Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2138/09.0BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 07/11/2024 |
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Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
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Descritores: | ASSOCIAÇÕES SINDICAIS ISENÇÃO SUBJETIVA DE IRC PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS-SAMS ATIVIDADE DE NATUREZA COMERCIAL ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS |
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Sumário: | I - As Associações Sindicais, beneficiam de isenção subjetiva de IRC, sendo, no entanto, tributadas pelos rendimentos de capitais, comerciais, industriais ou agrícolas, que aufiram (cfr. artigo 53.º do EBF, 4.º do CIRS e 3.º, nº4 do CIRC). II - A atividade de prestação de serviços médicos pelo SAMS consubstancia, efetivamente, uma atividade de natureza comercial, em nada podendo relevar, para o efeito, a diferença de tratamento e mesmo de faturação relativamente aos beneficiários do SAMS e terceiros, entenda-se particulares. III - O conceito de atividade comercial tem uma conotação objetiva, logo não depende da finalidade prosseguida por quem a exerce, nem pelo facto de a mesmo poder conferir descontos a seus associados, em clínicas e hospitais integrantes da sua rede. IV - Sendo incontestável e não controvertido, que por força do que decorre dos seus estatutos, o Impugnante, presta serviços médicos de saúde, quer aos seus associados, quer a terceiros, auferindo, para o efeito, proveitos resultantes dessa mesma prestação de serviços e conexos com o seu objeto, ter-se-á de concluir que exerce nesse concreto particular e domínio uma atividade de natureza comercial. V - O erro imputável aos serviços engloba a falta do próprio serviço, particularmente, a emissão de um ato de liquidação ilegal, e por isso ilícito, legitimando, assim, a responsabilidade por juros indemnizatórios. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I-RELATÓRIO
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, deduzida por SINDICATO DOS BANCÁRIOS DO SUL E ILHAS, atualmente denominado por SINDICATO DA BANCA, SEGUROS E TECNOLOGIAS - MAIS SINDICATO, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa nº 3085200904001060, apresentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do exercício de 2004, com o nº 2008 8310038239, de 27.11.2008, e contra as liquidações de juros compensatórios respetivas, que geraram uma nota de compensação no montante total a pagar de 606.399,61€, a qual julgou parcialmente extinta a instância por inutilidade superveniente da lide na parte referente às liquidações de juros compensatórios e no demais procedente. A Recorrente, apresentou as suas alegações de recurso nas quais formulou as conclusões que infra se reproduzem: “A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida. B. Ao contrário do entendimento do douto Tribunal, realça-se no que respeita à aplicação da factualidade concreta da disposição da alínea b) do n.º 1 do artigo 53.º do EBF, que a interpretação efetuada pela AT é consentânea com a ratio legis que presidiu à criação daquela norma legal. C. Com a devida vénia e ao contrário do decidido pelo douto Tribunal, não podemos comparar o funcionamento existente entre o Hospital SAMS e os restantes Hospitais privados, pois não se pode denegar e olvidar a natureza e o fim para os quais foi criado o Hospital SAMS. D. Resulta provado dos autos, que o Hospital SAMS foi criado com o intuito de proteção aos seus associados, sendo que o mesmo apenas foi aberto ao público em geral, estendendo as suas valências a terceiros que não associados, de forma a rentabilizar os custos suportados com o investimento no mesmo. E. Mais, não podemos olvidar que a realidade com que nos deparamos é a de que o SAMS é a atividade que representa mais de 80% do volume de negócios do ora recorrido, sendo certo que dentro dessa percentagem existe uma proporção considerável de serviços de saúde prestados apenas e exclusivamente a associados, sendo certo que, embora se desconhecendo qual é essa proporção, a forma de organização e de funcionamento do Hospital permite que o Impugnante pratique descontos a associados que podem atingir os 80%. F. Salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública aceitar que o douto Tribunal ignore tal facto e considere que o Hospital SAMS funciona de forma idêntica a outros Hospitais privados, para assim se considerar uma atividade tributável em IRC. G. Até porque tal tese, apresentada pelo Impugnante, ora recorrido, apenas faz sentido no caso de tal lhe servir os seus interesses, o que aconteceria se o Hospital gerasse prejuízos durante vários anos consecutivos, o que, de resto, ficou demonstrado que acontece no caso concreto. H. Acresce ainda que da prova testemunhal produzida nos presentes autos resulta demonstrado que no Hospital SAMS existem tabelas de preços diferenciadas para serem aplicadas em função da qualidade ou não de sócio do Impugnante, sendo que o intuito é claramente o de que os associados paguem menos do que os não associados. I. Com o devido respeito e salvo melhor opinião, a interpretação vertida na douta sentença é completamente contrária ao espírito que motivou a criação, por parte do legislador, do benefício fiscal aqui em causa. J. Com efeito, resulta do artigo 9º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2). K. Pelo supra exposto, e ressalvando sempre o devido respeito, que é muito, ao contrário do entendimento do douto Tribunal, não se poderá conceder que o SAMS, atentos os argumentos supra expostos, seja considerado uma atividade comercial, pois que o peso da prestação de cuidados de saúde no Hospital e Centros Clínicos especificamente aos associados é inegável. L. O Tribunal a quo decidiu, no mesmo pendor, condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, todavia, o direito a juros indemnizatórios traduz um dever de indemnização, ligado ao pagamento indevido de tributos e à consequente privação, por mais ou menos tempo, de disponibilidade de capital, o que não ocorreu no caso concreto. M. No caso em apreço, salvo o devido respeito, não ficou demonstrada, quanto aos atos de liquidação impugnados, a existência de qualquer erro imputável aos serviços, como exige a norma do n.º 1, do artigo 43º da LGT, pelo que, ao contrário do doutamente decidido, é de concluir que não são devidos juros indemnizatórios, com base na citada disposição legal. N. Assim, ao anular o ato de liquidação impugnado, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento em matéria de direito, razão pela qual a douta sentença recorrida não se deverá manter na ordem jurídica. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!” *** A Recorrida devidamente notificada, para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma: “I. Constitui objeto do presente Recurso a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, em 31 de maio de 2022, no âmbito do processo de Impugnação Judicial n.º 2138/09.0BELRS e que julgou totalmente procedente o pedido formulado pelo RECORRIDO e determinou a anulação da liquidação de imposto impugnada. II. Em discussão nos autos estava a (i)legalidade dos atos de liquidação de IRC e de Juros Compensatórios n.º 2008 8310038239, praticado com referência ao ano de 2004 e, bem assim, o Despacho, de 16 de outubro de 2006, proferido no uso de poderes subdelegados, pelo Senhor Diretor de Finanças Adjunto, da Divisão de Justiça Administrativa, da Direção de Finanças de Lisboa, nos termos do qual foi indeferida a reclamação graciosa apresentada contra aqueles atos de liquidação. III. Tendo o douto Tribunal a quo proferido Sentença, considerando, e bem, totalmente procedente o peticionado pelo RECORRIDO. IV. O Tribunal a quo, analisando a prova produzida pela ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA em sede inspetiva, começa o douto Tribunal a quo por expor a fundamentação vertida no Relatório de Inspeção Tributária, a qual, por economia processual, não se transcreve nesta sede e se remete para o Ponto D da Matéria de facto dada como provada, considerando, todavia, que “[a]nalisada a referida fundamentação retira-se desde logo que a AT se limitou a desconsiderar a atividade do SAMS como atividade comercial, nada invocando de facto ou de direito que sustente a sua posição a não ser a invocação do artigo 53.º do EBF.”. V. Adicionalmente, considera o Tribunal a quo que “[c]onstatou assim a AT que, os serviços prestados, independentemente do destinatário, têm o mesmo preço base, variando o valor a pagar por utente em função da prática de "descontos" que vão desde 58% a 100% (se o mesmo for beneficiário). VI. Ainda, conclui o Tribunal a quo que “[a] atividade de prestação de cuidados de saúde desenvolvida pelo Impugnante através dos SAMS em tudo se assemelha à de qualquer outro estabelecimento de saúde de natureza particular, designadamente os mais conhecidos grupos privados como sejam o Grupo L… Saúde, o Grupo C… ou o Grupo L…, entidades cuja atividade não suscita dúvidas deter natureza comercial, no sentido de que perseguem o lucro através da prestação de diversos serviços, principalmente de saúde. Com efeito a única diferença evidente entre os SAMS e esses outros Grupos tem que ver com os benefícios que os SAMS conferem ao nível do preço praticado nas suas operações aos beneficiários do Sindicato, mas que não vislumbramos que possa ser uma diferença relevante ao ponto de lhe retirar a natureza de atividade comercial.”. VII. Acrescenta, ainda, o Tribunal a quo que “[v]eja-se, de resto, que a própria AT refere que os preços normais praticados pelos SAMS são semelhantes a qualquer outro hospital/clínica privada, invocando até a lei da concorrência para os equiparar, invocação que apenas tem sentido considerando-se as atividades prestadas como tendo a mesma natureza comercial.". VIII. Invoca, ainda, o Tribunal a quo “(…) o que ficou dito nos acórdãos do TCA Sul de 13.11.2014, Proc. n.º 06538/13, de 05.02.2015, Proc. n.º 06460/13 e de 05.03.2015, Proc. n.º 06583/13, em que estava em causa para efeitos de IVA a natureza dos descontos praticados pelo ora Impugnante aos seus beneficiários nas prestações de serviços do SAMS.”, dos quais o Tribunal a quo retira que, “(…) ao contrário do que a AT considerava naqueles processos, como considerou no RIT dos presentes autos, de que os descontos efetuados pelos SAMS aos beneficiários do Sindicato, não tinham a natureza de desconto comercial (vide página 31 do RIT), o TCA Sul veio de forma reiterada considerar que tais descontos possuíam efetivamente natureza comercial (…), o que acaba por não deixar qualquer margem para dúvidas de que a atividade desenvolvida pelo Impugnante através dos SAMS assume efetivamente natureza comercial.”. IX. Acrescenta ainda o Tribunal a quo que “(…) nem sequer se consegue alcançar qual a concreta razão pela qual a AT considera ser distinta a natureza da atividade de prestação de serviços de saúde dos SAMS, da atividade de farmácia ou ótica, ou de qualquer das outras que a AT considerou ter natureza comercial, uma vez que do RIT não foi feito constar qualquer concreta razão evidente para essa distinção, o que leva a crer que o critério que esteve subjacente à correção efetuada nada teve a ver com a natureza da atividade desenvolvida pelos SAMS.”. X. Nestes termos, profere sentença o Tribunal a quo no sentido de que “(…) estando-se perante atividade de natureza comercial, o resultado obtido pelo Impugnante através da área de Hospital e Clínicas do SAMS estava sujeito a IRC, comunicando-se o mesmo aos restantes resultados das outras áreas de atividade do Impugnante também sujeitas a IRC, o que se traduz em considerar ilegal a correção efetuada e concomitantemente a liquidação impugnada por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, implicando a sua. anulação.”. XI. Contudo, não se conformando com a Sentença proferida, a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA apresenta as suas Alegações de Recurso considerando que “(…) no que concerne à aplicação da factualidade concreta da disposição da alínea b) do n.º 1 do artigo 53.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), em vigor à data dos factos, impõe-se denotar que a interpretação efetuada pela Autoridade Tributária (AT) é consentânea com a ratio legis que presidiu à criação daquela norma legal. Adicionalmente, entende a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA que “(…) de nada releva a conclusão firmada na douta sentença, acerca da similitude de funcionamento existente entre o Hospital SAMS e os restantes Hospitais privados que foram sendo citados. XII. Conclui assim, em evidente equívoco, a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA que, “[t]odavia, não podemos olvidar que a realidade com que nos deparamos é a de que o SAMS é a atividade que representa mais de 80% do volume de negócios do Impugnante, ora recorrido, sendo certo que dentro dessa percentagem existe uma proporção considerável de serviços de saúde prestados apenas e exclusivamente a associados, sendo certo que, embora se desconhecendo qual é essa proporção, a forma de organização e de funcionamento do Hospital permite que o Impugnante pratique descontos a associados que podem atingir os 80%. XIII. Conclui assim, também em evidente equívoco, que, “(…) ao contrário do entendimento do douto Tribunal, não se poderá conceder que o SAMS, atentos os argumentos supra expostos, seja considerado uma atividade comercial, pois que o peso da prestação de cuidados de saúde no Hospital e Centros Clínicos especificamente aos associados é inegável.”. XIV. Todavia, verifica-se que, conforme considerado pela Sentença em apreço, a fundamentação dos Serviços de Inspeção assenta, mesmo, em meros juízos conclusivos, suposições e presunções, sem concretização de base factual daquilo que invocam e em que, supostamente, assenta em clara e evidente violação do disposto no artigo 74.º da LGT. XV. Os Serviços de Inspeção limitam-se, num percurso argumentativo desconexo, a apresentar alegadas conclusões, com base numa ideia pré-concebida de que a atividade de prestação de cuidados de saúde do RECORRIDO não tem natureza comercial, mas sem cuidar de apresentar a base factual concretamente indicada que possa sustentar as correções efetuadas, sem confirmar a realidade material da sua afirmação, nada invocando de facto e de direito para demonstrar essa não comercialidade da atividade, o que seria necessário para demonstrar os factos constitutivos dos direitos que invoca, em cumprimento do ónus que recai sobre a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT. XVI. De facto, de acordo com o referido Relatório, as correções efetuadas prendem-se com a assunção pura e simples, sem qualquer mínimo de fundamentação substancial, de que a atividade de prestação de serviços de saúde não é uma atividade comercial e que, por esse efeito, o RECORRIDO, supostamente, viola o artigo 53.º do EBF. XVII. Acrescenta ainda, a Administração tributária que “[o] sujeito passivo encontra-se sujeito a IRC, pelo desenvolvimento de actividades comerciais, tais como são definidas no artigo 4.º do Código do IRS. Assim, e de acordo com as alíneas a), h) e i) do n.º 1 do artigo 4.º do CIRS, podemos definir quais os centros de atividade sujeitos a IRC, tendo em atenção as duas empresas (…).” — cfr. Ponto D da Matéria de facto dada como provada, também p. 27 do Relatório de Inspeção Tributária. XVIII. Ora, considerando a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LGT, teria que ser a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA a fundamentar e demonstrar que a atividade de prestação de serviços de saúde por parte do RECORRIDO não tem natureza comercial, não cabendo aqui qualquer inversão do ónus da prova que imponha que tenha que ser o RECORRIDO a demonstrar a comercialidade da sua atividade. XIX. Deste modo, bem andou a Sentença em apreço ao considerar que “(…) nem sequer se consegue alcançar, qual a concreta razão pela qual a AT considera ser distinta a natureza da atividade de prestação de serviços de saúde dos SAMS, da atividade de farmácia ou ótica, ou de qualquer das outras que a AT considerou ter natureza comercial, uma vez que do RIT não foi feito constar qualquer concreta razão evidente para essa distinção, o que leva a crer que o critério que esteve subjacente à correção efetuada nada teve a ver com a natureza da atividade desenvolvida pelos SAMS.”, o que, no entender do RECORRIDO, é demonstrativo do incumprimento do ónus da prova por parte da Administração tributária, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT. XX. Nestes termos, os factos e enquadramento jurídico apresentado pela ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA não tem a virtualidade de fazer suprir a, concreta, insuficiência da fundamentação e da prova dos factos e do direito em que assentam os pressupostos para as correções em crise e o Relatório de Inspeção que as materializam. XXI. Ainda que sendo sobre a análise da questão da falta de fundamentação, a qual o Tribunal a quo julgou improcedente, sempre será de salientar que o Tribunal a quo entendeu que “[a]inda que se compreenda parte da argumentação expendida pela Impugnante quanto à invocada falta de fundamentação, quando refere que a AT se limita a afirmar que determinadas atividades devem ser excluídas do âmbito do IRC e outras não, sem que indique quais foram excluídas em concreto, quais os critérios utilizados para desconsiderar a atividade do SAMS como comercial, a verdade é que, independentemente de se poder concluir que a fundamentação usada pela AT para realizar a correção ao nível do IRC de 2004 não se mostra suficiente para se concluir pela demonstração dos pressupostos de facto e de direito em que a mesma se baseou, quer da leitura da petição de reclamação graciosa, quer da leitura da p.i., quer inclusivamente do teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas nos presentes autos, testemunhas que acompanharam o procedimento inspetivo e que assumem posição preponderante na estrutura organizativa contabilística e financeira da Impugnante, se retira a apreensão correta do motivo que levou a AT a efetuar a correção, ou seja, que a mesma se fundou na consideração de que a atividade do SAMS não se trata duma atividade comercial, e logo não tributada em IRC por efeito do disposto no artigo 53.º do EBF. “Questão diversa é a de saber se a fundamentação usada pela AT é suficiente ou correta do ponto de vista dos factos e do direito para se concluir como aquela concluiu,” (sublinhados e negritos do Recorrido). XXII. Assim, e tendo em consideração todo o exposto, as Liquidações em causa, além de violam as regras do ónus da prova, pelo que, será de se concluir pela ilegalidade da correção efetuada em sede inspetiva, por a Administração tributária não ter demonstrado naquele âmbito os pressupostos de que dependia a tributação. XXIII. Deve, assim, também por isso, ser negado integral provimento ao Recurso interposto pela ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA, confirmando-se a Sentença recorrida e a anulação das liquidações em questão, com as demais consequências legais daí decorrentes. XXIV. Ainda que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sempre se dirá o seguinte quanto à comercialidade da atividade de prestação de cuidados de saúde por parte do RECORRIDO. XXV. Como referido na petição inicial, as associações sindicais encontram-se isentas de IRC, exceto no que se refere a rendimentos decorrentes do exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas. XXVI. O conceito jurídico de atividade comercial ou industrial, para efeitos de IRS, há-de ser determinado pelo conceito económico de atividade comercial ou industrial, que abrange atividades de mediação entre a oferta e a procura e atividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objetivo de obtenção de lucros, sendo que o pressuposto do conceito de atividade comercial ou industrial é a existência de um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma atividade (mesmo que expressa em um só ato) traduzida na criação de uma utilidade económica, objeto de troca, resultante de uma qualquer relação do agente/contribuinte com terceiro, em que, satisfazendo-se necessidades económicas deste, saia aumentado o património daquele (mediação entre oferta e procura) haverá uma atividade comercial e, se existir a incorporação de novas utilidades no bem objeto da atividade em questão, haverá uma atividade comercial — cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido a 18 de junho de 2020, no âmbito do Processo n.º 00148/06.8BEPRT; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a 18 de abril de 2018, no âmbito do Processo n.º 264/13.0BEALM; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 24 de fevereiro de 2016, no âmbito do Processo n.º 0580/15; no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a 22 de janeiro de 2015, no âmbito do Processo n.º 05413/12; ou ainda, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a 18 de dezembro de 2014, no âmbito do Processo n.º 06628/13. XXVII. O RECORRIDO é uma entidade representativa de uma classe profissional, tendo sempre atuado numa conduta que se pauta pelo escrupuloso cumprimento das regras, sejam fiscais ou de outra natureza, a que está adstrita, considerando que a prestação de serviços de cuidados de saúde devem ser sujeitas a imposto sobre o rendimento. Esta atividade é, desde logo, a que mais recursos consome, facto este demonstrado pela circunstância de a atividade de prestação de cuidados de saúde representar 80% do volume de negócios do RECORRIDO — cfr.Ponto K da Matéria de facto dada como provada XXVIII. A natureza iminentemente comercial desta atividade resulta, ainda, do facto do RECORRIDO de ter estrutura organizativa equiparável e semelhante à de outras instituições da mesma natureza, numa estrutura organizativa do tipo empresarial cuja natureza comercial da atividade prosseguida não é questionada. Esta atividade – hospitalar e clínica – implica a afetação de (avultados) recursos humanos, materiais e técnicos ao exercício de uma atividade comercial previamente estabelecida, designadamente, em termos da aquisição e manutenção dos equipamentos necessários à prestação dos serviços de saúde que abarcam a quase totalidade de áreas de especialidade da medicina. XXIX. Relativamente à caracterização da atividade hospitalar e de prestação de cuidados de saúde, entende o RECORRIDO que está em causa a prestação de serviços técnicos, remunerada através da aplicação das tabelas de preços em vigor e que são, aliás, do conhecimento da Administração tributária e reconhecido na Sentença proferida, que visam proporcionar um “estado de completo bem-estar físico mental e social e não consistindo somente de uma ausência de doença ou enfermidade”. XXX. Em face de que tudo o que se deixa exposto, o ora RECORRIDO conclui que estamos perante uma organização de pessoas e de bens que tem por objeto o exercício de uma atividade económica – a prestação remunerada de serviços de cuidados de saúde –, previamente definida, e constante do “objeto social” do ora RECORRIDO, que não se mostra de mera fruição. Neste sentido, deve a atividade ser enquadrada na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º e no artigo 4.º, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, considerando-se como lucros tributáveis / prejuízos reportáveis, os resultados contabilísticos, corrigidos de acordo com a lei fiscal. XXXI. Conclui-se, assim, que à luz do disposto no artigo 53.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (aplicável à data dos factos), sobre os respetivos resultados incide IRC, pelo que o ora RECORRIDO, bem, incluiu esses mesmos resultados na sua Declaração de Rendimentos de IRC e, neste sentido, também por isso, deve ser negado integral provimento ao Recurso interposto pela Administração tributária, confirmando-se a Sentença recorrida e a anulação das liquidações em questão, com as demais consequências legais daí decorrentes. XXXII. Tendo presente todo o exposto, conclui-se, de forma insofismável, que a Sentença recorrida não merece qualquer censura. XXXIII. Mais se conclui que a Sentença recorrida configura, mesmo, a única solução possível e aplica de forma irrepreensível os princípios e as normas jurídicas a que o presente caso se encontra submetido. XXXIV. Tudo visto, não se identificam, nem a Recorrente aponta, quaisquer razões válidas que afetem a validade ou a justiça da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, devendo, portanto, a Sentença manter-se e o recurso apresentado pela Fazenda Pública ser indeferido, com todas as consequências legais daí decorrentes. NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ O RECURSO APRESENTADO PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA SER CONSIDERADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, CONFIRMANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA, COM TODAS AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DAÍ DECORRENTES.” *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. *** Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão. *** II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: “Com relevância para a decisão da presente impugnação, consideram-se provados os seguintes factos: Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados: “A) O Impugnante possui a natureza de organização sindical, tendo como objetivo essencial a defesa dos interesses profissionais, económicos, sociais e morais dos seus associados, competindo-lhe, para a realização dos seus fins, gerir o Serviço de Assistência Médico Social (SAMS), prestar serviços de ordem económica e/social aos seus associados e fomentar o desenvolvimento e organização de obras sociais e promover ou participar na organização de iniciativas sociais, culturais ou desportivas que favoreçam o aproveitamento dos tempos livres dos associados e respetivos agregados familiares (acordo e fls. 117 e 118 dos autos). B) Em cumprimento das Ordens de Serviço nºs 54414 e 54415, de 18.10.2000, 56484, 56485 e 56486 de 14.12.2000, 60928, 60929, 60930, 60931, 60932 e 60933 de 17.04.2001, 64515 de 26.07.2001, 64691 de 03.08.2001 e 66161 de 10.09.2001, 66692 e 66693 de 25.09.2001, 67689 de 23.10.2001, 71915, 71916, 71917 e 71918 de 18.01.2002, 72431 de 06.02.2002, 73327 de 12.03.2002 e 75286 de 08.05.2002, os Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Lisboa desenvolveram ação de inspeção à ora Impugnante incidente sobre IVA, tendo como base os pedidos de reembolso de IVA respeitantes aos períodos compreendidos entre 01.01.2000 e 31.12.2001 (cfr. fls. 152 e ss. dos autos). C) Em cumprimento das Ordens de Serviço n°s 01200600915, 01200800236 e 01200800237, abertas em 2006.02.06 e em 2008.01.21, foi desenvolvida ação de inspeção dirigida ao Impugnante, de âmbito geral e incidente sobre os exercícios de 2004 a 2006, tendo o Relatório Final da Ação Inspetiva (RIT) sido concluído em 28.10.2008 (cfr. fls. 110 a 150 dos autos). D) Consta do RIT referido na alínea antecedente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais a fls. 89 a 136 dos autos, designadamente o seguinte: “I – CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA E) Em concretização das correções vertidas no Relatório de Inspeção referido na alínea antecedente, foi em 27.11.2008 emitida a liquidação adicional de IRC do exercício de 2004, com o nº 2008 8310038239, que gerou uma nota de compensação no montante total a pagar de 606.399,61€, que inclui juros compensatórios no montante de 72.841,92€ (cfr. fls. 51 a 53 dos autos). F) Em 22.04.2009 a Impugnante apresentou junto do SF de Lisboa 3 a Garantia Bancária nº 36230484100405, emitida pelo Banco S…, pelo montante total de 1.241.389,75€, para suspensão do processo de execução fiscal nº 3085200901011812, instaurado pelas dívidas resultantes da liquidação impugnada nos presentes autos e na liquidação adicional de IRC do exercício de 2005 (cfr. fls. 182 a 184 dos autos que constitui o doc. nº 10 junto com a p.i.). G) Notificada da liquidação referida em E), a Impugnante apresentou em 07.05.2009 reclamação graciosa contra aquela, a qual foi instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 3 sob o nº 3085200904001060 e na Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa sob o nº REC 989/09 (cfr. fls. 54 a 89 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). H) Por despacho proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa em 16.10.2009, foi a reclamação graciosa indeferida, com a fundamentação constante de fls. 92 a 99 e 4 a 50 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. I) Notificado da decisão referida na alínea antecedente, o Impugnante deduziu a presente impugnação judicial em 06.11.2009 (cfr. fls. 2 dos autos). J) A Impugnante a partir do exercício de 2007 passou a considerar nas suas declarações Modelo 22 o entendimento vertido pela AT no RIT transcrito na alínea D) (prova testemunhal). K) Os SAMS representam mais de 80% do volume de negócios do Impugnante, dispondo de um Hospital, 5 clínicas periféricas e mais 10 regionais, na zona de abrangência do Impugnante (prova testemunhal). L) O Impugnante tem cerca de 1550 trabalhadores, dos quais cerca de 1350 estão adstritos à atividade da saúde (prova testemunhal). M) Podem aceder ao Hospital SAMS e às clínicas médicas, não só todos os beneficiários dos SAMS e seus familiares, como também utentes de Acordos, Parcerias e Seguradoras, assim como utentes particulares (prova testemunhal). N) A Impugnante efetuou em 20.12.2013 o pagamento da liquidação de IRC impugnada nos autos ao abrigo do Decreto-Lei nº 151-A/2013, de 31.10, pelo valor de 533.557,69€, beneficiando do perdão do pagamento dos juros compensatórios (cfr. fls. 262 dos autos).” *** A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte: “Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.” *** Mais ficou consignado que a decisão da matéria de facto “A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo, e no processo de reclamação graciosa apenso, tendo a prova testemunhal apenas relevado para os factos dados como provados em J), K), L) e M), atendendo a que as testemunhas revelaram um conhecimento profundo sobre a estrutura e funcionamento do Impugnante, prestando depoimentos espontâneos, isentos e credíveis. No demais, a prova testemunhal teve apenas como âmbito a explicação do modo de funcionamento do Impugnante, na perspetiva de cada uma das testemunhas, incidindo sobretudo em opiniões pessoais das mesmas, sem incidência em factos concretos suscetíveis de integração na matéria de facto.” *** III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, na parte em que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de IRC, do exercício de 2004. Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que: i. A AT cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia; ii. O Tribunal a quo adotou uma interpretação que viola a letra e a ratio legis do artigo 53.º, nº1, alínea b), do EBF, descurando premissas de facto inerentes à própria atividade dos Serviços De Assistência Médico Social (Sams), mormente, forma de organização e de funcionamento do Hospital, que inviabilizam a sua qualificação como atividade comercial; iii. Não resultou demonstrada a existência de qualquer erro imputável aos serviços, donde o reconhecimento de juros indemnizatórios, conforme preceitua o n.º 1, do artigo 43.º da LGT. Apreciando. Alega a Recorrente que a interpretação propugnada pelo Tribunal a quo, desvirtua a alínea b), do n.º 1, do artigo 53.º do EBF, porquanto inversamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, não podemos comparar o funcionamento existente entre o Hospital SAMS e os restantes Hospitais privados. Densifica que, não obstante a atividade desenvolvida pelo SAMS representar mais de 80% do volume de negócios do ora Recorrido, a verdade é que dentro dessa percentagem existe uma proporção considerável de serviços de saúde prestados apenas e exclusivamente a associados, o que permite, portanto, que o Impugnante pratique descontos a associados que podem atingir os 80%. Desfecha, portanto, que ao contrário do entendimento constante na decisão recorrida, não se poderá conceder que o SAMS seja considerado uma atividade comercial, porquanto o peso da prestação de cuidados de saúde no Hospital e Centros Clínicos especificamente aos associados é inegável. Conclui, no atinente à condenação no pagamento de juros indemnizatórios, que não resultou demonstrado o erro imputável aos serviços, não se subsumindo, assim, no artigo 43.º da LGT. Dissente a Recorrida propugnando pela manutenção da decisão recorrida, na medida em que estabeleceu uma correta interpretação do quadro normativo aplicável com a devida transposição para a realidade fática dos autos. Sustenta, neste particular, que conforme ajuizado na decisão recorrida a AT se limitou a desconsiderar a atividade do SAMS como atividade comercial, nada invocando de facto ou de direito que sustente a sua posição a não ser a invocação do artigo 53.º do EBF. Adensa, para o efeito, que a AT se limitou a apresentar conclusões, com base numa ideia pré-concebida de que a atividade de prestação de cuidados de saúde do Recorrido não tem natureza comercial, mas sem cuidar de apresentar a base factual concretamente indicada que possa sustentar as correções efetuadas, sem confirmar a realidade material da sua afirmação, nada invocando de facto e de direito para demonstrar essa não comercialidade da atividade, em ordem ao seu ónus e de acordo com o consignado no artigo 74.º da LGT. Mais enfatizando que, ademais, o conceito de atividade comercial abrange atividades de mediação entre a oferta e a procura e atividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, donde o pressuposto é a existência de um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma atividade (mesmo que expressa em um só ato) traduzida na criação de uma utilidade económica, objeto de troca, resultante de uma qualquer relação do agente/contribuinte com terceiro, em que, satisfazendo-se necessidades económicas deste, saia aumentado o património daquele (mediação entre oferta e procura). O Tribunal a quo, por seu turno, após discorrer sobre o regime jurídico aplicável, e tecer os considerandos de direito que reputou de relevo para o caso vertente, concluiu pela ilegalidade do ato impugnado, externando, desde logo, que: “[A]nalisada a referida fundamentação retira-se desde logo que a AT se limitou a desconsiderar a atividade do SAMS como atividade comercial, nada invocando de facto ou de direito que sustente a sua posição a não ser a invocação do artigo 53º do EBF (…). Densificando, ulteriormente e em razão da prova produzida nos autos que: “A atividade de prestação de cuidados de saúde desenvolvida pelo Impugnante através dos SAMS em tudo se assemelha à de qualquer outro estabelecimento de saúde de natureza particular, designadamente os mais conhecidos grupos privados como sejam o Grupo L… Saúde, o Grupo C… ou o Grupo L…, entidades cuja atividade não suscita dúvidas deter natureza comercial, no sentido de que perseguem o lucro através da prestação de diversos serviços, principalmente de saúde. Com efeito a única diferença evidente entre os SAMS e esses outros Grupos tem que ver com os benefícios que os SAMS conferem ao nível do preço praticado nas suas operações aos beneficiários do Sindicato, mas que não vislumbramos que possa ser uma diferença relevante ao ponto de lhe retirar a natureza de atividade comercial. Veja-se, de resto, que a própria AT refere que os preços normais praticados pelos SAMS são semelhantes a qualquer outro hospital/clínica privada, invocando até a lei da concorrência para os equiparar, invocação que apenas tem sentido considerando-se as atividades prestadas como tendo a mesma natureza comercial.(…) Por fim apenas diremos que nem sequer se consegue alcançar qual a concreta razão pela qual a AT considera ser distinta a natureza da atividade de prestação de serviços de saúde dos SAMS, da atividade de farmácia ou ótica, ou de qualquer das outras que a AT considerou ter natureza comercial, uma vez que do RIT não foi feito constar qualquer concreta razão evidente para essa distinção, o que leva a crer que o critério que esteve subjacente à correção efetuada nada teve a ver com a natureza da atividade desenvolvida pelos SAMS. Concluindo, depois, que: “Desta forma, estando-se perante atividade de natureza comercial, o resultado obtido pelo Impugnante através da área de Hospital e Clínicas do SAMS estava sujeito a IRC, comunicando-se o mesmo aos restantes resultados das outras áreas de atividade do Impugnante também sujeitas a IRC, o que se traduz em considerar ilegal a correção efetuada e concomitantemente a liquidação impugnada por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, implicando a sua anulação. (…) tendo-se concluído que as liquidações de imposto impugnadas padecem de vício de violação de lei, daí decorre que as mesmas são consequência de um erro imputável ao serviço nos termos da citada disposição, pelo que se encontram reunidos os pressupostos para a condenação da AT a pagar juros indemnizatórios à impugnante, nos termos do disposto nos artigos 61°, do CPPT e 43°, n° 1, da LGT.” Aqui chegados, externada a posição das partes e convocada a fundamentação jurídica que esteou a procedência, importa, ora, ter presente as razões constantes no Relatório de Inspeção Tributária que alicerçaram as correções, ora em contenda, as quais podem ser sintetizadas da seguinte forma: No que respeita ao SAMS, a AT enuncia que o mesmo agrupa prestação de serviços clínicos, através de consultas, serviços de internamento, urgências, atendimento permanente, meios complementares de diagnóstico, farmácias, óptica e lar para idosos. Densificando, depois, que estes serviços são prestados através de: • Centros Clínicos implantados na área geográfica de representação do Sindicato; Concluindo, depois, que o sujeito passivo se encontra sujeito a IRC, pelo desenvolvimento de atividades comerciais, tais como são definidas nas alíneas a), h) e i) do n.° 1, do artigo 4.º, do CIRS, circunscrevendo quais os centros de atividade sujeitos a IRC, tendo em atenção as duas empresas, SBSI e SAMS, segmentando, da seguinte forma:
Face ao supra evidenciado, entendeu a AT que os resultados apurados e declarados, pelo sujeito passivo, em sede de IRC, no âmbito dos serviços prestados pelo SAMS não se encontram de acordo com os pressupostos legais constantes no artigo 53.º do EBF. Vejamos, então, se a decisão recorrida padece da censura que é endereçada. Apreciando. Comecemos por convocar o quadro jurídico aplicável. Importa, desde logo, convocar o teor do artigo 53.º do EBF, na redação à data da prática dos factos tributários, o qual sob a epígrafe de “Associações e confederações” dispunha, designadamente, o seguinte: “1 - Ficam isentos de IRC, exceto no que respeita a rendimentos de capitais e a rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, tal como são definidos para efeitos de IRS, e sem prejuízo do disposto no número seguinte: a) As pessoas coletivas públicas, de tipo associativo, criadas por lei para assegurar a disciplina e representação do exercício de profissões liberais; b) As confederações e associações patronais e sindicais. 2 - Ficam isentos de IRC os rendimentos das associações sindicais e das pessoas coletivas públicas, de tipo associativo, criadas por lei para assegurar a disciplina e representação do exercício de profissões liberais, derivados de ações de formação prestadas aos respetivos associados no âmbito dos seus fins estatutários. 3 - Ficam isentos de IRC os rendimentos obtidos por associações de pais derivados da exploração de cantinas escolares.” Face à remissão consignada no nº1, do preceito legal citado anteriormente, cumpre chamar à colação o estatuído no artigo 4.º, do CIRS, o qual a propósito da abrangência de atividades comerciais e industriais, estabelece um elenco exemplificativo (1-Quanto à natureza meramente exemplificativa, Vide, designadamente, Manual do IRS, M.F.A.P, DGI, Centro de Formação, página 36 na qual se expressa, inclusive, que o citado normativo define os rendimentos comerciais, industriais e agrícolas, abrangendo mais situações que as relativas ao conceito jurídico de comércio e indústria.), do qual se extrata, designadamente, o seguinte: “1 - Consideram-se atividades comerciais e industriais, designadamente, as seguintes: a) Compra e venda; b) Fabricação; c) Pesca; d) Explorações mineiras e outras indústrias extrativas; e) Transportes; f) Construção civil; g). Urbanísticas e exploração de loteamentos; h) Atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas, bem como a venda ou exploração do direito real de habitação periódica; i) Agências de viagens e de turismo; j) Artesanato; l) Atividades agrícolas e pecuárias não conexas com a exploração da terra ou em que esta tenha carácter manifestamente acessório; m) Atividades agrícolas, silvícolas e pecuárias integradas noutras de natureza comercial ou industrial.” Dir-se-á, portanto, que o conceito económico de atividade comercial ou industrial, abrange atividades de mediação entre a oferta e a procura e atividade de incorporação de novas utilidades na matéria, com fins especulativos (2-Vide, designadamente, Acórdão STA, proferido no processo nº 0580/15, de 24.02.2016, e TCAS, prolatado no processo nº 06628/13 18.12.2014.) . Com efeito, abrange um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma atividade traduzida na criação de uma utilidade económica. Por seu turno, no concernente à base de imposto do IRC, cumpre ter presente que em ordem ao consignado no artigo 3.º, nº1, alíneas a), e b), o mesmo incide sobre: “a) O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas coletivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola; b) O rendimento global, correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito, das pessoas coletivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que não exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”. Regulamenta, por seu turno, o nº 4, do artigo 3.º, do CIRC que são atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola “todas as atividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços". Ora, mediante interpretação conjugada dos aludidos normativos resulta que as entidades residentes são tributadas pelo lucro ou pelo rendimento global, correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS, consoante exerçam ou não, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, respetivamente. Sendo que, enquanto para as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, às cooperativas e empresas públicas, a lei considera e integra como exercendo, sempre, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, quanto às demais pessoas coletivas de direito público ou privado, com sede ou direção efetiva em território português, há que indagar e corporizar, de forma casuística, qual é a atividade, efetivamente, desenvolvida. No concreto particular das Associações Sindicais, as mesmas beneficiam de isenção subjetiva de IRC, sendo, no entanto, tributadas pelos rendimentos de capitais, comerciais, industriais ou agrícolas, que aufiram. Daí se retirando, portanto, que para a determinação da base de incidência do IRC tem de existir como predicado e premissa base o desenvolvimento pelo sujeito passivo de uma atividade de natureza comercial, estruturada por uma unidade jurídica fundada numa organização de meios que constitui um instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma atividade económica de produção para a troca, cedem-se bens ou serviços para obter outros em troca, especialmente, dinheiro (3-Vide, neste âmbito, J.M.Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume I, 13ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pp.246 a 248 e Ac. STA, proferido no processo nº 0419/12, de 07.12.2022.). Visto o regime normativo e traçados os considerandos de direito que relevam para o caso vertente, nenhuma censura há a apontar à decisão recorrida na medida em que, por um lado, se aquiesce que, efetivamente, a AT não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, atenta inclusive a presunção da verdade declarativa contemplada no artigo 75.º da LGT, e por outro lado, o Recorrido demonstrou que a atividade de prestação de cuidados de saúde desenvolvida através do SAMS consubstancia, efetivamente, uma atividade comercial em nada podendo relevar, nesse e para esse efeito, as tabelas e os descontos praticados aos seus associados, na medida em que tais premissas não permitem descaraterizar o âmbito e a finalidade especulativa subjacente, porquanto, como veremos, o conceito de atividade comercial tem uma conotação objetiva. Senão vejamos. Conforme bem evidenciado na decisão recorrida, a AT no respetivo Relatório de Inspeção Tributária não densifica a concreta asserção atinente à falta de preenchimento do conceito de atividade comercial, não enunciando, de forma minimamente substanciada, as razões porque entende que tais prestações de serviços não congregam em si a prática de uma atividade comercial. Enfatize-se, neste concreto particular, que a AT se limita, de forma conclusiva, a alocar determinadas atividades como comerciais, designadamente, as coadunadas com farmácia e óptica, e a apartar, per se, as ora em contenda, sem que se percecionem os motivos subjacentes a essa concreta segmentação, e ulterior qualificação. Ficam, assim, por esclarecer, adensar e corporizar as razões específicas pelas quais as atividades em contenda, não são passíveis de qualificação e configuração como atividades comerciais, quando, ademais, flui do Relatório de Inspeção Tributária, e da demais prova carreada aos autos e corporizada no probatório, não impugnado, que essa atividade tem uma expressão tão significativa, e com um aporte de meios humanos inegavelmente expressivo. Note-se que, gozando o contribuinte da presunção de verdade da sua declaração, competia à AT o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação. O que significa que, in casu, tinha o ónus de demonstrar factualidade suscetível de abalar a presunção de veracidade dos rendimentos declarados pelo Impugnante, ora Recorrido, só então passando a competir ao mesmo o ónus da prova de que os mesmos correspondem à realidade. Sem embargo do exposto, conforme evidenciado anteriormente, e no sentido também preconizado na decisão recorrida, a prova realizada nos autos permite concluir no sentido por si alegado e propugnado. A AT, como visto, considerou como rendimentos de natureza comercial, portanto sujeitos a tributação, os rendimentos auferidos pelo Recorrido pelas suas atividades de Centro de Férias, Parque de Campismo, Aluguer de Apartamentos, Viagens e excursões, e dentro do âmbito da atividade dos SAMS, a atividade de farmácia, ótica, concessão dos Bares, concessão do Bazar e de Parque de Estacionamento, excluindo a atividade desenvolvida pelo Hospital SAMS e das restantes clínicas pela prestação de cuidados de saúde. Porém, não lhe assiste razão. Com efeito, do recorte probatório dos autos resulta que a prestação de serviços pelo SAMS, engloba consultas, serviços de internamento, urgências, atendimento permanente, meios complementares de diagnóstico, farmácias, óticas e lar para idosos, cuja prestação é concretizada mediante os respetivos centros clínicos implantados, no Hospital sito em Lisboa, na farmácia no Centro Clínico de Lisboa, diversas óticas e lar para Idosos no distrito de Setúbal. Podendo, para o efeito, aceder ao Hospital SAMS e às clínicas médicas, não só todos os beneficiários dos SAMS e seus familiares, como também utentes de Acordos, Parcerias e Seguradoras, e utentes particulares. Sendo, outrossim, de sublinhar que os núcleos relativos à atividade do Hospital, são os inerentes a qualquer serviço hospitalar composto pelas valências de internamento, ambulatório e urgências. Dimanando, ainda como realidade de facto provada, que os SAMS representam mais de 80% do volume de negócios do Recorrido, detendo cerca de 1550 trabalhadores, dos quais cerca de 1350 estão adstritos à atividade da saúde. Ora, face à realidade de facto supra expendida, ter-se-á de secundar a fundamentação jurídica constante na decisão recorrida no sentido de que a atividade de prestação de serviços médicos pelo SAMS consubstancia, efetivamente, uma atividade de natureza comercial. É certo que, conforme aduzido pela Recorrente existe uma diferença de tratamento e mesmo de faturação relativamente aos beneficiários do SAMS e terceiros, entenda-se particulares, mas a verdade é que tal, conforme já evidenciado, em nada permite descaraterizar o âmbito comercial da atividade desenvolvida. Reitere-se e sublinhe-se que, o caráter empresarial da atividade não depende da finalidade prosseguida por quem a exerce, nem pelo facto de a mesmo poder conferir descontos a seus associados, em clínicas e hospitais integrantes da sua rede. Note-se que, a concreta qualificação de uma iniciativa como “operação económica” acarreta “(…) um juízo a exprimir-se em termos rigorosamente objetivos, e não subjetivos, isto é, independentemente daqueles que possam ser, em concreto, os motivos e os interesses individuais que levaram o sujeito a concluí-la”. Como se doutrina no Aresto do STA, prolatado no processo nº 0419/12.4BEPRT, de 07.12.2022 “[o] conceito de atividade comercial é associado a uma expressão que tem uma conotação objetiva, isto é, ao conteúdo objetivo das operações e não às pessoas que as realizam e aos motivos porque as realizam.(…) [a]o aludir ao «caráter empresarial», o legislador não pretendeu senão enquadrar as operações numa estrutura organizatória (colocação dos fatores produtivos numa organização adequada a gerar uma cadeia de valor) e na dinâmica das organizações que exprime sobretudo a ideia de reiteração: a prática reiterada de determinadas operações económicas.” Ademais, há que ressalvar e salientar que, mesmo quando o SAMS confere benefícios ao nível do preço praticado nas suas operações aos beneficiários do Sindicato, a verdade é que, ainda assim, não deixa de cobrar o preço que se encontra tabelado. Logo, a concessão de desconto aos associados, não tem, de todo, o alcance que lhe pretende conferir a Recorrente. De resto, é a própria AT que evidencia, de forma expressa, no seu Relatório de Inspeção Tributária-ainda que, ora, propugne num sentido contrário, mas, naturalmente, sem qualquer relevo, porquanto não representa fundamentação contemporânea do ato- que os serviços prestados, independentemente do destinatário, têm o mesmo preço base, e que os SAMS praticam preços semelhantes a qualquer outro hospital/clínica privada. Ora, face ao supra expendido não se vislumbra de que forma os aludidos serviços não assumem natureza comercial. Com efeito, sendo incontestável e não controvertido, que por força do que decorre dos seus estatutos, o Impugnante, ora Recorrido, presta serviços médicos de saúde, quer aos seus associados, quer a terceiros, auferindo, para o efeito, proveitos resultantes dessa mesma prestação de serviços e conexos com o seu objeto, ter-se-á de concluir que exerce nesse concreto particular e domínio uma atividade de natureza comercial (5-Vide, quanto ao âmbito e abrangência de atividade comercial, designadamente, os Acórdãos proferidos pelo STA, no âmbito dos processos nºs 02739/08.3BEPRT, de 26.10.2022, e 4/16.1BEPRT, de 27.10.2021.). Destarte, conclui-se que, in casu, existe, por um lado, um meandro operacional, organizativo, mormente, em termos de património, recursos humanos, meios técnicos e administrativos, que tem total afinidade e semelhanças com a dos demais grupos de prestação de serviços de saúde, e por outro lado, é, igualmente, análoga a finalidade visada da prestação de serviços onerosa, ou seja, a obtenção de proveitos. Logo, deve ser reputada enquanto atividade comercial, e tributada nessa conformidade. De relevar, in fine, que se secunda o apelo e subsídio interpretativo constante na decisão recorrida -a situações similares ainda que no âmbito do IVA, concatenadas com a qualificação da natureza dos descontos praticados pelo Recorrido aos seus associados, nas prestações de serviços do SAMS- que permite inferir no sentido, ora, propugnado da natureza comercial da atividade subjacente. [Vide, designadamente, os Arestos deste TCAS, proferidos a 13.11.2014, processo n° 06538/13, a 05.02.2015, processo n° 06460/13 e a 05.03.2015, processo n° 06583/13 (6-Todos inéditos.)] Face ao exposto, conclui-se, em ordem à organização e estrutura empresarial devidamente densificada anteriormente-semelhante, como vimos, aos dos demais Grupos públicos e privados na área da saúde- ao concreto acesso dos serviços prestados-público em geral- à própria paridade e onerosidade da prestação, e à natureza comercial dos descontos efetuados, pela natureza comercial da atividade hospitalar e de prestação de cuidados de saúde prosseguida pela Impugnante, através do SAMS. Destarte, tendo sido essa a fundamentação e o sentido da decisão recorrida, a mesma não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados. Subsiste apenas aferir do erro de julgamento atinente aos juros indemnizatórios, na medida em que a Recorrente ajuíza que a situação não é passível de ser configurada enquanto erro imputável aos serviços, donde, com enquadramento legal no artigo 43.º, da LGT. Vejamos, então, evidenciando, desde já, que não lhe assiste razão. A decisão recorrida, neste concreto particular, aduz o seguinte discurso fundamentador: “[t]endo-se concluído que as liquidações de imposto impugnadas padecem de vício de violação de lei, daí decorre que as mesmas são consequência de um erro imputável ao serviço nos termos da citada disposição, pelo que se encontram reunidos os pressupostos para a condenação da AT a pagar juros indemnizatórios à impugnante, nos termos do disposto nos artigos 61°, do CPPT e 43°, n° 1, da LGT.” Mais densifica, por apelo a Jurisprudência que reputa transponível para o caso vertente que: “Como referido no acórdão do STA de 30.11.2004, proferido no processo nº 01052/04, o “desaparecimento do acto tributário de liquidação, seja por força da satisfação da reclamação graciosa, seja por obra da procedência da impugnação judicial, impõe à Administração Fiscal que reconstitua a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto tributário anulado. Tal inclui, necessariamente, a restituição da quantia que ao contribuinte foi indevidamente exigida e que ele satisfez. Mas também integra a reconstituição da situação o pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que o contribuinte esteve, desde o pagamento que efectuou, até ao reembolso, privado da utilização do correspondente capital” (no mesmo sentido, entre outros, os acórdãos do TCA Sul, proferido em 31.01.2012, no processo nº 05110/11 e em 23.10.2012, no processo nº 05791/12).” E a verdade é que, esse juízo de entendimento não padece de qualquer erro de julgamento, na medida em que a existência de um vício de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito -como in casu- constitui, inequivocamente, erro imputável aos serviços. Note-se que, o erro imputável aos serviços engloba a falta do próprio serviço, particularmente, a emissão de um ato de liquidação ilegal, e por isso ilícito, legitimando, assim, a responsabilidade por juros indemnizatórios [Vide Acórdão do STA, proferido em Plenário da Secção de Contencioso Tributário, processo nº 0632/14, de 21.01.2015]. Destarte, face a todo o expendido, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, ter-se-á de concluir que deve ser reconhecido o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios, na medida em que o ato de liquidação adicional sub judice, foi, erradamente, emitido, motivando o seu pagamento indevido, em nada podendo ser convocada uma conduta ativa e atuação culposa do Recorrido para a sua concreta emissão. Em face de tudo o que vem sendo dito, conclui-se que se verificam os requisitos para o reconhecimento, no caso em apreciação, do direito do Recorrido ao pagamento dos juros indemnizatórios, já que o tributo foi pago e a liquidação impugnada resulta de erro imputável aos serviços, erro esse determinante da anulação do ato impugnado. E por assim ser, tendo a sentença recorrida decidido nesse sentido, julgou com acerto e de acordo com a lei aplicável, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica. *** Uma última nota quanto à dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça. No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo, outrossim, que as questões em apreciação já foram objeto de apreciação por este Tribunal, acarretando, assim, menor complexidade na solução jurídica das questões decidendas, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, na parte em que excede os €275.000,00. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, Subsecção comum, deste Tribunal Central Administrativo Sul em: -NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, E EM CONSEQUÊNCIA MANTER A DECISÃO RECORRIDA, com a consequente manutenção do ato impugnado na ordem jurídica. Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00. Registe. Notifique. Lisboa, 11 de julho de 2024 (Patrícia Manuel Pires) (Cristina Coelho da Silva) (teresa Costa Alemão) |