Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 179/19.8BELRA |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 02/06/2025 |
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Relator: | ANA CRISTINA CARVALHO |
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Descritores: | FATURAS FALSAS ÓNUS DA PROVA FUNDADA DÚVIDA |
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Sumário: | I – Para ilidir a presunção de veracidade da contabilidade e efectuar correcções à matéria tributável, impõe-se que a AT cumpra o ónus da prova relativo aos pressupostos da sua actuação; II – Estando em causa facturação relativa a operações inexistentes, a ilisão da referida presunção, pela AT, basta-se com a demonstração de que os indícios por esta recolhidos são fundados e suficientes para se concluir que os documentos contantes da contabilidade não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo e que as operações subjacentes são simuladas, passando a caber ao contribuinte o ónus de abalar tais indícios, comprovando a efectividade das operações, não se bastando tal prova com a remissão para as facturas; III – Tal prova deve passar pela demonstração do circuito financeiro subjacente às operações, bem como dos factos concretos relativos à concretização da prestação de serviços de forma circunstanciada; IV – Não tendo o Recorrente cumprido o seu ónus probatório, não pode invocar o regime da fundada dúvida sobre a existência do facto tributário previsto no artigo 100.º do CPPT, porquanto este regime não se compadece com situações de inércia probatória por parte do contribuinte, quando o ónus da prova se encontre na sua esfera jurídica. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - RELATÓRIO V… - I…, S.A., inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou totalmente improcedente, por não provada, a impugnação judicial por si intentada, contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e juros compensatórios n.º 201883100001145, referente ao ano de 2014, no valor global de €21839,60, dela veio interpor recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: «a) A matéria de facto dada como provada na sentença, acolhe, quase in totum, a que se encontra reproduzida no relatório de inspeção tributária, documentos e as conclusões que do mesmo decorrem, desconsiderando a prova apresentada pela Recorrente de modo algo “radical”, quer de natureza documental, quer, de modo relevante, testemunhal; b) Recorre-se assim, primeiramente, da matéria de facto dada como não provada constante da decisão recorrida, d) A referida matéria de facto em face do depoimento das testemunhas que deve ser reapreciado, nos segmentos transcritos, deveria ser dada como provada a saber: A Impugnante comprou “peles”, no ano de 2014, à sociedade P… – UNIPESSOAL, LDA.; A Impugnante comprou à sociedade P… – UNIPESSOAL, LDA. as “peles” que constam da fatura n.º 1400/000020 emitida em 04/12/2014, em nome da Impugnante, pelas quantidades e preços de: 512225,75 pés de croute preto, pelo preço unitário de €0,80 e global de €40.980,60; 30640,00 pés de croute castanho pelo preço unitário de €0,80 e global de €24.512,00; 19355,50 pés de croute branco, pelo preço unitário de €0,80 e global de €15.484,40; As “peles” referidas no número anterior foram pagas pela Impugnante e pela mesma recebidas e transformadas, no exercício da sua atividade, na fábrica de Lugar C…, Monsanto, Alcanena c) impugnando-se a decisão com fundamento nos depoimentos de testemunhas que se encontram gravados e daí se impondo decisão diversa a proferir por este Venerando Tribunal, no pressuposto da reapreciação destes meios de prova e consequente provimento do pedido de anulação da liquidação. d) Com fundamento nos depoimentos das testemunhas, a decisão recorrida deve ser revogada com o pressuposto na referida reapreciação desses meios de prova, provando-se que se verificaram relações comerciais entre a P… e a Recorrente, no ano de 2014, ao contrário do que se decidiu; e) O depoimento das testemunhas necessariamente conjugado com os documentos juntos à PI, importa decisão diversa para que se faça JUSTIÇA; f) E para os efeitos referidos no ponto anterior, importa, pela reapreciação da prova gravada, que se faça julgamento diferente do que foi realizado, sobre os factos que são dados como provados. g) E a matéria controvertida, refletida na sentença, na matéria de facto dada como não provada, é a de saber se, no ano de 2014, ocorreu, ou não, uma transação comercial entre a P… e a Recorrente; h) Ora dos segmentos dos depoimentos das testemunhas que se transcreveram resulta que ocorreram transações comerciais reais; i) Atente-se que, do segmento dos depoimentos fidedignos, independentes e isentos, gravação da audiência do dia 22-09-2023 10-26-06 - 01:04:25 (A… e O…) j) E do dia 24-10-2023 10-23-57 - 00:32:15 (A…) que no segmento do seu depoimento, supratranscrito, de 00:15:55 a 00:18:02, foi perentório, mediante a exibição em audiência, da fatura em causa (documento 1 junto à PI), que foi aquele o negócio que perdeu a favor da P… por não ter melhor preço; k) Do recurso da matéria de facto, visando a reapreciação da prova gravada, a decisão deveria ter sido de considerar o depoimento das testemunhas que presenciaram factos ocorridos no ano de 2014, atento o seu teor, devendo ficar prejudicados os factos dados como provados, resultantes de meros indícios e de um relatório de inspeção tributaria executado no ano de 2017: l) Por outro lado, em face os factos dados como provados, coincidentes, quase totalmente, com os do RIT executado em 2017, constata-se estarem os mesmos em contradição com o teor dos depoimentos prestados que se revelam mais fidedignos por se reportarem ao testemunho direto de ocorrências do ano de 2014 m) Daí terem sido identificados factos e terem sido recolhidos diversos elementos demonstrativos de que não se verificou simulação da transação comercial, relacionadas com fatura emitida pela sociedade P…, verificando-se erro de julgamento na manutenção da liquidação de IRC; n) Com efeito, os alegados indícios de faturação falsa recolhidos pela Administração Tributária não podem, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, abalar a presunção de verdade de que gozam as declarações da Recorrente nos termos do artigo 75º da LGT; o) Só a demonstração cabal de tal factualidade é suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito - art.75° da LGT). p) Assim, haveria que concluir, ao contrário do que aconteceu na sentença recorrida, que as correções que deram origem às liquidações impugnadas não poderiam manter-se, uma vez que a Administração Tributária não logrou fazer a prova, que lhe era exigida, das suas presunções de existência de faturação falsa. q) Com efeito, considerando que não existiu simulação nas relações comerciais entre a Recorrente e aquelas duas sociedades, a decisão recorrida deveria ser a do acolhimento da tese da anulação das liquidações adicionais r) Por outro lado, foi junto aos autos, Relatório da Inspeção Tributária da sociedade P…, que considerou para efeitos de tributação, a fatura emitida por esta última sociedade à ora recorrente, em causa nos presentes autos; s) Ora, por um lado a AT considerou, na contabilidade da P…, para efeitos de tributação, a fatura que a sociedade em causa, emitiu e por outro lado, desconsiderou a mesma na contabilidade da Recorrente; t) Ora, se a fatura foi dada como titulando uma operação real na contabilidade da P..., não poderia considerá-la como simulada na contabilidade da Recorrente; u) O facto referido na conclusão precedente, não foi considerado na douta sentença recorrida como devia ter acontecido, servindo para infirmar a tese de simulação; v) Sem prejuízo da reapreciação da prova gravada que leva à impugnação referida nos artigos anteriores, importará referir e reiterar que, dos factos dados como provados, resulta entendimento conclusivo, plasmado na sentença, que, no decurso do procedimento inspetivo, foram identificados factos e recolhidos diversos elementos demonstrativos da simulação de transações comerciais, relacionadas com uma fatura emitida pela sociedade P.... w) Por último entende a Recorrente, por tudo o que foi supra, referido, nomeadamente quanto à impugnação da matéria de facto dada como provada à luz da reapreciação da prova gravada, que para além de não ter fundamento legal, a liquidações de IVA com base nas correções meramente aritméticas, acaba por gerar fundada dúvida, tese que devia ser acolhida na sentença recorrida x) Com efeito, dispõe o artigo 100º, nº 1, do CPPT que “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.” y) A norma presente destrói claramente essa presunção legal a favor da AT e estabelece uma verdadeira repartição do ónus da prova - que se coloca apenas em relação a questões de facto - de acordo com os princípios da legalidade e da igualdade, e em termos de que a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a AT. z) Não devendo a AT efetuar a liquidação se não existirem indícios consistentes da existência daqueles, isto é, se o conhecimento desses factos for baseado em meras aparências desacompanhadas da expressão factual de verdadeiros elementos probatórios aa) In casu, a prova produzida pela Recorrente, nomeadamente considerando depoimentos das testemunhas (vide reapreciação da prova gravada), ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, é suscetível de infirmar os factos em que assentou o juízo da AT ou, pelo menos, de sobre ele criar uma fundada dúvida sobre a sua existência. bb) No artigo 100º do CPPT acolhe-se claramente o princípio da verdade material, vinculante para a própria AT que só deverá praticar o acto tributário quando «formar convicção da existência e conteúdo do facto tributável»; cc) Em suma, é a indubitável consagração do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio «in dubio pro fisco» que vigorou anteriormente à Reforma Fiscal. dd) Tudo isto para se concluir que, quer no procedimento administrativo, quer no presente processo judicial, o que há a relevar é o princípio da verdade material do facto tributário que gera o direito à arrecadação do imposto, provado diretamente pela declaração e (ou) a contabilidade do contribuinte ou pela administração fiscal, nos casos tipificados na lei, através dos meios gerais e especiais de prova legalmente admissíveis. ee) Assim, a dúvida fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário, estabelecida no processo judicial (ou administrativo), equivalerá à conclusão pela sua inexistência e consequente anulação (ou abstenção da prática) do acto tributário que o tenha por base. ff) Perante o exposto, devia o Julgador recorrer à regra do artigo 100º do CPPT pois, ainda que se considere que, com base em matéria de prova produzida pela Recorrente, existe fundada dúvida sobre a existência dos pressupostos do acto tributário impugnado relativamente à verba em causa, terá a mesma de beneficiar o contribuinte, anulando-se a liquidação de IRC impugnada. gg) Por tudo o que foi expendido, não se aceita a sentença recorrida que acolhe a tese da AT quanto às correções técnicas efetuadas à matéria coletável de que resultou liquidações em sede de IRC mais juros compensatórios do exercício de 2014, padecem de invalidade, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, insuficiência/incongruência de fundamentação, além da fundada dúvida o que torna ilegais as liquidações impugnadas, devendo ser anuladas; Nestes termos, quer pela reapreciação da prova gravada que inculca diversa decisão da que foi proferida sobre a matéria de facto, ou, quer pelo restante alegado, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência, ser revogada a sentença com a consequente anulação das liquidações impugnadas.» * A Recorrida fazenda pública não apresentou contra-alegações. * O Ministério Público, junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso. * Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Importa assim, decidir se a sentença recorrida: i) efectuou errado julgamento de facto na ponderação a prova testemunhal quanto à existência da transacção comercial entre a Recorrente e a P...; ii) incorreu em erro de julgamento de facto e de direito por errada interpretação quanto aos pressupostos de facto e de direito no que se refere à suficiência dos indícios de facturação falsa recolhidos pela Administração Tributária para abalar a presunção de verdade de que gozam as declarações da Recorrente nos termos do artigo 75.º da LGT, bem como quanto a efectiva existência das transacções em causa; iii) e se por via de tal erro, efectuou também errado julgamento de direito ao julgar que se devem manter as correcções bem como as liquidações impugnadas sem acolher a tese da fundada dúvida sobre a existência do facto tributário.
III - FUNDAMENTAÇÃO III – 1. Fundamentação de facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida: «A) A Impugnante é uma sociedade anónima com a designação V… – I…, S.A., com sede na Rua D…, n.º 96, 2…-3… A…, que tem por objeto social a indústria e comercialização de curtumes, couros e peles para fins industriais e de comércio, importação e exportação de mercadorias exercendo a sua atividade desde 18/01/2011, constando da certidão da Conservatória do Registo Comercial como administradora no ano de 2014 A… e no ano de 2015 S… - cf. projeto de relatório de inspeção tributária, cópia da certidão permanente a fls. 96-98 e 105-106 do PAT apenso aos autos e depoimentos prestados pelas testemunhas O… e A…; B) A Impugnante encontra-se registada com o CAE-046240 comércio por grosso de peles e couro estando enquadrada em sede de IRC no regime geral e em sede de IVA no regime normal com periodicidade mensal – cf. relatório final de inspeção tributária (RIT) a fls. 106 do PAT apenso aos autos; C) No ano de 2014 quem exercia as funções de Administrador da Impugnante era S… irmã de R… (marido de A…) sendo R…quem comprava as “peles” aos fornecedores da Impugnante como sucedeu com A… gerente da sociedade O…, LDA. com sede em Alcanena – cf. RIT a fls. 106 do PAT apenso aos autos e depoimentos prestados pelas testemunhas O… e A…; D) No ano de 2014 a Impugnante exercia a sua atividade de transformação de curtumes, couros e peles numa fábrica localizada em Lugar C…, Monsanto, Alcanena, na qual também exerciam a mesma atividade as sociedades E… -I…, UNIPESSOAL, LDA. e V… – C…, UNIPESSOAL, LDA., sem distinção física do espaço pertencente a cada uma dessas sociedades e dos trabalhadores que participavam nas diversas fases do processo de transformação das peles – cf. RIT a fls. 107 e 116 do PAT apenso aos autos e depoimento prestado pela testemunha O…; E) Na fábrica referida na alínea anterior eram armazenadas as “peles” compradas em paletes, cada uma com cerca de 10.000 pés, por fornecedor e proveniência, como era o caso da Argentina, do Brasil, da Ucrânia ou do Egipto, mas sem separação pelos clientes a quem se destinavam - cf. depoimento prestado pela testemunha O...; F) A sociedade V… – C…, UNIPESSOAL, LDA. é gerida por S… (Administradora da Impugnante) constando do balancete de 2014 da Impugnante, na conta 2123-Clientes-Empresas subsidiárias nacionais, com os seguintes movimentos: « (…) «Imagem em texto no original»
(…)» (cf. RIT e Anexo II ao RIT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 116 e 150-157 do PAT apenso aos autos; G) A sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA. foi uma sociedade unipessoal que iniciou a sua atividade em 18/12/2009 tendo por objeto social o comércio por grosso, importação e exportação de couros e peles, produtos alimentares e outros produtos não especificados e com o capital social de €5.0000,00, detido por G…, único sócio e gerente o qual renunciou à gerência e vendeu a sua quota, em junho de 2013, a J… – cf. DOC. n.º 2 junto com a petição inicial (PI) a fls. 32-33 e 35 do SITAF; H) A sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA. esteve registada até à sua dissolução, em 07/11/2016, no CAE-046240 comércio por grosso de peles e couro e enquadrada em sede de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável e em sede de IVA no regime normal com periodicidade trimestral – cf. DOC. n.º 2 junto com a PI a fls. 33 do SITAF; I) J… obteve rendimentos como trabalhador dependente da sociedade E…-INDÚSTRIA C…, UNIPESSOAL, LDA., no período de junho de 2013 até ao ano de 2016, constando como gerente desta sociedade na base de dados da Autoridade Tributária – cf. DOC. n.º 2 junto com a PI fls. 37-38 do SITAF; J) A sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA. não tinha trabalhadores, loja, armazém ou outro espaço onde desenvolvesse a atividade de comércio por grosso de peles e couro e na morada que consta dos registos da Autoridade Tributária como sendo a sua sede, Rua …, n.º 1…, Monsanto, Alcanena, não existe o número 175 – cf. DOC. n.º 2 a fls. 41-42 do SITAF e depoimento prestado pela testemunha H…; K) Em 04/12/2014 foi emitida pela sociedade P… – UNIPESSOAL, LDA. a fatura n.º 1400/000020 em nome da Impugnante, no montante total de €99.601,71, na qual pode ler-se: « «Imagem em texto no original» » (cf. cópia da fatura que constitui o Anexo IV ao RIT a fls. 172 do PAT apenso aos autos); L) Nos anos de 2013, 2014 e 2015 não consta do Sistema Nacional de Processamento Eletrónico de Declarações Aduaneiras de Importação registo de declarações de importação em nome da sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA. – cf. DOC. n.º 2 junto com a PI a fls. 41 do SITAF; M) No quarto trimestre de 2014 consta do VIES-SISTEMA DE INTERCÂMBIO DE INFORMAÇÕES SOBRE O IVA registo de uma compra, no valor de €350.000,00, efetuada pela sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA. à sociedade espanhola B… SLU, com o número de identificação fiscal espanhol B… e inscrita nos CAE´s comércio e manutenção de veículos e máquinas/ferramentas e comércio por grosso de desperdícios e sucatas que não foi declarada pela sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA. nas respetivas declarações periódicas de IVA – cf. DOC. n.º 2 junto com a PI a fls. 41 do SITAF; N) Em 20/01/2016 e em 19/02/2016 foi determinado, através das ordens de serviço n.º OI2016000045 e n.º OI201600318, a realização de um procedimento de inspeção externo à sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA., de âmbito geral, aos exercícios dos anos de 2013 e de 2014 – cf. DOC. n.º 2, junto com a PI a fls. 30 do SITAF; O) Em 23/05/2016 foi determinada a realização de uma ação de inspeção tributária de âmbito externo à Impugnante através da ordem de serviço n.º OI201600601 que incidiu sobre o ano de 2014 com início no dia 28/04/2017 e término no dia 30/10/2017 – cf. Projeto de RIT a fls. 24 do PAT apenso aos autos; P) Em 14/02/2017 foi elaborado relatório final de inspeção tributária pela Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de Santarém, em nome da sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA., no qual se conclui pela desconsideração das deduções de IVA relativas aos anos de 2013 e de 2014, nos montantes de €157.827,85 e de €1.160.695,39, podendo ler-se que: « «Imagem em texto no original» » (cf. DOC. n.º 2 junto com a PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 25-59 do SITAF); Q) Em 07/11/2017 foi elaborado projeto de relatório de inspeção tributária pela Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de Santarém, em nome da Impugnante, no qual foi proposta a correção à matéria tributável no montante de €80.977,00 referente ao gasto com a fatura n.º 1400/000020, emitida pela sociedade P...- UNIPESSOAL, LDA., em 04/12/2014 - cf. projeto de relatório de inspeção tributária e respetivos anexos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 25-91 do PAT apenso aos autos; R) Em 10/11/2017 foi enviado à Impugnante o ofício n.º 4109 pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém para se pronunciar sobre o projeto de relatório referido na alínea anterior – cf. ofício a fls. 92 do PAT apenso aos autos; S) Em 28/11/2017 foi enviado requerimento pela Impugnante à Direção de Finanças de Santarém em resposta ao projeto de relatório de inspeção tributária – cf. requerimento e comprovativo a fls. 94-95 e 99 do PAT apenso aos autos; T) Em 06/12/2017 foi elaborado relatório final de inspeção tributária pela Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de Santarém, em nome da Impugnante, no qual foi proposta a correção meramente aritmética ao lucro tributável do ano de 2014 no montante de €80.977,00 desconsiderando o gasto registado na contabilidade da Impugnante referente à fatura n.º 1400/000020, no valor de €80.977,00 e no qual pode ler-se: « (…) «Imagem em texto no original»
«Imagem em texto no original»
«Imagem em texto no original»
«Imagem em texto no original»
(…)» (cf. cópia do relatório final de inspeção tributária e respetivos anexos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 100-172 do PAT apenso aos autos); U) Em 11/12/2017 foi proferido despacho pelo Chefe de Divisão da Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de Santarém sobre o relatório final referido na alínea anterior com o seguinte teor: «Visto. Concordo. Procedimentos subsequentes adequados.» - cf. despacho a fls. 100 do PAT apenso aos autos; V) Em 05/01/2018 foi dirigido o ofício n.º 66 à Impugnante pela Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de Santarém dando conhecimento do relatório final de inspeção tributária e do despacho referidos nas alíneas anteriores – cf. cópia do ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 173 do PAT apenso aos autos; W) Em 26/02/2018 foi emitida a liquidação de IRC n.º 2018 8310001145, referente ao ano de 2014, em nome da Impugnante, no valor a pagar de €21.839,60 – cf. demonstração de liquidação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 181 do PAT apenso aos autos; X) Em 28/02/2018 foi emitida a demonstração de acerto de contas n.º 2018 000001696816, em nome da Impugnante, referente a IRC do ano de 2014, no montante a pagar de €21.839,60 – cf. demonstração, cujo teor se dá por integralmente reproduzido a fls. 180 do PAT apenso aos autos; Y) Em 30/07/2018 foi enviada reclamação graciosa pela Impugnante à Direção de Finanças de Santarém contra a liquidação de IRC referida na aliena anterior – cf. requerimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e comprovativo a fls. 175-178 e 184 do PAT apenso aos autos; Z) Em 01/10/2018 foi prestada informação pela Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém propondo o indeferimento da reclamação graciosa e a audição prévia da Impugnante sobre a qual foi proferido despacho, na mesma data, pela Chefe de Divisão de intenção de indeferimento da reclamação graciosa determinado a audição prévia da reclamante – cf. informação e despacho, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 187-204 do PAT apenso aos autos; AA) Em 02/10/2018 foi enviado ao Advogado da Impugnante o ofício n.º 1397 pela Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, através de correio registado, para se pronunciar, querendo, sobre o projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa – cf. cópia do ofício e registo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 205 do PAT apenso aos autos; BB) Em 29/10/2018 foi prestada informação pela Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém propondo o indeferimento da reclamação graciosa – cf. informação cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 207-208 do PAT apenso aos autos; CC) Em 29/10/2018 foi enviado ao Advogado da Impugnante o ofício n.º 1519 pela Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém através de correio registado informando sobre a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e sobre os meios administrativos e judiciais que poderiam ser utilizados contra a referida decisão – cf. ofício a fls. 210 do PAT apenso aos autos.» * A título de factualidade não provada exarou-se na decisão recorrida que: «1- A Impugnante comprou “peles”, no ano de 2014, à sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA.; 2- A Impugnante comprou à sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA. as “peles” que constam da fatura n.º 1400/000020 emitida em 04/12/2014, em nome da Impugnante, pelas quantidades e preços de: - 512225,75 pés de croute preto, pelo preço unitário de €0,80 e global de €40.980,60; - 30640,00 pés de croute castanho pelo preço unitário de €0,80 e global de €24.512,00; - 19355,50 pés de croute branco, pelo preço unitário de €0,80 e global de €15.484,40; 3- As “peles” referidas no número anterior foram pagas pela Impugnante e pela mesma recebidas e transformadas, no exercício da sua atividade, na fábrica de Lugar C…, Monsanto, Alcanena.» * Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se que:«A decisão da matéria de facto provada nas alíneas A) a CC) do ponto 1.1. supra, efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo Tributário (PAT) e do Procedimento de Reclamação Graciosa (PRG) apensos aos autos, a fls. 468-707 do SITAF, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório e que merecem toda a credibilidade da parte do Tribunal, assumindo especial valor probatório, à luz do artigo 76.º, n.os 1 e 2, da LGT e 369.º, 370 e 371.º do Código Civil, o projeto de relatório de inspeção tributária, o relatório final de inspeção tributária e as informações oficiais prestadas pelos Serviços da Impugnada, sendo os demais documentos referidos no probatório livremente apreciados pelo Tribunal, cf. artigos 363.º, n.os 1 e 2, 366.º e 376.º do Código civil. No que concerne aos factos provados nas alíneas A), C), D) e E) do probatório o Tribunal valorou os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Impugnante, a saber, A…, O... e A…, bem como o depoimento prestado pela testemunha arrolada pela Fazenda Pública, H…, as quais prestaram os seus depoimentos de forma clara, objetiva e com firmeza quanto a esses factos relacionados com a atividade de atividade de transformação de curtumes, couros e peles que a Impugnante e as sociedades E…-I…, UNIPESSOAL, LDA e V… – C…, UNIPESSOAL, LDA. exerciam na fábrica localizada em Lugar C…, Monsanto, Alcanena. Com efeito relativamente ao facto provado na alínea A) do probatório a testemunha A…, Contabilista Certificado e Técnico Oficial de Contas da Impugnante há mais de dez anos, que acompanhou a ação de inspeção tributária que foi realizada pela Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de Santarém revelou conhecimento sobre a atividade exercida pela Impugnante indústria e comercialização de curtumes, couros e peles para fins industriais e de comércio, importação e exportação de mercadorias. Todavia, no que se refere especificamente à fatura n.º 1400/000020 emitida em 04/12/2014, em nome da Impugnante, pela sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA. e especificamente quanto à materialidade da operação de aquisição de 512225,75 pés de “croute” preto, pelo preço unitário de €0,80 e global de €40.980,60, de 30640,00 pés de “crout” castanho pelo preço unitário de €0,80 e global de €24.512,00 e de 19355,50 pés de “croute” branco, pelo preço unitário de €0,80 e global de €15.484,40 a testemunha apenas declarou que «a P… emitiu esse documento que foi contabilizado» e que «as mercadorias vêm em camiões» e quanto ao pagamento declarou em termos genéricos que o pagamento foi efetuado «através de vários cheques» sem concretização das datas e outros elementos como o número de cheques, a entidade emitente, se e a quem foram endossados e quais os montantes de cada um dos cheques. Por seu turno no que se refere aos factos provados nas alíneas A), C) e D) do probatório a testemunha O..., trabalhador na fábrica sita no Lugar C…, Monsanto, Alcanena, desde 11 de setembro de 2001, que trabalhou para a sociedade E…-I…, UNIPESSOAL, LDA. e trabalha para uma empresa que exerce a atividade na referida fábrica declarou que conhece R… que disse ser o seu “patrão‖, bem como a esposa deste A…. Esta testemunha revelou conhecer com detalhe o processo produtivo/industrial da fábrica de transformação dos curtumes, couros e peles e no que se refere especificamente aos fornecedores a testemunha declarou que recebem na fábrica “peles” em paletes, com cerca de 10.000 pés cada uma, provenientes de países como a Argentina, o Brasil e o Egipto e que no final do ano de 2014 viu uma palete de “peles” com um autocolante “P…”, altura em que também receberam na fábrica “uma grande encomenda da Ucrânia”, sem referência ao País de onde vinham e ao cliente a que se destinavam. No decurso do seu depoimento a testemunha O... também declarou ao tribunal que as paletes de “peles” recebidas na fábrica eram transformadas pelas várias empresas que trabalhavam nessa fábrica sendo que a testemunha e os demais trabalhadores da fábrica trabalhavam para todas as empresas nas várias fases de transformação das “peles‖, salientando que recebia indicações do Senhor R… para retirar “peles” das paletes para a V… e também para as outras empresas. A testemunha O... Peles declarou ainda ao Tribunal que a fábrica era muito grande e que as paletes de “peles” estavam separadas na fábrica pela proveniência sem identificação do cliente declarando que da mesma palete “posso fazer para vários clientes”. No que se refere ao facto provado na alínea C) do probatório o Tribunal valorou o depoimento prestado pela testemunha A…, gerente da sociedade O…, LDA., que era fornecedora da Impugnante e que declarou com assertividade que há muitos anos que faz negócios com o Eng.º R…, o que já acontecia no ano de 2014, que era este que lhe comprava as “peles” e que a S…era irmã do R… e que tratava com a mesma quando eram efetuados os pagamentos. A testemunha A… declarou ainda que a sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA. era uma “concorrente”, que nunca fez “negócios com essa sociedade, mas estragavam-lhe o negócio porque vendiam mais barato”. Esta testemunha também declarou ao Tribunal que está no negócio das “peles” há muitos anos, desde os anos 90 (1995/96), que conhece as pessoas das outras empresas do setor a operar em Alcanena, mas que não conhece ninguém da sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA.. Mais declarou a testemunha A… que a Impugnante lhe tinha encomendado um contentor de “peles” em 2014, com valor estimado entre setenta a cem mil euros, mas enquanto estava a aguardar as “peles” que lhe tinham sido encomendadas pela Impugnante foi chamado pelo Eng.º R… à fábrica de Monsanto, Alcanena, nesse ano de 2014 e que o mesmo lhe mostrou uma “palete intacta” com o autocolante “P...” que foi aberta nessa altura pelo empregado O…, um senhor estrangeiro “que tomava conta da entrada e saída das peles”, dizendo-lhe que “era mais barato” mas não lhe disse qual era a proveniência daquelas “peles” nem constava dessa palete que a mesma se destinava à “V…”. Por último, quanto ao facto provado na alínea J) do probatório o Tribunal relevou o depoimento prestado pela testemunha arrolada pela Fazenda Pública H…, Inspetora Tributária, que realizou a ação de inspeção tributária efetuada à Impugnante e elaborou nessa sequência os projetos de relatório e o relatório final de inspeção tributária. Com efeito, esta testemunha foi perentória em declarar ao Tribunal que no local indicado como sendo a sede da sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA., a saber, Rua …, nº 1…, Monsanto, Alcanena, não existe o número 1…, como verificou em deslocação efetuada a esse local, não tendo trabalhadores ou imóveis e na página da internet do e-fatura não existiam faturas referentes a compras efetuadas pela sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA.. De notar que o depoimento prestado por esta testemunha se reconduziu no demais à prova documental que consta dos autos, mormente aos relatórios finais de inspeção tributária relativos à Impugnante e à sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA.. Da concatenação da prova testemunhal produzida nos presentes autos com a prova documental que dos mesmos consta resultam como não provados os factos que constam dos números 1, 2 e 3 do ponto anterior. De facto, a Impugnante não logrou demonstrar nos presentes autos que comprou as “peles” que constam da fatura n.º 1400/000020 emitida em 04/12/2014 à sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA., não tendo apresentado nos presentes autos qualquer prova documental referente ao transporte e receção dos produtos que constam dessa fatura. A Impugnante também não logrou demonstrar nos presentes autos que transformou as “peles” que constam da fatura n.º 1400/000020 emitida em 04/12/2014 à sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA., no exercício da sua atividade, na fábrica localizada em Lugar C…, Monsanto, Alcanena. Na verdade, resulta da matéria de facto provada, como já se salientou, que nessa fábrica laboravam sem delimitação física do espaço outras empresas como era o caso das sociedades E…-I…, UNIPESSOAL, LDA. e V… – C…, UNIPESSOAL, LDA., sendo que os trabalhadores dessas empresas intervinham nas diversas fases de transformação das peles independentemente das empresas para quem trabalhavam.» * III – 2. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto
A Recorrente impugna a matéria de facto dada pelo Tribunal recorrido como não provada, imputando-lhe erro de julgamento, alegando que, da prova produzida, quer testemunhal, quer documental os mesmos resultam provados, devendo ser reapreciado o probatório, concluindo-se com decisão diversa da recorrida. Pretende a recorrente que deve dar-se por provado que: «A Impugnante comprou “peles”, no ano de 2014, à sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA.; A Impugnante comprou à sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA. as “peles” que constam da fatura n.º 1400/000020 emitida em 04/12/2014, em nome da Impugnante, pelas quantidades e preços de: 512225,75 pés de croute preto, pelo preço unitário de €0,80 e global de €40.980,60; 30640,00 pés de croute castanho pelo preço unitário de €0,80 e global de €24.512,00; 19355,50 pés de croute branco, pelo preço unitário de €0,80 e global de €15.484,40; As “peles” referidas no número anterior foram pagas pela Impugnante e pela mesma recebidas e transformadas, no exercício da sua atividade, na fábrica de Lugar C…, Monsanto, Alcanena». Como se sabe, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece aos requisitos previstos no artigo 640.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 281.º do CPPT, que impõe ao recorrente o ónus de alegar especificando, nas alegações de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, indicando a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas determinando o não cumprimento do referido ónus, o insucesso do recurso dirigido à decisão sobre a matéria de facto. Também é certo que, relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que considera relevante para a decisão, tendo em conta as causas que fundamentam o pedido formulado pelo autor (causa de pedir) discriminando a que considera provada da não provada, fundamentando a sua decisão, conforme resulta do disposto no artigo 123.º, n.º 2 do CPPT, em consonância com o que dispõem os artigos 607.º, nºs. 3 a 5, do CPC, apreciando livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, excepto quanto aos factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, que só possam ser provados por documentos, ou que estejam plenamente provados, quer por acordo ou confissão as partes. No caso, constatamos que foi cumprido o ónus a que alude o artigo 640.º do CPC. Vejamos, então. Na sentença recorrido julgaram-se não provados os seguintes factos: 3- As “peles” referidas no número anterior foram pagas pela Impugnante e pela mesma recebidas e transformadas, no exercício da sua atividade, na fábrica de Lugar C…, Monsanto, Alcanena. Para sustentar que a prova testemunhal conduz a decisão contrária, no corpo da sua alegação de recurso a Recorrente convoca o depoimento da testemunha A… do qual considera poder extrair-se a prova de que no ano de 2014 se verificaram transacções e que a mercadoria (peles) proveniente da P... entrou nas instalações onde operava a Recorrente. Antes de mais, importa enfatizar que, quando, como sucede no caso dos autos é posta em causa a presunção de veracidade das facturas contabilizadas, não basta provar que existe a factura. É necessário que seja feita a prova das concretas operações subjacentes à factura, de modo inequívoco, abrangendo não só a movimentação dos bens, como também o próprio circuito financeiro. Da transcrição do depoimento da referida testemunha, resulta a evidência de que declarou que não era TOC residente, mas deslocava-se regularmente à empresa, mais referindo que o que sabe é que a P... emitiu esse documento (aludindo à factura em causa nos autos), que o mesmo foi contabilizado e pago. Mais declarou que, contabilisticamente havia muitas relações com a referida sociedade (00:06:47) e documentalmente tudo passou pela testemunha (00:10:13). No mais, a testemunha descreveu o circuito de recepção das mercadorias nas instalações da Recorrente referindo que normalmente vêm em camião (00:08:53). No que se refere ao pagamento, questionada pelo mandatário da Recorrente sobre se percepcionou que houve meios de pagamento lançados na contabilidade, a testemunha respondeu: «eram cheques», «diversos cheques, é comum em diversos cheques» (00:10:34 e 00:10:51 respectivamente). Perscrutando a motivação da decisão sobre a matéria de facto não provada, concluímos que o julgamento efectuado não merece a censura que lhe vem dirigida na medida em que corresponde à apreciação do depoimento levada a cabo por este Tribunal de recurso. Com efeito, como se refere na sentença recorrida, o depoimento foi prestado de modo genérico, colocando o enfoque nos procedimentos habituais, nada decorrendo do depoimento, de específico que resultasse do conhecimento directo da testemunha sobre a transacção subjacente à fatura n.º 1400/000020 datada de 04/12/2014, emitida pela sociedade P... – UNIPESSOAL, LDA em nome da ora Recorrente. A testemunha apenas declarou que a P… emitiu esse documento e que o mesmo foi contabilizado, mostrando, como é natural, dada a sua intervenção enquanto contabilista, que o seu conhecimento directo se restringe à análise e tratamento dos documentos de suporte à contabilidade que lhe eram entregues. Ou seja, sobre a existência do documento em si, bem como à elaboração da contabilidade, nada tendo concretizado sobre a aquisição dos concretos bens mencionados na factura e se correspondem, efetivamente, a operações reais. Quanto à prova do pagamento, o seu depoimento foi genérico, aludindo à existência de «diversos cheques, como é comum», sem especificar em que datas foram emitidos, por que quantias e a quem foram endossados, constituindo um depoimento genérico, pelo que, sem prova documental que permita concretizar tais elementos, o seu depoimento é insuficiente para o fim em vista. De salientar que tendo a referida testemunha acompanhado a acção inspectiva, teria o conhecimento e os meios de comprovar documentalmente os referidos pagamentos. Sem prova do circuito financeiro da operação em causa, face aos indícios recolhidos pela AT, não podia o Tribunal dar como provados os factos em causa, como pretende a recorrente. O julgamento que o Tribunal recorrido efectuou resultou da conjugação do depoimento e da ausência de prova documental, bem como da apreciação crítica da prova externalizada na motivação da decisão, concluindo que a prova sobre os factos relacionados com a materialidade da operação em causa não foi feita, conclusão que também corresponde à apreciação que este Tribunal faz do conjunto da prova apresentada nos autos. Como bem salienta o Tribunal recorrido, também não foi apresentado qualquer prova documental referente ao transporte e recepção dos produtos que constam da factura em causa. Quanto ao depoimento prestado pela testemunha A…, baseia a Recorrente a sua valia para dar como provados os factos constantes da matéria de facto não provada, no facto de ser concorrente da sociedade P… e de ter conhecimento directo do negócio em causa por ter sido confrontado pela Recorrente, na sequência de uma encomenda de um contentor de peles que esta lhe fizera, no sentido de reduzir o preço acordado e que o negócio terá ficado sem efeito, porquanto o preço proposto pela P... era inferior. No entanto, o seu depoimento também não é suficiente para dar como provada a realização da transacção subjacente à factura. Com efeito, antes de lhe ser exibida a factura em causa nos autos declarou que a encomenda que perdeu para a concorrência valia «70, 80 ou 100 000,00 €». Declarou que lhe foi mostrada uma palete de peles intacta, na sede, no entanto, depois refere que foi nas instalações fabris. Mais referiu que uma palete teria entre 10 ou 15 000 pés. Que a referida palete teria identificada a referência a P.... Ora, além do que já deixámos dito quanto à ausência de prova documental que permitisse, pelo menos um início de prova que pudesse ser complementada com o depoimento das testemunhas, o depoimento em causa revela discrepâncias que passamos a identificar: a testemunha declara ter perdido um negócio para a referida sociedade concorrente por apresentar preço mais baixo, no entanto, referiu que o valor da mercadoria que lhe fora encomendada teria um valor entre 70 a 100 000 euros, sendo o valor da factura do concorrente em causa de € 99 601,17. A testemunha afirma que lhe foi mostrada uma palete que terá 10 a 15 000 pés, quantidade que não corresponde ao que consta da factura, pelo que, não se pode afirmar, como pretende a Recorrente, que a testemunha atestou que aquele foi o negócio que perdeu, pois limitou-se a observar a factura e a constatar que haveria uma diferença de «12 ou 13 cêntimos de diferença a mais» e a afirmar que não conseguiria fazer o referido preço, num juízo conclusivo que nada concretiza sobre a efectiva aquisição dos bens identificados na fatura em causa nos autos. Do mesmo modo, também não resulta do depoimento, sequer, que a palete que a testemunha afirma ter visto corresponda ao negócio subjacente à concreta factura e até que tenha sido efectuado tal negócio entre a Recorrente e a P..., porquanto, como se refere na sentença o «empregado O…» mostrou-lhe a palete mas «não lhe disse qual era a proveniência daquelas “peles” nem constava dessa palete que a mesma se destinava à “V…”.» Refira-se ainda, que a testemunha depôs referindo-se à observação das peles utilizando expressões como: «aparentemente», «pela identificação seriam» da sociedade P…. Assim se conclui que, de concreto, sobre a operação subjacente à factura, a testemunha não tinha conhecimento, apenas deduziu do que aparentemente lhe pareceu quando esteve com a testemunha R…. Em face do exposto, a prova testemunhal produzida nos autos mostra-se insuficiente para dar como provados os factos que a Recorrente considera ser de aditar como provados. Concretamente, o ponto 1, além de genérico, estaria contido no n.º 2, no entanto, como se deixou dito, da prova produzida não é possível afirmar que foram efectivamente adquiridas pela Recorrente as peles descritas na factura, nem que o preço indicado foi pago pela Recorrente, pois não foram juntos nenhuns suportes documentais dos invocados pagamentos. Também não resulta da prova produzida que as mesmas tenham sido transformadas pela Recorrente. Tanto mais que, no mesmo local laboravam outras duas sociedades, sem distinção de espaço ou trabalhadores que participavam nas diversas fases do processo de transformação das peles, conforme resulta do ponto D) da matéria de facto provada. Donde se conclui pela improcedência das conclusões apreciadas relativas à impugnação da matéria de facto.
III – 3. Fundamentação de Direito
A Recorrente foi objecto de uma inspecção tributária referente ao exercício de 2014, no seguimento de procedimento inspectivo realizado à sociedade P… – UNIPESSOAL, LDA, na qual foram detectados indícios de emissão de facturação falsa a favor de várias sociedades, entre elas, a ora Recorrente. A acção de inspecção levada a cabo à contabilidade da Recorrente culminou com correcções meramente aritméticas resultantes da desconsideração da dedução do gasto a que se reporta a factura n.º 1400/000020 emitida pela sociedade P... - UNIPESSOAL, LDA., datada de 14/02/2014, com fundamento em que tal factura não teve subjacente operações efectivas, tratando-se de operação simulada. A recorrente não se conforma com a sentença que julgou improcedente a acção de impugnação que deduziu, começando por imputar à sentença erro de julgamento, em virtude de a AT não ter afastado a presunção de veracidade prevista no art.º 75.º da Lei Geral Tributária (LGT). Vejamos. Dispõe o artigo 75.º da LGT: «1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. 2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando: a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo; (…)». Para o que importa para a decisão do recurso, com vista a ilidir a presunção de veracidade da contabilidade impõe-se que a AT cumpra o ónus da prova relativo aos pressupostos da sua actuação. No caso dos autos, impõe-se que a AT ilida a referida presunção, demonstrando que os indícios recolhidos são fundados e suficientes para se concluir que os documentos contantes da contabilidade não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo e que as operações subjacentes são simuladas. No entanto, ao contrário do que sustenta a Recorrente, não se exige a prova da simulação. Para os efeitos do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, a AT não tem de efectuar a prova directa, em sede de acção inspectiva, de que ocorreu a simulação, nos termos constantes do artigo 240.º do Código Civil, bastando-lhe a prova de indícios fundados de que os documentos não correspondem a operações reais, efectivas. Ou seja, os indícios devem ser objectivos, de modo que permitam deles retirar uma probabilidade elevada de que as operações subjacentes à factura não correspondem a operações reais. Este entendimento encontra-se sedimentado na jurisprudência como se pode ver pelos Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso tributário do STA, citando-se por todos o Acórdão proferido no processo n.º 0400/15 datado de 16/03/2016: «II - Para que a AT proceda à correcção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução. » Alega a Recorrente que a AT não efectuou a prova que lhe era exigida e que se a referida factura foi considerada para efeitos de tributação no relatório de inspecção realizada à sociedade P…, titulando uma operação real na contabilidade desta, não poderá considerá-la simulada na contabilidade da recorrente. Começando pela última questão, o que resulta do relatório de inspecção realizada à contabilidade da sociedade P… não corresponde, de todo, ao invocado pela Recorrente. Antes, pelo contrário. A factura aqui em causa foi identificada no referido relatório, integrando a lista de facturas emitidas pela referida sociedade que a AT considerou que não titulam operações reais, conforme resulta dos pontos J) a P) da matéria de facto, não impugnada. Tal conclusão resultou dos indícios recolhidos pela AT, consubstanciados no facto de, àquela data, a referida sociedade não possuir trabalhadores, nem entidades que lhe prestem serviços ou vendas, não deter qualquer local associada à sua atividade e a morada da sede constante do cadastro da AT e do Portal da Justiça ser inexistente. Reproduzindo a conclusão constante do referido relatório «[p]or conseguinte, se não são conhecidas aquisições, nem foi detectada uma estrutura empresarial adequada, também não existirão as respectivas vendas, logo, concluímos pela existência de fortes indícios objetivos e credíveis de que as faturas emitidas pelo sujeito passivo P... – Unipessoal, Lda, para diferentes operadores económicos, não titulam operações reais.» Portanto, se a AT concluiu no aludido relatório que a factura em causa não titulava operações reais, cai por terra o argumento da Recorrente, já que, o facto de apenas ter sido corrigido o IVA deduzido na referida factura e não ter sido desconsiderado o ganho no âmbito da contabilidade da sociedade P..., não infirma a conclusão de que estão em causa operações simuladas, nem tal actuação na espera da aludida sociedade tem reflexos na correcção efectuada à matéria tributável resultante da contabilidade da Recorrente, pelo que se conclui que não lhe assiste qualquer razão. No que se refere à imputação de que a AT não efectuou a prova que lhe competia, relativos à simulação das transacções, e recordando que à AT apenas se exige que prove a existência de indícios fundados de que os documentos não correspondem a operações reais, foram recolhidos os seguintes indícios, no âmbito da acção inspectiva desencadeada à contabilidade da sociedade P... – Unipessoal, Lda e à própria Recorrente: i) O gerente, J…, não prestou declarações no âmbito da acção inspectiva, contudo informou que desconhecia onde se encontrava a contabilidade e que passou procuração a terceiros para efectuarem actos de gestão sem que tivesse junto cópia da mesma; ii) da consulta ao VIES - Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária, resultou a informação de que, no quarto trimestre de 2014, a sociedade P... – Unipessoal, Lda., efectuou uma compra, no valor de € 350.000,00, à sociedade espanhola B… SLU, com o número de identificação fiscal espanhol B37524980 e inscrita nos CAE´s comércio e manutenção de veículos e máquinas/ferramentas e comércio por grosso de desperdícios e sucatas que não foi declarada pela sociedade P... – Unipessoal, Lda. nas respectivas declarações periódicas de IVA (cf. factos provados nas alíneas M) e P) do probatório); iii) a sociedade P... – Unipessoal, Lda. não declarou tal compra nas declarações periódicas de IVA e não possui activos fixos tangíveis à excepção de um veículo automóvel da marca Opel, com a matrícula …-…-…A, adquirido em 13/10/2011 (cf. facto provado na alínea P) do probatório); iv) A sociedade P... – Unipessoal, Lda não possui trabalhadores ao seu serviço, nem instalações onde desenvolva a sua actividade, inexistindo a morada indicada como sua sede; v) No que se refere à contabilidade da Recorrente, foram efectuadas diversas diligências pelos Serviços de Inspeção Tributária junto da Administradora S… para que apresentasse elementos da contabilidade referentes ao exercício de 2014, como o balancete, extrato de conta corrente ou diário da contabilidade, no entanto, apenas foram apresentadas «algumas pastas, sendo que existiam pastas de impossível manuseamento por se encontrarem bastantes danificadas (cf. facto provado na alínea T) do probatório); vi) Apesar de notificada para o efeito, também não apresentou guias de transporte relativas à factura n.º 1400/000020, datada de 04/12/2014, não identificou a entidade que efectuou o transporte, nem juntou documentos referentes à troca de correspondência efectuada entre a V… - I…, S.A. e a sociedade P…– UNIPESSOAL, LDA. vii) Também foi notificada para comprovar os meios de pagamento utilizados pela Impugnante para proceder ao pagamento da factura em causa, não o tendo feito durante a acção inspectiva (cf. facto provado na alínea T) do probatório), ou no âmbito dos presentes autos; viii) Declarou o gerente que desconhecia quaisquer elementos relativos ao fornecedor da sociedade P..., desconhecendo a morada da sociedade, sabendo apenas que tinha escritório em Lisboa e que o contacto era feito através do Sr R…, mais informando que o mesmo não se encontra em Portugal (cf. facto provado na alínea T) do probatório); ix) Em declarações prestadas em sede de acção inspectiva a gerente da Recorrente declarou que, devido a um assalto e furto de servidores e computadores onde se encontrava o programa de contabilidade, realizado às instalações sitas no Lugar C…, Monsanto, Alcanena, estava a diligenciar junto dos fornecedores, clientes, bancos, terceiros e contabilista certificado no sentido de reunir os elementos necessários para reorganizar a contabilidade do exercício de 2014, contudo não foi apresentada a contabilidade (cf. facto T) do probatório). Em face do que se deixou elencado supra, impõe-se concluir, tal como concluiu o Tribunal recorrido, que a AT reuniu indícios suficientes para colocar em causa a presunção de veracidade de que beneficiava a factura, porquanto, para além da factura, não existe qualquer suporte documental, seja da encomenda, do transporte, seja do pagamento dos bens referidos na factura que a Recorrente poderia ter obtido junto da instituição bancária. Também é de salientar que a AT cumprindo o princípio do inquisitório a que se encontra vinculada como corolário do princípio da legalidade, solicitou, por diversas vezes a apresentação dos documentos contabilísticos, designadamente, notas de encomenda, troca de correspondência electrónica, cópia de cheques ou de meios e pagamento sem que a Recorrente tenha correspondido. Todo o circunstancialismo descrito que integra a fundamentação do acto, permite, com segurança, concluir que a emitente da factura não tinha actividade no ano em causa e a inexistência suporte documental, constituindo indícios fundados de que a Recorrente não adquiriu os bens em causa e que está em causa uma operação simulada, mostrando-se bem fundamentada tal conclusão a que chegou a AT, tal como concluiu o Tribunal recorrido. Assim sendo, não se verifica o invocado erro de julgamento porquanto o Tribunal recorrido efectuou uma correcta apreciação dos indícios recolhidos e invocados pela AT tendo ademais, efectuado uma correcta valoração da prova, impondo-se concluir pela improcedência das conclusões apreciadas. Desse modo, ilidida a presunção de veracidade da declaração da Recorrente consagrada no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, competia-lhe o ónus da prova de que apesar dos indícios invocados, as operações existiram. Competia-lhe provar que as operações subjacentes à factura constituíram operações reais, infirmando os indícios recolhidos no âmbito da acção de inspecção, prova que como supra se viu não foi feita. Nas conclusões w) e seguintes alega a Recorrente, para sustentar a invocação de que a sentença incorreu em erro de julgamento, invoca qu,e face à impugnação da matéria de facto e da reapreciação da prova, foi gerada fundada dúvida, tese que a sentença não acolheu e que deveria prevalecer o princípio da verdade material, conforme decorre da prova produzida. No entanto, também quanto a tal alegação não lhe assiste razão. Dispõe o artigo 100.º, n.º 1 do CPPT, que tem por epígrafe «Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indiretos» que «[s]empre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado». Como facilmente se depreende, a alegação da Recorrente sustentava-se no entendimento de que a impugnação da matéria de facto seria julgada procedente. Contudo, como se viu, a pretensão da Recorrente naufragou, pelo que, em face do circunstancialismo supra descrito respeitante aos indícios recolhidos pela AT, e em face da falta de prova da efectividade das operações, ónus que lhe cabia, não tem cabimento, nem há qualquer margem para a existência de fundada dúvida. Com efeito, no caso dos autos cabia à AT a reunir índicos credíveis de que estando em causa facturação que não corresponde a operações existentes, recaindo sobre a Impugnante/Recorrente, face à cessação de presunção da veracidade da factura em causa, o ónus de comprovar a existência dos factos subjacentes à factura, por serem factos constitutivos do direito à dedução do gasto que invoca, conforme resulta do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, por conseguinte, a dúvida relevante nunca poderá considerar-se fundada se assentar na ausência de prova nos autos, como bem se decidiu na sentença recorrida. E, sendo assim, como é, tal como afirma o Tribunal recorrido: «a Impugnante não pode, na ausência de prova que lhe cabia produzir, prova essa essencialmente documental, em especial a referente ao circuito comercial e financeiro subjacente à fatura em causa, lançar mão do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.» Neste sentido, v.g. o Acórdão deste TCAS proferido no processo n.º 04417/10 de 01/02/2011 também aplicável quer esteja em causa a dedução de imposto, quer se trate de dedução de gasto: «I) - É de admitir a possibilidade de operar com a fundada dúvida a que se refere o art.º 100º do CPPT, quando a dúvida se refere à legalidade da actuação da administração e não à existência dos factos tributários que são afirmados pelo contribuinte como tendo acontecido e em que funda a dedução de imposto. II) -É que o 100º do CPPT contém uma norma que se reporta à questão do ónus da prova, destruindo a presunção legal a favor da AF (in dubio pro Fisco), estabelecendo uma verdadeira repartição do ónus da prova (que se coloca apenas em relação a questões de facto), de acordo com os princípios da legalidade e da igualdade, e em termos de que a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a AF, não devendo ela efectuar a liquidação se não existirem indícios suficientes daqueles.» Ora, estando em causa facturação que não corresponde a operações reais, conforme decorre dos indícios recolhidos pela AT, como se deixou dito, fundamentos para os quais se remete, cabia à Recorrente o ónus de abalar tais indícios, comprovando a efectividade das operações, prova que não logrou efectuar, pelo que, não tem cabimento a fundada dúvida invocada, se nem sequer a suscitou através dos meios de prova produzidos, impondo-se julgar improcedentes as conclusões apreciadas. Por fim alega a recorrente que em face da prova produzida, haveria que relevar o princípio da verdade material do facto tributário que gera o direito à arrecadação do imposto, e assim sendo, sempre se impunha anular os actos impugnados. No entanto, e se bem entendemos o alegado pela Recorrente, o facto de a AT apenas ter corrigido na esfera da sociedade P..., o IVA deduzido na factura em causa, não permite só por si provar que as operações subjacentes são reais, não permitindo qualquer reflexo atributivo do direito à Recorrente deduzir o gasto atendendo à prova dos fundados indícios recolhidos pela AT e à ausência de prova da efectividade da transacção pela Recorrente, impondo-se concluir pela improcedência do recurso. *
IV – CONCLUSÕES
I – Para ilidir a presunção de veracidade da contabilidade e efectuar correcções à matéria tributável, impõe-se que a AT cumpra o ónus da prova relativo aos pressupostos da sua actuação; II – Estando em causa facturação relativa a operações inexistentes, a ilisão da referida presunção, pela AT, basta-se com a demonstração de que os indícios por esta recolhidos são fundados e suficientes para se concluir que os documentos contantes da contabilidade não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo e que as operações subjacentes são simuladas, passando a caber ao contribuinte o ónus de abalar tais indícios, comprovando a efectividade das operações, não se bastando tal prova com a remissão para as facturas; III – Tal prova deve passar pela demonstração do circuito financeiro subjacente às operações, bem como dos factos concretos relativos à concretização da prestação de serviços de forma circunstanciada; IV – Não tendo o Recorrente cumprido o seu ónus probatório, não pode invocar o regime da fundada dúvida sobre a existência do facto tributário previsto no artigo 100.º do CPPT, porquanto este regime não se compadece com situações de inércia probatória por parte do contribuinte, quando o ónus da prova se encontre na sua esfera jurídica. * V – DECISÃO
Termos em que, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Após trânsito, informe o processo de inquérito n.º 30/16.0IDSTR que corre termos no Ministério Público - Procuradoria da República da Comarca de Santarém, DIAP – 2ª Secção de Santarém, nos termos e para os efeitos do artigo 47.º do RGIT.
Lisboa, 6 de Fevereiro de 2025.
Ana Cristina Carvalho - Relatora Maria da Luz Cardoso – 1.ª Adjunta Cristina Coelho da Silva – 2.ª Adjunta |