Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:196/19.8BEALM-A-S1
Secção:CA
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:MARIA HELENA FILIPE
Descritores:JUSTO IMPEDIMENTO
ARTº 140º DO CPTA
INTEMPESTIVIDADE
Sumário:I - Estabelecem os nºs 1 e 2 do artº 140º do CPC que “1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; (…)
(…)”.
II - A situação do Reclamado não se inseriu no nº 1 do normativo supra aludido, apesar de, em harmonia com a previsão do seu nº 2, ter logrado apresentar prova, que certamente considerava suficiente, para justificar o extravasar do prazo de que dispunha para interpor recurso.
III - Em 2 de Junho de 2024, foi emitido ao Reclamado, Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, no qual é atestado que aquele se encontra em estado de doença, por 6 dias, mas não foram preenchidos os respectivos motivos da doença que se expressam e decompõem naquele documento, em ‘incapacitante para a sua actividade profissional’ e, ‘exigindo cuidados inadiáveis e imprescindíveis’.
IV - Assim, a impossibilidade absoluta, grave, debilitante ao ponto de impedir o Reclamado de redigir e dirigir ao Tribunal o recurso da sentença que lhe foi notificada em 24 de Novembro de 2023, cujo término do prazo legal recairia no dia 9 de Janeiro de 2024, iniludivelmente, não resulta do Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho que não obedece, assim, aos requisitos objectivos do justo impedimento.
V - Não configurando a situação dos autos o justo impedimento, não pode ser atendido que as alegações de recurso tenham dado entrada tempestivamente, em 13 de Janeiro de 2024, quando o prazo legal havia findado em 8 de Janeiro de 2024, pelo que não é admissível o recurso.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. Relatório
L…, notificado do despacho prolatado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datado de 30 de Janeiro de 2024, que indeferiu o requerimento de interposição do recurso por si deduzido, por o considerar intempestivo, e por considerar não provada a situação de justo impedimento invocada pelo mandatário constituído, dele vem reclamar, ao abrigo do nº 3 do artº 145º do CPTA e dos nºs 1 e 3 do artº 643º do CPC, para este Tribunal Central Administrativo Sul.
Nas suas alegações, o Reclamante formulou as seguintes conclusões:
“a) Em 24 de Novembro de 2023, foi o Reclamante na pessoa do seu mandatário notificado via eletrónica da douta sentença do Tribunal recorrido;
b) Dispondo o Reclamante de 30 dias para interpor recurso, nos termos do disposto no artigo 144.º, do CPTA, esgotando tal prazo no dia 9 de Janeiro de 2024;
c) Todavia, por razões de saúde o mandatário do Reclamante e aqui subscritor encontrou-se impedido de exercer o seu mandato, obstando assim a prática atempada do ato devido no prazo devido,
d) justo impedimento do signatário que se iniciou no dia 2 de Janeiro de 2024 e se perlongou por seis dias, isto é até ao dia 7 de Janeiro de 2024;
e) Porém, através do douto despacho em crise notificado a 3 0.1.2024, foi o justo impedimento desconsiderado e não aceite, bem como o Tribunal a quo alega que ainda que fosse aceite o dito justo impedimento, as Alegações de Recursos são extemporâneas;
f) Sendo, assim inadmissível o douto Recurso;
g) Todavia, errou o Tribunal recorrido, quer quanto ao indeferimento do justo impedimento, quer quanto à inadmissibilidade do Recurso, pela sua alegada extemporaneidade;
h) O justo impedimento invocado e consagrado no artigo 140.º, do CPC, indica frontalmente que o evento que impediu a prática oportuna do ato não deverá ser atribuível à parte, representante ou mandatário;
i) O justo impedimento apresentado pelo signatário decorre da declaração médica junta aos autos emitida pelo Exmo. Dr.A…, médico do serviço de urgência do cento de Saúde de Mafra, no qual vem atestado medicamente, dado que dispõe da vinheta do dito clínico, que o mandatário se encontrava impedido de prestar a sua atividade laboral pelo período de seis dias, isto é, do dia 2 de Janeiro ao dia 7 de Fevereiro de 2024;
j) Ou seja, cinge-se à invocação de um impedimento de ordem médica, uma doença, que teria implicado a interrupção do exercício da sua atividade profissional; k) Invocando-se o exposto no acórdão proferido em 24-11-2022 pelo Tribunal da Relação de Évora (processo 522/18.7T9ENT-C.E1, in www.dgsi.pt);
l) Sendo apodíctico que o atestado médico não pode fazer menção à doença de que o senhor advogado padece, salvo consentimento expresso do mesmo, ter-se-á de aceitar o juízo de impossibilidade de exercício da profissão que é dado pelo clínico que o subscreve;
m) Mas mesmo que por hipótese o atestado especificasse o diagnóstico de que o doente sofre, nem por isso, o Tribunal ficaria habilitado, à míngua de um juízo médico, a determinar se a doença X, no caso daquele paciente, era ou não impeditiva da prática do ato processual;
n) Não sendo posta em causa a fidedignidade do atestado médico, não há qualquer dúvida que o mesmo é idóneo a comprovar a situação de doença e a incapacidade que ela gera no caso;
o) Ora, salvo o devido errou completamente o Tribunal a quo, devendo deferir o requerido justo impedimento, concedendo-se em pleno o requerido prazo para a produção do ato em falta; alegado pelo signatário, por outro lado, quanto à tempestividade das Alegações:
p) Foi o signatário notificado no dia 24 de Novembro de 2023, por via eletrónica da douta sentença, dispondo de 30 dias para interpor recurso, nos termos do disposto no artigo 144.º, do CPTA,
q) esgotando tal prazo em condições normais no dia 9 de Janeiro de 2024, iniciando-se a contagem do prazo dia 28 de Novembro de 2023, suspendendo-se do dia 22 de dezembro de 2023, tendo nessa data 24 dias contabilizados, em virtude das férias judiciais que culminariam em 3 de Janeiro de 2024;
r) Todavia, encontrava-se o signatário com justo impedimento que se iniciou no dia 2 de Janeiro de 2024 e se perlongou por seis dias, isto é até ao dia 7 de Janeiro de 2024, artigo 140.º, do CPC;
s) Assim, em virtude de tal justo impedimento o prazo de recurso esteve assim suspenso de dia 4 a dia 7 de Janeiro de 2024, retomando-se em 8 de Janeiro, culminando, assim o prazo para interposição do recurso no dia 13 de Janeiro de 2024, contudo, sendo dia não útil em que os Tribunais estão encerrados, transfere-se para dia útil seguinte, que foi de 15 de Janeiro de 2024;
t) E como decorre do douto despacho em celeuma foram as Alegações de Recurso apresentadas no dia 13 de Janeiro de 2024, assim, é evidente salvo o devido respeito que as Alegações de Recurso foram apresentadas dentro do prazo estabelecido para a prática do ato em virtude do justo impedimento invocada;
u) Errando, assim o Tribunal a quo, devendo consequente ser admitido o Recurso apresentado, com os demais efeitos legais.
Nestes termos, e nos melhores de Direito doutamente supridos, deverá conceder-se provimento à presente reclamação ordenando-se a admissão do Recurso interposto em 13 de Janeiro de 2024.”
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Foi apresentada resposta pela Entidade Demandada onde pugna, em síntese, pela manutenção do despacho recorrido.
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Notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, o D. º Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, não emitiu parecer.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção da Administrativa Social da Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
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II. Objecto da reclamação (nº 3 do artº 145º do CPTA e artº 643º do CPC):
A questão objecto da presente reclamação consubstancia o conhecimento do despacho de 30 de Janeiro de 2024, que indeferiu o requerimento de interposição do recurso do Reclamado mandatário constituído nos autos, por o considerar intempestivo, desatendendo por não provada, a situação de justo impedimento por aquele invocada.
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III. Factos:
Com interesse para a apreciação da presente reclamação, e em função dos elementos existentes nos autos, deu-se como assente no despacho reclamado a seguinte factualidade:
“A- Em 17.05.2023, o Ilustre Mandatário do Autor, Dr. V…, substabeleceu, sem reserva, os poderes forenses no Dr. C… [cf. fls. 258 dos autos];
B- Em 23.11.2023, foi proferida a sentença final nos presentes autos [cf. fls. 331- 359 dos autos];
C- Em 24.11.2023, foi remetido ofício n.º 006110493, por notificação eletrónica dirigida ao Ilustre Mandatário do Autor [cf. fls. 362 dos autos];
D- Em 13.01.2024, o Ilustre Mandatário Dr. C… apresentou requerimento invocando o justo impedimento para a apresentação de requerimento de interposição de recurso quanto à sentença referida no ponto B supra [cf. fls. 375-476 (páginas 1 e 2) dos autos];
E- Em 02.01.2024, o AC – Mafra emitiu documento intitulado “DECLARAÇÃO”, subscrito pelo Dr. A…, do qual consta que o Ilustre Mandatário do Autor foi observado naquela data, “e não pode comparecer às aulas/trabalho por um período previsível de 6 dias, com início a 02/01/2024” [cf. fls. 407 dos autos].”

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IV. Direito
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas alegações, importa conhecer da pretensão recursiva formulada e que se prende com saber o que segue:
1. Se deve conceder-se provimento à presente reclamação sobre o despacho de 30 de Janeiro de 2024, que indeferiu o requerimento de interposição do recurso do Reclamado mandatário constituído nos autos, por o considerar intempestivo, não admitindo a situação de justo impedimento por aquele invocada.
2. Em caso de resposta afirmativa à questão que imediatamente precede, se deve ser determinada a admissão do recurso interposto em 13 de Janeiro de 2024.
Analisando.
1. Do despacho de indeferimento do requerimento de interposição do recurso do Reclamado, por não admissão da situação de justo impedimento e que, consequentemente, o decretou intempestivo.
Estabelecem os nºs 1 e 2 do artº 140º do CPC que “1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; (…)
(…)”.
Integra-se no nº 1 desta norma, o que se sumaria no Acórdão do TRG, Processo nº 9467/15.1T8VNF-A.G2, de 13 de Julho de 2022, in www.dgsi.pt, designadamente, que “- A actual definição do justo impedimento passou a dar relevo à culpa, isto é, passou a centrar-se na não imputabilidade à parte, nem aos seus representantes ou mandatários, pela ocorrência do obstáculo que impediu a prática do acto”.
No que concerne ao nº 2, da mesma norma, sumaria-se no Acórdão do STJ, Processo nº 4044/18.8T8STS-C.P1.S1, de 13 de Julho de 2021, in www.dgsi.pt, nomeadamente que “III - À parte que alega o “justo impedimento” cabe o ónus de alegação e prova de factos que habilitem o tribunal a formular um juízo sobre a conduta culposa da parte, do mandatário ou dos seus auxiliares na ultrapassagem do prazo peremptório (…)”.
Ora, desde logo, a situação do Reclamado não se inseriu no nº 1 do normativo supra aludido, apesar de, em harmonia com a previsão do seu nº 2, ter logrado apresentar prova, que certamente considerava suficiente, para justificar o extravasar do prazo de que dispunha para interpor recurso.
Isto porque, é certo que, em 2 de Junho de 2024, foi emitido ao Reclamado, Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, pela ACES Oeste Sul, no qual é atestado que aquele se encontra em estado de doença, por 6 dias.
No entanto, não se encontram preenchidos os respectivos motivos da doença que se expressam e decompõem naquele documento, em dois vectores; a saber:
a) ‘incapacitante para a sua actividade profissional’; e,
b) ‘exigindo cuidados inadiáveis e imprescindíveis’.
Do despacho recorrido retira-se, no que ora releva, que “A sentença foi comunicada por ofício remetido por notificação eletrónica para o Ilustre Mandatário do Autor em 24.11.2023, pelo que, o prazo para interpor recurso terminaria a 09.01.2024 (cf. artigo 248.º, 138.º, n.º 1 e 139.º, n.º 3 do CPC, artigo 28.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário e artigo 144.º, n.º 1 do CPTA).
Dos autos resulta que o requerimento de recurso foi apresentado a 13.01.2024, ou seja, ultrapassado que se encontrava o prazo para interpor recurso.
Sendo o prazo para interpor recurso um prazo perentório, constituindo a sua prática fora de prazo fundamento para o seu indeferimento (cf. artigos 145.º, n.º 2, alínea a) do CPTA), cabe aferir desde já se se verifica a situação de justo impedimento invocada pelo Ilustre Mandatário.
Verifica-se que o Autor se encontra representado, nos presentes autos, pelo Ilustre Mandatário Dr. C….
O Ilustre Mandatário alega que se encontrava impedido de exercer o seu mandato até ao dia 07.01.2024, juntando para tanto uma declaração emitida pela ACMafra, em 02.01.2024.
Da mencionada declaração emitida a 02.01.2024, apenas resulta que o Autor não poderia comparecer ao trabalho por um período de 6 dias, não concretizando os motivos que fundaram a emissão dessa mesma declaração.
Deste modo, o tribunal não pode, sem outra prova ou alegação, apreciar se os factos que conduziram à emissão do documento pela AC – Mafra, em relação ao Mandatário, foram suficientes e idóneos para integrar o conceito de justo impedimento o qual, excecionalmente, pode abrigar a prática de ato processual fora de prazo.
(…)
Assim, ainda que eventualmente pudesse ter havido um impedimento, o qual teria terminado no dia 08.01.2024, de acordo com a declaração emitida pela AC-Mafra, o Ilustre Mandatário apenas praticou o ato no dia 13.01.2024, ultrapassado que estava o invocado impedimento, o que, prejudicadas demais conclusões, conduz ao seu indeferimento.
Em conclusão, tendo o requerimento de recurso sido apresentado ultrapassado o prazo de 30 dias estabelecido pelo n.º 1 do artigo 144.º do CPTA, sendo este um prazo perentório, o direito à sua prática extinguiu-se, pelo que deverá o requerimento de interposição de recurso ser indeferido, conforme a alínea a) do n.º 2 do artigo 145.º do CPTA”.
O despacho reclamado teve o seu acerto ao concluir que havia sido extravasado o prazo peremptório de interposição do recurso previsto no nº 1 do artº 140º do CPTA, por não se encontrar substanciado o justo impedimento, uma vez que nos termos do já então firmado pela jurisprudência administrativa, no Acórdão do STA, Processo nº 041674, de 5 de Junho de 1997, in www.dgsi.pt, “A doença, quer do advogado quer do seu empregado, só constitui justo impedimento se normalmente imprevisível para a generalidade das pessoas medianamente capazes e diligentes, e súbita e tão grave que os impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandado”.
Ora, a impossibilidade absoluta, grave, debilitante ao ponto de impedir o Reclamado de redigir e apresentar em Tribunal o recurso da sentença que lhe foi notificada em 24 de Novembro de 2023, cujo término do prazo legal recairia no dia 9 de Janeiro de 2024, iniludivelmente, não resulta do Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho.
Uma vez que a doença que o Reclamado veio evidenciar naquele documento não obedece aos requisitos objectivos do justo impedimento, por forma a abalizar que lhe era completamente impossível a prática atempada de elaborar alegações e as dirigir ao respectivo processo, ou seja, não constituindo a sua sintomatologia a aptidão ‘incapacitante para a sua actividade profissional’, nem cabendo na enunciação ‘exigindo cuidados inadiáveis e imprescindíveis’, ambas como supra discorrido, consignadas no mencionado Certificado, não se pode dar como verificado o justo impedimento que, a provar-se, obstaria à prática do acto em causa no prazo de 30 dias. É que apenas se assim fosse, àquele prazo seriam somados os 6 dias de justo impedimento por doença.
Com efeito, nas palavras de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil anotado, Volume 1º, 4ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, pp 300-301, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa in Código de Processo Civil, Volume I, Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, Coimbra, 2018, p 166, logo que tenha cessado a situação invocada como tendo sido facto impeditivo da prática atempada do acto, em princípio, faz diferir o termo do prazo para o dia imediato àquele em que a causa do impedimento termina.
Assim, não configurando a situação dos autos o justo impedimento, não pode ser atendido que as alegações de recurso tenham dado entrada tempestivamente, em 13 de Janeiro de 2024, quando o prazo legal havia findado em 8 de Janeiro de 2024, pelo que não é de admitir – como não foi – o recurso.

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V. Decisão
Nestes termos, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, em negar provimento à presente reclamação, confirmando o despacho de 30 de Janeiro de 2024, mantendo-o na ordem jurídica.

Custas pelo Reclamado.

Registe e notifique.
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Lisboa, 24 de Abril de 2024
(Maria Helena Filipe – Relatora)
(Luís Borges Freitas – 1º Adjunto)
(Maria Julieta França – 2ª Adjunta)