Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:338/21.3BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:01/26/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:DECLARAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL (DIA)
TÍTULO ÚNICO AMBIENTAL (TUA)
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
DEPENDÊNCIA DE AÇÃO PRINCIPAL
Sumário:I – Tendo o tribunal concluído pela inexistência de atos feridos do vício da nulidade, tal determinou que tenha sido declarado extinto o processo cautelar em decorrência da circunstância do Recorrente não ter instaurado a correspondente Ação Principal no prazo legal de 3 meses, nos termos conjugados dos artigos 58.º al. b) e 123.º, n.º 1 al. a) do CPTA.
II - Uma vez que os vícios invocados apenas conduziriam potencialmente à anulabilidade do ato objeto de impugnação, a ação principal sempre teria de ter sido intentada no prazo de três meses após o seu conhecimento (cf. artigo 58º, nº 1, alínea b) do CPTA).
III – Efetivamente, o processo cautelar existe em função do processo em que se discute o fundo da causa, para assegurar a utilidade da sentença a proferir no âmbito desse processo, que, por isso, é qualificado como processo principal.
Quando o fumus boni iuris se alicerça em vícios que apenas podem conduzir à anulabilidade do ato impugnado, a ação principal tem de ser intentada no prazo de três meses após o seu conhecimento (art 58º, nº 1, al b) do CPTA).
A falta de apresentação da ação principal no prazo legal importa a caducidade do direito de ação (de conhecimento oficioso - art 333° do Código Civil), obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e fundamenta a extinção do processo cautelar, por inutilidade superveniente da lide, por falta de utilidade da providência (art 123º, nº 1, al a) do CPTA).
IV - Se o recorrente assevera que os vícios por si arguidos acarretam a nulidade do ato, deve a extemporaneidade do recurso averiguar-se através da formulação de um juízo hipotético, sob forma condicional, em que se determine qual é, na eventualidade de os vícios existirem, a forma de invalidade que lhes corresponde.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
G.....- G....., no âmbito de Providência Cautelar apresentada contra a APA – AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE, MINISTÉRIO DO AMBIENTE E DA AÇÃO CLIMÁTICA, DIRECÇÃO GERAL DE ENERGIA, e DIRECÇÃO GERAL DA AGRICULTURA E DESENVOLVIMENTO RURAL, tendente à:
(i) a suspensão de eficácia da declaração de impacte ambiental (DIA), emitida pela APA, em 29.07.2021, e que integra o título único ambiental (TUA) do projeto denominado “Central Fotovoltaica do C...”;
(ii) a intimação da Direção Geral de Energia e Geologia, para, no decurso da ação principal, se abster de emitir quaisquer licenças relacionadas com o projeto da central fotovoltaica do C... e linha elétrica a 400kV; e,
(iii) a intimação do Ministério da Agricultura e /ou Direção Regional de Agricultura do Alentejo, para, enquanto decorrer a ação principal, se abster de emitir qualquer parecer nos termos do D.L. n.º 73/2009 de 31 de março, alterado e republicado pelo D.L. n.º 199/2015 de 16 de setembro e regulamentado pela Portaria 162/2011 de 18 de abril”, inconformado com a Sentença proferida no TAF de Beja em 21 de outubro de 2022, através da qual foi julgada “extinto o presente processo cautelar”, por falta de apresentação tempestiva da correspondente Ação Principal, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão para esta instância, no qual concluiu:
“A. 0 Tribunal recorrido extinguiu a providência cautelar com base no facto de o direito para propor a ação principal ter caducado.
B. Fundamenta de direito através do artigo 58.º n.º 1 alínea b) do CPTA que impõe o prazo substancial de 3 meses para a impugnação de atos anuláveis.
C. A requerente invocou e descreveu factualmente duas invalidades da declaração de impacto ambiental (DIA) que conduzem à nulidade do procedimento de avaliação de impacto ambiental, que mais adiante detalharemos.
D. É a própria sentença que refere, o obvio, ou seja, que os atos nulos não estão sujeitos a prazo. Isso de acordo com o mesmo artigo 58.º n.º 1.
E. O Tribunal recorrido recusou a produção de qualquer prova.
Não foi produzida prova testemunhal, o Tribunal recorrido recusou a junção aos autos de uma reportagem televisiva que serviria para complementar a prova relativamente a uma das situações que conduzem à nulidade do procedimento de avaliação de impacto ambiental e o Tribunal recorrido não invocou um único dos documentos juntos pela requerente para fundamentar a sua ação.
F. O Tribunal recorrido indefere a produção de prova testemunhal sob a alegação de que " ... os factos que da inquirição das testemunhas arroladas, viessem a resultar provados (ou não provados), seriam irrelevantes e totalmente inócuos para a apreciação do litígio em apreço, e a decisão que no seu âmbito importa proferir, consubstanciando, nessa medida, a prática de atos inúteis, legalmente proibidos (cfr. artigo 730.- do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA) - página 2 da sentença
G. O Tribunal recorrido indefere como elemento de prova a junção de um vídeo respeitante a uma reportagem televisiva que fora feita já após o inicio do presente processo, porque considera que "... nenhum deles (dos fundamentos invocados para a junção da reportagem televisiva) diz diretamente respeito ao litígio aqui em causa. Deste modo, o Tribunal não vislumbra qual a concreta utilidade deste elemento para a instrução dos presentes autos, designadamente para a apreciação das questões que aqui importa dirimir."- página 2 da sentença.
H. Parte desta reportagem diz respeito aos impactos ambientais não estudados porque sobre eles não foi feito qualquer estudo de impacto ambiental. Estamos a referirmo-nos ao arranque de todo o coberto vegetal, como fase prévia à implementação dos painéis.
I. A importância e o carácter impactante desta fase é de tal forma que a lei impõe que, sobre esta parte do projeto, deva ser feita uma avaliação de impacto ambiental. Que neste caso e como veremos mais adiante, não foi feita.
J. Parte da reportagem mostrava, inclusivamente, o modo de preparação do solo para receber um projeto de fotovoltaicas (minuto 15:18 a 16:24).
K. Parte da prova e este elemento em particular tinha que ver, única e exclusivamente, com o fumus boni iuris, com a aparência do bom direito que neste caso está relacionado com a nulidade do procedimento de avaliação de impacto ambiental porque, parte do projeto que deveria ter sido sujeito a avaliação de impacto ambiental, não o foi.
L. A junção deste elemento de prova permitiria ao Tribunal recorrido confirmar e complementar o que foi alegado no nosso requerimento a propósito do modo como decorreu a consulta pública.
M. Permitira ouvir alguns daqueles que falaram na reportagem, destinatários da consulta pública, alguns deles arrolados como testemunhas na providência cautelar. Poderíamos ter ouvido dizerem-se coisas como: Minuto 28:41-28:44
"Era falar com as pessoas e ver se isto tem cabimento aqui, incluindo a própria Câmara Municipal" Minuto 28:49
“Ouçam-os (à população) com atenção que isto é uma imposição" Minuto 28:54
"Porquê que não divulgou para a população?"
E poderíamos ter visto um presidente da Câmara Municipal aflito à procura de um edital que nunca existiu, o mesmo presidente da Câmara que mais adiante na reportagem (29:05) acusa os participantes, a quem se destina a consulta pública, de pretenderem "destruir a reunião".
Minuto 29:13-29:25
"Foi um processo de consulta pública patético. Havia ali (na Junta de Freguesia do C..., algo que iria ser objeto de prova testemunhal), uma folhinha para quem quisesse por o nome para arrendar as suas terras. Havia um duplo sentido, uma hipocrisia terrível"
N. Tudo isto foi reputado de inútil. O Tribunal recorrido não conseguiu vislumbrar " qual a concreta utilidade deste elemento para a instrução dos presentes autos, designadamente para a apreciação das questões que aqui importa dirimir" - página 2 da sentença.
O. Uma das questões a dirimir, uma das principais questões a dirimir neste processo é aferir se a consulta pública decorreu em conformidade com aquilo que são os objetivos da participação pública, ou seja, aferir se a participação nesta consulta pública foi ampla, foi atempada e se foi informada e assim averiguar se houve violação do princípio da participação.
P. Diz o Tribunal recorrido (página 29 da sentença) que "... a mera arguição de nulidade do ato a impugnar, não é, porém, suficiente, para que esta impugnação não esteja dependente de prazo no âmbito da ação principal..."
Q. Concordamos inteiramente com o Tribunal recorrido.
Mas dito isto, teremos de dizer, também, que a arguição é o primeiro passo da demonstração e esta faz-se com prova, prova que o Tribunal recorrido se recusou a analisar, ou no caso da reportagem televisiva, recusou-se sequer a admitir.
R. Diz o Tribunal recorrido (página 32 da sentença) que competia à requerente,"...alegar e demonstrar (...) a alegada ofensa ao direito de participação informada, atempada e esclarecida do público configura de forma ostensiva, uma restrição inaceitável a este direito fundamental, por não lhe restar, depois desta violação, qualquer conteúdo útil.
S. Desconhecemos onde foi o Tribunal recorrido encontrar a adjetivação que usa neste trecho. A "forma ostensiva", a "restrição inaceitável" e "conteúdo útil".
Parece que no entender o Tribunal recorrido, não pode restar um milímetro aproveitável daquilo que é o conteúdo do direito de participação para que se possa chegar à conclusão que foi violado de forma irremediável esse mesmo direito fundamental.
T. Na página 32 diz o Tribunal recorrido,"... se atentarmos nas alegações da Requerente supra descritas, verificamos que esta não logrou minimamente densificar esta violação do conteúdo essencial do direito constitucional à participação efetiva e informada do público."
U. 0 Tribunal recorrido torna-se parte no processo e adota a mesma postura que a APA no que à consulta pública diz respeito.
V. O Tribunal recorrido desconsidera e não quer saber de conhecer se, sim ou não, o anúncio da consulta pública foi enviado à CCDR Alentejo, às Câmaras Municipais de Santiago do Cacém e Sines e à Junta de Freguesia do C....
W. O vídeo da reportagem televisiva que o Tribunal recusou a aceitar, teria ajudado a clarificar este aspeto.
X. O Tribunal recorrido desconsidera e não quer saber que sessões de esclarecimento houve junto da população, os termos em que decorreram ou em que decorreu a única sessão ocorrida, o momento em que essas sessões ou sessão aconteceram.
Y. Entre outra prova que se esperava puder produzir, o vídeo com a reportagem televisiva recusou a aceitar, teria ajudado a clarificar este aspeto.
Z. Afinal, o Tribunal que acusa a requerente de "não densificar" a violação ao direito constitucional de participação é o mesmo Tribunal que se recusa a analisar a prova que ajudaria a operar essa mesma densificação.
AA-Uma das principais queixas da população do C... foi "o completo desconhecimento do processo de avaliação de impacto ambiental, o "terem sido apanhados de surpresa" e o desconhecimento das características do projeto [link para um vídeo de uma reunião pública promovida pela ARA e que foi colocado no articulado do requerimento inicial, mas que o Tribunal recorrido se recusou a analisar e também, e mais uma vez, de acordo com o vídeo da reportagem televisiva a que já fizemos referência e que o Tribunal recorrido se recusou a aceitar com fundamento na sua "irrelevância e desnecessidade para a instrução da presente causa..." ]
BB-A população do C..., presente na sessão de esclarecimento do dia 7 de Maio de 2016, tinha como uma das principais queixas a dificuldade em exercer o seu direito de participação,
CC-E obviamente que perante esta queixa principal, a participação do público foi tudo menos informada, atempada e esclarecida.
DD - O Tribunal recorrido ignorou o facto de ter sido, vergonhosamente, mas conscientemente violado o princípio da igualdade, pois quando se faz uma consulta pública no C... do Alentejo nos mesmos moldes em que se faria em Lisboa, está a ser tratado igual o que é desigual.
EE-Para o Tribunal recorrido é irrelevante e desnecessário saber se o estudo de impacto ambiental esteve disponível nos locais onde a lei impõe que estejam (nº 2 do artigo 31.º do regime jurídico da avaliação de impacto ambiental), assim como considerou irrelevante e desnecessário perceber os termos em que este exposto um Aviso na Junta de freguesia do C..., anúncio esse que terá passado desapercebido a toda a população do C....
FF-Em face de tanta irrelevância e desnecessidade de produção de prova, será fácil concluir pela inexistência de qualquer nulidade e concluir que o requerente não "densificou" suficientemente esta ideia de que foi ferido o núcleo fundamental de um direito fundamental, qual seja, o de os cidadãos, de forma ampla, atempada e informada participarem nas decisões que lhes dizem respeito e que vão impor-se na vida dessas mesmas populações e no território, onde se inclui, o meio ambiente, por décadas.
GG-0 Tribunal recorrido ignorou a interpretação que tem sido feita da Convenção de Aarhus.
HH- Esta Convenção tem vindo a ser "densificada” através, nomeadamente, as "Recomendações de Maastricht" que não nos cansamos de recordar. Porque recordar, ao Tribunal recorrido ou ao Tribunal que vier a decidir o presente recurso, será indicar como deve ser feita uma consulta pública e de como, por comparação, as consultas públicas feitas em Portugal e a do C... não é exceção, são verdadeiras fraudes.
II- A segunda nulidade indicada pela requerente foi o facto de pura e simplesmente, não ter sido feita avaliação de impacto ambiental de uma parte muito substancial do projeto.
JJ-Na realidade, deste projeto faz parte a desflorestação de uma área suficientemente grande para fazer este projeto integrar o Anexo II, alínea d) do RJAIA que dita o seguinte:
Por seu turno, nos termos do Anexo í! alínea d), estão abrangidos pelo procedimento de AIA – Florestação e reflorestação, desde que implique a substituição de espécies preexistentes, em áreas isoladas ou contínuas com espécies de rápido crescimento e desflorestação destinada à conversão para adro tipo de utilização das terras'”
A AIA é obrigatória nas seguintes condições “Florestação/Reflorestação com área útil 350 ha, ou-, 140ha, se, em conjunto com o povoamento preexistente das mesmas espécies estando entre menos de 1 Km de origem a urra área florestada superior a 350ha desflorestação 50 ha"
KK-E existir ou não existir avaliação de impacto ambiental de uma parte do projeto em causa, não se confunde com o facto de o estudo de impacto ambiental e a declaração de impacto ambiental, conterem medidas de minimização para, no caso, a desflorestação.
LL-Para o Tribunal recorrido é contraditório alegar, por um lado que não existiu " (...) A/A para a parte do projeto correspondente à alínea d)do Anexo II do RJAIA"e por outro dizer o obvio e o que corresponde à realidade, ou seja, que a DIA" (...) contém um conjunto de medidas de minimização relacionadas com o processo de desarborização e desmatação..."
MM- Não há qualquer contradição. São realidades diferentes e o facto de não existir AIA para parte do projeto para o qual, obrigatoriamente, deveria existir, e a DIA conter medidas de minimização relacionadas com a AIA em falta, devia fazer-nos temer o pior e só adensa a ilegalidade.
NN- Recorde-se que um dos pedidos da requerente, entre outros, foi o pedido de condenação da Direção Geral de Energia e Geologia a abster-se de emitir quaisquer licenças relacionadas com o projeto da Central Fotovoltaica do C... e linha elétrica a 400 Kv.
OO -E nessa medida, faltando a avaliação de impacto ambiental de uma parte do projeto sobre o qual deveria ter sido feita AIA, não só tal omissão conduz à nulidade do procedimento, como impede a Direção Geral de Energia e Geologia, de emitir a licença de produção a que se referem os artigos 24.9 e seguintes do Decreto lei n.º15/2022 de 14 de Janeiro.
PP-"No quadro da interposição de recursos que denunciem a irregularidade ou a omissão de avaliações ambientais, os órgãos jurisdicionais nacionais devem poder adaptar, nos limites da autonomia processual dos Estados, as medidas adequadas a impedira execução de um projeto na falta de avaliação ambiental exigida"
QQ - Ora, onde há falta de avaliação de impacto ambiental o Tribunal recorrido vê uma eventual deficiência "no reporte ou na análise das condicionantes do projeto da Central Fotovoltaica do C... em matéria de desflorestação ...)"
RR-Onde há total ausência de avaliação de impacto ambiental de uma parte substancial do projeto, o Tribunal recorrido não vê qualquer vício, não obstante o conteúdo do artigo 22.- do RJAIA, sentenciando que "nenhum destes vícios jamais seria subsumível à nulidade sancionada pelo artigo 22.° n.-3 do RJAIA"
SS- Um projeto só poderá ser licenciado ou autorizado após a notificação de uma DIA favorável ou favorável condicionada, no caso de projetos sujeitos a AIA em fase de projeto de execução, ou após a formação de um ato tácito sem que a decisão expressa seja notificada à entidade licenciadora ou competente para autorizar e ao proponente.
TT- Se o projeto for licenciado sem que estas condições tenham sido cumpridas, os atos praticados com desrespeito por estas condições, são nulos.
UU- 0 que se verifica nos presentes autos é a ausência confessada de avaliação de impacto ambiental de uma parte do projeto que deveria ter sido sujeita a essa avaliação. Eis o que diz o estudo de impacto ambiental:
VV-Para além de esta omissão conduzir à nulidade do procedimento de avaliação de impacto ambiental, impede que o projeto seja licenciado, designadamente, pela Direção Geral de Energia e Geologia.
Termos em que, admitido o recurso, deve-lhe ser dado provimento, revogando a sentença recorrida, substituindo-a por outra que permita que o presente procedimento cautelar prossiga, com as legais consequências. Fazendo assim, farão V.Ex.ªs Justiça.

O aqui Recorrido/APA veio a apresentar contra-alegações de Recurso em 5 de dezembro de 2022, tendo concluído:
“A. Vem a Recorrente pôr em causa a douta Sentença proferida pelo tribunal a quo, em 21/10/2022, que declarou extinto o processo cautelar sem julgamento do mérito, ao abrigo do disposto no artigo 123º, nº 1, alínea a) do CPTA.
B. Em causa estava a suspensão de eficácia do ato administrativo “Declaração de Impacte Ambiental (DIA) que integra o Título Único Ambiental (TUA) do projeto denominado Central Fotovoltaica do C...” emitida pela APA, I.P., em 28 de Julho de 2021.
C. Tendo em conta a prova documental, o teor do processo administrativo instrutor e os articulados apresentados pelas partes nos presentes autos, restou evidente que as violações invocadas pela Recorrente apenas seriam eventualmente suscetíveis de originar a anulabilidade do ato, o que ainda assim não se concebe.
D. Nesta seara, dispunha a Recorrente do prazo de 3 meses, previsto no artigo 58º, nº 1, alínea b) do CPTA, para proceder à impugnação da DIA, através de ação administrativa para o efeito (cf. artigo 37º e ss. do CPTA) - o que não fez.
E. Inconformada, a Recorrente alegou que o ato padecia de ilegalidades que permitiriam antever a sua declaração de nulidade no âmbito da ação principal de impugnação.
F. Alegou também erro de julgamento da douta Sentença pela dispensa da produção de prova testemunhal e pelo indeferimento (como meio de prova) da junção de reportagem televisiva denominada “Zona de Sacrifício”, que foi emitida na RTP em 20.01.2022.
G. Em relação à prova testemunhal, a douta Sentença foi irrepreensível ao afirmar que o Juiz deve dispensar a realização de diligências inúteis para a boa decisão da causa, em obediência estrita ao comando do artigo 130º do CPC, onde se prescreve que “Não é lícito ao juiz realizar no processo atos inúteis”, como já havia efetuado na decisão proferida em sede do Incidente de Declaração de Ineficácia de Atos de Execução Indevida.
H. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja valorou a prova documental como prova plena, salientando que a produção da prova testemunhal nos presentes autos era desnecessária para a instrução da presente causa.
I. Tendo em conta que a prova relevante era predominantemente documental, o Tribunal entendeu que a eventual inquirição de testemunhas não teria a virtualidade de alterar o sentido da decisão proferida, em face do que se mostraria inútil e redundante.
J. Entendimento este que encontra respaldo em vasta jurisprudência: ver Acórdão do TCAN de 07/04/2017, Processo nº 02460/16.9BEPRT; Acórdão do TCAN de 19/03/2021, Processo nº 01085/20.9BEBRG; Acórdão TCAN de 15/02/2019, Processo nº 00593/18.6BECBR; e Acórdão TCAS de 10/09/2020, Processo nº 1515/19.2BELSB.
K. Estando em causa apenas matéria exclusivamente de direito, por inexistência de matéria de facto controvertida, bem andou o Tribunal a quo quando decidiu que os documentos juntos aos autos e constantes do processo administrativo permitiam o apuramento de todos os factos relevantes para a decisão.
L. Vem a Recorrente, nos pontos G a Q das suas Conclusões de Recurso, alegar existir erro de julgamento pelo facto de haver sido indeferida (como meio de prova) a junção de reportagem televisiva.
M. Ora, a reportagem em causa refere-se a diversas centrais solares, localizadas em
diferentes áreas e regiões do país, com enquadramentos jurídicos diversos, e em fases diferenciadas dos respetivos processos de licenciamento.
N. A visão transmitida pela reportagem reflete uma abordagem redutora dos interesses em presença, que não é demonstrativa, nem o pode ser, da factualidade objeto dos presentes autos, qual seja: a suspensão de eficácia da Declaração de Impacte Ambiental (DIA) relativa ao projeto “Central Fotovoltaica do C...”.
O. Ademais, a reportagem apresenta uma visão parcial e equivocada da realidade, desde logo da realidade do projeto que está em causa nos presentes autos, incorrendo em diversos erros e imprecisões (descritos no requerimento apresentado pela Contrainteressada em 10 de Fevereiro de 2022).
P. O Tribunal não vislumbrou a concreta utilidade da reportagem televisiva para a instrução dos presentes autos, designadamente para a apreciação das questões que aqui importa dirimir.
Q. Portanto, foi indeferida a junção aos autos da reportagem televisiva com fundamento na sua irrelevância e desnecessidade para a instrução da presente causa, nos termos do disposto no artigo 118º, nº 3, (lido a contrario sensu), e nº 5, ambos do CPTA.
R. Não se vislumbra onde haja erro de julgamento na douta Sentença, sobretudo porque as provas documentais presentes nos autos foram consideradas pelo Tribunal como suficientes para proferir a decisão.
S. Não padecendo a douta Sentença de erro de julgamento por dispensa de produção de mais prova para além daquela já produzida nos articulados, por entender que a prova já produzida é suficiente para uma decisão conscienciosa da providência.
T. Andou bem a douta Sentença ao extinguir a instância, por não ter sido deduzida, dentro do prazo legal, a ação principal de impugnação de ato do qual a tutela cautelar dependia.
U. E o Tribunal o fez de forma bem fundamentada, ao analisar os quatro (supostos) vícios imputados ao ato suspendendo e concluindo que nenhum deles é suscetível de gerar a nulidade do ato administrativo em causa, qual seja, a “Declaração de Impacte Ambiental (DIA)”.
V. A Recorrente invocou dois (supostos) vícios geradores de nulidade do ato suspendendo, a saber: (1) violação do núcleo essencial do direito de participação pública, em suposta infração do artigo 66º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 6º da Convenção de Aarhus (cf. artigo 161º, nº 2, alínea d) do CPA); e (2) falta de avaliação de impacte ambiental (AIA), relativamente ao procedimento de desflorestação, em alegada violação do artigo 22º, nº 3 do Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental (RJAIA), gerando a nulidade do procedimento de avaliação de impacte ambiental.
W. Portanto, a Recorrente alega que a ação principal poderia ser interposta a todo tempo, de modo que a providência cautelar deveria prosseguir os seus ulteriores termos até o fim.
X. Contudo, assim não ocorrerá, se for manifesta a improcedência das causas de nulidades invocadas e, por conseguinte, se afigurar intempestiva a ação principal de impugnação a intentar.
Y. Para tanto, o Tribunal a quo fez um exercício de elaboração de juízo hipotético ou de prognose sobre os vícios imputados ao ato, aferindo se tais vícios gerariam a nulidade ou a anulabilidade da Declaração de Impacte Ambiental (DIA).
Z. Em relação à (suposta) violação do núcleo essencial do direito de participação pública, a Recorrente limita-se a contestar o modo como a consulta pública foi realizada, alegando que a dispensa da inquirição das testemunhas e o indeferimento da junção da reportagem televisiva inviabilizaram a prova da nulidade invocada nos termos do artigo 161º, nº 2, alínea d) do CPA.
AA. Apenas a ofensa do conteúdo essencial do direito, do seu núcleo duro, é que é cominado com nulidade; a mera lesão do direito, sem incidir sobre este núcleo, geraria tão-só a anulabilidade do ato.
BB. Andou bem o Tribunal a quo ao concluir que, ainda que eventualmente se pudesse considerar que o direito à participação houvesse sido violado no caso sub iudice, as violações invocadas pela Requerente apenas seriam aptas a originar a anulação do ato ora suspendendo no âmbito da ação principal, mas não a sua nulidade.
CC. Pelo que devem improceder as conclusões constantes dos pontos R a HH das Conclusões de Recurso.
DD. Ora, se o direito à participação pública tivesse sido inviabilizado, a ponto haver uma restrição inaceitável a este direito fundamental, de forma a não lhe restar nenhum conteúdo útil, tal seria de fácil constatação com a prova documental disponível nos autos.
EE. Isto porque o núcleo essencial do direito é composto por normas e posições jusfundamentais de prestações que lhe conferem identidade, mecanismos que densificam o direito e que, se suprimidos, violam a sua eficácia de modo a descaracterizá-lo.
FF. Em suas alegações, a Recorrente não logrou minimamente densificar esta (suposta) violação do conteúdo essencial do direito constitucional à participação pública.
GG. Quer do relatório da consulta pública (e documentos anexos), quer do teor da DIA, resulta claro que a consulta realizada, ademais de dar cumprimento aos requisitos formais constantes do Regime Jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental (RJAIA), não descurou a vertente material pela qual se deve, intrinsecamente, pautar.
HH. Não havendo violação quer da Lei Fundamental, quer do RJAIA, quer, ainda, da Convenção de Aarhus.
II. A Recorrente não refere um único facto demonstrativo, ou sequer indiciador, de que o procedimento de consulta pública limitou, efetivamente, o exercício da participação dos potenciais interessados.
JJ. Muito menos concretizou de que forma, no presente caso, o núcleo essencial do direito fundamental à participação pública foi inviabilizado, a ponto de este direito ter o seu conteúdo esvaziado, de modo a deixar de poder desempenhar a sua finalidade.
KK. Ou seja, não há vícios imputados à DIA que ofendam o núcleo essencial do direito de participação pública de modo a ensejar a nulidade prevista no artigo 161º, nº 2, alínea d) do CPA.
LL. Já nos pontos II a VV das suas Conclusões de Recurso, a Recorrente discorre sobre um segundo vício passível de gerar a nulidade da DIA, qual seja: uma (suposta) falta de avaliação de impacte ambiental (AIA) relativamente ao procedimento de desflorestação, em alegada violação do artigo 22º, nº 3 do Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental (RJAIA).
MM. Insiste em afirmar que o EIA “dá a entender” que não incorpora a parte correspondente à AIA obrigatória para efeitos do disposto na alínea d) do anexo II ao RJAIA, em articulação com o disposto na subalínea i), da alínea b), do nº 3 do artigo 1º do RJAIA.
NN. Ora, esta é uma falsa questão, uma vez que o processo de avaliação de impacte ambiental analisou todas as componentes do projeto Central Fotovoltaica do C... e propôs medidas para todas elas o que, naturalmente, incluiu os impactos na vegetação com a análise da componente de florestação/desflorestação.
OO. O Estudo de Impacte Ambiental (EIA) e a DIA versam sobre os impactes da desflorestação/desmatação nas várias dimensões, conforme esta Recorrida já teve oportunidade de explicar detalhadamente na sua Oposição, para qual se remete (ver artigos 73º a 85º da Oposição).
PP. Ademais, mesmo que se admitisse a existência de alguma eventual imperfeição na análise dos condicionantes em matéria de desflorestação, nenhum destes vícios jamais seria subsumível à nulidade sancionada pelo artigo 22º, nº 3 do RJAIA.
QQ. O artigo 22º, nº 3 do RJAIA estabelece que são nulos os atos de licenciamento ou de autorização de projetos que: (i) não tenham sido antecedidos da DIA (favorável ou favorável condicionada), no caso de projetos sujeitos a AIA em fase de projeto de execução; ou, (ii) que não tenham sido antecedidos da decisão favorável sobre a conformidade ambiental do projeto de execução, no caso de projetos sujeitos a AIA em fase de estudo prévio ou anteprojeto (cf. artigo 22º, nº 1 do RJAIA); (iii) não indiquem a exigência do cumprimento dos termos e condições fixados na DIA expressa, ou na decisão expressa sobre a conformidade ambiental do projeto de execução (cf. artigo 22º, nº 2 do RJAIA).
RR. Desta maneira, todas as alegações da Recorrente em relação à (suposta) ausência/deficiência da AIA relativamente ao procedimento de desflorestação não são subsumíveis às hipóteses normativas do artigo 22º, nº 1 e nº 2 do RJAIA e, consequentemente, não são suscetíveis de, em tese, poderem gerar a nulidade da DIA.
SS. Pelo exposto, não cremos assistir qualquer razão à Recorrente nesta matéria.
TT. Assim, bem andou o Tribunal a quo quando afirma na página 34 da douta Sentença:
“Em suma, decorre da análise precedente, que as causas de invalidade assacadas pela Requerente ao ato suspendendo, a verificarem-se, reconduzem-se a vícios geradores de anulabilidade do ato, e não da sua nulidade, pelo que, dispunha a Requerente do prazo de 3 meses, previsto no artigo 58º, nº 1, al. b) do CPTA, para proceder à impugnação da DIA, através de ação administrativa para o efeito (cfr. artigo 37º e ss. do CPTA)”.
UU. Com efeito, havendo vícios que apenas conduzem à anulabilidade do ato impugnado, como é o caso, a ação principal teria que ser intentada no prazo de três meses após o seu conhecimento (cf. artigo 58º, nº 1, alínea b) do CPTA).
VV. De modo que a sorte da demanda não poderia ter sido outra a não ser a extinção do processo cautelar sem julgamento do mérito, pelo facto de a Recorrente não ter deduzido, dentro do prazo legal, a ação principal de impugnação do ato de que a tutela cautelar dependia.
WW. O presente processo cautelar foi intentado como preliminar do processo principal (cf. artigo 113º, nº 1 do CPTA) e, tendo decorrido o prazo legalmente previsto sem que este último tenha sido instaurado, o Tribunal – acertadamente - declarou extinto o processo cautelar, ao abrigo do disposto no artigo 123º, nº 1, alínea a) do CPTA.
XX. Tendo presente as conclusões apresentadas, as quais formam o objeto do recurso sobre as quais cabe ao douto Tribunal Superior conhecer e, delimitados os erros de julgamento apontados à douta Sentença, cremos não assistir razão à Recorrente.
YY. O que conduz à necessária improcedência do presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Termos em que e nos melhores de direito que vossas excelências doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”

A aqui Recorrida/C....., S.A. veio a apresentar contra-alegações de Recurso igualmente em 5 de dezembro de 2022, tendo concluído:
“A. Apesar do alegado periculum in mora, a Recorrente persiste na não instauração da ação principal em relação à qual deve o presente processo disciplinar ser instrumental, evidenciando, com efeito, que subjaz ao presente recurso uma pretensão meramente dilatória, com a finalidade de paralisar o projeto objeto do ato suspendendo.
B. Sobre a (não) propositura da ação principal, e sobre a intenção de a propor, a Recorrente não diz uma única palavra, limitando-se a tentar demonstrar, a todo o custo e sem sucesso, a suposta nulidade do ato suspendendo, numa tentativa de eternizar o procedimento cautelar sem qualquer intenção de propor o processo principal: dar provimento ao presente recurso significaria premiar este uso indevido – pode dizer-se mesmo abusivo – do processo cautelar e dos Tribunais, o que não pode ser permitido.
C. No presente recurso, a Recorrente alega vícios inerentes, por um lado, à decisão de extinção do processo cautelar, fundamentada pelo Tribunal a quo na caducidade do direito de ação para instaurar a ação principal e, por outro lado, na falta de fundamentação da recusa dos meios de prova requeridos pela Recorrente. A final, não obstante, pede apenas a substituição da sentença recorrida por outra, que permita o prosseguimento do processo, sem pedir expressamente o deferimento daqueles requerimentos – pedido que, necessariamente, deverá limitar o objeto deste recurso.
D. Na situação em apreço, cabia ao Tribunal a quo apreciar, em abstrato, se os vícios invocados pela Recorrente – a violação do direito de participação pública e a falta de AIA relativamente ao procedimento de desflorestação – são passíveis de gerar a nulidade do ato suspendendo, a qual, podendo ser invocada a todo o tempo, não determinaria a caducidade do direito de ação mencionado.
E. A alegada violação do direito de participação alegada pela Recorrente, jamais consubstanciaria a necessária afetação do núcleo de um direito fundamental, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, porquanto ela própria reconhece que foram seguidos os «termos normais» da consulta pública, invocando apenas supostas irregularidades – que a mesma não atendeu às especificidades dos potenciais interessados e que o EIA não esteve disponível na Câmara Municipal de Santigado do Cacém –, que não poem em causa o núcleo fundamental do direito de participação. Pelo que, andou bem o Tribunal a quo ao considerar que, a verificar-se, este vício geraria tão-somente a anulabilidade da DIA.
F. Também não procede, mesmo em tese, uma suposta violação do princípio da igualdade no âmbito da consulta popular, geradora de nulidade, porquanto não se pode admitir que o cumprimento dos trâmites normais (e legais) se coaduna com a afetação ostensiva e manifesta daquele princípio
G. Por outro lado, o argumento de que a suposta falta de EIA incidente sobre uma parte do projeto que (inicialmente) implicava um procedimento de desflorestação geraria nulidade do ato suspendendo, decorre de uma incorreta interpretação da norma do n.º 3 do artigo 22.º do RJAIA, que determina a nulidade dos atos de licenciamento ou de autorização, quando emitidos na falta de AIA, e não da DIA, como é o ato suspendendo.
H. Por todo o exposto, é inequívoco que, num cenário hipotético, no qual os vícios invocados pela Recorrente poderiam ser julgados procedentes (o que não sucede), os mesmos apenas conduziriam à anulabilidade do ato administrativo, pelo que aquela dispunha de três meses para intentar a ação principal e, não tendo observado aquele prazo, o seu direito de ação caducou e deve o processo cautelar ser extinto, mantendo-se a sentença recorrida.
I. Os meios probatórios rejeitados pelo Tribunal a quo e que a Recorrente entende que deveriam ter sido admitidos servem, apenas, para comprovar factos relevantes para o mérito da causa, pelo que não tendo o Tribunal conhecido do mérito da causa tais meios de prova seriam irrelevantes, devendo manter-se a Sentença que os indefere.
J. Ao contrário do que pretende convencer a Recorrente, a sentença recorrida esclarece devidamente que quer as testemunhas arroladas, quer a reportagem televisiva que aquela pretendia juntar ao processo seriam irrelevantes para a decisão que importava proferir no litígio em apreço.
K. Não procede o vício de falta de fundamentação da sentença recorrida, devendo, com efeito, o Tribunal de recurso julgar improcedente o presente recurso, mantendo aquela decisão.
L. Por dever de cautela e sem conceder, mesmo que o Tribunal ad quem admita que cabe, no caso em apreço, o julgamento do mérito da causa – o que não se concebe – sempre teriam de ser mantidas as decisões de indeferimento dos requerimentos probatórios, por serem os meios de prova deles constantes irrelevantes para a apreciação dos vícios objeto do litígio e, ademais, constarem já dos autos os documentos necessários para o efeito.
M. Cabe na discricionariedade judicial, e, aliás, afeta da mesma forma todas as partes, a dispensa de prova testemunhal, por se entender que o eventual depoimento das testemunhas arroladas se revela irrelevante, por o Tribunal poder apreciar o litígio considerando os elementos documentais já constantes do processo, como seria improfícuo, atendendo à natureza urgente característica do processo cautelar.
N. Em particular, a reportagem televisiva cuja junção aos autos do processo a Recorrente pretende, não é apta como meio de prova: padece de um conjunto de erros e imprecisões que impedem que à mesma seja reconhecida qualquer credibilidade como meio de prova, não incide, especificamente, sobre o projeto objeto do ato suspendendo, e nem sequer foi precedida de uma tentativa de audição da contrainteressada para a realização da reportagem.
O. A reportagem não permitiria ao Tribunal a quo concluir sobre os eventuais impactes ambientais deste projeto, nem sobre a legalidade da consulta pública (limitando-se a reproduzir uns minutos da sessão de esclarecimento que nada dizem sobre a consulta pública, que ocorreu durante 30 dias e em cumprimento de todas as formalidades que lhe são exigidas).
P. Decorrem já dos autos os elementos necessários para o Tribunal comprovar que não só as exigências legais relativas à consulta pública foram cumpridas, como a APA adotou mais diligências para garantir o acesso de todos os interessados à informação relativa ao EIA do presente projeto, como é o caso da iniciativa da sessão de esclarecimentos, que constitui algo a mais relativamente à normal tramitação da fase de participação pública.
Q. Ademais, os documentos que comprovam a validade da consulta pública, juntos pela APA, são da autoria das entidades competentes, pelo que o seu valor probatório sempre teria de prevalecer sobre o mesmo valor que eventualmente viesse a ser reconhecido (ainda que incorretamente) à reportagem referida.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente e, por conseguinte, ser mantida a decisão recorrida, com as devidas consequências legais.
Sem prejuízo e sem conceder, subsidiariamente, caso o Tribunal ad quem revogue a decisão de extinção do processo, sempre deverão ser mantidas as decisões de recusa de prova mencionadas, com as devidas consequências legais.”
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 26 de dezembro de 2022.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 26 de dezembro de 2022 veio a emitir parecer no dia seguinte, concluindo que “deve ser negado provimento ao recurso por manifesta falta de argumentação jurídica que, por algum modo, infirma a decisão de mérito proferida na douta sentença a quo.”
Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), mas com apresentação antecipada do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita que as violações invocadas seriam suscetíveis de determinar a nulidade do ato, em face do que a não apresentação da correspondente Ação Principal, não determinaria a extinção da providência Cautelar, mais se afirmando que terá ocorrido falta de avaliação de impacte ambiental (AIA), relativamente ao procedimento de desflorestação, o que violaria o artigo 22º, nº 3 do Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental (RJAIA).

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade provada:
“A) Em 27.10.2002, foi constituída, junto do 3.º Cartório Notarial de Almada, através de escritura pública, a associação denominada por "G..... - G......", com sede na Faculdade de C…., Sala…, Pavilhão…., Quinta da Torre, Monte de Caparica, freguesia de Caparica, concelho de Almada ‒ aqui Requerente ‒, que se rege pelos respetivos Estatutos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais, e dos quais se extraem os artigos infra citados:
“(…) Artigo 1.º (Denominação e Duração)
O G..... - G......, adiante denominado por G..... , é uma associação de âmbito regional (distritos de Lisboa e Setúbal), sem fins lucrativos.
(…)
“Artigo 3.º (Objeto)
1. O G..... tem por objeto geral a defesa do ambiente, segundo as vertentes da educação, ação, informação, formação, reflexão e intervenção na sociedade.
2. Criar uma consciência ambiental nos jovens, e fomentar o seu desenvolvimento.
Artigo 4.º (Instrumentos e Meios)
A concretização do objeto definido no artigo anterior, efetuar-se-á nomeadamente através da realização de:
1. Ações de Educação Ambiental nas escolas;
2. Elaboração e/ou participação em seminários e palestras no âmbito do objeto do G..... ;
3. Realização de ações de sensibilização da população na área do ambiente e Conservação da Natureza;
4. Elaboração e divulgação de estudos;
5. Colaboração com outras ONGA”
(…)
Artigo 8.º (Órgãos)
Os órgãos sociais do G..... são compostos por:
Assembleia Geral;
Direção;
Conselho Fiscal.
(…)
Artigo 14.º (Composição da Direção)
A composição da Direção consiste em cinco membros permanentes: presidente, vice-presidente, tesoureiro e dois secretários; e pelos coordenadores dos grupos que compõem o G..... , estando os últimos sujeitos ao disposto no Regulamento Interno.”
(…)
Artigo 16.º (Competência dos Órgãos Sociais)
(…)
3. À Direção compete:
(…)
3.2. Representar o G..... em juízo e fora dele.
(…)
Artigo 24.º (Forma de Obrigar)
O G..... obriga-se pela assinatura de, pelo menos, dois membros permanentes da Direção”.
(cfr. doc. 1 junto aos autos pela Requerente com o r.i.; negritos do texto original);
B) Em 05.05.2015, dando execução ao deliberado e aprovado por unanimidade, nas reuniões da Assembleia Geral da Requerente, ocorridas em 15.02.2014 e de 14.03.2015, foram parcialmente alterados, através de escritura pública, os respetivos Estatutos, dando nova redação, no que por ora aqui releva, ao seu artigo 14.º, cujo teor passou a ser o seguinte:
“Artigo 14.º (Composição do Conselho Executivo)
A composição do Conselho Executivo consiste em cinco membros: Presidente, Vice-Presidente, Tesoureiro e dois Secretários”.
(cfr. doc. junto aos autos pela Requerente com o seu requerimento de 11.10.2021; negritos do texto original);
C) Em 28.11.2019, no âmbito da reunião da Mesa da Assembleia Geral da Requerente, que tinha como ponto único na ordem dos trabalhos, a receção das listas candidatas aos órgãos sociais da associação e a sua aprovação, a Comissão Eleitoral, deliberou e aceitou a única lista candidata, que, no que por ora aqui importa, propunha para Presidente do Conselho Executivo, A...... , e para Vice-Presidente deste órgão social, L...... (cfr. ata n.º 59, junta aos autos pela Requerente com a sua resposta de 07.12.2021);
D) Em 13.12.2019, no âmbito da reunião ordinária da Assembleia Geral da Requerente, estando inscrito, entre o mais, no ponto 3. da ordem dos trabalhos, a eleição dos membros dos órgãos sociais para o novo mandato, foi aprovada, por unanimidade, a única lista candidata, à qual se refere a alínea anterior (cfr. ata n.º 60, junta aos autos pela Requerente com a sua resposta de 07.12.2021);
E) Em 28.07.2021, no âmbito do procedimento de avaliação de impacte ambiental (AIA) n.º 3388, constante do Título Único Ambiental (TUA) n.º 20210728000309, foi emitida a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada, respeitante ao projeto denominado “Central Fotovoltaica do C... e Linha de Muito Alta Tensão Associada (LMAT)” (acordo entre as partes);
F) Em 09.10.2021, a Requerente intentou, junto deste Tribunal, a presente providência cautelar (cfr. documento intitulado “Petição Inicial (Comprovativo de Entrega)” no SITAF);
G) A Requerente, fez acompanhar o requerimento inicial da presente providência cautelar, da procuração forense infra reproduzida:
(cfr. documento intitulado “Procuração” no SITAF);
H) Até à presente data, a Requerente não deu entrada, neste Tribunal, da ação administrativa de impugnação do ato administrativo ora suspendendo, supra melhor identificado na alínea E) do probatório (cfr. consulta dos autos no SITAF).

IV – Do Direito
Foi requerido no presente Processo
(i) a suspensão de eficácia da declaração de impacte ambiental (DIA), emitida pela APA, em 29.07.2021, e que integra o título único ambiental (TUA) do projeto denominado “Central Fotovoltaica do C….”;
(ii) a intimação da Direção Geral de Energia e Geologia, para, no decurso da ação principal, se abster de emitir quaisquer licenças relacionadas com o projeto da central fotovoltaica do C… e linha elétrica a 400kV; e,
(iii) a intimação do Ministério da Agricultura e /ou Direção Regional de Agricultura do Alentejo, para, enquanto decorrer a ação principal, se abster de emitir qualquer parecer nos termos do D.L. n.º 73/2009 de 31 de março, alterado e republicado pelo D.L. n.º 199/2015 de 16 de setembro e regulamentado pela Portaria 162/2011 de 18 de abril”,

Decidiu o Tribunal a quo julgar “extinto o presente processo cautelar”, “por não ter sido deduzida, dentro do prazo legal, a ação principal de impugnação de ato, de que a tutela cautelar depende …, abstendo-se o Tribunal de conhecer do respetivo mérito.”

No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da Sentença Recorrida:
“Impende, deste modo, sobre o requerente do processo cautelar, o ónus de propor atempadamente a ação principal, da qual a providência cautelar depende, sob pena de extinção daquele processo.
Esta conclusão não oferece quaisquer dúvidas sempre que, em sede de fumus boni iuris, o requerente assacar ao ato administrativo suspendendo, vícios suscetíveis de conduzirem, no âmbito da futura ação administrativa de impugnação de ato, à sua anulação (cfr. artigo 163.º, n.º 1 do CPA).
Com efeito, estatuindo o artigo 58.º, n.º 1, al. b) do CPTA que, a impugnação de atos anuláveis tem lugar no prazo de três meses, se este prazo de propositura da ação principal não for respeitado, é manifesta a verificação da exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual (cfr. Artigo 89.º, n.º 4, al. k) do CPTA), que obsta ao conhecimento de mérito da pretensão a formular no processo principal (cfr. artigo 89.º, n.º 2 do CPTA), assim ficando imediatamente afastado o requisito do fumus boni iuris, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA ‒ o que conduz, necessariamente, à não adoção da providência requerida.
Muito embora certa jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, já tenha defendido, no passado, que o prazo regra de três meses para a impugnação de atos anuláveis, seria o único prazo dentro do qual se poderia requerer a suspensão de eficácia de atos administrativos, independentemente do tipo de vícios que a este sejam concretamente imputados (cfr. a título de exemplo, os acórdãos do STA de 15.09.2004, no proc. n.º 620/04, e do TCAS de 12.05.2005, proc. n.º 719/05, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt), afastamo-nos deste entendimento, que foi objeto de duras críticas pela doutrina, e que hoje em dia, já parece ter sido ultrapassado (cfr. ob. cit., nota de rodapé n.º 1247, p. 1051).
Na nossa perspetiva, importa não esquecer que um dos principais traços caraterísticos das providências cautelares, é a sua natureza instrumental face à ação principal, destinando-se este meio processual urgente, a assegurar a utilidade da sentença que aí vier a ser proferida (cfr. artigo 112.º, n.º 1, in fine do CPTA). Por isso, sendo as providências cautelares dependentes da ação principal (já intentada ou a intentar), faz todo o sentido que fiquem sujeitas ao regime processual especifico das ações principais de que são mero instrumento (cfr. artigo 113.º, n.º 1 do CPTA).
Ora, se nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 1 do CPTA, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo, adotando a mesma linha de raciocínio, temos que, sendo invocados, em sede cautelar, vícios geradores de nulidade do ato suspendendo ‒ que, em princípio, podem ser invocados a todo o tempo (cfr. artigo 162.º, n.º 2 do CPA) ‒, a ação principal da qual a providência cautelar depende, em princípio, também poderá ser proposta a todo o tempo – tese advogada no caso sub iudice pela Requerente, a fim de obstar à extinção da presente providência, nos termos do disposto no artigo 123.º, n.º 1, al. a) do CPTA.
Todavia, assim não sucederá, se for manifesta a improcedência das causas de nulidade invocadas e, por conseguinte, se afigurar intempestiva, a ação principal de impugnação ainda a intentar.
Dito de outro modo, a mera arguição de nulidade do ato a impugnar, não é, porém, suficiente, para que esta impugnação não esteja dependente de prazo no âmbito da ação principal, exigindo-se para o efeito, que os vícios imputados em sede cautelar, configurem efetivamente causa de nulidade.
Vertendo o anteriormente exposto ao caso sub iudice, e a fim de apurar se a tese avançada pela Requerente, quanto à não extinção do presente processo cautelar, merece acolhimento, importa, previamente, aferir, se os vícios que a mesma assaca ao ato suspendendo, constituem efetivamente uma causa de nulidade daquele, ou se, pelo contrário, não são suscetíveis de gerar esta forma de desvalor jurídico mais grave.
Ou seja, para aferir, em concreto, da eventual extinção do processo cautelar, há que averiguar se o(s) concreto(s) vício(s) invocado(s) pela Requerente, conduzem, em abstrato, à nulidade ou à mera anulabilidade do ato a impugnar.
Em sede de fumus boni iuris, a Requerente assaca um total de quatro vícios ao ato suspendendo, a saber:
(1) violação do direito de participação pública, informada e esclarecida, em suposta infração do artigo 66.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 6.º da Convenção de Aarhus ‒ invocado, no âmbito da resposta da Requerente às exceções, como sendo um vício gerador de nulidade, por supostamente ter sido violado o núcleo essencial do direito de participação constitucionalmente consagrado, nos termos do disposto no artigo 161.º, n.º 2, al. d) do CPA;
(2) falta de avaliação de impacte ambiental (AIA), relativamente ao procedimento de desflorestação, em alegada violação do artigo 22.º, n.º 3 do Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental (RJAIA), gerando a nulidade do procedimento de avaliação de impacte ambiental;
(3) falta de parecer prévio vinculativo da Entidade Regional da Reserva Agrícola Nacional (RAN), por suposta violação do artigo 23.º, n.º 7 do RJAIA, que ao constituir um vício de forma, geraria a anulabilidade do ato suspendendo; e,
(4) violação do princípio da imparcialidade da Administração Pública, gerador de anulabilidade.
No que concerne ao terceiro e quatro vícios assacados pela Requerente ao ato suspendendo, é a própria quem os faz cominar com a forma de invalidade menos grave ‒ a anulabilidade ‒, pelo que, os mesmos apenas poderiam ser invocados em sede da ação principal de impugnação de ato administrativo, se esta tivesse sido proposta dentro do prazo de três meses previsto no artigo 58.º, n.º 1, al. b) do CPTA, sob pena de extinção do processo cautelar, nos termos do supra citado artigo 123.º, n.º 1, al) do CPTA.
Vejamos, agora, se os dois primeiros vícios que a Requerente imputa ao ato suspendendo são, em tese, suscetíveis de gerar a sua nulidade, conforme é por si alegado, de modo que, ao serem suscetíveis de dar azo a uma ação administrativa de impugnação sem dependência de qualquer prazo (cfr. artigo 58.º, n.º 1 do CPTA), obstariam à requerida extinção do processo cautelar.
A propósito do primeiro vício imputado ao ato suspendendo – violação do direito a uma participação informada, atempada e esclarecida ‒, a Requerente insurge-se, no seu r.i., contra o facto de a avaliação de impacto ambiental ter sido realizada “nos termos habituais”, o que, em seu entender, desconsidera, por completo, o modo como devem ser levados a cabo os processos de consulta pública.
No seu entender, a APA “(…) deveria ter ponderado, o grau de literacia dos interessados em participar, o acesso (ou falta dele) à internet, a localização, a mobilidade, no caso, rural e as vulnerabilidades de uma população potencialmente interessada em participar.” (cfr. artigo 44.º do r.i.).
Ao exposto acresce, ainda, na perspetiva da Requerente, que “(…) foi violado o modo como deve ser divulgado, nomeadamente, o estudo de impacto ambiental.” (cfr. artigo 46.º do r.i.), porquanto, no caso da consulta pública referente ao projeto da Central fotovoltaica de C... do Alentejo, o EIA, apesar de ter estado disponível para consulta na CCDR Alentejo e na Câmara Municipal de Sines, alegadamente não esteve disponível na Câmara Municipal de Santiago do Cacém, que se situa mais perto do local de implementação deste projeto.
Muito embora na sequência desta exposição, a Requerente não tenha assacado, ao ato impugnado, qualquer tipo de desvalor jurídico no seu r.i., no âmbito da sua resposta às exceções, veio invocar que: “(…) no articulado do RI, designadamente, entre os números 52 a 60, alega-se todo um conjunto de factos que a merecerem a anuência do Tribunal, conduzirão necessariamente à nulidade do procedimento de AIA” (cfr. artigo 91.º da resposta às exceções), uma vez que “(…) este conjunto é suscetível de violar o conteúdo essencial do direito de participação constitucionalmente consagrado tendo como consequência, a nulidade do ato de que se pretende ver suspensa a eficácia (…)” (cfr. artigo 97.º da resposta às exceções).
Saliente-se, porém, que a aplicação da al. d) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA se revela particularmente exigente, porquanto, o ato apenas será nulo, à luz deste preceito, se ofender o núcleo essencial do direito fundamental em causa.
Nesse sentido, competia à Requerente, alegar e demonstrar, no plano dos factos e do direito, em que medida, a alegada ofensa ao direito de participação informada, atempada e esclarecida do público, previsto no artigo 66.º, n.º 2 da CRP, configura, de forma ostensiva, uma restrição inaceitável a este direito fundamental, por não lhe restar, depois desta violação, qualquer conteúdo útil.
Dito de outro modo, o preenchimento da hipótese normativa do artigo 161.º, n.º 2, al. d) do CPA, exigia que a Requerente tivesse concretizado, de que modo é que, no caso sub iudice, o direito fundamental à participação pública foi de tal modo inviabilizado, a ponto de ter deixado de poder desempenhar a sua finalidade.
Todavia, se atentarmos nas alegações da Requerente supra descritas, verificamos que esta não logrou minimamente densificar esta violação do conteúdo essencial do direito constitucional à participação efetiva e informada do público.
Limitou-se, antes, a contestar o modo como este direito foi concretizado no caso sub iudice, sem, no entanto, extrair daí nenhuma consequência ou impacto relevante, como sejam, por exemplo: a circunstância de a sessão de esclarecimentos à população apenas se ter realizado no dia 07.05.2021, quando o prazo de consulta pública terminava no dia 10.05.2021, ter tido como consequência, o facto de, apenas um reduzido número de cidadãos, instituições ou empresas se terem efetivamente pronunciado sobre o projeto; ou, o facto de o projeto não estar alegadamente disponível para consulta na Câmara Municipal de Santiago do Cacém, ter conduzido a que a população deste concelho, desconhecesse o projeto, ou não tivesse tido oportunidade de pronunciar sobre o mesmo, nas mesmas condições da população dos demais concelhos limítrofes.
Deste modo, importa concluir que os vícios apontados pela Requerente ao ato suspendendo não contendem com o núcleo essencial do direito constitucional à participação informada e atempada dos cidadãos, no âmbito da consulta pública do projeto da “Central Fotovoltaica do C...”.
Pelo que, ainda que eventualmente se pudesse considerar que este direito havia, de algum modo, sido violado no caso sub iudice, as violações invocadas pela Requerente apenas seriam aptas a originar a anulação do ato ora suspendendo no âmbito da ação principal, mas não a sua nulidade.
Por sua vez, o segundo vício apontado pela Requerente à DIA, diz respeito ao facto de alegadamente não ter sido feita a AIA para a parte do projeto que concerne à desflorestação, nos termos e para efeitos do disposto na alínea d) do anexo II ao RJAIA, em articulação com o disposto na subalínea i), da alínea b), do n.º 3 do artigo 1.º do RJAIA – o que geraria a nulidade da DIA, nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 3 do RJAIA.
Todavia, compulsadas alegações feitas a este propósito pela Requerente no seu r.i. (cfr. Artigos 52.º a 60.º), verificamos que as mesmas são contraditórias, pois, se por um lado, a Requerente sustenta que não existiu “(…) AIA para a parte do projeto correspondente à alínea d) do Anexo II do RJAIA”
(cfr. artigo 60.º do r.i.), por outro lado, acaba por referir que a DIA “(…) contém um conjunto de medidas de minimização relacionadas com o processo de desarborização e desmatação (vide números 46 a 51 das medidas de minimização contemplados na DIA)”.
De todo o modo, mesmo a admitir-se a existência de alguma eventual deficiência no reporte ou análise dos condicionantes do projeto da Central Fotovoltaica do C... em matéria de desflorestação ‒ como alega a um passo a Requerente ‒, ou mesmo a equacionar-se, a total desconsideração destes impactos ambientais no âmbito do procedimento de AIA ‒ conforme sustenta, a outro passo, a Requerente ‒, nenhum destes vícios jamais seria subsumível à nulidade sancionada pelo artigo 22.º, n.º 3 do RJAIA.
Vejamos qual é a redação deste preceito:
“Artigo 22.º
Natureza jurídica
1 - O ato de licenciamento ou de autorização de projetos abrangidos pelo presente decreto-lei só pode ser emitido:
a) Após a notificação da DIA, favorável ou favorável condicionada, no caso de projetos sujeitos a AIA em fase de projeto de execução, ou após o decurso do prazo previsto no n.º 2 do artigo 19.º sem que a decisão expressa seja notificada à entidade licenciadora ou competente para a autorização e ao proponente;
b) Após notificação da decisão favorável sobre a conformidade ambiental do projeto de execução, no caso de projetos sujeitos a AIA em fase de estudo prévio ou anteprojeto, ou após o decurso do prazo previsto no n.º 7 do artigo anterior sem que a decisão expressa seja notificada à entidade licenciadora ou competente para a autorização e ao proponente.
2 - O licenciamento ou a autorização do projeto deve indicar a exigência do cumprimento dos termos e condições fixados na DIA expressa ou na decisão expressa sobre a conformidade ambiental do projeto de execução.
3 - São nulos os atos praticados com desrespeito pelo disposto nos números anteriores”.
Decorre do normativo citado, que a nulidade, enquanto forma de invalidade jurídica mais grave, fere os atos administrativos de licenciamento ou de autorização: que não tenham sido antecedidos da DIA (favorável ou favorável condicionada), no caso de projetos sujeitos a AIA em fase de projeto de execução; ou, que não tenham sido antecedidos da decisão favorável sobre a conformidade ambiental do projeto de execução, no caso de projetos sujeitos a AIA em fase de estudo prévio ou anteprojeto (n.º 1); e, que não indiquem a exigência do cumprimento dos termos e condições fixados na DIA expressa, ou na decisão expressa sobre a conformidade ambiental do projeto de execução (n.º 2).
Ou seja, todas as alegações feitas pela Requerente a propósito da suposta inexistência/deficiência da AIA para a parte do projeto que concerne à desflorestação, não são, de modo algum, subsumíveis às hipóteses normativas do artigo 22.º, n.º s 1 e 2 do RJAIA, de modo a poderem gerar, em tese, a nulidade do ato aqui suspendendo, sancionada pelo n.º 3 deste preceito.
Em suma, decorre da análise precedente, que as causas de invalidade assacadas pela Requerente ao ato suspendendo, a verificarem-se, reconduzem-se a vícios geradores de anulabilidade do ato, e não da sua nulidade, pelo que, dispunha a Requerente do prazo de 3 meses, previsto no artigo 58.º, n.º 1, al. b) do CPTA, para proceder à impugnação da DIA, através de ação administrativa para o efeito (cfr. artigo 37.º e ss. do CPTA).
Resultando dos autos, que a DIA favorável condicionada, foi emitida em 28.07.2021 (cfr. Alínea E) do probatório), e que, à data em que a Contrainteressada deduziu oposição nos autos (em 18.11.2021), ainda não tinha sido instaurada a respetiva ação administrativa de impugnação, tem que concluir-se que, já se encontrava esgotado, naquele momento ‒ e por maioria de razão, na presente data ‒, o prazo de 3 meses, previsto no artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, sem que aquela ação principal nunca tenha sequer dado entrada em juízo (cfr. alínea H) do probatório).
Pelo que, tendo o presente processo cautelar sido intentado como preliminar do processo principal (cfr. artigo 113.º, n.º 1 do CPTA), e tendo decorrido o prazo legalmente previsto sem que este último tenha sido instaurado, há que declarar extinto o processo cautelar, ao abrigo do disposto no artigo 123.º, n.º 1, alínea a) do CPTA.
Vejam-se, neste sentido, a título meramente exemplificativo, os recentes acórdãos do TCAN de 29.11.2019, no proc. n.º 187/19.9BECBR, e do TCAS de 16.01.2020, no proc. n.º 985/19.3BELSB, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
Em face do supra exposto, temos por certo que, a sorte da demanda sempre será a extinção da instância, por não ter sido deduzida, dentro do prazo legal, a ação principal de impugnação de ato, de que a tutela cautelar depende, devendo, por conseguinte, o presente processo cautelar ser declarado extinto nos termos expostos, abstendo-se o Tribunal de conhecer do respetivo mérito.”
Refira-se desde já que a decisão proferida em 1ª instância, será para manter.
Vejamos:
As providências cautelares visam “impedir que, durante a pendência do processo declarativo, se constitua uma situação irreversível ou se produzam danos de tal modo gravosos que ponham em perigo, no todo ou pelo menos em parte, a utilidade da decisão que ele pretende obter naquele processo.” Mário Aroso de Almeida - In Manual de Processo Administrativo, 2017, 3.ª edição, Almedina, página 423.

O processo cautelar define-se em função do processo principal, sendo dele dependente e mesmo que seja decretada a providência cautelar requerida, será possível ao Tribunal proceder à sua revogação, alteração ou substituição na pendência do processo principal, caso tenha ocorrido uma alteração relevante das circunstâncias, como aliás o prevê o artigo 124.º, n.º 1 do CPTA.

Assim, os processos cautelares dependem do processo principal, não tendo autonomia face a este, daí que se caracterizem pela instrumentalidade, provisoriedade e sumariedade.
O artigo 120.º, n.º(s) 1 e 2 do CPTA estabelece que:
“1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 – Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”

Estes critérios gerais de decisão das providências cautelares são de verificação cumulativa, sendo dois deles de formulação positiva, a saber, o periculum in mora e o fumus boni iuris, e um requisito negativo, o denominado critério da ponderação de interesses.

Tendo o tribunal a quo concluído e decidido pela a inexistência de atos feridos do vício da nulidade, tal determinou que tenha sido declarado extinto o processo cautelar em decorrência da circunstância do Recorrente não ter instaurado a correspondente Ação Principal no prazo legal de 3 meses, nos termos conjugados dos artigos 58.º al. b) e 123.º, n.º 1 al. a) do CPTA.

Assim, será esta a única questão a analisar do recurso, pois que, a confirmar-se a mesma, ficam, por natureza, prejudicadas todas as demais questões recursivamente suscitadas.

Com efeito, vem recursivamente suscitada a verificação de Erro de julgamento – Extinção do processo cautelar sem julgamento do mérito - , por não ter sido deduzida, dentro do prazo legal, a ação principal de impugnação de ato do qual a tutela cautelar dependia.

Está aqui em causa pedido de suspensão de eficácia da “Declaração de Impacte Ambiental (DIA) que integra o Título Único Ambiental (TUA) do projeto denominado Central Fotovoltaica do C...” emitida pela APA, I.P., em 28 de Julho de 2021.

Entendeu o tribunal a quo que resultava evidente que as violações invocadas pela Recorrente, sendo caso disso, apenas seriam suscetíveis de originar a anulabilidade do ato, em face do que apenas disporia o aqui Recorrente do prazo de 3 meses, previsto no artigo 58º, nº 1, alínea b) do CPTA, para proceder à impugnação da DIA, através de ação administrativa para o efeito, o que incumpriu, determinando a recorrida sentença que declarou extinto o processo cautelar, ao abrigo do disposto no artigo 123º, nº 1, alínea a) do CPTA.

Do Erro de julgamento – Extinção do processo cautelar por não ter sido deduzida, dentro do prazo legal a ação principal de impugnação de correspondente ato.
Como decorre da análise feita em 1ª Instância, ao analisar os quatro invocados vícios imputados ao ato suspendendo, foi entendido que nenhum deles é determinante da nulidade da “Declaração de Impacte Ambiental (DIA)” que integra o Título Único Ambiental (TUA) do projeto denominado Central Fotovoltaica do C...” emitida pela APA, I.P. em 28 de Julho de 2021.

Assim, uma vez que os vícios invocados apenas conduziriam potencialmente à anulabilidade do ato objeto de impugnação, a ação principal sempre teria de ter sido intentada no prazo de três meses após o seu conhecimento (cf. artigo 58º, nº 1, alínea b) do CPTA).

Como se sumariou no Acórdão deste TCAS nº 985/19.3BELSB, de 16.01.2020, relatado pela aqui 1ª Adjunta, “I - O processo cautelar existe em função do processo em que se discute o fundo da causa, para assegurar a utilidade da sentença a proferir no âmbito desse processo, que, por isso, é qualificado como processo principal.
II – Quando o fumus boni iuris se alicerça em vícios que apenas podem conduzir à anulabilidade do ato impugnado, a ação principal tem de ser intentada no prazo de três meses após o seu conhecimento (art 58º, nº 1, al b) do CPTA).
III - A falta de apresentação da ação principal no prazo legal importa a caducidade do direito de ação (de conhecimento oficioso - art 333° do Código Civil), obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e fundamenta a extinção do processo cautelar, por inutilidade superveniente da lide, por falta de utilidade da providência (art 123º, nº 1, al a) do CPTA).”

Em qualquer caso, a Recorrente entende que dos quatro vícios invocados, dois deles seriam passíveis de gerar a nulidade da Declaração de Impacte Ambiental (DIA), em face do que a ação principal poderia ser interposta a todo tempo.

Foi assim invocada a violação do núcleo essencial do direito de participação pública, em violação do artigo 66º, nº 2 da CRP e artigo 6º da Convenção de Aarhus (cf. artigo 161º, nº 2, alínea d) do CPA) e falta de avaliação de impacte ambiental (AIA), relativamente ao procedimento de desflorestação, em alegada violação do artigo 22º, nº 3 do Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental (RJAIA), o que teria gerado a nulidade do procedimento de avaliação de impacte ambiental.

Diga-se que o tribunal a quo não deixou de apreciar os referidos vícios tendo concluído que os mesmos, mesmo a verificarem-se, não se consubstanciavam em nulidades.

A este propósito transcreveu o tribunal de 1ª Instância o sumariado no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, de 13 de outubro de 2004, proferido no Processo nº 0424/02, o que aqui se acompanha, onde se discorreu o seguinte:
“I – O conhecimento da extemporaneidade do recurso contencioso tem precedência sobre a apreciação “de meritis”;
II – Se o recorrente assevera que os vícios por si arguidos acarretam a nulidade do ato, deve a extemporaneidade do recurso averiguar-se através da formulação de um juízo hipotético, sob forma condicional, em que se determine qual é, na eventualidade de os vícios existirem, a forma de invalidade que lhes corresponde; (…)
VI – Assente que a hipotética existência dos vícios invocados pelas recorrentes, encarados segundo as únicas perspetivas em que eles são minimamente possíveis, só poderá acarretar a anulação do ato contenciosamente recorrido, e assente que o recurso contencioso foi interposto mais de dois anos depois de as recorrentes terem sido notificadas do ato, há que rejeitar o recurso contencioso, por extemporaneidade na sua interposição”

Em bom rigor, o Recorrente, mais do que imputar nulidades aos atos suspendendo, discorda essencialmente do sentido da “Declaração de Impacte Ambiental (DIA)”, o que é diverso.

Em concreto, e relativamente à invocada violação do núcleo essencial do direito de participação pública, o Recorrente cingiu-se a contestar o modo como a consulta pública havia sido realizada, alegando que a dispensa em juízo da inquirição das testemunhas e o indeferimento da junção da reportagem televisiva inviabilizaram a prova da nulidade invocada nos termos do artigo 161º, nº 2, alínea d) do CPA.

Em qualquer caso, resulta da prova disponível que o direito de participação e a consulta pública foi assegurada.

Efetivamente, se o direito à participação pública tivesse sido inviabilizado, a ponto haver uma restrição inaceitável a este direito fundamental, de modo a não lhe restar nenhum conteúdo útil, tal resultaria da prova documental disponível, não carecendo de acrescida inquirição testemunhal, mormente tendo presente a circunstancia de estarmos perante um Processo Cautelar, por natureza urgente e perfunctório.

Tal como refere Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5ª edição, 2016, p. 165, o núcleo essencial de um direito fundamental “corresponde às faculdades típicas que integram o direito, tal como é definido na hipótese normativa, e que correspondem à projeção da ideia de dignidade humana individual na respetiva esfera da realidade - abrangem aquelas dimensões dos valores pessoais que a Constituição visa em primeira linha proteger e que caracterizam e justificam a existência autónoma daquele direito fundamental”.

Igualmente o STA se pronunciou já relativamente ao núcleo essencial dos direitos fundamentais, ao sumariar no seu acórdão de 10/03/2010, Processo nº 046262, que “as restrições aos direitos fundamentais não podem ofender aquele mínimo para além do qual o direito fundamental deixa de o ser, fica esvaziado enquanto tal. Esse mínimo intocável constitui o chamado conteúdo ou núcleo essencial de cada direito fundamental”, sendo que na situação em apreciação, não se vislumbra perfunctoriamente que possa ter sido ofendido qualquer direito fundamental, mormente por se não reconhecer que a consulta pública tenha sido realizada em violação do núcleo essencial do direito à participação pública.

Em bom rigor, o Recorrente limitou-se a afirmar conclusivamente que “as consultas públicas feitas em Portugal e a do C... não é exceção, são verdadeiras fraudes”.

Está assim bem de ver que o alegado pelo Recorrente não se consubstancia numa qualquer nulidade, por não estar demonstrado que possa configurar uma qualquer ofensa ao núcleo essencial do direito à participação efetiva do público, sendo que a consulta pública do Projeto decorreu durante 30 dias úteis, entre 29 de março e 10 de maio de 2021.

Em bom rigor o Recorrente não identifica qualquer facto sequer indiciador, de que o procedimento de consulta pública limitou o exercício da participação dos potenciais interessados.

Acresce que, como era seu ónus, não demonstrou ainda que o núcleo essencial do direito fundamental à participação pública tenha sido foi inviabilizado, a ponto do correspondente direito ter sido esvaziado de conteúdo, pois que não foram imputados vícios à DIA ofensivos do núcleo essencial do direito de participação pública, capazes de constituir uma qualquer nulidade à luz do Artº 161º, nº 2, alínea d) do CPA (São, designadamente, nulos: (…) d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental”.

Não se verifica pois o invocado erro de julgamento imputado à Sentença recorrida, a qual adequadamente refere a fls. 32, e aqui se ratifica, que “(…) importa concluir que os vícios apontados pela Requerente ao ato suspendendo não contendem com o núcleo essencial do direito constitucional à participação informada e atempada dos cidadãos, no âmbito da consulta pública do projeto da Central Fotovoltaica do C.... Pelo que, ainda que eventualmente se pudesse considerar que este direito havia, de algum modo, sido violado no caso sub iudice, as violações invocadas pela Requerente apenas seriam aptas a originar a anulação do ato ora suspendendo no âmbito da ação principal, mas não a sua nulidade”.
Quando ao segundo vicio invocado, suscetível de determinar a nulidade do ato, corresponderia o mesmo à falta de avaliação de impacte ambiental (AIA), relativamente ao procedimento de desflorestação, o que violaria o artigo 22º, nº 3 do Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental (RJAIA).

Afirma recursivamente o Recorrente singelamente que houve “total ausência de avaliação de impacto ambiental”, sem que tenha cuidado sequer de identificar quais os impactes prováveis resultantes da desflorestação que terão sido descurados no âmbito do procedimento de AIA do projeto, capazes de determinar a nulidade do procedimento.

Resulta dos elementos disponíveis que o processo de avaliação de impacte ambiental analisou todas as componentes do projeto Central Fotovoltaica do C... e propôs medidas para todas elas o que terá incluído os impactos na vegetação com a análise da componente de florestação/desflorestação.

Mesmo que se concluísse pela verificação de qualquer imprecisão na análise das condicionantes em matéria de desflorestação, não se vislumbra, nem reconhece perfunctoriamente que as mesmas pudessem constituir vícios a que corresponderia uma nulidade à luz do Artº 22º, nº 3 do RJAIA, onde se estabelece, nomeadamente, que são nulos os atos de licenciamento ou de autorização de projetos que não tenham sido antecedidos da DIA no caso de projetos sujeitos a AIA em fase de projeto de execução; ou, que não tenham sido antecedidos da decisão favorável sobre a conformidade ambiental do projeto de execução, no caso de projetos sujeitos a AIA em fase de estudo prévio ou anteprojeto (cf. artigo 22º, nº 1 do RJAIA) ou que não indicassem a exigência do cumprimento dos termos e condições fixados na DIA expressa, ou na decisão expressa sobre a conformidade ambiental do projeto de execução (cf. artigo 22º, nº 2 do RJAIA).

Acresce que as alegações do Recorrente relativamente à ausência/deficiência da AIA relativamente ao procedimento de desflorestação não são subsumíveis às hipóteses constantes do referido artigo 22º, nº 1 e nº 2 do RJAIA, não sendo assim suscetíveis de gerar a nulidade da DIA.

Como afirmado em 1ª Instância e aqui mais uma vez se reitera e ratifica, “(…) decorre da análise precedente, que as causas de invalidade assacadas pela Requerente ao ato suspendendo, a verificarem-se, reconduzem-se a vícios geradores de anulabilidade do ato, e não da sua nulidade, pelo que, dispunha a Requerente do prazo de 3 meses, previsto no artigo 58º, nº 1, al. b) do CPTA, para proceder à impugnação da DIA, através de ação administrativa para o efeito (cfr. artigo 37º e ss. do CPTA)”.

Só se pode pois o Recorrente queixar de si próprio, pela não apresentação tempestiva da correspondente Ação principal do ato de que a tutela cautelar dependia.

Como sumariado no Acórdão deste TCAS de 15/10/2020, proferido no Processo nº 575/19.0BELLE, “Assente que a hipotética existência dos vícios invocados, encarados segundo a única perspetiva possível e adequada (e não na perspetiva da Recorrente, que o tribunal não tem que atender), só poderá acarretar a anulação do ato impugnado, é inequívoco, face à inobservância do prazo legal de instauração da ação impugnatória, que esta é intempestiva”

Aqui chegados, atento tudo quanto supra se expendeu supra, não se vislumbram razões para censurar a decisão recorrida.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao Recurso, confirmando a Sentença Recorrida.

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 26 de janeiro de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa