Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:21/21.0BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/06/2021
Relator:CATARINA VASCONCELOS
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO
CADUCIDADE DO PROCESSO SUMÁRIO
Sumário:A caducidade do processo sumário não tem como consequência a extinção da responsabilidade disciplinar do Clube, mas antes o reenvio para a forma de processo comum, como previsto no art.º 248º, n.º 1 do RDLPF
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório:

O Clube Recreativo L….., nos termos dos art.ºs 8º, n.ºs 1, 2 e 5 da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, interpôs o presente recurso do acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) que julgou procedente o recurso por si apresentado que correu termos sob o n.º ….., revogando a decisão disciplinar que o condenou em duas sanções de multa e determinando “o regresso dos autos à fase do procedimento disciplinar, de forma a assegurar a prévia audiência do arguido, declarando-se a nulidade da deliberação do CDFPF – Secção Não Profissional, que decidiu a aplicação das multas ao ora Recorrente, sem respeitar o direito de audiência e defesa plasmado no citado n.º 10 do art.º 32.º, ex vi, n.º 3, do art.º 269º, ambos da CRP”.
Formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto (doravante TAD), que revogou a decisão disciplinar condenatória recorrida, determinando o regresso dos autos à fase do procedimento disciplinar, de forma a assegurar a prévia audiência do arguido, declarando-se a nulidade da deliberação do CDFPF – Secção Não Profissional, que decidiu a aplicação das multas ao ora Recorrente, sem respeitar o direito de audiência e defesa plasmado no citado n.º 10 do art. 32.º, ex vi , n.º 3, do art. 269º, ambos da CRP.
2. Com tal decisão o TAD não se debruçou efetivamente sobre o peticionado pelo aqui Recorrente, não existindo correspondência entre o peticionado e o que efetivamente foi decidido, existindo falta de pronúncia sobre factos fulcrais.
3. A caducidade invocada pelo Recorrente de um ato é uma exceção peremptória, que torna extemporâneos e nulos todos os atos levados a cabo posteriormente, sendo que tal vicissitude não foi apreciada expressamente pelo Tribunal a quo , não se podendo concordar com a posição assumida e vertida no Acórdão recorrido.
4. A procedência desta exceção de caducidade levaria a uma condenação imediata da Recorrida, contudo, o TAD limitou-se a emanar uma decisão, que em nada tem que ver com o peticionado pelo Recorrente.
5. O mesmo levou a cabo uma apreciação contrária dos presentes autos e partiu de um pressuposto errado, pois o que estava em causa era a caducidade dos processos sumários recorridos e consequente responsabilidade da Recorrida e dos seus Funcionários.
6. O Conselho de Disciplina da Recorrida não tramitou o processo como era suposto, saído alegadamente vencido no Acórdão, embora tenha sido a posição deste que prevaleceu.
7. No dia 14/04/2019, realizou-se jogo que deu origem aos processos sumários cuja caducidade se operou, tendo o Presidente do Conselho de Disciplina da Recorrida aplicado sanções de acordo com o Comunicado Oficial nº ….. do Conselho de Disciplina Secção Não Profissional, de 19/07/2019.
8. Os processos instruídos pelo Conselho de Disciplina (nºs ….. e …..) resultaram na aplicação de sanção de multa, no valor de € 255,00 (duzentos e cinquenta e cinco euros) e de € 2.040,00 (dois mil e quarenta euros), respectivamente.
9. O Recorrente apresentou o recurso contra a decisão proferida, tendo o mesmo sido entregue via e-mail, através de Mandatário, no dia 24/07/2019, cumprindo o previsto no nº 1 do artigo 257.º do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, tendo pago igualmente os valores das sanções.
10. Após a entrega do recurso, o Recorrente ficou a aguardar que os trâmites processuais fossem seguidos, para uma justa defesa do mesmo, pelo que não se pode concordar com o Acórdão recorrido quando refere que: “ Todavia, o recurso em apreço não foi entregue nem apreciado pelo CDFPF. ”, pois tal não se coaduna com a prova documental apresentada, ignorando-se o valor probatório da mesma.
11. O recurso foi entregue e todos os procedimentos processuais foram cumpridos pelo Recorrente, em contrapartida a apreciação e pronúncia por parte do Conselho de Disciplina da ora Recorrida é que nunca não aconteceu.
12. Não se aceita a versão pugnada pela Recorrida de um eventual “erro informático”, pois apenas alegou tal facto, nunca logrando provar que erro informático tinha ocorrido nem como o mesmo se concretizou.
13. O que não existiu, tão somente, foi a apreciação, em tempo, do recurso apresentado.
14. Ao pedido de esclarecimento efectuado pelo Recorrente, quanto ao facto de, após mais de três meses, não existir ainda pronúncia sobre a sua defesa, foi flagrante o espanto do Sr. Presidente do Conselho de Disciplina que refere que: “ (...) um recurso para o Pleno da Secção Não Profissional deste órgão disciplinar, é decidido no prazo de quinze dias, o agora relatado, em face da extensão do tempo que surge referido e da não resolução do recurso em causa, não deixou de gerar perplexidade pelo ineditismo da situação...”.
15. Informou ainda que solicitou: “ (...) à Direcção de Tecnologia da FPF, com carácter de urgência, um historial sobre os correios recebidos (...) de forma a apurar, com o máximo de segurança, se foi ou não realmente recebido esse recurso e, se for o caso, onde se localizou o eventual erro. ”.
16. Em 09/12/2019, novo Despacho do Presidente do Conselho de Disciplina da Recorrida que confirma a receção do recurso: “ 2. Da Direcção de Tecnologia da Federação Portuguesa de Futebol recebi a informação de que (...) o correio eletrónico em causa deu efetivamente entrada na mailbox conselho.disciplina@fpd.pt . ”.
17. É clara e inequívoca a entrada do recurso, tendo aliás sido dado como facto provado: “ c) O Demandante recorreu de tais processos sumários, via e-mail, no dia 24/07/2019;”.
18. Contradizendo-se o Acórdão recorrido logo de seguida quando afirma “ d) O recurso em apreço não foi entregue nem apreciado pelo CDFPF, apesar de o ficheiro em causa ter dado efetivamente entrada, na mailbox do correio electrónico do conselho.disciplina@fpf.pt., no dia 24/07/2019, por eventual erro técnico; ”.
19. Tais juízos não são de todo compatíveis e, aliás, denota-se que as pretensões da Recorrida foram acolhidas sem mais e foram tidas como verdades absolutas, pois refere-se um “eventual erro informático”.
20. Não concordou o Recorrente com a leveza na desconsideração da responsabilidade da Requerida e tão pouco poderia concordar com uma reforma processual ad hoc .
21. A solicitação, por parte da Recorrida, do reenvio da defesa inicial do Recorrente é claramente contrária à tramitação legal dos Processos Sumários, conforme o regulado nos arts. 246.º a 248.º do Regulamento Disciplinar da FPF, nomeadamente, o prazo para que seja proferida uma decisão do Conselho de Disciplina é de 45 dias, por remissão nº 8 do art. 247.º do RD da FPF para o nº 8 do art. 23.º do Regimento do Conselho de Disciplina.
22. Aplica-se subsidiariamente o Código do Procedimento Administrativo, nos termos do artigo 128.º o qual regula que os procedimentos de iniciativa particular, devem ser decididos no prazo de 90 dias, prazo este que na situação em concreto também já tinha sido sobejamente ultrapassado, o que resulta no incumprimento do dever de decisão, conforme o estabelecido no art. 129.º também deste diploma.
23. De acordo com a alínea b) do nº 7 do art. 247.º do Regulamento de Disciplina da FPF, o processo sumário em causa caducou, inviabilizando o reenvio do recurso ab initio apresentado pela Recorrente.
24. O Tribunal a quo entendeu e decidiu unilateralmente extrapolar o peticionado, desvirtuando a causa pois que a questão da caducidade da decisão do processo sumário, peticionada pelo Recorrente, ao contrário do que o Acórdão refere, absorve todos os outros elementos.
25. Com a decisão proferida tentou o Tribunal a quo “ficar bem com Deus e com o Diabo”, pois por um lado deu procedência ao recurso do Recorrente, mas por outro a decisão foi nos interesses do já peticionado pela Recorrida.
26. O recurso não foi decidido em tempo útil pela Recorrida e o Recorrente viu-se obrigado a pagar uma quantia avultada por sanções decorrentes do mesmo, o que, naturalmente acarreta outras consequências.
27. A decisão de recurso para o TAD por parte do Recorrente não teve o objetivo obter a mesma decisão que já tinha sido pugnada anteriormente por tal órgão da Recorrida.
28. A Recorrida saiu vencida desta demanda, mas apenas de forma teórica, pois em termos reais e concretos conseguiu a sua pretensão, o que não se coaduna com o peticionado e todo o objecto do pedido e causa de pedir.
29. Não existindo a pronúncia, em tempo útil, do recurso interposto da decisão do processo disciplinar, uma vez que, o prazo para que a mesma fosse proferida é de 45 dias, por remissão nº 8 do art. 247.º do RD da FPF para o nº 8 do art. 23.º do Regimento do Conselho de Disciplina, existiu uma preclusão do direito de praticar tal ato.
30. Aplicando-se ainda subsidiariamente o CPA, nos termos do art. 128.º, que regula que os procedimentos de iniciativa particular, devem ser decididos no prazo de 90 dias, prazo este que na situação em concreto também tinha ultrapassado e que resulta no incumprimento do dever de decisão.
31. Tendo existido a caducidade do processo disciplinar, os valores pagos a título de sanção nos Processos Sumários nº ….. e nº ….., constituem um enriquecimento sem causa por parte da Recorrida.
32. Segundo o regulado na alínea b) do nº 7 do art. 247.º do Regulamento de Disciplina da FPF, operou a caducidade dos processos disciplinares levantados contra a Recorrente, não podendo existir qualquer tipo de decisão sobre os mesmos, o que inviabiliza o seu reenvio para apreciação.
33. Caso se pugnasse pelo reenvio, ao fim de mais de um ano, a própria segurança jurídica estaria em causa, pois que o Recorrente cumpriu com todos os seus prazos e, não estando a Recorrida acima da lei, igual dever lhe incumbe sob pena de, não o fazendo, sofrer as legais consequências, como qualquer outra entidade.

O Federação Portuguesa de Futebol apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O presente recurso, interposto pelo Clube Recreativo L….. (doravante designado como “Recorrente ou “L…..”, tem por objeto o Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto proferido em 28 de Janeiro de 2021 que revogou a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol – Secção Não Profissional – de sancionar o Recorrente nos Processos Sumários n.ºs ….. e ….., instruídos pela ora Recorrida no âmbito do Comunicado Oficial n.º ….. do Conselho de Disciplina – Secção Não Profissional datado de 10/07/2019, que resultaram na aplicação, respetivamente, das sanções de multa no valor de € 255,00 (duzentos e cinquenta e cinco euros) e € 2.040,00 (dois mil e quarenta euros).
2. Com efeito, decidiu o douto Colégio Arbitral “pela inconstitucionalidade da norma que estabelece a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar no âmbito do processo sumário, sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível presentemente do art.º 219.º do RDFPF”, dando total procedência ao recurso do Recorrente;
3. Verifica-se a exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir por parte do Recorrente, cuja cominação deverá ser a improcedência do presente recurso, o que expressamente se invoca, porquanto o Recorrente não saiu vencido na decisão recorrida, conforme disposto no artigo 680,º, n.º 1 do CPC e no artigo 141.º, n.º 1 do CPTA, tendo o Tribunal a quo determinado “o regresso dos autos à fase do procedimento disciplinar, de forma a assegurar a prévia audiência do arguido”, exatamente para expurgo do vício do ato declarado nulo, não se verificando a necessidade de fazer prosseguir os presentes autos, por via do presente recurso, por forma a garantir a tutela dos direitos do Recorrente;
4. Com efeito, todos os fundamentos aduzidos em sede de recurso, poderão sê-lo em sede de processo disciplinar que eventualmente venha a ser instaurado na sequência da decisão do Tribunal a quo, mantendo-se intactas todas as garantias de defesa do Recorrente, bem como, toda a fundamentação que o mesmo pretenda trazer à colação;
Sem prescindir,
5. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos por ocasião de jogo de futsal, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, os episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes, por algumas decisões no sentido da sua desresponsabilização, nada ajudam para combater este fenómeno;
6. Assume especial relevância social a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol – seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios dirigentes dos clubes;
7. Os presentes autos têm por objeto o facto de, por ocasião do jogo de futsal entre o Recorrente e o GDC C….., terem ocorrido desacatos na bancada, com tentativas de agressão entre adeptos de ambas as equipas intervenientes, quando faltava um minuto para o final da primeira parte do jogo dos autos, sendo que tais desacatos, levaram a que a equipa de arbitragem interrompesse o jogo durante quatro minutos, estando tal factualidade vertida no Relatório do Árbitro do jogo, que goza de presunção de veracidade nos teros do disposto no artigo 220.º, n.º 3 do RD da FPF;
8. São deveres dos clubes assegurar que os seus adeptos não têm comportamentos incorretos, o que decorre dos regulamentos federativos, é certo, mas também da Lei e da Constituição, sendo que, como tem sido entendimento do Conselho de Disciplina da FPF, do TAD, do TCA e também do STA, na esteira daquilo que se considera ser a melhor jurisprudência, que a responsabilização, no âmbito do direito sancionatório público – de que o direito disciplinar desportivo é exemplo, como exposto supra –, dos clubes por condutas dos seus adeptos dependerá sempre e necessariamente de comportamento próprio, não se podendo, pois, falar de responsabilidade objetiva;
9. Neste conspecto, o Recorrente foi sancionado por infração prevista no artigo 204-A, n.º 1 do RDFPF, que determina que “[o] clube cujo adepto invada o terreno de jogo com o intuito de protesto ou exercício de ameaça à integridade física, ou de tentativa de agressão, de qualquer pessoa autorizada a permanecer no terreno de jogo ou de outro espectador, ou provoque distúrbios, de forma a determinar justificadamente o árbitro a atrasar o início ou reinício de jogo oficial ou a interromper a sua realização por período igual ou inferior a 5 minutos, é sancionado com multa entre 20 e 50 UC, se sanção mais grave não lhe for aplicável por força de outra disposição deste Regulamento.”.
10. Entende o Recorrente, ainda assim, que os processos sumários no âmbito dos quais foi sancionado caducaram e que houve enriquecimento sem causa por parte da Recorrida, por ter recebido o valor indevido, correspondente ao valor das sanções aplicadas.
Sem razão, senão vejamos,
11. No âmbito dos Processos Sumários n.ºs ….. e ….., instruídos pela ora Recorrida no âmbito do Comunicado Oficial n.º ….. do Conselho de Disciplina – Secção Não Profissional datado de 10/07/2019, que resultaram na aplicação, respetivamente, das sanções de multa no valor de € 255,00 (duzentos e cinquenta e cinco euros) e € 2.040,00 (dois mil e quarenta euros), houve uma decisão final, nos termos referidos, sendo que, não se verificou qualquer caducidade, porquanto o Conselho de Disciplina proferiu decisão nos prazos previstos para o efeito no artigo 247.º do RDFPF;
12. Com efeito, o processo sumário, que culminou na aplicação de duas sanções distintas ao Recorrente, foi instaurado, tramitado e decidido dentro dos prazos regulamentares para o efeito, não se verificando, assim, qualquer caducidade, ao contrário do que alega o Recorrente;
13. E a prova dessa factualidade deriva desde logo da alegada apresentação pelo Recorrente de Recurso para o Pleno do Conselho de Disciplina, pelo que, improcede necessariamente a alegação de caducidade dos referidos processos sumários, quando o Recorrente reconhece que teve conhecimento da decisão final no âmbito dos mesmos e até apresentou recurso da mesma;
14. Sucede que, de acordo com o facto dado como não provado pelo Tribunal a quo, “aquando do Despacho proferido pela Demandada e junto aos autos pelo Demandante sob Doc.º n.º 3, esta tivesse acesso ao recurso remetido, via e-mail, pelo Demandante no dia 24/07/2019, relativo aos Processos Sumários n.ºs ….. e …...”;
15. Nesse conspecto, perante a afirmação do Recorrente de que havia apresentado o competente recurso e a não receção do mesmo, o Conselho de Disciplina cuidou que tal erro informático não prejudicasse, em nenhuma medida, o ora Recorrente, tendo concedido a possibilidade de o mesmo enviar o Recurso para a competente apreciação, aliás como se encontra demonstrado na prova documental junta aos autos – cfr. Ponto 4 do Despacho do Exmo. Sr. Presidente do Conselho de Disciplina, datado de 09.12.2019 – Documento n.º 3 junto com o Requerimento Inicial pelo Recorrente;
16. Tendo o Recorrente recusado enviar o referido recurso, apesar do “convite” que o Conselho de Disciplina lhe havia endereçado nesse sentido, sendo que, tal decisão de não enviar o recurso foi tomada pelo Exmo. Senhor Presidente da Direção do recorrente, que confirmou tal factualidade quando prestou depoimento em sede de audiência arbitral.
17. Nesse sentido, e para o que aqui importa, o Conselho de Disciplina nunca foi colocado na posição de decidir qualquer recurso hierárquico, porquanto nunca o recebeu, não se podendo falar, em bom rigor, de incumprimento do dever legal de decisão, não se tendo verificado qualquer violação do disposto nos artigos 247.º do RDFPF, 23.º, n.º 8 do Regimento do Conselho de Disciplina e 128.º do CPA;
18. Neste conspecto, dúvidas não restam de que foi o Recorrente que optou por não enviar o recurso para apreciação e decisão, num momento em que todas as garantias defesa se mantinham intocáveis e que o efeito útil do recurso estava perfeitamente assegurado, porquanto o objeto do mesmo, ao que parece e pelo que afirma o Recorrente, era a revogação das sanções impostas ao Recorrente em processos sumários a que nos referimos supra;
19. Alega também o Recorrente que se verificou enriquecimento sem causa por parte da Recorrida no valor que recebeu do Recorrente por força das sanções aplicadas nos processos sumários supra referidos, sendo que, tal não se demonstrou provado, porquanto não se encontram preenchidos e provados os respetivos pressupostos nos termos previstos no disposto nos artigos 473.º e seguintes do Código Civil, porquanto a aqui Recorrida não se locupletou injustamente com qualquer valor do Recorrente, tal como não se encontram provados quaisquer pressupostos da responsabilidade civil da Recorrida no que a outros valores diz respeito.
20. Com efeito, além da aludida caducidade, dos processos sumários em crise, a pretensão do recorrente versava apenas sobre questões financeiras, desde logo, e para o que ora interessa, o ressarcimento dos valores pagos a título de multas no âmbito dos processos sumários em crise, o que aliás foi corroborado pela testemunha que prestou depoimento em sede arbitral, como Presidente da Direção do Recorrente;
21. Ora, verificando-se a revogação da decisão do Conselho de Disciplina da recorrida e o consequente ressarcimento de tais quantias por parte da ora Recorrida, carece totalmente de fundamento a alegação do enriquecimento sem causa, que deverá também improceder;
22. Com efeito, o Tribunal a quo ao declarar a nulidade da deliberação do Conselho de Disciplina – Secção Não Profissional – da aqui Recorrida, determinou também “o regresso dos autos à fase do procedimento disciplinar, de forma a assegurar a prévia audiência do arguido”, exatamente para expurgo do vício do ato declarado nulo, sendo que, é por demais evidente que a consequência natural da decisão do Tribunal a quo, é necessariamente a devolução dos valores pagos pelo Recorrente, pelo que, também essa pretensão do Recorrente é satisfeita, assim que a decisão do Tribunal a quo transite em julgado;


O Ministério Público, junto deste Tribunal, não se pronunciou.

O processo foi a vistos das Senhoras Juízas Adjuntas.

II – Objeto do recurso:

Em face das conclusões formuladas, cumpre decidir as seguintes questões:
a) falta de “interesse em agir” da Recorrente;
b) caducidade do processo sumário.

III – Fundamentação De Facto:

No acórdão recorrido foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. No âmbito do Comunicado Oficial n.º ….. do Conselho de Disciplina – Secção Não Profissional, datado de 10/07/2019, foram instruídos contra o Demandante os Processos Sumários n.ºs ….. e …..;

2. Os referidos processos sumários instruídos contra o Demandante resultaram na aplicação das sanções de multa no valor, respetivamente, de € 255,00 (duzentos e cinquenta e cinco euros) e € 2.040,00 (dois mil e quarenta euros);

3. O Demandante recorreu de tais processos sumários, via e-mail, no dia 24/07/2019;

4. O Demandante procedeu ao pagamento das quantias de € 255,00 (duzentos e cinquenta e cinco euros) e € 2.040,00 (dois mil e quarenta euros);

5. O recurso em apreço não foi entregue nem apreciado pelo CDFPF, apesar de o ficheiro em causa ter dado efetivamente entrada, na mailbox do correio electrónico do conselho.disciplina@fpf.pt., no dia 24/07/2019, por eventual erro técnico;

6. A Demandada convidou o Demandante a proceder à reforma do recurso, através do reenvio do ficheiro de e-mail remetido em 24/07/2019;

7. O Demandante declinou tal convite sob argumentação de que os processos sumários em causa já haviam caducado e solicitou a devolução das quantias de € 255,00 (duzentos e cinquenta e cinco euros) e € 2.040,00 (dois mil e quarenta euros) por si entregues;

8. A Demandada decidiu que o processo sumário já havia findado, localizando-se a questão em causa em sede de recurso para o pleno; e

9. O Demandante foi assim condenado no âmbito dos Processos Sumários n.ºs ….. e ….., que resultaram na aplicação das sanções de multa no valor, respetivamente, de € 255,00 (duzentos e cinquenta e cinco euros) e € 2.040,00 (dois mil e quarenta euros), sem que esta aplicação tivesse sido precedida da faculdade de exercício do seu direito de audiência e defesa.

Mais se julga provada a seguinte factualidade:

10. A decisão do Conselho de Disciplina – Secção Não Profissional referida em 1. teve por fundamento factos ocorridos em jogo de futsal juniores B/SUB-17 no dia 14 de abril de 2019, sendo os seguintes os seus fundamentos jurídicos:
– no processo n.º …..: “comportamento incorreto do público – violação de deveres relativos à prevenção da violência ex vi art.º 193º, n.º 1, n.º 2, al. a) e e) e n.º 3 do RDFPF”, tendo sido fixada a multa de €255,00;
–no processo …..: “invasão de terreno de jogo ou distúrbios com reflexo no decurso de jogo oficial – Violação de deveres relativos à prevenção da violência ex vi art.º 193º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e e) e n.º 3 do RDLPF” tendo sido fixada a multa de €2 040,00.
(fl. 68 do 1º volume do processo remetido pelo TAD).

11. Em dezembro de 2019 o Recorrente enviou ao Conselho de Disciplina um pedido de informação relativo a estado do recurso apresentado nos termos do art.º 257º, n.º 1 do RDLPFP, invocando o decurso do prazo de decisão (de 45 dias) a que alude o art.º 23º, n.º 8 do Regimento do Conselho de Disciplina, por remissão do art.º 247º, n.º 8 do RDLPFP (fl. 19 do 1º volume do processo remetido pelo TAD).

12. Em resposta ao requerido em 11. foi proferido pelo Presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol despacho de indeferimento (fl. 27 do 1º volume do processo remetido pelo TAD).

13. Nas suas alegações de recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto a Recorrente expressamente pugnou e pediu que fosse decretada a caducidade dos processos sumários n.ºs ….. e ….. e consequente responsabilidade do Demandado e seus Funcionários (fl. 15 do 1.º volume do processo remetido pelo TAD).


No acórdão recorrido foi julgada não provada a seguinte factualidade:

a) Que aquando do Despacho proferido pela Demandada e junto aos autos pelo Demandante sob Doc.º n.º 3, esta tivesse acesso ao recurso remetido, via e-mail, pelo Demandante no dia 24/07/2019, relativo aos Processos Sumários n.ºs ….. e …...



IV – Fundamentação De Direito:

a) Da “falta de interesse em agir”:
Entende a Recorrida que ocorre “exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir por parte do Recorrente, cuja cominação deverá ser a improcedência do presente recurso (…) porquanto o Recorrente não saiu vencido na decisão recorrida, conforme disposto no artigo 680,º, n.º 1 do CPC e no artigo 141.º, n.º 1 do CPTA, tendo o Tribunal a quo determinado “o regresso dos autos à fase do procedimento disciplinar, de forma a assegurar a prévia audiência do arguido”, exatamente para expurgo do vício do ato declarado nulo, não se verificando a necessidade de fazer prosseguir os presentes autos, por via do presente recurso, por forma a garantir a tutela dos direitos do Recorrente”.
Em primeiro lugar, importa assentar que a eventual falta de legitimidade ou de interesse em agir do Recorrente, nesta fase processual, não gera a improcedência do recurso mas a sua inadmissibilidade.
Independentemente da discussão doutrinária em torno da questão de saber se a legitimidade para o recurso é uma modalidade do interesse processual ou antes uma concretização, no âmbito dos recursos, do pressuposto geral da legitimidade (cfr. J. Lebre de Freitas e A. Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 19 e doutrina aí citada), julgamos que o recurso, enquanto “incidente declarativo procedimentalmente autónomo” (nas palavras de Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, volume I, AADFDL, 2020, pág. 207), tem pressupostos processuais próprios e que estes se devem reconduzir à legitimidade recursória (pressuposto subjectivo) e à recorribilidade e tempestividade (pressupostos objetivos) (ibidem).
A questão que o Recorrente suscita deve enquadrar-se justamente no enunciado pressuposto especial subjetivo: a legitimidade recursória.
Nos termos do art.º 141º, n.º 1 do CPTA (aplicável ex vi art.º 61º da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro e com as devidas adaptações), pode interpor recurso de uma decisão quem nela tenha ficado vencido.
Ora, quer se adote uma conceção formal ou material deste pressuposto, o Recorrente tem legitimidade recursiva porque, na verdade, para além de ser prejudicado pela decisão, não obteve, em sede arbitral, aquilo que pretendia. (cfr. a este propósito J. Lebre de Freitas e A. Ribeiro Mendes, op. cit., pág. 19). Tendo pugnado pelo reconhecimento da caducidade dos processos sumários e tendo o Tribunal recorrido declarado a nulidade da deliberação do CDFPF – Secção Não Profissional e determinado o “regresso dos autos à fase do procedimento disciplinar, de forma a assegurar a prévia audiência do arguido”, foi afetado pela decisão já que, segundo entende, caso tivesse sido declarada a caducidade dos processos sumários, como pretendia, estaria vedada a possibilidade de vir a ser punido pelos factos que constituem o seu objeto.
Pelo que tem, o Recorrente, legitimidade recursiva.

b) Da “caducidade” do processo sumário:
O Recorrente, confrontado com a decisão do Conselho de Disciplina Secção Não Profissional que, no âmbito de processo sumário, lhe aplicou duas multas, interpôs recurso (interno) para o pleno da Secção Não Profissional nos termos do art.º 257º, n.º 1 do RDFPF de acordo com o qual as decisões proferidas singularmente por membro da Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da FPF que não sejam de mero expediente, ou as decisões proferidas pelos membros da Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, em reunião restrita, podem ser objeto de recurso para a reunião do pleno nos termos previstos neste Regulamento e no Regimento Interno do Conselho de Disciplina da FPF.
Também nos termos do n.º 4 do art.º 4º do Regimento do Conselho de Disciplina, das decisões proferidas em processo sumário cabe recurso para o pleno da respetiva Secção, nos termos e com os efeitos estabelecidos no respetivo Regulamento Disciplinar.
Tal recurso não foi decidido, tendo sido indeferida a pretensão do Clube Recreativo L….. no sentido de ser reconhecida a caducidade dos processos sumários.
Não se tendo conformado com esse indeferimento, o Clube apresentou o recurso arbitral que, apreciando questão não suscitada pelo Recorrente, de conhecimento oficioso (a preterição de audiência prévia no processo sumário), julgou prejudicado o conhecimento da questão relativa à caducidade do processo sumário.
O Recorrente, que é também, enquanto arguido, o sujeito “prejudicado” pela preterição do seu direito de audiência prévia, pretendia, naturalmente, que se tomasse posição sobre a questão da caducidade porque, segundo se pode depreender do seu discurso argumentativo, tal conduziria à extinção da sua responsabilidade disciplinar.
Mas não tem razão.
As causas de extinção da responsabilidade disciplinar estão previstas no art.º 48º do RDLPF: o cumprimento da sanção, a caducidade da instauração de procedimento disciplinar, a prescrição do procedimento disciplinar ou da sanção, a morte ou extinção do infrator, a revogação da sanção, nos termos da legislação aplicável, a amnistia e o perdão.
É certo, como alega e resulta do n.º 7 do art.º 247º do RDLPF, que “as decisões que tramitam sob a forma de processo sumário devem ser proferidas no prazo de 5 dias úteis, sob pena de caducidade do processo sumário” (…) (sublinhado nosso)
Porém, ao contrário do que parece entender o Recorrente, a caducidade do processo sumário não tem como consequência a extinção da sua responsabilidade disciplinar mas antes o reenvio para a forma de processo comum, como previsto no art.º 248º, n.º 1 do RDLPF nos termos do qual “quando, pelo decurso dos prazos de caducidade referidos no artigo anterior, um processo já não possa tramitar sob a forma sumária, o Conselho de Disciplina determina que o processo prossiga nos termos da tramitação comum do processo disciplinar.”.
O que está em causa é o prazo de decisão de um recurso (“interno”) para o Pleno da Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina de uma decisão do Conselho de Disciplina (Secção Não Profissional) no âmbito de processo sumário.
Ora, o prazo de 5 dias para as decisões a que alude o n.º 7 do art.º 247º do RDLPF não é aplicável aos recursos que da decisão final se venham a interpor.
E somente a “ultrapassagem” desse prazo gera a caducidade do processo disciplinar.
Ao prazo de decisão do recurso interno (45 dias de acordo com o disposto no art.º 223º, n.º 2 do RDFPF e no art.º 23º, n.º 8 do Regimento do Conselho de Disciplina) deve aplicar-se o regime vertido no art.º 223º, n.º 1 do RDLPF nos termos do qual “salvo expressa disposição em contrário, os prazos previstos no presente título têm natureza ordenadora e o seu decurso não extingue o direito ou poder de praticar o ato a que os mesmos se referem, sem prejuízo do seu cumprimento, podendo apenas ser ultrapassados quando ocorram circunstâncias excecionais”.
Da matéria factual que se provou (e que não se impugnou) resulta que:
- O Demandante recorreu (para o Pleno do Conselho de Disciplina da Secção Não Profissional) da decisão desse Conselho que lhe aplicou as sanções de multa em questão, “via e-mail, no dia 24/07/2019”;
- O recurso em apreço não foi entregue nem apreciado pelo CDFPF, apesar de o ficheiro em causa ter dado efetivamente entrada, na mailbox do correio electrónico do conselho.disciplina@fpf.pt., no dia 24/07/2019, por eventual erro técnico;
Da concatenação lógica desta factualidade deve extrair-se que o Clube, efetivamente, apresentou recurso para o Pleno da Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina, o qual não foi entregue nem apreciado, por razões que se desconhecem, no prazo de 45 dias (sendo irrelevante a recusa de reenvio do requerimento recursivo porquanto, aquando do convite que nesse sentido lhe foi endereçado já o prazo em questão tinha decorrido).
Porém, como vimos, do desrespeito desse prazo não se pode extrair a pretendida caducidade do processo disciplinar (que, para além do mais, como também supra se explicitou, não teria o alcance que o Recorrente almejava).
A invocada aplicação do Código do Procedimento Administrativo (art.ºs 128º e segs.) não pode aceitar-se (independentemente do mérito do “argumento” invocado) porque, como resulta do exposto, não há fundamento para aplicação de direito subsidiário (cfr, art.º 11º do RDLPFP).
Não há, em suma, fundamento legal que sustente a caducidade do processo sumário e a extinção da responsabilidade disciplinar em causa.
Constituindo este o único fundamento do recurso, e atenta a sua improcedência, deve manter-se o acórdão recorrido.

As custas serão suportadas pelo Recorrente, nos termos dos art.ºs 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


V – Decisão:

Nestes termos, acordam, em conferência, as juízas da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, manter o acórdão arbitral.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Lisboa, 6 de maio de 2021

Catarina Vasconcelos
Sofia David (em substituição da Juíza que substituiria o 1º Juiz Adjunto (ausente ao serviço) atento o seu impedimento legal)
Catarina Jarmela

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, a Relatora atesta que as Senhoras Juízas Desembargadoras Adjuntas têm voto de conformidade.