentadas, por incumprimento das especificações técnicas, num dos casos, as atinentes às dimensões do veículo e ao nível de emissões CO2 WLTP e, no outro, pela não junção de ficha técnica do veículo proposto, refere que não se reconhece exequível dar continuidade à tramitação do presente procedimento, pois a sua continuidade colocaria em causa a aquisição destas unidades móveis em conformidade com as necessidades das entidades que mandataram a SPMS para o efeito. E que tendo em conta estes factos já relatados, é manifesta a necessidade de alterarmos aspetos essenciais das peças que não foram contemplados até ao fim do prazo para apresentação das propostas, que ora se revelam imprescindíveis para a presente aquisição.

Do mesmo Relatório se extrai que o júri, em sede de esclarecimentos, clarificou a altura interior da unidade móvel e que estão em causa viaturas que necessitarão de ser transformadas.

Vejamos.

É inquestionável que o ato de não adjudicação em discussão estava sujeito ao dever de fundamentação, designadamente por via do disposto no n.º 2 do artigo 79.º do CCP.

O dever de fundamentação configura, no nosso ordenamento jurídico, uma garantia constitucional, consagrada no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, e um dever procedimental, que impõe que os atos administrativos que se integrem nas categorias elencadas nas alíneas do n.º 1, enunciem, de forma expressa, os fundamentos de facto e de direito da decisão. É o que decorre do disposto no artigo 153.º do CPA.

Acresce que a fundamentação deve ser contextual, ou seja, contemporânea do ato e deve ser clara, revelando os fundamentos em que assentou a decisão e/ou, caso se trate de atos de conteúdo valorativo, a sua motivação.

A fundamentação dos atos administrativos é expressão do princípio da transparência, o qual tem um forte reflexo na disciplina do CCP, não apenas ao nível do dever de publicidade, transversal a todo o procedimento, mas também no alargamento do dever de fundamentação a vários atos do procedimento, de que são exemplo os artigos 36.º, n.º 1, 46.ºA, n.º 2, 71,º, nº 2, 79.º, n.º 2, e está expressamente consagrado no artigo 1.ºA, n.º 1, do CCP e no 18.º, n.º 1, da Diretiva 2014/24/EU.

O dever de fundamentação dos atos administrativos, em geral, e dos atos praticados no âmbito dos procedimentos de formação de contratos do CCP, enquanto expressão do princípio da transparência, na sua ligação com os demais princípios aplicáveis à contratação pública, designadamente o da concorrência, nas vertentes da igualdade no acesso e no tratamento no procedimento, visa ainda assegurar que o procedimento decorra em conformidade com o quadro normativo aplicável, ao nível nacional e da união europeia.

Confrontado o que acabámos de referir com o juízo levado a efeito pelo tribunal a quo, concluímos que os elementos do ato de não adjudicação não são reveladores dos concretos pontos das peças do procedimento ou as concretas especificações técnicas cuja alteração se imponha. Essa omissão não permite aos destinatários do ato alcançar os concretos fundamentos, de facto, que levaram à decisão de não adjudicação. Essa omissão impede, designadamente, que seja controlada a validade da decisão e a verificação do fundamento em que esta se alicerçou – necessidade de alteração de aspetos fundamentais das peças do procedimento, por circunstâncias imprevistas.

Improcedem assim, nesta parte, as alegações do recurso interposto, acompanhando-se a decisão recorrida.

III - Do afastamento do efeito anulatório

Nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 5, do CPA, não se produz o efeito anulatório dos atos cuja invalidade conduza à sua anulação nos casos elencados nas alíneas a) a c). Trata-se da consagração legal do princípio do aproveitamento do ato administrativo, que tinha vindo a ser desenvolvido pela doutrina e pela jurisprudência, através, designadamente das teorias da degradação das formalidades essenciais em não essenciais e da irrelevância dos vícios.

Temos, assim, que o disposto na alínea a) se aplica aos casos de atos de conteúdo vinculado, ou em que a discricionariedade se encontra reduzida a zero, em que se conclua que o conteúdo do ato, apesar da invalidade, não possa ser outro; a alínea b) aplica-se aos casos em que a invalidade decorra da violação de normas procedimentais ou formais e se conclua que o vim visado pela norma tenha sido alcançado por via; já a alínea c), que tem como âmbito de aplicação as invalidades que atingem atos de conteúdo valorativo, exige, para que o efeito anulatório seja afastado, que se comprove, sem margem para dúvidas, que a invalidade não afetou nem influenciou o conteúdo do ato, que seria o mesmo, independentemente dela.

A este respeito, a Recorrida veio alegar que o procedimento findaria sempre com uma decisão de não adjudicação, pois que, atentos os fundamentos do segundo Relatório Final, estaria verificada a causa de não adjudicação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º, devendo o efeito anulatório ser afastado nos termos das alíneas a) e c) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA.

É certo que nos termos do disposto no artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do CCP, não há lugar à adjudicação, extinguindo-se o procedimento, quando todas as candidaturas ou todas as propostas tenham sido excluídas, sem prejuízo do n.º 6 do artigo 70.º, no que respeita às propostas. Não obstante, apesar de se referir no Relatório Final, a propósito das alegações produzidas em sede de audiência prévia, por uma das concorrentes, que a proposta apresentada pela autora não cumpria uma das exigências das peças do procedimento, a respeito da ficha técnica dos veículos a fornecer, não chegou a ser proposta a exclusão daquela proposta, que sempre poderia ser revertida, por exemplo, após pronúncia da autora em sede de audiência prévia. Não estamos, por isso, em face de um caso em que possa concluir-se, sem margem para dúvidas, que o conteúdo do ato não poderia ser outro, ou que a causa de invalidade tenha sido indiferente para o sentido da decisão.

Assim, não é de afastar o efeito anulatório decorrente da violação do dever de fundamentação da decisão impugnada.


*

Assim, deve improceder o recurso e confirmar-se a sentença recorrida, embora com diferentes fundamentos, designadamente quanto ao juízo aí levado a efeito a propósito da preterição da audiência dos interessados.

As custas serão suportadas pela Recorrente, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP, por o recurso não apresentar especial complexidade.

Decisão

Por tudo o que vem de ser expendido, Acordam em conferência os juízes que compõem a presente formação da subsecção de Contratos Públicos da secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP, por o recurso não apresentar especial complexidade.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de outubro de 2024


Ana Carla Teles Duarte Palma (relatora)

Jorge Martins Pelicano

Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro