Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 431/07.5BELRS |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 04/10/2025 |
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Relator: | JOANA COSTA E NORA |
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Descritores: | EFICÁCIA DO ACTO ANULÁVEL DEFERIMENTO TÁCITO ACTO REVOGATÓRIO |
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Sumário: | I - O acto anulável tem eficácia provisória, a qual se torna definitiva a partir do momento em que o acto se torne inimpugnável. II - A legalidade não constitui um pressuposto da formação do acto tácito de deferimento, sob pena de ser posta em causa a segurança jurídica associada à consagração legal do silêncio positivo como substituto do acto expresso, tendo como efeito uma autorização ou aprovação de um pedido apresentado pelo requerente das mesmas. III - Assim, tal como acontece com os actos expressos, é possível existirem actos tácitos inválidos. IV - Recaindo acto expresso de indeferimento sobre um pedido, após o mesmo ter sido tacitamente deferido, aquele acto é um acto revogatório do acto tácito. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO TMN – TELECOMUNICAÇÕES MÓVEIS NACIONAIS, S.A., intentou acção administrativa especial contra o Município de Loures. Pede a declaração de nulidade ou a anulação do acto proferido por Vereador da Câmara Municipal que indeferiu o pedido de autorização municipal de instalação da estação de telecomunicações sita na Alameda dos Oceanos, no Parque das Nações, e o reconhecimento da existência e validade do deferimento tácito da autorização municipal solicitada. Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a julgar a acção improcedente. Deduzida reclamação para a conferência, pelo mesmo Tribunal foi proferido Acórdão a julgar a reclamação improcedente, confirmando a sentença reclamada. A autora interpôs recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “1 - Na decisão recorrida dá-se por assente que decorreu o referido prazo de deferimento tácito, embora se tenha decidido que o mesmo seria destituído de efeitos, em virtude de violar o art.º 23.º, al. a), do RMEUCML, que decorreria da existência de uma creche a 80 metros de distância do local onde a antena dos autos está instalada. 2 - Sucede que, como se demonstrou cabalmente, o mesmo preceito do RMEU de Loures enferma de ilegalidade, não podendo ser invocado para indeferir pedidos de autorização municipal de antenas de telecomunicações. 3 - Em primeiro lugar, não existe qualquer prova no procedimento Administrativo de que um tal estabelecimento exista e de qual a sua exata localização e distância perante a antena da Recorrente, pelo que a sua putativa existência nunca poderia constituir motivo de indeferimento da autorização solicitada para a antena dos autos. 4 - Apenas ficou provado, como resulta do ponto “D” da enumeração dos factos assentes, o envio de uma carta em que a existência e localização de tal creche era referida, mas não o seu conteúdo, ou seja, que os factos na mesma invocados correspondessem ou não à verdade. 6 - Acresce ainda que, de acordo com o próprio Recorrido, o putativo estabelecimento localiza-se, não no Município de Loures, mas antes no Município de Lisboa, o que vem reforçar a impossibilidade de invocação da sua existência como motivo de indeferimento da mesma autorização. 7 - Nos termos do art.º. 133.º, n.º 2, al. b), do Código do Procedimento Administrativo, os atos estranhos às atribuições das pessoas coletivas em que o seu autor se integre são nulos, o que tem por consequência a nulidade da decisão de indeferimento, que expressamente se invoca. 8 – Por outro lado, a disposição do RMEU de Loures invocada para fundamentar o indeferimento da autorização municipal dos autos é manifestamente ilegal, por violar frontalmente as disposições do Decreto-Lei n.º 11/2003. 9 - Resulta deste diploma uma clara separação de atribuições entre as Câmaras Municipais e a ANACOM, no que respeita às antenas de telecomunicações, como resulta claramente do confronto entre os seus Capítulos I – com a epígrafe Autorização municipal -, e II – com a epígrafe Radiações eletromagnéticas -, compete às Câmaras Municipais, a tutela dos aspetos urbanísticos relacionados com as antenas de telecomunicações (arts.º 4.º a 10.º), e a ANACOM, a tutela e fiscalização dos aspetos relacionados com as radiações eletromagnéticas emitidas pelas mesmas (arts.º 11.º e 12.º). 10 - A disposição regulamentar invocada para indeferir a autorização municipal solicitada para a antena dos autos só pode basear-se em considerações relativas à proteção das crianças e dos doentes, de forma a evitar a sua exposição às radiações emitidas pelas antenas de telecomunicações. 11 - O Decreto-Lei n.º 11/2003, como resulta do seu preâmbulo, adota mecanismos para a fixação dos níveis de referência relativos à exposição da população a campos eletromagnéticos (0 Hz - 300 Hz), para garantir a segurança e a confiança das populações. 12 - A Portaria n.º 1421/2004, de 23/11/2004, “adota as restrições básicas e fixa os níveis de referência relativos à exposição da população a campos eletromagnéticos”, ao abrigo do disposto no art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 11/2003. 13 - A antena de telecomunicações dos autos cumpre todos os requisitos fixados nesta Portaria. 14- O Regulamento para medição dos campos eletromagnéticos resultantes da emissão de estações de radiocomunicações, aprovado pela ANACOM no exercício das suas atribuições legais, por deliberação de 14 de Fevereiro de 2007, permite expressamente a instalação de antenas de telecomunicações em edifícios, sem que se estabeleçam quaisquer distâncias mínimas para o efeito, independentemente do tipo de uso que ao mesmo seja dado, ou das pessoas que os utilizem. 15 - Por outro lado, a Direção Geral de Saúde, pela Circular Informativa n.º 68/DSA, de 27/12/04, veio a dar como assente, na p. 20, 7.1., que “Face aos desenvolvimentos científicos atuais e aos resultados de inúmeros estudos epidemiológicos desenvolvidos até ao momento, não existe perigo para a saúde das populações (incluindo subgrupos com maior vulnerabilidade, como idosos, grávidas e crianças) que habitam nas proximidades das estações base, onde os níveis de exposição atingem somente uma pequena fração dos valores recomendados”. 16 – O que aqui se diz é que, no caso de se vir a apurar, no futuro, que as radiações emitidas, em geral, pelas antenas de telecomunicações, podem ser prejudiciais para a saúde – sendo que, como se viu, face ao conhecimentos científicos atuais tal não sucede -, todas as estações terão de sofrer as necessárias adaptações. 17 - Deste modo, não está em causa a proibição da sua instalação, ainda que na proximidade de creches ou hospitais, mas antes a garantia de que, caso se venha a demonstrar que as radiações respetivas podem ser, em determinadas circunstâncias, nocivas para a saúde, sejam tomadas as devidas providências para que se assegure que as condições de instalação de cada estação salvaguardam a saúde pública. 18 - O RMEU tem por Lei Habilitante o Decreto-Lei n.º 555/1999, na redação introduzida pelo Decreto-Lei 177/2001, o que também constitui motivo da flagrante ilegalidade do seu art.º 20.º, uma vez que é hoje pacífico que a instalação e funcionamento de antenas de telecomunicações está sujeita à disciplina jurídica constante do Decreto-Lei n.º 11/2003, e não aos diplomas acima referidos. 19 - Decidiu-se expressamente neste sentido, no que respeita à inaplicabilidade do Decreto-Lei n.º 555/99 aos pedidos de autorização municipal para a instalação de infraestruturas de telecomunicações, nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Março de 2004, proferido no Proc. n.º 80/04, de 14 de Abril de 2005, proferido no Proc. n.º 214/05, e de 15 de Março de 2005, proferido no Proc. n.º 108/05, disponíveisem www.dgsi.pt. 20 - No que respeita à impossibilidade de invocação do RMEU de Loures, por o mesmo ter por Lei Habilitante o Decreto-Lei n.º 555/99, e não o Decreto-Lei n.º 11/2003, decidiu já expressamente no douto acórdão do TCA do Sul, de 24.06.2010, proferido no Proc. 02474/07, disponível em www.dgsi.pt. 21 - Em consequência de tudo o exposto, o mesmo preceito do RMEU de Loures é claramente ilegal, ilegalidade que expressamente se invoca, não podendo ser invocado para indeferir pedidos de autorização municipal de antenas de telecomunicações. 22 - Em conclusão, a norma regulamentar invocada, ao alargar os fundamentos taxativos de recusa de instalação de antenas de telecomunicações, viola o art. 7.º do Decreto-Lei n.º 11/2003. 23 - A mesma norma, para além de carecer de norma habilitante, contraria o preceito legal acima identificado, pelo que ofende o princípio de precedência de Lei, consagrado no art. 7.º da Constituição. 