Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00333/04
Secção:CA- 2.º Juízo
Data do Acordão:10/28/2004
Relator:António de Almeida Coelho da Cunha
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
DIREITO À INFORMAÇÃO
PRINCÍPIO DO ARQUIVO ABERTO (OPEN FILE)
ART. 67º Nº 3 DO CPTA
Sumário:I - A nulidade da sentença só ocorre nos casos de falta absoluta de motivação, e não perante eventual motivação deficiente.
II - No nosso sistema jurídico vigora o princípio do arquivo aberto (open file), que garante o acesso a informações constantes de documentos, dossiers, arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento administrativo que diga directamente respeito ao interessado.
III - Tal princípio só cede perante a existência de matérias secretas ou confidenciais.
IV - Em face da previsão normativa do actual nº 3 do art. 67º do C.P.T.A., o requerimento dirigido a órgão incompetente deve ser remetido, oficiosamente, ao órgão competente. No caso de inércia daquele primeiro órgão, o silêncio acerca do requerimento é imputado ao órgão competente.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam no 1º Juízo do T.C.A. Sul.

1. Relatório
Leiria Polis Sociedade Para o Desenvolvimento do Programa Pólis em Leiria, S.A., veio interpor recurso jurisdicional da sentença de 22.07.04 do T.A.F. de Leiria, que declarou procedente o pedido de intimação intentado por “G... – Construções e Investimentos Imobiliários, Lda, intimando o Conselho de Administração da recorrente a fornecer as certidões solicitadas.
Nas conclusões das suas alegações de fls. 120, invoca, em síntese útil, os seguintes vícios:
Nulidade da sentença recorrida;
Ilegitimidade da recorrente;
Violação dos arts. 2º nº 5 e 61º do C.P.A, dos arts. 14º e 18º do D.L. nº 588/99, de 17.12 e dos arts. 4º nº 1, al. b), 10º, 15º, 16º e 17º da L.A.D.A.
Violação dos arts. 104º e 157º do C.P.T.A.; -
- Violação dos arts. 267º nº 2 da C.R.P. e 6ª-A. e 34º do C.P.A.
A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado e pedindo a condenação da recorrente em multa e indemnização não inferiores a, respectivamente, 1000 Euros.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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2. Matéria de Facto.
A sentença recorrida considerou indiciariamente provada a seguinte factualidade:
1. Em 18.05.2004, o requerente dirigiu um requerimento ao Director do Gabinete Local da Leiria Pólis, S.A., para este:
“a) Certificar, mediante cópia autenticada, se foram ou não enviados os elementos em apreço à Câmara Municipal de Leiria; -
b) No caso afirmativo, quando é que o sobredito envio teve lugar; -
c) Certificar o teor dos elementos materiais pretendidos, ou seja, os elementos relativos ao plano de pormenor das Olhalvas, constantes da decisão do Tribunal Central Administrativo” (cfr. doc. 4, junto com a p.i. a fls. 19 e 20 dos autos).
2. Em 28.05.04 foi enviado ao requer um ofício nº 300.04.CT.269/AF, com o seguinte teor:
“(...) No que concerne ao plano de pormenor em elaboração, a Leiria Pólis desde já se coloca à disposição de V. Exas. para prestar todos os esclarecimentos que, nos termos legais, entendam solicitar.
Relativamente às comunicações entre a Câmara Municipal de Leiria e a Leiria Pólis, trata-se de matéria que apenas diz respeito às partes, pelo que, como certamente compreenderão, a Leiria Polis não poderá proceder como solicitado (...)” – cfr. doc - 5, fls. 27 dos autos).
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3. Direito Aplicável
Vejamos, separadamente, cada um dos vícios assacados pela recorrente à sentença recorrida
a) Nulidade da Sentença
A invocação da nulidade radica na circunstância de, segundo a recorrente, não obstante se ter decidido que a pessoa colectiva Leiria Pólis S.A. possui legitimidade para os presentes, se ter acabado por condenar no pedido o respectivo Conselho de Administração, o que acarreta contradição entre os fundamentos e a conclusão. -
Por outro lado, alega a recorrente é omissa quanto aos fundamentos da condenação.
Terá, assim, a decisão recorrida violado o disposto nos arts. 668º 1, als. b) e c) do C.P. Civil.
Tal entendimento é inadmissível.
Os termos em que a condenação foi proferida são correctos, na medida em que é ao Conselho de Administração da recorrente que compete representar a sociedade em juízo e fora dele, propor e acompanhar acções e exercer as demais competências que lhe caibam por lei (cfr. art. 14 nº 1, al. e), f) e i) dos Estatutos da recorrente, anexo ao D.L. 308/00, de 28 de Novembro.
O Mmo. Juiz “a quo” identificou, pois, correctamente, quem dentro da sociedade em causa deve cumprir a condenação proferida.
Quanto ao segundo ponto (nulidade por falta de fundamentação), entendemos que a sentença recorrida está suficientemente fundamentada, incidindo sobre as questões nucleares do litígio: dever da entidade empresarial em causa fornecer as certidões pedidas e inexistência de restrições ao dever de informar, por não estarmos perante matérias secretas ou confidenciais.
Aliás, a nulidade da sentença só ocorreria em caso de falta absoluta de motivação, e não perante eventual motivação deficiente (cfr. entre outros, o Ac. S.T.J. 3.7.73, in B.M.J., 231º-95; Ac. T.C.A. de 1.09.2004, Rec. 00197/04).
Não há, portanto, qualquer nulidade na decisão recorrida.
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b) Ilegitimidade da recorrida.
Algo contraditóriamente, a recorrente alega, ainda, a sua ilegitimidade, citando o art. 14 nº 1 dos seus Estatutos e o art. 104 do C.P.T.A., normas das quais se infere que a intimação deveria ter sido proposta contra o seu conselho de Administração, e não contra a Sociedade propriamente dita.
Trata-se de uma questão já levantada e decidida na decisão “a quo”, e desde logo se nota que a recorrente não consegue contrariar o entendimento perfilhado pelo Mmo. Juiz, nem invoca quaisquer argumentos contra os termos da sentença, que justamente considerou ser a requerida “parte legítima, pois como tal é configurada pelo requerente na sua petição.
Doutro modo, teria o Tribunal de se pronunciar sobre a própria existência ou não da pretensão formulada (...) não sendo matéria propriamente processual”.
Para assim decidir o Mmo. Juiz invocou o disposto no art. 10º nº 1 do C.P.T.A. -
Mas uma vez que a recorrente se limita a reiterar os argumentos expendidos em 1ª instância, na contestação, não alegando qualquer novo vício ou ilegalidade, o Tribunal não pode sequer tomar conhecimento da questão, por via do estatuído no art. 690º nos. 1º, 2º e 3º do Cod. Proc. Civil.
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c) Questão de fundo.
Segundo a recorrente, a decisão recorrida terá violado os arts. 2º nº 5 e 61º do C.P.A., os arts. 14º e 18º do D.L. nº 558/99 de 17 de Dezembro e os arts. 4º, nº 1, al. b), 10º nº 1, 15º, 16º e 17º da LADA.
Consiste, no essencial, a alegação da recorrente, nas seguintes afirmações:
A sentença, ao condenar o C.A. de Leiria Pólis a divulgar o conteúdo da eventual troca de correspondência entre esta última e a CML violou a tutela de privacidade destas entidades;
A requerente não tem em curso qualquer procedimento administrativo junto da Leiria Polis, S.A., pelo que não existe qualquer direito à informação procedimental que aquela possa exercitar;
A recorrida deveria ter observado os trâmites e o procedimento previsto na L.A.D.A.
Trata-se de uma argumentação inadmissível.
Como resulta do requerimento inicial, a certidão requerida refere-se a “fotocópia autenticada do projecto do Plano de Pormenor das Olhalvas – Polis, elaborado em Julho de 2001, Dezembro de 2001, Julho de 2002 e Dezembro de 2002 ou do actual, elaborado pela equipa orientada pelo Sr. Arquitecto F...”.
A requerente “G...” explicou (art. 3º da p.i.), que tinha interesse na obtenção da certidão, na medida em que é proprietária de um terreno incluído na área abrangida pelo mencionado Plano e este havia sofrido algumas alterações nos períodos de tempo supra - mencionados.”
Aliás, a requerente “G...” já havia intentado no T.A.C. de Coimbra processo de intimação para a passagem das ditas certidões contra a C.M. Leiria, o qual foi julgado procedente, vindo a C.M. Leiria, decorridos longos meses, a passar uma certidão onde atesta a inexistência (nos seus serviços) dos elementos objecto do requerimento, justificando tal inexistência com o facto de o processo se encontrar na Leiria Pólis, o que veio a gerar este novo pedido de intimação.
É por demais evidente que a recorrente não está interessada na correspondência havida entre a C.M.L. e a Leiria Polis, mas sim em saber se foram ou não enviados os elementos que a C.M.L. afirmou estarem na posse da recorrente e em deles obter a certidão aludida. –
Parece, assim, desenhar-se uma situação kafkiana a que urge pôr cobro, notando que a actuação processual das requeridas (neste e no outro processo), se aproxima dos limites da má fé.
A decisão recorrida considerou com justeza que a Sociedade Leiria Polis S.A se encontra sujeita aos princípios e regras que regem a actividade administrativa, por força do nº 5 do art. 2º do C.P.A., nomeadamente sobre o dever de informação procedimental previsto nos arts. 37º nº 1 e 268º nos. 1 e 2 da C.R.P e 61º e seguintes do C.P.A., não estando em causa matérias secretas ou confidenciais (cfr. Fernando Condesso, “O Direito À Informação Administrativa”, Lisboa, 1995, p. 334 e ss.; Ac. T.C.A. de 13.11.03, Rec. 12850, in “Antologia de Acórdãos do STA e do TCA”, Ano VII, nº 1, p. 241 e seguintes). –
E é sabido que no nosso sistema jurídico vigora o princípio do arquivo aberto (open file), traduzido no reconhecimento a qualquer pessoa do direito de acesso às informações constantes de documentos, dossiers, arquivos e registos administrativos – mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento administrativo que lhes diga directamente respeito, desde que elas não incidam sobre matérias concernentes à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas (cfr. Ac. T.C. nº 176/92, in D.R. II Série, de 18.09.92).
No caso concreto, há que realçar que não estamos perante quaisquer segredos de empresa (comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas), não se vislumbrando qualquer motivo válido para a recusa de fornecer à interessada as certidões relativas ao Plano de Pormenor identificado nos autos.
Por outro lado, e como refere a ora recorrida G... a fls. 158 das suas alegações, o que está em causa não é o incumprimento da sentença proferida pelo T.A.C., mas antes o incumprimento do dever de informar que incumbe às entidades administrativas. E, acrescente-se, está em causa, agora, tão sómente o cumprimento do dever de informar nos termos da condenação proferida em 1ª instância, na decisão do T.A.F. de Leiria, e tão somente isso.
Não procede, por isso, a pretensa violação dos arts. 4º nº 1, al. b), 10º nº 1, 15º, 16º e 17º da LADA. –
Finalmente, e quanto à terceira razão invocada pela recorrente Leiria Polis, recordemos que a sentença do Mmo. Juiz do T.A.F. de Leiria entendeu que “o facto de o requerimento a pedir as informações ter sido dirigido ao “Director Local” e não ao respectivo Conselho de Administração, orgão estatutariamente competente para prestar as informações, não pode relevar atenta a aplicação do art. 267 nº 2 da C.R.P. e 6º A e 34º do C.P.A.”.
Com inteiro rigor se pronunciou o Mmo. Juiz “a quo”, atento o princípio da boa fé e o actualmente disposto no art. 67º do C.P.T.A., em cujo nº 3 se regulam os termos a seguir no caso de requerimento dirigido a orgão incompetente, sendo de recordar, igualmente, o disposto no art. 34º do C.P.A.
Ou seja: quando um requerimento é apresentado a um órgão incompetente, o mesmo deve ser oficiosamente remetido à pessoa colectiva em causa, numa situação como a configurada nos autos. –
De resto, é de notar que o requerimento em análise, como se vê de fls. 21 dos autos, foi dirigido ao Sr. Director do Gabinete Local de Leiria Pólis, portanto com referência expressa à entidade em questão, ou seja, à recorrente, o que faz toda a diferença.
Deste modo, atenta a previsão normativa do nº 3 do art. 67º do C.P.T.A., sempre a eventual inércia do orgão incompetente teria de ser imputada ao órgão competente, o que leva a concluir não terem sido, também, violados pela sentença recorrida os arts. 267º nº 2 da C.R.P., 6º A e 34º do C.P.A.
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4. Decisão.
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida. –
Sem custas (art. 73º-C, nº 2, al. b) do C.C.J.).
Lisboa, 28.10.04
as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Maria Cristina Gallego dos Santos
Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa