Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:664/23.7BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:CITAÇÃO
INTERRUPÇÃO
PRESCRIÇÃO.
Sumário:I – Estando em causa dívidas de contribuições à Segurança Social, a mais antiga respeitante a Abril de 2007, não oferece dúvida que a prescrição ocorreria, na circunstância de não se verificarem causas de suspensão ou de interrupção da contagem do prazo prescricional, no prazo de cinco anos contados da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
II – Efectuada a citação, esta tem por efeito a interrupção da contagem do prazo prescricional, inutilizando o prazo decorrido até então e implicando que o prazo de prescrição não volte a correr enquanto não findar o processo executivo, seguindo jurisprudência reiterada dos Tribunais superiores.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

L..., melhor identificado nos autos, apresentou reclamação judicial do despacho, proferido pelo Coordenador da Secção de Processo Executivo (SPE) de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., (IGFSS) proferido no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1001201100177385, que indeferiu o pedido de declaração de prescrição da divida de contribuições de trabalhador independente de abril de 2007 a dezembro de 2010.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por decisão de 27 de outubro de 2023, julgou improcedente a reclamação e, por consequência, absolveu o IGFSS do pedido, com as demais consequências legais.

O presente recurso foi dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo, que se julgou incompetente em razão da hierarquia, por Decisão Sumária proferido em 29 de Janeiro de 2024, tendo sido determinada a remessa dos autos para este Tribunal Central Administrativo Sul.

O Recorrente nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:

«I. Ser a divida à Segurança Social considerada prescrita conforme o estatuído no n.º 17/2000, de 8 de Agosto (n.º 2 do artigo 63º),

II. Considerar-se que o Autor nunca foi notificado, nem citado por qualquer meio, não havendo assim, interrupção desta prescrição;

III. Considerar a prescrição como matéria assente;

IV. Devolução dos valores penhorados ilegamente no valor de 1.389,52€;

V. Suspender de imediato o processo executivo.

VI. Ser a segurança social condenada como litigante de má fe no valor de 2 mil euros

Por tudo o exposto e por mais que V. Exas. decerto suprirão, deverá a presente recurso ser declarado procedente e, em consequência, ser decretado a viabilidade da prescrição

serem devolvidos os valores penhorados ilicitamente.

ser a segurança social condenada como litigante de má fé no valor de 2 mil euros

MAS V. EXAS. DECERTO FARÃO JUSTIÇA!»


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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Com relevância para a decisão a proferir, de acordo com os documentos constantes dos autos, encontram-se provados os seguintes factos:

A. Em 30/04/2011 a SPE de Leiria do IGFSS instaurou contra L... o PEF n.º 1001201100177385, por divida de contribuições de trabalhador independente no montante de € 5.004,56. – (cfr. doc. de fls. 12 dos autos).

B. Com data de 13/05/2011 a SPE de Leiria do IGFSS remeteu a L..., mediante carta registada com aviso de receção, oficio de citação para o PEF n.º 1001201100177385 e apensos, com a quantia exequenda de € 6.409,48 e acrescido legal, no valor total de € 8.205,92. – (cfr. doc. de fls. 13 dos autos).

C. O aviso de receção referido no ponto anterior foi rececionado em 19/05/2011 por N… M… – (cf. doc. de fls. 15 dos autos).

D. Em 26/05/2011 o aqui Reclamante remeteu ao IGFSS, por correio eletrónico, pedido de informação com o seguinte teor:


“(texto integral no original; imagem)”

(cf. doc. de fls. 17 dos autos)

E. Em 18/04/2023 o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS proferiu decisão a indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição da divida respeitante ao PEF n.º 1001201100177385 e apensos, referente a divida de contribuições de trabalhador independente de abril de 2007 a dezembro de 2010. - (cfr. doc. de fls. 24 a 26 dos autos).


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Factos não provados

«Inexistem factos cuja não prova releve para a decisão da causa.»


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Motivação da decisão de facto

«A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, conforme remissão feita a propósito de cada alínea do probatório.»


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao considerar não verificada a prescrição das dívidas em cobrança coerciva. Entende o Recorrente que deve ser considerada matéria assente a prescrição das dívidas exequendas. Pretende, igualmente, a condenação da Exequente como litigante de má fé, bem como a suspensão imediata do processo de execução fiscal.

Vejamos, então.

A sentença recorrida, para concluir pela improcedência da presente reclamação, fundou-se na seguinte fundamentação:

“(…) de acordo com o recorte probatório dos autos, verifica-se que o Reclamante foi citado, mediante registo com aviso de recepção, para o PEF n.º 1001201100177385 e apensos em 19/05/2011, facto que produz o respectivo efeito interruptivo que lhe é próprio, inutilizando o prazo decorrido até então e implicando que o prazo de prescrição não volte a correr enquanto não findar o processo executivo.

Tem sido este, aliás, o entendimento reiterado da jurisprudência, do que é exemplo o Acórdão do STA de 02/09/2020 (proc.º n.º 0705/19.2BELLE) em cujo sumário se deixou expresso que “I - A jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do art. 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC).

II - O reconhecimento desse efeito duradouro não viola os princípios constitucionais da legalidade, da certeza e da segurança jurídicas nem as garantias dos contribuintes.”.

É certo que o ora Reclamante invoca nunca ter sido citado para a execução fiscal, ou seja, invoca a falta de citação.

Porém, conforme resulta do probatório, é o próprio reclamante que assume ter recebido a citação quando interpela a exequente a solicitar esclarecimentos sobre a legalidade das contribuições (cf. ponto D. do probatório).

Por conseguinte, é seguro que o Reclamante tomou conhecimento do acto de citação.

Por outro lado, apesar de o aviso de recepção ter sido recepcionado por terceira pessoa, conforme refere a Digna Magistrada do Ministério Público no seu parecer “Nos termos do art. 238º do CPC em vigor (actual art. 230º) a citação postal considera-se efectuada no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.”

Ora o Reclamante apenas aduz que não foi citado, nada mais referindo a este respeito, sendo certo que, como se referiu, os autos demonstram o efectivo recebimento da citação.

Ademais, apesar de não estar demonstrado nos autos o envio de carta registada ao reclamante em cumprimento do disposto no artigo 241º do CPC vigente à data (actual artigo 233.º) tal omissão, não é um acto essencial da citação, uma vez que esta se considera realizada e o prazo para a dedução da oposição pelo citando se inicia independentemente do cumprimento ou não desta formalidade, na data da assinatura do aviso de recepção (vide, por exemplo, neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/7/2020, proc. nº 1186/19.6 T8CBR-B.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt).(...)”

De referir que a sentença efectuou, de forma detalhada, o enquadramento legal do regime da prescrição das contribuições para a Segurança Social.

Comecemos por apreciar a alegada falta de citação, sendo que a alegação do Recorrente é contraditória com a conclusão II do recurso.

É que, nas alegações o Recorrente afirma o seguinte: Admitindo no entanto a citação esta foi feita em 19 de maio de 2011.

E, na conclusão II, vem dizer: Considerar-se que o Autor nunca foi notificado, nem citado por qualquer meio, não havendo assim, interrupção desta prescrição.

Ou seja, por um lado admite que ocorreu a citação e, por outro, afirma o seu contrário.

Cumpre, no entanto, referir que ainda que se considerasse ser de prevalecer a alegação de que não foi o Recorrente citado, a verdade é que o vem dito em sede de recurso não tem força para abalar o decidido na sentença recorrida quanto à ocorrência da citação.

Note-se que não vem posta em causa a factualidade assente na primeira instância, e a verdade é que aí se fixou matéria de facto apta à conclusão de que o Recorrente foi citado para o processo de execução fiscal. Como, de resto, o próprio admite nas alegações recursivas.

Assim sendo, não vislumbramos razões, nem o Recorrente as convoca, para alterar o decidido no que diz respeito à verificação da citação no âmbito do PEF.

Invoca, ainda, o Recorrente que a prescrição devia ser considerada matéria assente. Salvo o devido respeito, não alcançamos o que se pretende com esta afirmação. É que, considerando a factualidade assente na sentença, é incontornável que a citação do Recorrente ocorreu e que, por essa circunstância, foi interrompida a contagem do prazo prescricional, de acordo com o regime legal em vigor.

Estando em causa dívidas de contribuições à Segurança Social, a mais antiga respeitante a Abril de 2007, não oferece dúvida que a prescrição ocorreria, na circunstância de não se verificarem causas de suspensão ou de interrupção da contagem do prazo prescricional, no prazo de cinco anos contados da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.

Como resulta do probatório, a citação do Recorrente ocorreu em 19 de Maio de 2011, data em que não se mostravam, ainda, decorridos os cinco anos do supra referido prazo de prescrição.

Ora, assim, bem andou a sentença ao concluir que a citação ocorrida em 19/05/2011 interrompeu a contagem do prazo de prescrição, inutilizando o prazo decorrido até então e implicando que o prazo de prescrição não volte a correr enquanto não findar o processo executivo, seguindo jurisprudência reiterada dos Tribunais superiores.

Finalmente, no que toca à pretendida condenação da Recorrida como litigante de má fé, verificamos que o Recorrente não indicou, minimamente, as razões que motivam tal condenação, pelo que se considera improcedente tal pretensão.

Improcedendo as alegações de recurso, será de negar provimento ao mesmo.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, de 16 de Maio de 2024

(Isabel Fernandes)