24 - Tudo isto fica ainda mais claro quando se tem presente que a mesma norma regulamentar não se encontra abrangida pelas atribuições dos municípios, previstas nos arts. 16.º segs. da Lei 159/99, de 14 de Setembro. 25 - Por todas estas razões, a sempre referida norma regulamentar é ilegal, pelo que a sua aplicação deve ser recusada, como se decidiu, em caso semelhante, nas doutas sentenças proferidas pelo T.A.F. de Lisboa, no proc. n.º 1193/05.6BELSB – doc. n.º 7 –, e por este Tribunal, no proc. n.º446/05.8BELRS - doc. n.º 8. 26 – Por fim, o S.T.A., pelo douto acórdão de 28.01.2010, proferido no Proc. 0719/09, veio a julgar ilegal disposição regulamentar idêntica à invocada na fundamentação do acto impugnado. 26 - Lamenta-se que, na decisão recorrida, se tenha citado precisamente o acórdão do T.A.C. do Sul que foi revogado por esta aresto, o que apenas pode ter resultado de lapso, manifestamente infeliz, do seu autor. 27 – Para além desta razão, que retira qualquer sentido à invocação do aresto pra que se remete na fundamentação da decisão recorrida, o mesmo não se pronuncia sobre os fundamentos aqui invocados para demonstrar a ilegalidade da disposição regulamentar dos autos, pelo que o mesmo é absolutamente irrelevante para a decisão a proferir nos autos. 28 - Como resulta do exposto, a autorização municipal solicitada pela Recorrente foi tacitamente deferida pelo Recorrido, deferimento este que, até à presente data, não foi pelo mesmo revogado. 29 - Uma vez deferido o pedido de autorização municipal o particular adquire o direito correspondente à instalação da antena, pelo que o indeferimento posterior constitui violação flagrante deste direito, o que tem por consequência a sua ilegalidade manifesta e consequente anulabilidade, nos termos do art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo. 30 - Acresce que, como se demonstrou, não existe qualquer fundamento para o indeferimento da autorização municipal solicitada para a instalação da antena de telecomunicações dos autos, uma vez que a norma regulamentar invocada é ilegal, pelo que a sua aplicação deve ser recusada 31 - Perante a manifesta ilegalidade do preceito invocado para indeferir o pedido de autorização municipal dos autos deve concluir-se que não existe qualquer fundamento legal que justifique o mesmo indeferimento, pelo que o ato objeto da presente ação enferma de vício de violação de lei, o que tem por consequência a sua anulabilidade, nos termos do art.º 135.º do Código do Procedimento Administrativo. 32 - Na ausência de qualquer motivo legal de indeferimento a autorização municipal requerida devia ter sido concedida, condenando-se o Recorrido a proferir decisão de deferimento da autorização municipal solicitada para a estação de telecomunicações dos autos. 33 - Ao ter decidido diversamente a decisão recorrida violou os arts.º 112.º, n.º 7.º da Constituição, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 11.º, do Decreto-Lei n.º 11/2003, 133.º e 135.º, do CPA, a Portaria n.º 1424/2004 e os arts.º 16.º e segs. do Decreto-Lei n.º 159/99. 34 – Ademais, errou ainda a decisão recorrida ao julgar que o ato de indeferimento expresso não destrui os efeitos do ato de deferimento tácito, quando, na verdade, incorrendo em (outro) vício de violação de lei. 35 – Face ao exposto, só se poderá concluir que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que anule o ato impugnado e condene o Recorrido a reconhecer o deferimento tácito da autorização municipal solicitada para a antena de telecomunicações dos autos.” O recorrido, Município de Loures, respondeu à alegação da recorrente autora, pugnando pela respectiva improcedência, sem apresentar conclusões. O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu pronúncia. Com dispensa de vistos dos juízes-adjuntos (cfr. n.º 4 do artigo 657.º do CPC), cumpre apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, as questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito, não só por não estar demonstrada a existência de creche a menos de 100 metros de distância da antena da recorrente (pressuposto de aplicação da mesma norma), mas também por assentar em norma ilegal (artigo 23.º, alínea a), do RMEUCML). III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Considerando que não foi impugnada, nem há lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria, nos termos do n.º 6 do artigo 663.º, do CPC. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Está em causa a legalidade do acto proferido por Vereador da Câmara Municipal que indeferiu o pedido de autorização municipal de instalação da estação de telecomunicações sita na Alameda dos Oceanos, no Parque das Nações, de 30.03.2007, assente na informação n.º 58, de 19.03.2007, que propõe o indeferimento do pedido por, esgotado o prazo definido no despacho de 09.01.2007 – que concordou com proposta de indeferimento do pedido nos termos das informações de fls. 97/98 (datada de 19.10.2006, que propõe o indeferimento da pretensão em face de uma reclamação escrita de um munícipe a informar que existe, a menos de 100 metros, um estabelecimento de ensino, onde funciona creche, jardim de infância e ATL), 100/101 e 107/108 -, não ter o requerente emitido pronúncia (cfr. factos G. H. e I. do probatório). Está também em causa a validade e eficácia do acto de deferimento tácito do pedido apresentado pela autora. O acórdão recorrido julgou improcedente a reclamação para a conferência apresentada, confirmando a sentença reclamada, no sentido da improcedência dos pedidos de declaração de nulidade ou anulação do acto impugnado, e de condenação do réu a reconhecer a existência e validade do deferimento tácito da autorização municipal solicitada. Tal decisão assentou na consideração de que, apesar de se ter formado o acto de deferimento tácito do pedido de autorização formulado pela autora, a sujeição da estação de telecomunicações em causa à restrição contida no artigo 23.º, alínea a), do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização da Câmara Municipal de Loures (RMEUCML) – por força da alínea b) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 11/2003, de 18 de Janeiro - obsta a que o acto de deferimento tácito produza os seus efeitos jurídicos, em virtude a estação de telecomunicações não respeitar um raio de afastamento mínimo de 100 metros a creche, ainda que o Acórdão recorrido tenha decidido (diferentemente da sentença reclamada) que não se provou a localização da creche, e que, por isso, o indeferimento expresso proferido pelo réu não revogou o acto tácito formado em momento anterior, daqui retirando a improcedência da ilegalidade da revogação do acto de deferimento tácito. Ou seja, entendeu o Tribunal a quo, não só que o acto de deferimento tácito do pedido da autora, embora se tenha formado, não produz efeitos por violar a referida restrição regulamentar, mas também que o acto impugnado não revogou aquele acto de deferimento tácito por não se ter provado a localização da creche a menos de 100 metros da antena da autora. É contra o assim decidido que se insurge a recorrente, alegando que, para além de não estar demonstrada a existência da creche a menos de 100 metros da antena da autora, enquanto pressuposto de facto de aplicação da norma da alínea a) do artigo 23.º do RMEUCML, deve recusar-se a aplicação da mesma ao caso em apreço porque (i) tal norma viola o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 11/2003, ao alargar os fundamentos taxativos de recusa de instalação de antenas de telecomunicações; e porque (ii) o RMEUCML tem como lei habilitante o Decreto-Lei n.º 555/1999, inaplicável aos pedidos de autorização municipal para a instalação de infraestruturas de telecomunicações, os quais se regem pela disciplina jurídica constante do Decreto-Lei n.º 11/2003. Resultando da decisão recorrida que se formou o acto tácito de deferimento do pedido da autora, sem que o assim decidido tenha sido objecto de recurso, importa analisar os fundamentos de recurso invocados nesse pressuposto. Vejamos, começando por aferir do acerto dos segmentos que integram a decisão recorrida. A decisão recorrida concluiu que o acto de deferimento tácito do pedido da autora é ineficaz por violar a restrição constante da alínea a) do artigo 23.º do RMEUCML, confundindo, assim, validade e eficácia do acto, que são conceitos diferentes. Efectivamente, “A validade respeita a momentos intrínsecos do acto, depende do cumprimento do respectivo padrão normativo de formação, isto é, se o acto comporta, ou não, ilegalidades (“vícios”), e denota a vitalidade ou aptidão para produzir efeitos. A eficácia respeita a circunstâncias extrínsecas ao acto de que dependa a operatividade ou produção efectiva dos efeitos visados pela decisão. Isso significa, desde logo, que há actos administrativos válidos, mas não operativos. Assim acontece com: a) os actos de eficácia diferida, por estarem sujeitos a termo inicial, por força da lei ou de cláusula acessória aposta ao acto pelo respectivo autor; b) os actos de eficácia condicionada, por o seu procedimento incluir uma fase integrativa da eficácia ou por a produção dos efeitos do acto depender da verificação de uma condição, quer se trate de uma condição legal ou de uma cláusula acessória condicional aposta pelo autor ao acto; c) os actos cuja eficácia se encontre suspensa, seja por efeito legal de impugnação, por decisão judicial cautelar ou por decisão administrativa. Por sua vez, há actos inválidos que são produtores de efeitos. Por um lado, os actos portadores de vícios que os tornem (apenas) anuláveis têm eficácia provisória, que se torna mesmo definitiva, caso se tornem insusceptíveis de impugnação judicial, por decurso do prazo respectivo (“actos inimpugnáveis”); por outro lado, embora só excepcionalmente, podem ser reconhecidos efeitos putativos aos actos nulos, dando relevo jurídico a situações de facto por eles criadas, perante o decurso do tempo, com fundamento em princípios jurídicos fundamentais, como os princípios da boa fé, da protecção da confiança legítima e da proporcionalidade.” – cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Lições de Direito Administrativo”, 4.ª edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, pp. 194 e 195. Não acarretando a violação da alínea a) do artigo 23.º do RMEUCML a nulidade do acto, por a lei não cominar expressamente essa forma de invalidade (cfr. n.º 1 do artigo 133.º do CPA aplicável ao caso, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro), ainda que o acto fosse violador de tal norma, a forma de invalidade seria a da anulabilidade (cfr. artigo 135.º do mesmo CPA), pelo que, sendo o acto anulável, tem o mesmo eficácia provisória, a qual se torna definitiva a partir do momento em que o acto se torne inimpugnável, nos termos referidos. Assim sendo, errou a decisão recorrida ao concluir que o acto tácito em causa se mostra ineficaz por violar a alínea a) do artigo 23.º do RMEUCML. De resto, e apesar de não estar em causa saber se se formou ou não acto tácito, cabe referir que a legalidade não constitui um pressuposto da formação do acto tácito de deferimento, sob pena de ser posta em causa a segurança jurídica associada à consagração legal do silêncio positivo como substituto do acto expresso, tendo como efeito uma autorização ou aprovação de um pedido apresentado pelo requerente das mesmas. Assim, tal como acontece com os actos expressos, é possível existirem actos tácitos inválidos – neste sentido, cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E JOÃO PACHECO DE AMORIM, “Código do Procedimento Administrativo”, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 485 e 486, JOSÉ OSVALDO GOMES, “Manual dos loteamentos urbanos”, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1983, p. 365, e JOÃO TIAGO SILVEIRA, “O Deferimento Tácito – Esboço do Regime Jurídico do Acto Tácito Positivo na Sequência de Pedido do Particular”, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pp. 192-193. Mais concluiu a decisão recorrida que o acto impugnado não revogou o acto de deferimento tácito por não se ter provado a localização da creche a menos de 100 metros da antena da autora. O acto tácito que se formou reporta-se ao pedido de autorização municipal de instalação de uma estação de telecomunicações, apresentado pela autora em 24.03.2006 (facto A. do probatório), e ao mesmo pedido se reporta também o acto impugnado, proferido por Vereador da Câmara Municipal, em 30.03.2007, que indeferiu o pedido. Ora, recaindo acto expresso de indeferimento sobre o pedido, após o mesmo ter sido tacitamente deferido, aquele acto é um acto revogatório do acto tácito, pelo que, ao concluir que o acto impugnado não revogou o deferimento tácito, errou também neste ponto a decisão recorrida. Na verdade, quando a falta de prolação de decisão expressa sobre a pretensão material do interessado no procedimento administrativo no prazo legalmente conferido para o efeito tem como consequência jurídica o deferimento tácito daquela pretensão – sendo o caso, pois, como se referiu, não se mostra posta em causa a ocorrência do deferimento tácito do pedido apresentado pela autora -, constitui tal deferimento tácito uma presunção legal que permite ao interessado invocar perante a Administração a posição jurídica subjectiva que constituía o objecto da sua pretensão, substituindo, para todos os efeitos, o acto expresso que foi omitido. No entanto, a situação jurídica de deferimento tácito pode vir a ser modificada pela autoridade administrativa através da prática de um acto administrativo expresso revogatório ou anulatório da mesma, com os limites previstos nos artigos 140.º, n.º 2, e 141.º do CPA (na redacção aplicável ao caso), na medida em que aquela mantém o seu poder dispositivo sobre o caso, podendo intervir na regulação definitiva do mesmo - neste sentido, cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, 4.ª edição, pp. 465 e 466. Em suma, a decisão recorrida partiu de dois pressupostos errados: o de que o deferimento tácito formado era ineficaz e o de que o acto impugnado não havia revogado o deferimento tácito. Assim, assente que o deferimento tácito do pedido da autora é produtor de efeitos jurídicos e que o acto impugnado procedeu à sua revogação expressa, importa prosseguir com a análise dos fundamentos do recurso, que se reconduzem à apreciação da legalidade do acto que indeferiu o pedido de autorização municipal de instalação da estação de telecomunicações. Começa a recorrente por alegar que o acto impugnado padece de erro nos pressupostos por não estar demonstrada a existência da creche a menos de 100 metros da antena da autora, enquanto pressuposto de facto de aplicação da norma da alínea a) do artigo 23.º do RMEUCML. Dispõe tal norma que “A instalação, construção, ampliação ou alteração de antenas emissoras de radiações electromagnéticas, designadamente antenas referentes à rede de comunicações móveis, ou estruturas que lhes sirvam de suporte físico, carece de autorização ou licença administrativa, devendo, obedecer, sem prejuízo de outras disposições contidas em legislação especial, às seguintes condições: a) Respeitar um raio de afastamento mínimo de 100 m a estabelecimentos escolares, creches e unidades de saúde; (…)”. Ora, nos presentes autos não resultou provada a existência de qualquer estabelecimento escolar, creche e unidade de saúde a menos de 100 m da antena em causa, apenas decorrendo do ponto D. do probatório que foi enviado ao Presidente da Câmara Municipal uma missiva, por parte das administrações dos lotes 4.54.01, 4.54.02, 4.54.03 e 4.54.04, sitos na Alameda dos Oceanos, Parque das Nações, na qual afirmam que “No lote 4.52.01 e dentro deste raio, está instalado o Infantário Colmeia.”, sem que tenha sido confirmada esta existência. Não estando demonstrada a existência de qualquer estabelecimento escolar, creche e unidade de saúde a menos de 100 m da antena em causa, não se pode concluir pela violação da norma da alínea a) do artigo 23.º do RMEUCML, na medida em que falha o pressuposto de facto de aplicação da norma. Mais alega a recorrente que deve ser recusada a aplicação de tal norma ao caso em apreço, não só porque a mesma viola o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 11/2003, ao alargar os fundamentos taxativos de recusa de instalação de antenas de telecomunicações, mas também porque o RMEUCML tem como lei habilitante o Decreto-Lei n.º 555/1999, inaplicável aos pedidos de autorização municipal para a instalação de infraestruturas de telecomunicações, os quais se regem pela disciplina jurídica constante do Decreto-Lei n.º 11/2003. Sucede que, concluindo-se pela invalidade do acto impugnado por não estar verificado o pressuposto de aplicação da norma em que o mesmo assentou, tal solução prejudica a decisão da questão da desaplicação ao caso da norma da alínea a) do artigo 23.º do RMEUCML, pois que, ainda que a norma seja aplicável, a falta de verificação do pressuposto de facto determina a invalidade do acto. Assim, nos termos da primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, aplicável aos recursos ex vi artigo 663.º, n.º 2, julga-se prejudicado o conhecimento da invocada desaplicação da norma da alínea a) do artigo 23.º do RMEUCML ao caso em apreço. Nestes termos, procedendo o recurso, impõe-se a anulação do acto impugnado. * Vencido, é o recorrido responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência, anular o acto proferido por Vereador da Câmara Municipal que indeferiu o pedido de autorização municipal de instalação da estação de telecomunicações sita na Alameda dos Oceanos, no Parque das Nações, mantendo-se em vigor o deferimento tácito do pedido apresentado pela autora. Custas pelo recorrido. Lisboa, 10 de Abril de 2025 Joana Costa e Nora (Relatora) Lina Costa Alda Nunes |