Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:647/22.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/30/2025
Relator:ÂNGELA CERDEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IVA
LEGITIMIDADE RECURSIVA
PRINCÍPIO IURA NOVIT CURIA
LEGITIMIDADE DO REPERCUTIDO PARA IMPUGNAR
IMPOSSIBILIDADE OU DIFICULDADE EXCESSIVA
OBJECTO DA ACÇÃO
Sumário:I - Não é admissível a interposição de um recurso independente ou subordinado pela Fazenda Pública, quando resulta da contestação apresentada nos autos que a mesma deduziu defesa por exceção, através da invocação de exceções dilatórias pedindo a sua absolvição da instância e, subsidiariamente, por impugnação, vindo o Tribunal a quo a absolver da instância a Fazenda Pública, uma vez que o “pedido” deduzido a título principal obteve provimento;
II – Nas situações em que se afigure impossível ou excessivamente difícil para o adquirente obter, junto do vendedor ou prestador de serviços, o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago, deve-lhe ser reconhecida legitimidade para contestar diretamente a legalidade das liquidações de IVA.
III – À interpretação dos articulados aplicam-se os princípios de interpretação das declarações negociais pelo que aquelas declarações valem com o sentido que um declaratário normal deva retirar das mesmas e tal interpretação deve ter presente a máxima da prevalência do fundo sobre a forma.
IV - Não é pelo facto de a liquidação do IVA ser efectuada, por imposição legal, diretamente pelo prestador do serviço, que liquida e arrecada o imposto em substituição da Administração Tributária, que esse ato deixa de consubstanciar a liquidação de um tributo.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

Na Impugnação Judicial deduzida por INEM – Instituto Nacional de Emergência Médica, I.P., no Tribunal Tributário de Lisboa, contra a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa que tinha por objecto “os atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado, subjacentes às (…) faturas emitidas pela sociedade B.... Unipessoal, Lda., foi proferida sentença, em 20/12/2022, com o seguinte segmento decisório:

“i) Julga-se improcedentes por não provadas as invocadas exceções dilatórias de erro na forma do processo e ausência de objeto do processo; e

ii) Julga-se procedente por provada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa do Impugnante, pelo que se absolve a Fazenda Pública da Instância.

(…)”.

Inconformadas com o decidido, ambas as partes interpuseram recurso de apelação, apresentando as respectivas alegações.

Nas contra-alegações de recurso, a Fazenda Pública veio interpor, a título subsidiário (no caso de não admissão do recurso independente), recurso subordinado e, subsidiariamente ainda, a ampliação do recurso interposto pelo INEM – Instituto Nacional de Emergência Médica, I.P., com vista ao conhecimento das exceções dilatórias de nulidade por erro na forma do processo e de nulidade por carência de objeto.


*

No seu requerimento de recurso, a Fazenda Pública veio pugnar pela admissão do mesmo, por se encontrarem reunidos os pressupostos para o efeito, alegando, fundamentalmente, o seguinte:

- Constitui objeto do presente recurso somente a primeira decisão contida na sentença: o julgamento de improcedência das exceções dilatórias de erro na forma do processo e de ausência de objeto;

- O presente requerimento de interposição de recurso não contempla a segunda decisão proferida por este douto Tribunal, em que a Fazenda Pública é a parte vencedora;

- Atento (a) o objeto do presente recurso, (b) o julgamento de improcedência constante do objeto do presente recurso, e (c) o facto de a Fazenda Pública ser a parte vencida quanto a esse julgamento, afigura-se que a Fazenda Pública tem legitimidade, nos termos do n.º 1 do artigo 280.º do CPPT para interpor o presente recurso;

- a prolação de uma sentença como a objeto do presente recurso, que julgou improcedente a nulidade de erro na forma do processo e ausência de objeto não são inócuas para o ordenamento jurídico-tributário, em geral, e para a Fazenda Pública, em particular, porquanto o efeito prático desta decisão é permitir que sejam deduzidas impugnações judiciais de faturas, de alguma forma superando esta impossibilidade jurídica pela substituição da fatura, como objeto de impugnação judicial, pela liquidação de IVA onde o IVA constante da fatura haveria de estar declarado, jurisprudência com a qual a Fazenda Pública não se pode conformar e permitir o seu trânsito em julgado, sem que seja objeto de apreciação por Tribunal Superior.

Nas suas contra-alegações, a Impugnante pronunciou-se, a título de questão prévia, no sentido da falta de legitimidade da Fazenda Pública para interpor, quer o recurso independente, quer o recurso subordinado, sustentando, em síntese, o seguinte:

- No conceito de parte vencida para efeito de legitimidade ad recursum a lei consagrou um critério material de legitimidade para recorrer, ou seja, a parte afectada objetivamente pela decisão, e não meramente um critério de legitimidade formal, em que não se obteve o que se pediu;

- No caso em apreço, a decisão proferida pelo Tribunal a quo não é desfavorável à Fazenda Pública, sendo por isso, insuscetível de recurso por esta ser a parte vencedora na presente impugnação;

- Resultando da contestação apresentada que a Fazenda Pública, em primeira linha, se defendeu por exceção através da invocação de exceções dilatórias pedindo a sua absolvição da instância e, subsidiariamente, por impugnação e, tendo o Tribunal a quo absolvido da instância a Fazenda Pública, é evidente que a mesma não se poderá considerar parte vencida na presente acção, na medida em que o peticionado na sua contestação obteve provimento.

Cumpre, assim, antes de mais, analisar se a Fazenda Pública tem legitimidade para recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a título independente ou subordinado.

· Da legitimidade recursiva da Fazenda Pública

Como ensina Rui Pinto Manual do Recurso Civil, vol. I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 222 e ss., o critério principal de acesso ao recurso há de atender ao que foi pedido pela parte, seja em ação, seja em defesa; a parte principal é vencida sempre que um pedido seu (ou o seu pedido principal, se também deduziu um pedido subordinado), é julgado total ou parcialmente improcedente ou não é conhecido por razões processuais. Esse pedido tanto pode ser o pedido-ação de condenação deduzido pela parte ativa (autor, requerente), como o pedido-defesa de absolvição deduzido pela parte passiva (réu, requerido).

Pelo contrário, não foi vencida a parte cujo pedido, simples ou principal, foi julgado total e integralmente procedente, mesmo que por fundamento que alegara como meramente secundário: o vencimento afere-se pela apreciação judicial do pedido, não pela apreciação judicial dos fundamentos, a qual é irrelevante, mesmo que desfavorável à parte.

Efetivamente, é a parte dispositiva da decisão que afeta a esfera jurídica do recorrente, e com "força obrigatória dentro do processo e fora dele" (cf. artigo 619° 1) se for sobre questão material. Apenas em casos determinados pela lei é que os fundamentos de uma decisão fazem caso julgado material.

Daqui resulta que não ficou vencida a parte que obteve procedência no pedido, mas que não obteve vencimento em parte da sua fundamentação.

Como explica o referido Professor, o critério da improcedência do pedido funciona mesmo quando a parte recorrente deduziu um pedido principal e um pedido subsidiário, ao abrigo do artigo 554º do CPC, ou em pluralidade subsidiária subjectiva, ao abrigo do artigo 39º do CPC.

Assim, não pode recorrer o autor que obtém decisão de procedência do pedido principal ou contra o réu principal (não tendo o tribunal conhecido do pedido ou réu subsidiário), nem o réu que foi absolvido da instância (como pedira a título principal), apesar de subsidiariamente pretender a absolvição no pedido. Tampouco pode recorrer o réu que pedira em alternativa a absolvição da instância ou do pedido – ob. cit., pp. 225/226.

No presente caso, resulta da contestação apresentada nos autos que a Fazenda Pública deduziu defesa por exceção, através da invocação de exceções dilatórias pedindo a sua absolvição da instância e, subsidiariamente, por impugnação.

Ora, tendo o Tribunal a quo absolvido da instância a Fazenda Pública, resulta evidente que a mesma carece de legitimidade para recorrer, uma vez que o “pedido” deduzido a título principal obteve provimento.

Em face do exposto, não se conhece do objecto dos recursos (independente e subordinado) interpostos pela Fazenda Pública.


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Recurso apresentado pelo Impugnante

Com o requerimento de interposição do recurso, o INEM apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

i. O presente processo foi desencadeado para efeitos de discussão da legalidade dos atos de liquidação de IVA, subjacentes às Faturas n.ºs 2021A/17 de 5 de agosto 2021, FA2021A/21, de 6 de setembro 2021, FA2021A/28, de 7 de outubro 2021, FA2021A/32 e FA2021A/33, de 4 de novembro de 2021, nos valores de € 143.750,00, € 143.750,00, € 143.750,00, € 143.750,00 e € 29.356,91, respetivamente, num total de € 604.356,91;

ii. Por Saneador-sentença proferido em 20 de dezembro de 2022, o Tribunal absolveu da instância a Fazenda Pública, por, alegadamente, se verificar a exceção dilatória de ilegitimidade ativa do RECORRENTE, com base no disposto designadamente, no n.º 1 do artigo 30.º do CPC, na alínea a) n.º 4 do artigo 18.º da LGT e no n.º 1 do artigo 97.º do CIVA.

iii. Não pode o RECORRENTE conformar-se com tal decisão, na medida em que a apreciação do Tribunal a quo assenta numa errada interpretação das normas jurídicas relativas à legitimidade processual ativa nos processos tributários, designadamente do art. 9.º do CPPT, que é a norma que define os critérios para a legitimidade processual naqueles processos, do art. 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT que protege o interesse do repercutido para impugnar a liquidação, o artigo 97.º, número 1 do CIVA e, ainda, afronta o direito constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva previsto nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP, viola o disposto no artigo 103.º, n.º 3 da CRP, viola o direito comunitário nomeadamente o princípio da justiça, da proporcionalidade e da efetividade e, é contrária à Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lida à luz dos princípios da efetividade e da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado.

iv. Antes de mais, não foram carreados para o probatório todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis de direito.

v. Estando em causa a legitimidade ativa do RECORRENTE para impugnar as liquidações em apreciação deviam ter sido dados como provados factos que enquadrem o contrato e as operações económicas que deram origem às liquidações contestadas, o quadro processual em que a questão da sujeição a IVA daquelas operações foi já objeto de discussão entre a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, a B.... e o RECORRENTE, e bem assim, levados aos factos o encargo suportado pelo RECORRENTE na qualidade de repercutido.

vi. Assim, face à factualidade alegada e à prova produzida deveriam ter sido dados como provados, também, os seguintes factos:


(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)

vii. No caso em apreço, o Tribunal a quo não fixou toda a matéria factual relevante/essencial para a análise da questão jurídica colocada em apreciação, pelo que, em face do exposto e atenta a prova produzida nos autos, supra identificada, a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada aditando aos factos julgados provados os factos acima identificados.

viii. A repercussão tributária é o fenómeno que consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre o sujeito passivo para um terceiro, designado de repercutido, que suporta o encargo económico do imposto, pois é na sua esfera que se revela a capacidade contributiva.

ix. A sentença enferma de manifesto erro de direito quando pressupõe que a circunstância do repercutido não ser parte da obrigação tributaria obsta a possa beneficiar diretamente da anulação do ato impugnado, pois como é hoje pacificamente aceite, o facto de ser o repercutido que suporta o encargo económico do imposto, resulta que seja na sua esfera que se efetiva a lesão decorrente da liquidação indevida do imposto e, por consequência é na sua esfera que se deve efetuar o respetivo reembolso, o que é suficiente para fundar a dedução de impugnação judicial.

x. Com a aprovação da Lei Geral Tributária, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1999, introduziu-se a determinação, na alínea a), do número 4, do artigo 18.º que não é sujeito passivo de imposto quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias.

xi. Perante esta disposição entende-se, que a fórmula utilizada declara expressamente a possibilidade de reclamação, impugnação ou recurso contra repercussão ilegalmente efetuada pelo sujeito passivo de IVA.

xii. O preceito recusa a qualidade de sujeito passivo ao repercutido mas admite que, da repercussão do IVA, possa resultar a lesão de um interesse legitimamente protegido, considerando-se que esta lesão é suficiente para a fundamentação de impugnação judicial.

xiii. Assim, e ao contrário do que resulta da sentença recorrida, a legitimidade do repercutido para impugnar a liquidação ilegal, cujo encargo do imposto tenha suportado resulta, atualmente, de expressa previsão legal, por conjugação do artigo 9.º, número 1, do CPPT, com o artigo 18.º, número 4, da alínea a) da LGT (cf. ainda n.º 2 do artigo 54.º da LGT).

xiv. Do artigo 9.º do CPPT decorre que têm legitimidade no processo tributário, entre os demais, o representante da Fazenda Pública e os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.

xv. Os atos tributários em causa nos presentes autos resultam da atuação da B.... (sujeito passivo) que por imposição legal, concretamente do artigo 37.º do Código do IVA, líquida e repercute na esfera do ora RECORRENTE o IVA incidente sobre a prestação de serviços de transporte de doentes e feridos, por ambulância aérea contratada.

xvi. O dever de pagar impostos está sujeito a princípios tributários, como os princípios da legalidade, da igualdade e da capacidade contributiva, o que significa que não pode ser exigido pelo sujeito passivo ao repercutido legal um imposto que não seja legalmente devido.

xvii. Apesar de não ser atribuída ao repercutido a qualidade de sujeito passivo no âmbito da relação jurídica tributária, o legislador reconhece-lhe a possibilidade de utilização de garantias do contencioso tributário, tendo-lhe conferido o direito de ação contra a liquidação do tributo repercutido na sua esfera jurídica, conforme alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT e n.º 2 do artigo 54.º da LGT, pois a condição de pagador de imposto não contém, apenas, deveres, contém, também, direitos como o direito de ação judicial em caso de lesão.

xviii. Ao atribuir ao repercutido legal o direito de contestação quanto ao tributo suportado por via da repercussão legal, o legislador está a reconhecer expressamente que este tem um interesse legalmente protegido, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 9.º do CPPT, terá direito de agir em processo.

xix. Ao contrário do que resulta da sentença recorrida, a referência feita na alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT ao direito de reclamar e impugnar nos termos das leis tributárias, não significa que esta esteja a remeter para normas especiais a atribuição (ou não) de legitimidade processual aos repercutidos, mas antes para as normas gerais do processo, como as normas relativas aos prazos de dedução de reclamação graciosa e impugnação judicial.

xx. O artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT admite que nas situações de repercussão legal, como é o caso do IVA, possa resultar a lesão de um interesse legitimamente protegido que justifica a possibilidade de reação por parte do repercutido, que em virtude da repercussão, tenha suportado indevidamente o encargo do imposto, de forma definitiva, como se verifica no caso vertente.

xxi. Desta forma reconhece a existência de um interesse do repercutido legal que se encontra legalmente protegido, o que justifica a sua legitimidade processual, nos termos do já mencionado artigo 9.º do CPPT.

xxii. A ausência de menção ao repercutido legal no n.º 1 do artigo 97.º do Código do IVA não permite concluir pela ilegitimidade ativa do repercutido legal.

xxiii. Já nos anos 90, antes mesmo da consagração legal da previsão do artigo 18.º, número 4 da LGT, o STA, no Processo n.º 12102, de 4 de julho de 1990, reconheceu a legitimidade ativa das Fábricas da Igreja para impugnar a liquidação do imposto que lhes fora efetuado por serviços prestados por pessoas ou empresas sujeitas ao pagamento de IVA, por entender que o repercutido ao suportar a incidência do imposto tem interesse directo em demandar ou contradizer, decorrente da utilidade ou prejuízo privado da procedência ou improcedência da impugnação.

xxiv. Mais considerou o STA, que contra o reconhecimento da legitimidade ativa não se podia invocar o conteúdo literal do artigo 90º, nº 1, do Código IVA, que sob a epígrafe “Reclamações e Impugnações”, à semelhança do atual artigo 97.º, n.º 1 do Código do IVA, reconhecia o direito de reclamar e impugnar aos sujeitos passivos e às pessoas solidária e subsidiariamente responsáveis pelo pagamento pois que, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, se têm legitimidade processual os que suportam efetivamente encargo fiscal nos casos de substituição tributária por maioria de razão a têm de ter os que diretamente, e não por via de substituição tributária, o suportam, mantendo-se este argumento integralmente válido no presente.

xxv. Nas recentes decisões proferidas pelo STA no âmbito de impugnações judiciais intentadas por um repercutido da taxa de ocupação do subsolo (taxa municipal) e nas quais se apreciava a ilegitimidade passiva do Município, o STA veio afirmar que “(…) da decisão de julgar o Município parte ilegítima na relação de repercussão não deriva nenhuma ofensa do direito à tutela judicial efetiva. O repercutido continua a poder demandar o sujeito ativo da repercussão para discutir a legalidade da repercussão; e a demandar o sujeito ativo da liquidação para discutir a legalidade da liquidação. Isto é, a tutela do seu direito de impugnar qualquer um destes atos está assegurada efetivamente.” (cf. A título de exemplo, veja-se o Acórdão do STA proferido em 02.12.2020 no processo n.º 074/18.8BEALM).

xxvi. Estando em causa uma taxa municipal se o STA tivesse adotado o entendimento defendido pelo Tribunal a quo (de que para se aferir a legitimidade processual ativa do repercutido é necessário recorrer casuisticamente a cada código tributário), nunca poderia ter feito tal afirmação, pois no artigo 16.º, n.º 1 do RGTAL não é feita menção ao repercutido legal.

xxvii. O que aliás, também, sucede no artigo 97.º do Código do IVA, pelo que improcede o sustentado na sentença recorrida quanto a esta disposição.

xxviii. Mas mais, a Lei Geral Tributária que introduz, expressamente, a possibilidade de impugnação, por parte do repercutido é, posterior, à disposição do Código do IVA, entretanto renumerada, que reconhece o direito de impugnação aos sujeitos passivos e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto, pelo que há que aplicar-se o princípio que lei posterior prevalece sobre lei anterior.

xxix. Uma análise cuidada da interpretação que é feita pela doutrina do disposto na alínea a), do número 4, do artigo 18.º da LGT, revela que a maior parte dos autores, identificam como exemplos paradigmáticos de repercussão legal abrangidos por esta disposição as situações ocorridas no quadro do IVA e do Imposto do Selo, e que estes não fazem depender essa aplicação de qualquer consagração expressa da previsão da legitimidade dos repercutidos para reclamar/impugnar nos respetivos códigos, pelo que, também, por este motivo improcede o entendimento sufragado na sentença recorrida.

xxx. O Tribunal a quo sustenta ainda que o RECORRENTE não tem legitimidade processual ativa no âmbito da presente impugnação judicial porque o efeito jurídico da eventual procedência de tal processo não produziria efeitos jurídicos na sua esfera jurídica, na medida em que se houvesse uma decisão favorável o titular do direito de crédito seria o sujeito passivo in casu a B.... (cf. pág. 9, 10 e 13 da sentença recorrida).

xxxi. Tendo o encargo económico do imposto sido suportado pelo RECORRENTE, através do pagamento das faturas em causa nos presentes autos, o reembolso do montante contestado na esfera da B.... (sujeito passivo), em caso de procedência do presente processo de impugnação corresponderia a um enriquecimento sem causa desta última entidade.

xxxii. Acresce que se a B.... entendesse ter liquidado indevidamente o IVA, e optasse pela sua contestação graciosa e/ou judicial teria de demonstrar ter procedido à regularização do IVA a favor do RECORRENTE para justificar a sua legitimidade e obter o reembolso em sede de execução da decisão ou execução de julgados.

xxxiii. O direito de ação do repercutido tributário não está dependente da demonstração do pagamento do tributo por parte do sujeito passivo, como é sustentado pelo Tribunal a quo, na medida em que como tem sido entendido pela doutrina a previsão do artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT visa fazer face às situações em que, o sujeito passivo, após ter sido instado pelo repercutido para retificar o imposto que lhe foi liquidado em excesso, não o fez, garantindo-se, assim, a possibilidade ao repercutido reaver o encargo que suportou em excesso diretamente do Estado, o que se verifica no presente caso.

xxxiv. Exigir ao RECORRENTE, enquanto repercutido, a prova da entrega do imposto que lhe foi liquidado, aquando da emissão das faturas, por parte do sujeito passivo seria exigir-lhe a realização de uma prova impossível, pois o repercutido, ao contrário da AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (que tem acesso, mas não fez essa prova), não tem acesso aos elementos relativos ao cumprimento de obrigações tributárias, por parte de terceiros.

xxxv. Tal exigência redundaria na denegação pela via processual de um direito de impugnação que o legislador visou expressamente proteger em manifesta violação do disposto no artigo 18.º, número 4, alínea a) da LGT e do artigo 268.º, número 4 da CRP.

xxxvi. Perante a liquidação indevida de IVA, que foi pago pelo RECORRENTE, a exigência dessa prova é violadora do princípio da justiça, da proporcionalidade e da efetividade, na medida em que a regulamentação nacional torna excessivamente difícil na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União.

xxxvii. São incompatíveis com o direito comunitário todas as modalidades de prova cujo efeito seja tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil a obtenção do reembolso da imposição cobrada em violação do direito comunitário.

xxxviii. O levantamento sucessivo de obstáculos processuais, conduzem a que nas situações de erro no enquadramento, em sede de IVA das operações, com reflexo na liquidação indevida de IVA nas faturas, há um efetivo enriquecimento sem causa na esfera do Estado, pois impede-se o reembolso do montante indevidamente pagos, que não se pode admitir, por violar, para além do mais, como invocado, o direito comunitário.

xxxix. Tendo o INEM suportado economicamente o encargo do imposto liquidado (IVA) nas faturas objeto da presente impugnação, por repercussão legal, é por demais evidente que, ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 4 e n.º 1 do CPPT, na alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º e no n.º 2 do artigo 54.º ambos da LGT possui legitimidade processual ativa.

xl. Deste modo, a sentença recorrida faz uma errada aplicação do direito quando considera o RECORRENTE – INEM é parte ilegítima no presente processo, em violação dos acima identificados preceitos legais, o que deverá determinar a sua revogação com base nos fundamentos supra expostos.

xli. Sem prejuízo do exposto, é ainda de salientar que a interpretação conjugada do artigo 9.º do CPPT, do artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT e do n.º 1 do artigo 97.º do Código do IVA adotada pelo Tribunal a quo, como impedindo a contestação da legalidade do IVA suportado pelo repercutido tributário viola o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva com consagração constitucional nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP, vertido no artigo 9.º e n.º 1 do artigo 95.º da LGT e, bem assim, o disposto no artigo 103.º, n.º 3 da CRP.

xlii. Do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva resulta a exigência de uma tutela jurisdicional adequada, ou seja, que para cada conflito em matéria tributária exista um meio processual adequado e um Tribunal competente para o dirimir.

xliii. A liquidação do IVA ao repercutido tributário trata-se de matéria tributária e, como tal sujeita à jurisdição dos tribunais tributários (cf. artigo 4.º, n.º 1 alínea a) do ETAF).

xliv. Suportando o RECORRENTE, por imposição legal, o encargo económico do IVA subjacente às indicadas prestações de serviço impõe-se que lhe seja reconhecido o direito de contestar a liquidação do imposto repercutido na sua esfera jurídica, uma vez que, das citadas normas constitucionais resulta que a todos é garantido o direito à tutela jurisdicional para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos (cf. artigo 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º da CRP) e que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança não seja feita nos termos legais (cf. artigo 103.º, n.º 3 da CRP).

xlv. Ao interpretar o disposto no artigo 9.º do CPPT, na alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT em conjugação com o n.º 1 do artigo 97.º do Código do IVA, no sentido de o repercutido legal em sede do IVA não ter legitimidade processual ativa no processo de impugnação judicial, o Tribunal a quo está a impedir o RECORRENTE, enquanto repercutido tributário, de ver um tribunal analisar a legalidade do tributo repercutido na sua esfera jurídica, em claro constrangimento do direito de acesso a um tribunal e à tutela jurisdicional efetiva, o que, desde logo viola o disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP e, ainda, o disposto no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, na medida em que o RECORRENTE fica obrigado ao pagamento de um tributo que no seu entender se afigura ilegal, sem que o possa contestar. O que desde já se invoca para os devidos efeitos.

xlvi. Mas mais, num contexto, em que o RECORRENTE não dispõe de outro meio para ver declarada a ilegalidade das liquidações contestadas, a vingar a posição sustentada na sentença recorrida será efetivamente recusada a possibilidade do RECORRENTE ser reembolsado do valor pago, que lhe foi indevidamente faturado a título de IVA, o que é incompatível com a Diretiva do IVA, e dos princípios da efetividade e da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado, conforme posição sufragada pelo Tribunal de Justiça, no Proc. C-397/21, de 13 de outubro de 2022.

xlvii. Assim, a interpretação preconizada na decisão recorrida do artigo 9.º do CPPT, do artigo 18.º, número 4, alínea a) da LGT, e do artigo 97.º, n.º 1 do Código do IVA, de acordo com a qual, o repercutido que suportou indevidamente o encargo económico de uma liquidação de IVA ilegal não tem legitimidade ativa para contestar a legalidade dessa liquidação e, assim recuperar o IVA indevidamente pago, é, ainda, contrária à Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lida à luz dos princípios da efetividade e da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado, o que se invoca.

xlviii. Deste modo deverá o recurso interposto proceder.

xlix. Ponderados os critérios subjacentes à exceção prevista no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, e a sua aplicação ao caso concreto, nomeadamente a não complexidade da causa e a conduta pautada pelo respeito e pela cooperação com o Tribunal, a RECORRENTE requer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO INTEGRALMENTE PROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE, A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

A Fazenda Pública apresentou contra-alegações, sintetizadas nas seguintes Conclusões:

A. O Recorrente reage da douta sentença proferida em 2022-12-20, relativa ao processo n.º 647/22.4BELRS, que julgou improcedente a exceção dilatória de erro na forma do processo e de ausência de objeto de processo, e procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa na impugnação judicial apresentada sobre a presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada sobre o IVA contido nas Faturas n.ºs FA 2021A/17, n.º FA 2021A/21, n.º FA 2021A/28, n.º FA 2021A/32 e n.º FA 2021A/33, no valor total de € 604.356,91 (seiscentos e quatro mil, trezentos e cinquenta e seis euros e noventa e um cêntimos).

B. O Recorrente reage do segmento da sentença que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, imputando à douta sentença recorrida (i) erro de julgamento da matéria de facto, peticionando o alargamento do probatório, cf. articulados 25.º, 28.º, 30.º e 32.º das alegações de recurso e conclusão vi., bem como articulado 34.º das alegações de recurso e conclusão vii, e (ii) erro de julgamento da matéria de direito por (a) não se verificar a exceção dilatória de ilegitimidade ativa do autor, cf. articulados 48.º a 142.º das alegações de recurso, e conclusões viii. a xl., (b) violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrados no n.º 1 do artigo 20.º e do n.º 4 do artigo 268.º da CRP, no artigo 9.º e no n.º 1 do artigo 95.º da LGT, bem como, no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, cf. articulados 143.º a 177.º das alegações de recurso e conclusões xli. a xlv., e (c) violação da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lida à luz dos princípios da efetividade e da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado, cf. articulados 178.º a 191.º das alegações de recurso e conclusões xlvi. a xlviii.

C. Respeitosamente, cremos que nenhum dos vícios alegados pelo Recorrente pode proceder.

D. Se interpretamos corretamente as alegações de recurso, entende o Recorrente que o probatório vertido na douta sentença recorrida se afigura insuficiente para a formulação de um julgamento sobre a (i)legitimidade processual ativa do Recorrente, em concreto da sua natureza de repercutido.

E. Pretende o Recorrente que sejam aditados os factos relativos ao contrato subjacente às faturas emitidas e às próprias faturas emitidas, e a outros processos arbitrais e judiciais em que o Recorrente é / foi parte, cf. articulado 25.º e 30.º, articulado 28.º e conclusão vi.

F. Talvez por lapso nosso, a Recorrida não identifica nas alegações de recurso nem nas conclusões o normativo legal subjacente ao pedido do Recorrente de ampliação do probatório, não podendo, por isso, exercer o seu contraditório quanto à adequação do normativo que o Recorrente teria em mente para produzir os efeitos peticionados de aditamento dos factos provados ao probatório, devendo, por isso, este pedido ser indeferido.

G. No mais, se bem interpretamos as alegações de recurso – e desde já nos penitenciando se não for esse o caso – o propósito do aditamento da factualidade proposta pelo Recorrente é a demonstração da sua natureza de repercutido do IVA constante das faturas n.º FA2021A/17, n.º FA2021A/21, n.º FA2021/28, n.º FA2021/32 e n.º FA2021/33 emitidas pela B.... , bem como da sua posição processual noutros processos arbitrais (Processo n.º 13/19/INS/AP) e judiciais (AAE n.º 191/19.7BELRS) sobre a questão substantiva subjacente ao presente litígio, cf. articulados 18.º, 19.º, 20.º e 27.º das alegações de recurso.

H. Respeitosamente, a natureza de repercutido do Recorrente resulta dos factos 1. e 2. do probatório da douta sentença recorrida; tendo as faturas sido emitidas pela B.... ao Recorrente, resulta que o Recorrente seria o repercutido do IVA constante das faturas.

I. O contrato subjacente à emissão das faturas ou a forma de pagamento das faturas é irrelevante para efeitos de aferir a natureza de repercutido do Recorrente.

J. Relativamente à inclusão da factualidade relativa a outros processos de natureza arbitral e judicial em que o Recorrente é / foi parte não é pertinente para aferir a (i)legitimidade ativa do Recorrente nos presentes autos.

K. A legitimidade afere-se em função da “utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da ação possa advir para as partes, face aos termos em que o Autor configurou o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida.”, cf. fls. 7 da douta sentença recorrida, como bem sintetizou o Tribunal a quo.

L. O interesse pessoal do Recorrente em litigar contra a AT nos presentes autos não se relaciona com o facto de já ter litigado contra a B.... nem com o facto de já ter litigado contra a AT noutra sede.

M. O Recorrente teria legitimidade ativa nos presentes autos caso a procedência ou improcedência da impugnação judicial produzisse efeitos na sua esfera jurídica – o que não produz.

N. A factualidade vertida na douta sentença recorrida é adequada para o julgamento de procedência da exceção dilatória de ilegitimidade ativa do Recorrente, e a subsequente decisão de absolvição de instância da Fazenda Pública.

O. Afigura-se que não assiste razão ao Recorrente, sendo o probatório adequado à douta sentença proferida, não devendo ser dado provimento ao recurso nesta sede.

P. Entende o Recorrente que não se verifica a exceção dilatória de ilegitimidade ativa do autor, cf. articulados 48.º a 142.º das alegações de recurso e conclusões viii. a xl.

Q. Escreve o Recorrente que “Alega, ainda, o Tribunal a quo, que o repercutido não tem um interesse direto na impugnação judicial de uma liquidação de IVA, na medida em que a sua procedência não produziria efeitos na sua esfera jurídica. Mais acrescenta, que no caso vertente resulta o pagamento das faturas por parte da B.... , mas não resulta que o imposto tenha sido pago ao Estado e que o Estado está obrigado à sua restituição. Tendo, assim, concluído [pela] ilegitimidade ativa do RECORRENTE.”, cf. articulado 44.º das alegações de recurso.

R. Pode ler-se a fls. 12 e 13 da douta sentença que “De facto, a leitura conjugada das acima citadas normas, bem como da jurisprudência mais recente também acima citada, é no sentido de que um repercutido em sede de IVA não tem legitimidade processual ativa no âmbito de uma impugnação judicial, na medida em que o efeito jurídico da eventual procedência de tal processo nunca conduzirá a um efeito que se produza de forma imediata na sua esfera jurídica, pelo que não tem um interesse direto associado ao seu pedido.

(…)

Por outro lado, resulta das alegações e documentos juntos pela Recorrente, que o valor das faturas terá sido pago à B.... , por via da dedução das penalidades contratuais aplicadas pelo INEM ou à ordem de processo judicial, não resultando dos autos que o imposto tenha sido pago, nem diretamente nem indiretamente, ao Estado e que este possa estar, de algum modo, obrigado à restituição ou reembolso, à Recorrente, de qualquer montante.”

S. O Tribunal a quo afirmou que a procedência dos autos (i.e., a anulação das liquidações de IVA da B.... ) não produz efeitos na esfera jurídica do Recorrente, de forma imediata, pelo que o Recorrente não tem um interesse direto associado ao seu pedido. Logo, não tem legitimidade ativa para interpor a presente ação.

T. O Tribunal a quo não disse que caso o Recorrente tivesse pago as faturas à B.... que já lhe assistiria legitimidade ativa, porquanto a procedência da presente ação não produziria efeitos imediatos na sua esfera jurídica, continuando a ser parte ilegítima nos autos.

U. Sucintamente, o Recorrente entende que tem legitimidade para intentar a presenta impugnação judicial ao abrigo da norma constante do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 9.º do CPPT, resultando o interesse legalmente protegido da repercussão legal efetuada através das faturas emitidas pela B.... da tutela efetuada pela norma constante da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º e do n.º 2 do artigo 54.º da LGT, suportando o seu entendimento em doutrina diversa e em vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo.

V. Sobre a norma constante do n.º 2 do artigo 54.º da LGT esta insere-se no Capítulo I – Regras gerais do Título III – Do procedimento tributário.

W. Respeitosamente, a norma constante do n.º 2 do artigo 54.º da LGT não confere legitimidade ativa ao Recorrente (nem a ninguém, já agora) para efeitos de interpor ação de impugnação judicial (ou qualquer outra ação, diga-se de passagem), porquanto se aplica ao procedimento tributário, razão pela qual a pretensão do Recorrente só pode improceder.

X. Na realidade, as garantias previstas no Capítulo I do Título III são os princípios aplicáveis ao procedimento tributário, pelo que não se vê como é que a norma constante do n.º 2 do artigo 54.º da LGT poderia conferir legitimidade a quem quer que seja no plano do processo judicial.

Y. Relativamente à análise das normas constantes do artigo 9.º do CPPT e da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, constata-se que o Recorrente invoca, em defesa da sua posição, a jurisprudência constante do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo vertido no processo n.º 1898/02, de 200307-02, no processo n.º 012102, de 1990-07-04, bem como no processo n.º 074/18.8BEALM, e no processo n.º 506/17.2BEALM de 2020-10-14, o entendimento veiculado na decisão do CAAD n.º 555/2017-T, de 2018-06-11, a doutrina da Professora Ana Paula Dourado, citando o entendimento dos Prof. Doutor Saldanha Sanches e Prof. Doutor Sérgio Vasques, e, ainda, do Juiz Conselheiro Lopes de Sousa.

Z. No processo n.º 1898/02, de 2003-07-02, o Supremo Tribunal Administrativo apreciou um caso em que uma locatária financeira requereu a redução de taxa de Sisa aplicada na aquisição onerosa de um prédio pela locadora financeira, em que, por efeito do contrato de locação financeira outorgado pelas partes, a locadora repercutiu o custo da Sisa à locatária, concluindo que a locatária era titular de um interesse de facto, mas não tinha um interesse legalmente protegido, i.e., ancorado na lei e não numa relação de direito privado para ser considerada parte legítima nos autos.

AA. No processo n.º 12102, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo em 1990-07-04, em que, o Tribunal, debatendo-se com o conceito de sujeito passivo constante do artigo 2.º do Código do IVA, afirma que “Por tudo o que vem de ser exposto, o consumidor final, o verdadeiro sujeito que suporta a incidência de tal imposto e, por consequência, o seu verdadeiro sujeito passivo. Assim é ele quem tem interesse directo em demandar ou contradizer, decorrente da utilidade ou prejuízo privado da procedência ou improcedência da impugnação, conforme disciplina o art. 26º do Cód. Proc. Civil, como regra geral, na determinação da legitimidade das partes no processo.”, disponível na base de dados Inforfisco.

BB. Muito respeitosamente, recordamos que o Código do IVA entrou em vigor em 1 de janeiro de 1986, pelo que, em virtude da data da prolação do acórdão, é muito provável que o Supremo Tribunal Administrativo estivesse a apreciar os primeiros casos de IVA e a ensaiar caminhos jurisprudenciais que se revelaram menos bem conseguidos no futuro, como terá sido o caso do entendimento do acórdão proferido no processo n.º 12102 em 1990-07-04.

CC. Aliás, esta jurisprudência do Supremo Tribunal é isolada e nem sequer iniciou uma nova visão sobre a legitimidade ativa do repercutido que tenha tido seguimento na Jurisprudência subsequente.

DD. No caso concreto, apreciado no processo n.º 12102, o Supremo Tribunal afirmou que o consumidor final, por suportar efetivamente o imposto, é o seu verdadeiro sujeito passivo, conclusão refutada pelo Professor J. L. SALDANHA SANCHES, em anotação ao acórdão, especificamente quanto à conclusão de o consumidor final ser o verdadeiro sujeito passivo, explica – entendimento que, com a devida vénia subscrevemos -, “E aqui não o podemos acompanhar: um sujeito passivo de um imposto, como vimos acima, é aquele que tem uma obrigação fiscal, criada pela lei fiscal. O que não sucede ao consumidor final do IVA como efeito da também já referida separação total existente, entre o contribuinte de facto e o contribuinte de direito.”, in obra supra citada, página 33.

EE. Não se dúvida que a aí Recorrente tenha um interesse direto em demandar, o que lhe confere legitimidade processual nos termos atualmente previstos no artigo 30.º do CPC, o que se duvida é que esse interesse direto em demandar se materialize numa numa impugnação judicial contra a AT, como o Supremo Tribunal admitiu naquele acórdão.

FF. Atente-se que a questão concreta deixou de ter aplicação prática dado ter entrado em vigor o Decreto-Lei n.º 20/90, de 13 de janeiro, que permite à Igreja Católica o direito à restituição do IVA por si suportado, conferindo-lhe legitimidade e meio de reação judicial.

GG. Reiteramos que o Professor J. L. SALDANHA SANCHES concluiu, em anotação ao acórdão, no sentido de a aí Recorrente poder ter legitimidade processual no âmbito da ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, mas seguramente que não no âmbito da impugnação judicial, “o meio de tutela judicial mais adequado [a quem suportou o imposto], porque tem de haver algum, é o que está inserido no capítulo VI, secção I, do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, Lei do Processo Administrativo: uma acção para o reconhecimento de direito ou interesse legítimo.

HH. Acções estas já criadas pela jurisprudência do STA para situações em que havia apenas aparência de acto administrativo ou de um acto criador de um tributo parafiscal.”, cf. obra supra citada, página 34.

II. Ora, no articulado 61.º das alegações de recurso, o Recorrente cita o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 12102, em 1990-07-04, que afirma que o critério para aferir da legitimidade processual é o constante do atual artigo 30.º do CPC, à data artigo 26.º do CPC.

JJ. Por sua vez, no articulado 109.º das alegações de recurso, o Recorrente cita o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 074/18.8BEALM, de 2020-12-02, que remete a sua fundamentação para o acórdão proferido no processo n.º 506/17.2BEALM em 2020-10-14, referido nos articulados 70.º e 71.º das alegações de recurso, que conclui que a norma constante do artigo 30.º do CPC não é aplicável no processo judicial tributário (“De todo o exposto deriva que o artigo 30.º, do Código de Processo Civil não é aplicável ao caso.”, disponível em www.dgsi.pt). Daqui resultam duas conclusões: (i) o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo vertido no acórdão n.º 12012 não teve seguimento na jurisprudência do Supremo Tribunal, conforme defendido supra, e (ii) o Recorrente não sabe em que termos pode ter legitimidade nos presentes autos (respeitosamente, porque não tem), citando um acórdão que determina a aplicação do (atual) artigo 30.º do CPC e citando outro acórdão que é taxativo em recusar a aplicação do artigo 30.º do CPC.

KK. Afigura-se de contradição insanável o facto de grande parte da defesa de legitimidade efetuada pelo Recorrente assentar na norma constante da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, cf. articulados 64.º, 67.º, 87.º, 90.º, 96.º, 100.º, 102.º, e 103.º das alegações de recurso, e o Recorrente defender a sua legitimidade no acórdão proferido no processo n.º 506/17.2BEALM em 2020-10-14, que afirma taxativamente pela irrelevância do artigo 18.º da LGT para efeitos da legitimidade processual, “Ora, se o artigo 18.º da Lei Geral Tributária não releva para a determinação da legitimidade processual, nunca poderia o tribunal de primeira instância ter violado este dispositivo ao decidir pela ilegitimidade processual da entidade recorrida, o Município do Seixal. Sempre se dirá, de passagem, que o dispositivo em causa não atesta nada do que os Recorrentes dele pretendem extrair. Em primeiro lugar, porque dele não derivam os elementos essenciais da relação tributária: identificam-se os seus sujeitos, no pressuposto de que esta exista. Em segundo lugar, porque da alínea a) do seu n.º 4 não deriva que a repercussão é um «mecanismo da liquidação» (expressão do primeiro Recorrente) ou um «elemento da liquidação» (expressão da segunda Recorrente): deriva apenas que o repercutido não é sujeito passivo da relação tributária mesmo quando esteja em causa a repercussão legal tributária, isto é, a repercussão determinada por lei tributária. Ou seja, se há algum sentido útil, para o caso, a retirar daquele dispositivo legal é o de que o repercutido não é sujeito da mesma relação jurídica que coloca de um lado o sujeito ativo e do outro o sujeito passivo no cumprimento da obrigação tributária. Em terceiro lugar, porque a segunda parte da alínea a) daquele n.º 4, serve precisamente para estender o direito de ação a quem não o teria, em princípio, por não ser, em abstrato, titular de nenhum direito ou interesse direto que contenda com a liquidação. Dito de outro modo: a necessidade legal de proteger o seu interesse deriva precisamente do facto de não ser sujeito da relação tributária. A questão de saber se a proteção legal do seu interesse se relaciona (ou pode relacionar) com a admissão de uma relação tributária em sentido amplo transcende completamente o âmbito da norma.”, Em conclusão: o artigo 18.º não releva nem para a questão da legitimidade processual e nem sequer relevaria para a questão de saber se a repercussão é um mecanismo ou elemento da liquidação, como pretendem os Recorrentes.”, (sublinhado e destacado nosso), disponível em www.dgsi.pt.

LL. Fica a Recorrida sem perceber se o Recorrente assenta a sua pretensão de legitimidade (entre outros) na norma constante da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, ou se assenta a sua pretensão de legitimidade em Jurisprudência que julgou irrelevante a norma constante da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT para efeitos de legitimidade processual.

MM. No articulado 93.º das alegações de recurso, o Recorrente conclui que “O direito do repercutido de impugnar as liquidações é pressuposto de um conjunto já alargado de decisões proferidas recentemente pelo Supremo Tribunal Administrativo, relacionadas com a taxa de ocupação do subsolo, entre as quais, a decisão proferida em 14.10.2020 no processo n.º 0506/17.2BEALM, transcrita parcialmente na sentença recorrida (cf. pág. 11 e 12).”, mas tal conclusão não é verdadeira.

NN. Posto isto, a aplicação do disposto no acórdão n.º 074/18.8BEALM, em 2020-12-02, e no acórdão n.º 506/17.2BEALM, de 2020-10-14 (que constitui a fundamentação do acórdão proferido no processo n.º 074/18.8BELAM) ao caso sub judice, não deve ser feito tout court.

OO. O IVA tem uma natureza distinta da taxa de ocupação do subsolo, estando, ao contrário daquele, sujeito ao método subtrativo indireto, impedindo a relação direta entre o IVA que consta na fatura e é suportado pelo consumidor final e o IVA apurado pelo sujeito passivo que pode ser (i) entregue ao Estado, (ii) neutro, ou (iii) creditado no período de IVA subsequente Ainda, em sede arbitral, constata-se que a decisão do CAAD n.º 555/2017-T, de 2018-06-11, citada pelo Recorrente distingue entre a repercussão de facto do imposto e a repercussão legal do imposto, não concluindo que a repercussão legal confere legitimidade processual ao repercutido.

PP. Conclui-se que a Jurisprudência citada pelo Recorrido não tem o alcance que este lhe pretende dar.

QQ. A norma constante do artigo 18.º da LGT refere-se aos sujeitos da relação jurídico-tributária, identificando quem é o sujeito ativo (nos termos do n.º 1) e o sujeito passivo (nos termos do n.º 3) da relação jurídico-tributária, e quem não é sujeito da relação jurídico-tributária.

RR. A norma constante do n.º 4 do artigo 18.º da LGT não tem por efeito conferir ou retirar legitimidade processual (como, aliás, afirmou o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão supra citado nos autos n.º 506/17.2BEALM).

SS. A norma constante do n.º 4 do artigo 18.º da LGT é absolutamente neutra quanto à legitimidade processual (ou procedimental) dos repercutidos.

TT. A legitimidade é atribuída pela norma geral constante do n.º 4 do artigo 9.º do CPPT, em articulação com a norma especial constante de cada código tributário.

UU. A norma constante do n.º 4 do artigo 18.º da LGT remete para as normas especiais dos códigos tributários a atribuição (ou não) de legitimidade processual aos repercutidos.

VV. A Professora ANA PAULA DOURADO distingue entre os repercutidos de facto, excluídos da norma constante da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, e os repercutidos tributários, a que se refere a norma constante da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT; no entanto, a atribuição de legitimidade processual ativa aos repercutidos tributários continua dependente da sua expressa previsão nas leis tributárias.

WW. Não se vislumbra nos entendimentos citados do Professor J.L. SALDANHA SANCHES, cf. articulado 63.º e 83.º das alegações de recurso, do Professor SÉRGIO VASQUES, cf. articulado 89.º das alegações de recurso, e do Juiz Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA, cf. articulado 88.º das alegações de recurso nada que altere esta interpretação da norma constante da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT.

XX. Em sede de IVA, dispõe o artigo 97.º do Código do IVA que “Os sujeitos passivos e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem recorrer hierarquicamente nos casos previstos neste Código, reclamar contra a respectiva liquidação ou impugná-la, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.” (sublinhado nosso).

YY. Em primeiro lugar, a liquidação de IVA é suscetível de impugnação pelo sujeito passivo, i.e. a B.... , e pelas pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto (que não o Recorrente).

ZZ. Em segundo lugar, em sede de IVA, a responsabilidade solidária do adquirente e dos sujeitos passivos encontra-se prevista no artigo 79.º e no artigo 80.º do Código do IVA, não se aplicando qualquer das normas ao caso concreto.

AAA. Nestes termos, a Recorrida não identifica no Código do IVA qualquer norma que confira legitimidade à Recorrente para impugnar judicialmente as faturas n.º FA 2021A/17, FA 2021A/21, FA 2021A/28, FA 2021A/32 e FA 2021A/33,

BBB. Também das normas constantes do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 9.º do CPPT não resulta a atribuição de legitimidade ativa ao Recorrente para apresentar impugnação judicial das faturas emitidas pela B.... ou das liquidações de IVA da B.... , sem prejuízos de outros mecanismos judiciais à disposição do Recorrente.

CCC. O Recorrente pode ter um interesse legalmente protegido, nos termos do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 9.º do CPPT, o que não significa que esse interesse legalmente protegido mereça tutela judicial por via da impugnação judicial.

DDD. A impugnação judicial é, como refere a douta sentença recorrida a fls. 9, um processo anulatório puro.

EEE. Os efeitos da decisão que eventualmente julgasse isentas de IVA as prestações de serviço efetuadas pela B.... ao Recorrente, nos termos do parágrafo 5.º do artigo 9.º do Código do IVA, não se fazem sentir na esfera jurídica do Recorrente.

FFF. Seria necessário anular as liquidações de IVA n.º 2021 38020930, de 2021-09-23, da liquidação de IVA n.º 2021 38184364, de 2021-10-26, da liquidação de IVA n.º 2021 37101554, de 2021-11-18, e da liquidação de IVA n.º 2021 37566712, de 2021-12-24, emitidas à B.... , expurgando o IVA (ora indevidamente) liquidado a que se referem as faturas n.º FA 2021A/17, FA 2021A/21, FA 2021A/28, FA 2021A/32 e FA 2021A/33 e o IVA (ora indevidamente) deduzido pela B.... nos bens e serviços adquiridos para prestar os serviços constantes da fatura n.º FA 2021A/17, FA 2021A/21, FA 2021A/28, FA 2021A/32 e FA 2021A/33, e, se o houver, emitir o respetivo crédito de imposto.

GGG. Caso as prestações de serviço viessem a ser qualificadas como operações isentas, o IVA deduzido pela B.... pode perder o caráter de dedutível, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.

HHH. O beneficiário do crédito de imposto que eventualmente viesse a ser emitido pela AT seria, evidentemente, a B.... , por ser a titular da esfera jurídica onde as liquidações de IVA e suas vicissitudes produzem efeitos.

III. Não se diga, como parece sugerir o Recorrente que o crédito de imposto seria entregue à B.... dependente do pagamento desta ao Recorrente, porquanto a AT estaria obrigada a proceder à anulação das liquidações de IVA por decisão judicial transitada em julgado.

JJJ. Da decisão de procedência da presente impugnação judicial resultariam efeitos imediatos na esfera jurídica de um terceiro (a B.... ).

KKK. Quaisquer efeitos da decisão judicial que se projetassem na esfera jurídica do Recorrente, i.e., caso a B.... decidisse proceder a um qualquer reembolso de IVA ao Recorrente, seriam eventuais ou colaterais, e não efeitos necessários nem decorrentes desta.

LLL. Em bom rigor, da anulação das liquidações de IVA não resulta a existência de qualquer crédito de imposto a favor do Recorrente nem qualquer obrigação de pagamento da AT ou da B.... para o Recorrente.

MMM. Efetivamente, as liquidações de IVA submetidas pela B.... não são um espelho do IVA liquidado constante das faturas ora impugnadas, contendo outro IVA liquidado e contendo IVA deduzido.

NNN. Sendo a B.... a beneficiária do eventual título de crédito a que se refere o n.º 1 do artigo 99.º do Código do IVA, não só inexiste qualquer norma que confira legitimidade processual ativa ao Recorrente, nos presentes autos, como a decisão proferida nos presentes autos produz efeitos numa esfera jurídica que lhe é alheia, afetando a relação jurídico-tributária entre a AT e um terceiro (a B.... ).

OOO. No articulado 134.º das alegações de recurso, o Recorrente imputa à FP o ónus da prova do pagamento das liquidações de IVA pela B.... .

PPP. Não só este facto é irrelevante para aferir da legitimidade do Recorrente como, caso se entendesse de forma diferente, é sobre o Recorrente que incumbe demonstrar a sua legitimidade nos presentes autos, recaindo sobre si o ónus dessa prova, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.

QQQ. No articulado 136.º das alegações de recurso, pretende o Recorrente ter acesso a dados fiscais da B.... .

RRR. O facto de o Recorrido carecer de acesso a dados de terceiros para efeitos de demonstrar a sua legitimidade ativa é um indício de que não tem legitimidade ativa na presente impugnação judicial.

SSS. Respeitosamente, o acesso que a AT tem ou deixa de ter aos elementos de terceiros não são chamados para ações judiciais em que esses terceiros não são parte.

TTT. A divulgação de dados à revelia do seu titular constitui, na opinião da Recorrida, uma quebra do princípio da confiança e do princípio da boa-fé, em particular quando o titular dos dados não retira qualquer benefício com essa divulgação.

UUU. Defende o Recorrente que a interpretação da norma constante da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT e do n.º 1 do artigo 97.º do Código do IVA efetuada pelo Tribunal a quo viola o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrados no n.º 1 do artigo 20.º e do n.º 4 do artigo 268.º da CRP, no artigo 9.º e no n.º 1 do artigo 95.º da LGT, bem como, no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, cf. articulados 143.º a 177.º das alegações de recurso e conclusões xli. a xlv.

VVV. Da conjugação das normas constantes do n.º 1 do artigo 20.º e do n.º 4 do artigo 268.º da CRP, podemos concluir que o acesso ao direito e aos tribunais é garantido pela tutela jurisdicional dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo (i) o reconhecimento do direito ou interesse, (ii) a impugnação de atos administrativos lesivos, (iii) a condenação à prática de atos devidos e (iv) a adoção de medidas cautelares adequadas.

WWW. Em sede tributária, o princípio da tutela jurisdicional efetiva foi recebido no artigo 95.º da LGT, que integra o Capítulo I Acesso à justiça tributária do Título IV Do processo tributário, prevendo o direito de impugnar de todo o ato lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos, elencando a norma constantes do n.º 2 do artigo 95.º da LGT os atos considerados lesivos.

XXX. Sobre o acesso ao direito e à tutela jurisdicional na justiça administrativa, ensina o Professor JORGE MIRANDA que, “Em contrapartida, o art. 20.º não exige intervenção ou intervenção imediata de um tribunal quando se tenha que dispor sobre as relações e as situações recíprocas do Estado e dos cidadãos. Num sistema administrativo de tipo francês como, não obstante as reformas dos últimos anos, parece continuar a ser o nosso, a Administração pública tem a faculdade de praticar actos que, em nome do interesse público, afectem interesses dos particulares. (…) Necessário é, porém, que cada acto administrativo possa ser submetido à apreciação de um tribunal e que este, pelo menos, detenha o poder de o anular quando ilegal ou contrário aos direitos dos administrados. Necessário é que, nas contra-ordenações, esteja assegurada a impugnabilidade em tribunal. Necessário é que, quando seja afectado um direito, a última palavra caiba aos tribunais.” (sublinhado nosso), in obra supra citada, tomo citado, páginas 263 e 264.

YYY. A impugnação judicial é um processo de anulação, nos termos mencionados pelo Professor JORGE MIRANDA, constituindo o meio de reação a um ato tributário ilegal.

ZZZ. Sucede que AT não praticou qualquer ato lesivo para o Recorrente cuja legalidade seja controvertida, a AT não liquidou qualquer imposto sobre o Recorrente e não emitiu nem o Recorrente veio requerer a anulação de nenhum dos atos previstos no n.º 2 do artigo 95.º da LGT.

AAAA. O acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva não contemplam a possibilidade de anular atos não lesivos (como faturas, que não são atos lesivos na jurisdição tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 95.º da LGT) nem contempla a possibilidade de anular atos lesivos relativos a terceiros (liquidações de IVA emitidas à B.... na sequência das declarações periódicas por esta submetidas).

BBBB. Sobre a questão material, pronunciou-se o Centro de Arbitragem Comercial no âmbito do processo n.º 13/2019/INS/AP, concluindo pela condenação do Recorrente ao pagamento das faturas à B.... , incluindo o valor do IVA aí constante, cf. Documento 10 junto à P.I., em concreto, fls. 70 e fls. 91 a 105.

CCCC. Ainda, sobre a mesma temática, está em curso a ação administrativa n.º 191/19.7BELRS, que corre os seus termos na 1.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, intentada pelo Recorrente para apreciar a legalidade dos despachos proferidos na informação vinculativa n.º 14170, prestada à B.... , e comunicada ao Recorrente através da informação n.º 1843, relativa ao enquadramento jurídico, em sede de IVA, do contrato de locação de meios aéreos e aquisição de serviços de operação outorgado entre as partes, cf. fls. 127 e ss. do PAT.

DDDD. Por duas ações distintas, o Recorrente exerceu o seu acesso ao direito e à tutela jurisdicional, demonstrando que não se encontra sem tutela jurisdicional.

EEEE. A referência à norma constante do n.º 3 do artigo 103.º da CRP não é adequada, uma vez que a norma não se aplica ao caso sub judice, dado que a AT não liquidou nem cobrou qualquer IVA ao Recorrente que se encontre em apreciação nos presentes autos.

FFFF. Por último, defende o Recorrente que a interpretação da norma constante da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT e do n.º 1 do artigo 97.º do Código do IVA efetuada pelo Tribunal a quo, é contrária à Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lida à luz dos princípios da efetividade e da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado, cf. articulados 178.º a 191.º das alegações de recurso e conclusões xlvi. a xlviii.

GGGG. No entanto, da leitura das alegações de recurso, resulta que o Recorrente defende a sua legitimidade na aplicabilidade ao caso sub judice do entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia vertido no Acórdão HUMDA.

HHHH. Concluiu o Tribunal de Justiça da União Europeia que “Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira e segunda questões que a Diretiva IVA, lida à luz dos princípios da efetividade e da neutralidade do IVA, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um EstadoMembro em aplicação da qual um sujeito passivo, ao qual outro sujeito passivo prestou um serviço, não pode pedir diretamente à Autoridade Tributária o reembolso do montante correspondente ao IVA que lhe foi indevidamente faturado pelo referido prestador e que este último pagou à Fazenda Pública, quando a recuperação desse montante junto do prestador de serviços for impossível ou excessivamente difícil pelo facto de este último ter sido objeto de um processo de liquidação, e quando não for possível imputar a estes dois sujeitos nenhuma fraude ou abuso, de modo que não há risco de perda de receitas fiscais para este EstadoMembro.” (sublinhado nosso), cf. parágrafo 30 do acórdão.

IIII. Para o Recorrente beneficiar da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia teria de se encontrar na mesma posição jurídica do que a HUMDA.

JJJJ. Sucede que resulta da factualidade assente do Acórdão HUMDA que a Autoridade Tributária Húngara apurou, em procedimento inspetivo, que o IVA constante das faturas emitidas pela BHA (prestadora de serviços) não era devido por a prestação de serviços se localizar em Itália, cf. parágrafo 10.

KKKK. Nos presentes autos, não resulta que o IVA em causa tenha sido indevidamente pago, uma vez que as prestações de serviço são sujeitas e não isentas de IVA.

LLLL. Resulta da factualidade assente no Acórdão HUMDA que a recuperação do IVA indevidamente pago é impossível ou extremamente difícil no contexto de um processo civil, por a prestadora de serviços BHA ter sido objeto de um processo de liquidação, o que não sucede com a B.... .

MMMM. Acresce que, no Acórdão HUMDA, o Tribunal de Justiça teve o cuidado de realçar que a HUMDA deveria ter o direito à dedução do IVA indevidamente pago, “É certo que não resulta expressamente do pedido de decisão prejudicial que a Humda beneficiava de um direito à dedução do IVA indevidamente faturado e pago. Todavia, uma vez que, nas suas primeira e segunda questões, o órgão jurisdicional de reenvio se refere ao princípio da neutralidade do IVA, há que considerar, sem prejuízo da verificação a efetuar pelo referido órgão jurisdicional, que a Humda, ou a sociedade à qual sucedeu, era titular de um direito à dedução desse IVA.” (sublinhado nosso), cf. parágrafo 18 do acórdão,

NNNN. Por o princípio da neutralidade do IVA se aplicar aos sujeitos passivos de IVA agindo como tal.

OOOO. O Recorrente não se assume como sujeito passivo de IVA, referindo sistematicamente que é o repercutido do imposto, que suporta o encargo económico do imposto, sugerindo que não tem direito a deduzir o IVA constante das faturas.

PPPP. Se o princípio da neutralidade do IVA se aplica aos sujeitos passivos agindo como tal, e se o Recorrente não demonstra que tem o direito a deduziu o IVA suportado constante das faturas emitidas pela B.... , respeitosamente, o princípio da neutralidade do IVA não é aplicável ao caso concreto.

QQQQ. Não pode o Recorrente beneficiar da proteção conferida pelo princípio da neutralidade do IVA, e, consequentemente, não lhe é aplicável a jurisprudência vertida no Acórdão HUMDA.

RRRR. Improcedem, assim, os vícios assacados pelo Recorrente de erro de julgamento da matéria de facto e de erro de julgamento da matéria de direito, à douta sentença recorrida, merecendo, esta, a sua confirmação no segmento decisório objeto do presente recurso.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a sentença recorrida, com as devidas consequências legais.»


***

O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso da Impugnante.

***

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO DO IMPUGNANTE – QUESTÕES A APRECIAR

As questões a apreciar são as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento:

a) por não ter dado como provados factos essenciais, com interesse para a decisão da causa;

b) por errada subsunção dos factos ao direito no que respeita à ilegitimidade processual activa da Impugnante.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

«1. Entre julho e outubro de 2021 a B.... MCS Portugal, Lda., com sede no Heliporto de S.... , em S.... , Loures (2670-769) NIPC 503.460.054 emitiu à Impugnante um conjunto de 5 (cinco) faturas (cf. cópias das faturas a fls. 92 a 134 do SITAF e que se dão por integralmente reproduzidos);

2. Das faturas emitidas, referentes aos meses de julho a outubro de 2021, consta, entre o mais, a seguinte informação:

3. Em 06.12.2021 deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa – 4 documento dirigido ao Diretor de Finanças de Lisboa, com o título “Reclamação Graciosa”, subscrito pelo Impugnante (cf. cópia da reclamação graciosa a fls. 51 a 91 do SITAF e que se dá por integralmente reproduzido);

4. Em 08.04.2022 o Impugnante apresentou a petição inicial no âmbito deste processo (cf. comprovativo de submissão no SITAF a fls. 1 a 4 do SITAF)

Não se provaram outros factos relevantes para a presente decisão.

Motivação: os factos assentes resultaram dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, consoante referido em cada um dos pontos do probatório.»

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

A Recorrente insurge-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que absolveu a Fazenda Pública da instância, com fundamento na ilegitimidade activa da Impugnante.

Sustenta, desde logo, que o Tribunal a quo incorreu, em erro de julgamento da matéria de facto, por não ter dado como provados factos essenciais, com interesse para a decisão da causa.

Salienta que para compreender a posição da Impugnante, ora Recorrente, na relação jurídica litigada, importa trazer à matéria de facto dada como provada o enquadramento em que as faturas identificadas nos pontos 1) e 2) dos factos dados como provados foram emitidas e, para esse efeito, impõe-se que na factualidade da sentença sejam incluídos factos referentes ao contrato ao abrigo do qual aquelas faturas foram emitidas.

Acrescenta que para se concluir no sentido da legitimidade ativa do Recorrente, como por este sustentado, importa enquadrar o recurso à impugnação judicial no quadro dos outros meios facultados pelas normas de processo e, para o que o presente importa, no quadro dos concretos meios processuais a que as partes – a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, B.... e o RECORRENTE – já recorreram, para ter uma definição judicial do enquadramento em sede de IVA das operações que conduziram à emissão das Faturas e dos atos de liquidação em apreciação.

Refere, por fim, que decorre, ainda, da sentença recorrida que “resulta das alegações e documentos juntos pela Impugnante que o valor das faturas terá sido pago à B.... , por via da dedução das penalidades contratuais”, mas esta factualidade não foi levada à matéria de facto dado como provada, devendo sê-lo.

Objecta a Fazenda Pública que não identifica nas alegações de recurso nem nas conclusões o normativo legal subjacente ao pedido do Recorrente de ampliação do probatório, não podendo, por isso, exercer o seu contraditório quanto à adequação do normativo que o Recorrente teria em mente para produzir os efeitos peticionados de aditamento dos factos provados ao probatório, devendo, por isso, este pedido ser indeferido.

Acrescenta que os factos em causa não são pertinentes para aferir a (i)legitimidade ativa do Recorrente nos presentes autos.

Vejamos.

Prescreve o artigo 640.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 281.º do CPPT, o seguinte:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de primeira Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente o dever de especificar na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida ou o aditamento de novos factos ao acervo probatório dos autos.

Verificando-se, in casu, que os factos a que alude o Recorrente foram alegados na petição inicial e que foi indicada a prova documental que permite inferir cada um deles, é de considerar cumprido o referido ónus.

Refira-se que a omissão do normativo legal subjacente ao pedido do Recorrente de ampliação do probatório, apontada pela Fazenda Pública, não afecta a prerrogativa processual do Recorrente, atento o princípio geral de direito segundo o qual iura novit curia, ou seja, o de que o direito é de conhecimento oficioso, nem o argumento de que tal omissão a impossibilitou de exercer o contraditório poderia relevar perante o preceituado no artigo 6.º do Código Civil, nos termos do qual, “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”.

Pelo exposto, defere-se parcialmente o requerido, procedendo-se ao aditamento ao probatório dos factos que se afiguram pertinentes para a apreciação da questão em análise nos autos – a (i)legitimidade processual activa do Impugnante – e que são os seguintes:

a) Em 31 de agosto de 2018, o INEM celebrou com a B.... (cuja proposta foi a adjudicada no referido concurso) um contrato de prestação de serviços de transporte de doentes e feridos, por ambulância aérea, o Contrato n.º CP-18/0005 (COMPR – 18/21205), o qual foi visado pelo Tribunal de Contas (cf. DOC. 4, junto com a pi);

b) De acordo com as alíneas a) e b), do número 1, da Cláusula 24 do Contrato, o INEM fica obrigado ao pagamento do preço acordado, em função das horas de voo contratadas e das horas de voo suplementares, “acrescido de IVA, à taxa legal em vigor, se este for legalmente devido” (cf. DOC. 4, junto com a pi);

c) A B.... requereu junto da AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA um pedido de Informação Vinculativa relativo ao enquadramento em sede de IVA das operações em causa (cf. DOC. 7, com a pi).

d) Para efeitos de esclarecimento da posição da AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA sobre o enquadramento das operações em apreço, o INEM apresentou também um pedido de Informação Vinculativa, ao abrigo do artigo 68.º da Lei Geral Tributária sobre o enquadramento na alínea 5, do artigo 9.º do Código do IVA, do contrato celebrado para a prestação de serviços de helitransporte de sinistrados ou vítimas de doença súbita urgente/emergente (cf. DOC. 8, junto com a pi).

e) Em resposta ao pedido de informação apresentado, a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA notificou o INEM dos seguintes despachos (cf. DOC. 9, junto com a pi):

• o despacho, de 19 de outubro de 2018, do SUBDIRETOR-GERAL DA ÁREA DE GESTÃO TRIBUTÁRIA – IVA, que recaiu sobre o Pedido de Informação Vinculativa, apresentado pelo INEM, que considerou que o contrato celebrado entre esta entidade e a B.... está sujeito a IVA e dele não isento;

• o despacho, de 2 de outubro de 2018, do SUBDIRETOR-GERAL DA ÁREA DE GESTÃO TRIBUTÁRIA – IVA, que recaiu sobre o Pedido de Informação Vinculativa, apresentado pela B.... , e que considerou igualmente que o mesmo contrato consubstancia uma operação sujeita a IVA e dele não isenta.

f) Em 30 de janeiro de 2019, o INEM impugnou os referidos despachos através da apresentação de uma ação administrativa, junto do Tribunal Tributário de Lisboa, à qual foi atribuído o número 191/19.7BELRS e corre termos na Unidade Orgânica 1, daquele Tribunal.

g) Por sua vez, a B.... solicitou a constituição de tribunal arbitral, que deu lugar ao Processo 13/2019/INS/AP, junto do Centro de Arbitragem Comercial, em que foi decidido apreciar as seguintes questões (cf. DOC. 10, junto com a pi):

• Dever da Demandante de liquidar IVA pelos serviços por ela prestados ao Demandado no âmbito do contrato celebrado entre as Partes com data de 31 de agosto de 2018;

• Dever do Demandado de pagar os valores de IVA liquidado pela Demandante relativamente aos serviços por ela prestados no âmbito do contrato celebrado entre as Partes com data de 31 de agosto de 2018;

• Montante dos valores de IVA eventualmente devidos pelo Demandado à Demandante.

h) Por decisão notificada em 9 de setembro de 2020, no Processo 13/2019/INS/AP, o INEM foi condenado a pagar à B.... o valor global de € 2.652.252,07, correspondente ao IVA liquidado nas faturas emitidas pela B.... de 6 de dezembro de 2018 a 3 de junho de 2020, correspondentes aos períodos de novembro de 2018 a maio de 2020 (cf. DOC. 10, junto com a pi).

i) No Processo 13/2019/INS/AP, o tribunal arbitral não conheceu do enquadramento em sede de IVA das operações subjacentes ao contrato, por entender que “[n]a presente ação arbitral não cabe decidir se há lugar à isenção discutida. A competência para tal cabe aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro (na redação da Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro), designadamente dos seus arts. 1.º e 4.º. – preceitos esses que, de resto, são uma concretização do n.º 3 do art. 212 da Constituição, que determina: «Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”, reconhecendo que a solução avançada é “no plano económico – provisória, por força do que o tribunal fiscal competente venha a declarar.” - cf. Doc. 10 junto com a pi – páginas 69 e 93 da Decisão Arbitral.

j) Na sequência da decisão arbitral o INEM pagou o valor correspondente ao IVA subjacente às faturas emitidas pela B.... e contestou a legalidade das liquidações, mediante a dedução de reclamação graciosa e da subsequente impugnação judicial (cf. cit. Doc. 1 e Doc. 2 juntos com a pi e processos de impugnação judicial pendentes no Tribunal Tributário de Lisboa).

Do erro de julgamento da matéria de direito

O Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo que absolveu da instância a FAZENDA PÚBLICA por considerar verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa.

No entendimento do Recorrente, a apreciação do Tribunal de 1ª instância assenta numa errada interpretação das normas jurídicas relativas à legitimidade processual ativa nos processos tributários, designadamente do artigo 9.º do CPPT, que é a norma que define os critérios para a legitimidade processual nos processos tributários, do artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT que protege o interesse do repercutido para impugnar a liquidação e, ainda, e do artigo 97.º, número 1 do Código do IVA, afronta o direito constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva previsto nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP, viola do disposto no artigo 103.º, n.º 3 da CRP, viola o direito comunitário nomeadamente o princípio da justiça, da proporcionalidade e da efetividade e, é contrária à Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lida à luz dos princípios da efetividade e da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado.

Vejamos se assiste razão à Recorrente.

Para o efeito importa, desde já, ter presente a fundamentação jurídica em que se fundou a decisão da 1ª instância:

“Em sede de IVA, o n.º 1 do artigo 97.º do Código do IVA estabelece claramente o escopo das entidades que podem contestar, graciosa ou judicialmente, os atos de liquidação de IVA, ao estabelecer que “Os sujeitos passivos e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem recorrer hierarquicamente nos casos previstos neste Código, reclamar contra a respectiva liquidação ou impugná-la, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.

Ao deixar de fora as pessoas sobre quem o imposto foi repercutido, houve uma clara intenção do legislador de, em sede de lei especial (face às normas da LGT e CPPT), deixar claro que quem suporte por repercussão legal o IVA não tem legitimidade processual para impugnar as liquidações do imposto.

Sendo, portanto, o n.º 1 do artigo 97.º do CIVA, norma especial em relação à LGT e CPPT (para onde poderia simplesmente remeter), deve sobrepor-se a eventuais normas gerais, como a da parte final da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT. Pelo que a alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT parece deixar claro que o repercutido apenas pode intervir no procedimento se houver norma especial habilitante.

Este Tribunal não desconhece que o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou expressamente no sentido do repercutido legal ter legitimidade processual, a título de exemplo no acórdão de 04.07.1990, no âmbito do processo n.º 12102, disponível no Boletim do Ministério da Justiça, mas não se acompanha essa douta jurisprudência no presente caso.

De facto, a leitura conjugada das acima citadas normas, bem como da jurisprudência mais recente também acima citada, é no sentido de que um repercutido em sede de IVA não tem legitimidade processual ativa no âmbito de uma impugnação judicial, na medida em que o efeito jurídico da eventual procedência de tal processo nunca conduzirá a um efeito que se produza de forma imediata na sua esfera jurídica, pelo que não tem um interesse direto associado ao seu pedido.

Esta posição é reforçada pelo facto de as normas especificamente aplicáveis ao caso restringirem o escopo de entidades com legitimidade ativa para impugnar liquidações de IVA aos sujeitos passivos e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto.

Por outro lado, resulta das alegações e documentos juntos pela Impugnante, que o valor das faturas terá sido pago à B.... , por via da dedução das penalidades contratuais aplicadas pelo INEM ou à ordem de processo judicial, não resultando dos autos que o imposto tenha sido pago, nem diretamente nem indiretamente, ao Estado e que este possa estar, de algum modo, obrigado à restituição ou reembolso, à Impugnante, de qualquer montante.

Pelo que se julga procedente a presente exceção dilatória de ilegitimidade ativa.»

Em suma, o Tribunal a quo conclui pela ilegitimidade do RECORRENTE por considerar que (i) não existe norma que lhe confira legitimidade processual ativa, por não ser o sujeito passivo da relação tributária ou pessoa solidária ou subsidiariamente responsável pelo pagamento do imposto e (ii) que a decisão proferida nos presentes autos produz efeitos numa esfera jurídica alheia ao RECORRENTE, afetando a relação jurídica-tributária entre a AT e um terceiro (a B.... ).

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são assacados pela Recorrente, começando por convocar o regime jurídico que para os autos releva.

O artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, em conjugação com o artigo 9.º do CPPT, reconhece ao repercutido legal o direito de reclamar, recorrer, impugnar ou requerer pronúncia arbitral nas questões legais em que tenha um interesse legalmente protegido, isto é, em que tenha interesse direto em contradizer.

Sucede que, por expressa previsão da norma da LGT acabada de referir, tal reclamação, recurso, impugnação ou pedido de pronúncia arbitral deve ser realizada “nos termos das leis tributárias”.

Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 97.º do Código do IVA, “Os sujeitos passivos e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem recorrer hierarquicamente nos casos previstos neste Código, reclamar contra a respectiva liquidação ou impugná-la, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.

E é com base nesta norma que a Fazenda Pública sustenta que a liquidação de IVA é suscetível de impugnação apenas pelo sujeito passivo e pelas pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto, salientando que o sujeito passivo do imposto é a B.... , não é a Impugnante e que a responsabilidade solidária do adquirente e dos sujeitos passivos encontra-se prevista no artigo 79.º e no artigo 80.º do Código do IVA, não se aplicando qualquer das normas ao caso concreto, entendimento que foi acolhido na sentença recorrida.

Todavia, no acórdão de 4 de Julho de 1990, proferido no processo nº 12102, in Inforfisco, citado pelo Recorrente, o STA considerou que contra o reconhecimento da legitimidade ativa não se podia invocar o conteúdo literal do artigo 90º, nº 1, do Código IVA, que sob a epígrafe “Reclamações e Impugnações”, à semelhança do atual artigo 97.º, n.º 1 do Código do IVA, reconhecia o direito de reclamar e impugnar aos sujeitos passivos e às pessoas solidária e subsidiariamente responsáveis pelo pagamento pois que, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, se têm legitimidade processual “os que suportam efectivamente encargo fiscal nos casos de substituição tributária» por maioria de razão a têm de ter os que directamente, e não por via de substituição tributária, o suportam.”

Em comentário a este Acórdão, SALDANHA SANCHES invocava que tem de haver necessariamente um meio de tutela judicial disponível para quem suportou o encargo do imposto. Entendia este Autor que decorre do n.º 5 do artigo 268.º da CRP que deve ser assegurado a uma entidade, que como o consumidor se considera como não devendo suportar o IVA, um pronunciamento judicial sobre a sua situação. “E pronunciamento judicial de um tribunal fiscal, único a quem cabe competência para resolver essa questão” (cf. Revista Fisco nº 28, de fevereiro de 1991, disponível em Inforfisco).

Por outro lado, importa tomar ainda em consideração a posição assumida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante, TJUE) a este respeito.

Sobre a matéria em causa, pronunciou-se o Acórdão do TJUE de 26 de abril de 2017, Farkas, C564/15, EU:C:2017:302:

50 A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, não havendo regulamentação da União em matéria de pedidos de restituição de impostos, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado Membro prever as condições em que esses pedidos podem ser exercidos, devendo estas condições respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a impossibilitar na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (v., neste sentido, acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C 35/05, EU:C:2007:167, n.o 37).

51 Uma vez que cabe, em princípio, aos Estados Membros determinar as condições em que o IVA indevidamente faturado pode ser regularizado, o Tribunal de Justiça reconheceu que um sistema em que, por um lado, o vendedor do bem que pagou por erro o IVA às autoridades tributárias pode exigir o seu reembolso e, por outro, o adquirente do bem pode intentar uma ação cível para repetição do indevido contra esse vendedor respeita os princípios da neutralidade e da efetividade. Com efeito, esse sistema permite ao referido adquirente que suportou o encargo do imposto faturado por erro obter o reembolso dos montantes pagos indevidamente (v., neste sentido, acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C 35/05, EU:C:2007:167, n.os 38, 39 e jurisprudência referida).

52 Além disso, segundo jurisprudência constante, na falta de regulamentação da União na matéria, as vias processuais destinadas a garantir a proteção dos direitos que decorrem para os cidadãos do direito da União dependem da ordem jurídica interna de cada Estado Membro, por força do princípio da autonomia processual dos Estados Membros (v., designadamente, acórdãos de 16 de maio de 2000, Preston e o., C 78/98, EU:C:2000:247, n.o 31, e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C 35/05, EU:C:2007:167, n.o 40).

53 No entanto, se o reembolso do IVA se tornar impossível ou excessivamente difícil, designadamente em caso de insolvência do vendedor, o princípio da efetividade pode exigir que o adquirente possa requerer o reembolso diretamente às autoridades tributárias. Por conseguinte, os Estados Membros devem prever os instrumentos e as vias processuais necessárias para permitir ao referido adquirente recuperar o imposto indevidamente faturado, de modo a que o princípio da efetividade seja respeitado (v., neste sentido, acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C 35/05, EU:C:2007:167, n.o 41)”. [Sublinhado próprio].

Portanto, e de acordo com este entendimento do TJUE, o repercutido legal pode requerer diretamente o reembolso do IVA à AT se e na medida em que a regularização do IVA por parte do sujeito passivo de imposto “se tornar impossível ou excessivamente difícil, designadamente em caso de insolvência do vendedor”.

Mais recentemente, o TJUE voltou a reafirmar esta posição no acórdão de 13 de outubro de 2022, HUMDA, C 397/21, EU:C:2022:790, citado pelo Recorrente, no qual se pode ler que “a Diretiva IVA, lida à luz dos princípios da efetividade e da neutralidade do IVA, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro em aplicação da qual um sujeito passivo, ao qual outro sujeito passivo prestou um serviço, não pode pedir diretamente à Autoridade Tributária o reembolso do montante correspondente ao IVA que lhe foi indevidamente faturado pelo referido prestador e que este último pagou à Fazenda Pública, quando a recuperação desse montante junto do prestador de serviços for impossível ou excessivamente difícil pelo facto de este último ter sido objeto de um processo de liquidação, e quando não for possível imputar a estes dois sujeitos nenhuma fraude ou abuso, de modo que não há risco de perda de receitas fiscais para este Estado-Membro”.

Por sua vez, o acórdão do TJUE de 7 de setembro de 2023, Schütte, C453/22, ECLI:EU:C:2023:639 insere-se no espírito das anteriores decisões do TJUE sobre o tema em apreço, sufragando que “se for impossível ou excessivamente difícil para o adquirente obter, junto dos fornecedores, o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago, este adquirente, não lhe sendo imputado nenhum abuso, fraude ou negligência, tem o direito de dirigir o seu pedido de reembolso diretamente à Autoridade Tributária”, esclarecendo, contudo, que “(…) quanto à questão de saber se o facto de não haver insolvência dos fornecedores pode ter uma incidência sobre o direito ao reembolso do IVA à luz da jurisprudência mencionada no n.o 23 do presente acórdão, é pacífico que a utilização sistemática do advérbio «designadamente» nesta jurisprudência demonstra que a hipótese da insolvência dos fornecedores é apenas uma das circunstâncias em que pode ser impossível ou excessivamente difícil obter o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago (…)” (§ 26 e 29) [sublinhado próprio].

Portanto, da jurisprudência do TJUE acabada de referir, resulta evidente que o direito ao pedido direto de reembolso do IVA liquidado apenas surge na esfera do repercutido legal nas situações em que se afigure “impossível ou excessivamente difícil para o adquirente obter, junto dos fornecedores, o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago”.

Como tal, cumpre aferir se no caso concreto se verifica a impossibilidade ou dificuldade excessiva a que alude a jurisprudência do TJUE.

Ora, o que resulta do probatório é que a prestadora dos serviços B.... entende ter liquidado IVA nos termos legais, fundando o enquadramento em sede de IVA das operações que defende num Pedido de Informação Vinculativa emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira e, chamado a apreciar a questão, foi já decidido por um Tribunal arbitral que a competência para apreciar o enquadramento das operações em sede de IVA, pertence aos Tribunais Tributários.

Por outro lado, como defende o Recorrente, quando for proferida decisão, com trânsito em julgado, na ação administrativa em que foi contestado o enquadramento defendido pelo sujeito passivo e pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Pedido de Informação Vinculativa, estará, com toda a probabilidade, ultrapassado o prazo para se contestar a legalidade das liquidações e, a admitir-se a sua aplicação, poderá estar também ultrapassado o prazo para revisão oficiosa as liquidações por parte da própria Autoridade Tributária e Aduaneira.

Acresce que, como também salienta o Recorrente, não decorrerá da execução da decisão de eventual procedência que for proferida naquela ação administrativa a anulação das liquidações, nem a obrigação de reembolso ao Recorrente do imposto cujo encargo foi indevidamente por este suportado, assim como, não decorrerá para o sujeito passivo a obrigação de regularização do IVA indevidamente liquidado nas faturas por este emitidas ao Recorrente, com a consequente emissão de notas de crédito e novas faturas sem IVA.

Com efeito, o legislador ordinário, no Orçamento de Estado para 2014, aprovado pela Lei nº 83-C/2013, de 31-12, veio introduzir alterações ao artigo 68.º da LGT, possibilitando ao sujeito passivo impugnar autonomamente as informações vinculativas em três tipos de casos: a) quando a AT decida quanto à inexistência dos pressupostos para a prestação de uma informação vinculativa ou a recusa de prestação vinculativa urgente: b) quando a AT considera que a existência de uma especial complexidade técnica impossibilite a prestação de informação vinculativa; e c) enquadramento jurídico-tributário dos factos constantes da resposta ao pedido de informação vinculativa.

Todavia, a informação vinculativa não é mais do que uma opinião administrativa, o que leva Rui Duarte Morais a considerar que a possibilidade de recurso contencioso tendo como objecto a resposta a um pedido de informação vinculativa traduz “a previsão de um instrumento processual ao serviço da segurança jurídica, na sua dimensão de previsibilidade. Na realidade, cabendo hoje aos particulares, em muitos casos, o risco da aplicação da lei (do enquadramento jurídico fiscal dos factos eventualmente geradores de obrigação de imposto), dado serem quem liquida alguns impostos, como é o caso, e havendo divergências de opinião entre eles e a administração fiscal, o recurso ao tribunal para obter como que um “caso julgado antecipado” compreende-se. Até porque, muitas vezes, o particular só decidirá realizar ou não determinada operação económica depois de seguro de quais as respetivas consequências fiscais.” (cfr. acórdão do CAAD, de 11 de julho de 2022, proferido no processo nº 68/2022-T, disponível em https://caad.org.pt/).

Ora, em face deste entendimento, afigura-se correcto afirmar que não decorrerá da execução da decisão de eventual procedência que for proferida naquela ação administrativa a anulação das liquidações de IVA em causa nos autos.

Deste modo, só o reconhecimento da legitimidade ativa do Recorrente para contestar diretamente a legalidade das liquidações lhe permitirá garantir o conhecimento desta legalidade num processo em que pode ser proferida uma decisão de anulação das liquidações e o consequente reembolso do imposto indevidamente suportado pelo Recorrente, na qualidade de repercutido.

E, como é sabido, o princípio pro actione postula que, ao nível dos pressupostos processuais, se privilegie a interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e que se pode traduzir na fórmula in dubio pro habilitate instantiae.

Neste sentido, veja-se, entre outros, o acórdão deste TCA-Sul de 07/05/2020, processo 1350/10.3BELRS, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler:

“I. O princípio pro actione aponta para interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, por excessivo formalismo, promovendo, pois, emissões de pronúncia sobre o mérito.”

Em face do exposto, conclui-se que a interpretação preconizada na decisão recorrida do artigo 9.º do CPPT, do artigo 18.º, número 4, alínea a) da LGT, e do artigo 97.º, n.º 1 do Código do IVA de acordo com a qual, o repercutido que suportou indevidamente o encargo económico de uma liquidação de IVA ilegal não tem legitimidade ativa para contestar a legalidade dessa liquidação e, assim recuperar o IVA indevidamente pago, é contrária à Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, impondo-se, em consequência, a sua revogação.


*

Da ampliação do recurso requerida pela Fazenda Pública

Com o requerimento de ampliação do recurso para conhecer das exceções dilatórias de nulidade por erro na forma do processo e de nulidade por carência de objeto, a Fazenda Pública apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

«CONCLUSÕES:

A. A Fazenda Pública interpôs recurso (independente) e recurso subordinado, a título subsidiário, da douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 2022-12-20, que julgou os autos de impugnação judicial n.º 647/22.4BELRS, em 2023-02-06 e em 2023-03-10, respetivamente.

B. O recurso subordinado foi apresentado na sequência da abertura de via judicial pela interposição de recurso, também em 2023-02-06, pelo INEM – Instituto Nacional de Emergência Médica, I.P., recurso sobre o qual a Fazenda Pública apresentou as respetivas contra-alegações.

C. A Fazenda Pública requereu, em 2023-03-10, novamente, à cautela e a título subsidiário, perante o Tribunal Tributário de Lisboa, a admissibilidade da ampliação do recurso interposto pelo INEM – Instituto Nacional de Emergência Médica, I.P.

D. Os presentes autos têm origem na impugnação judicial deduzida pelo Recorrente sobre a presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada sobre o IVA contido nas Faturas n.ºs FA 2021A/17, n.º FA 2021A/21, n.º FA 2021A/28, n.º FA 2021A/32 e n.º FA 2021A/33, no valor total de € 604.356,91 (seiscentos e quatro mil, trezentos e cinquenta e seis euros e noventa e um cêntimos).

E. A douta sentença recorrida, proferida em 2022-12-20, julgou improcedentes as exceções dilatórias de nulidade por erro na forma do processo e de ausência de objeto, e julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade do aí impugnante.

F. O recurso apresentado pelo Recorrente, em 2023-02-06, cinge-se ao segmento da douta sentença que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade do aí Impugnante.

G. No entanto, pretende a Recorrida que, sendo julgado procedente o recurso interposto em 2023-0206 pelo INEM – Instituto Nacional de Emergência Médica, então, seja apreciado o segmento da douta sentença recorrida excluído daquele recurso, ampliando o objeto do mesmo, nos termos do n.º 1 do artigo 636.º do CPC aplicável ex vi a alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

H. Assim, pretende-se que o objeto do recurso interposto pelo INEM – Instituto Nacional de Emergência Médica, I.P. seja ampliado para conhecer das exceções dilatórias de nulidade por erro na forma do processo e de nulidade por carência de objeto, o que faz com os fundamentos vertidos nas alegações de recurso ora juntas.

I. Na ampliação do recurso apresentado pelo Recorrente, pretende-se que seja apreciada o erro de julgamento de facto da douta sentença recorrida, ao considerar como objeto da impugnação judicial as liquidações de IVA subjacentes às faturas emitidas, e o subsequente erro de julgamento de direito ao concluir que a impugnação judicial constitui o meio processual adequado para apreciar a legalidade das faturas controvertidas, julgando improcedente as exceções suscitadas pela Recorrida, em violação das normas constantes dos artigos 97.º e n.º 4 do artigo 98.º do CPPT, bem como das normas constantes da alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º e da alínea b) do artigo 577.º ambos do CPC aplicáveis ex vi a alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

J. Sobre o erro de julgamento de facto, a douta sentença recorrida considerou que o Recorrente “pretende, em síntese, que a Autoridade Tributária e Aduaneira anule um conjunto de liquidações de IVA subjacentes às faturas que lista na sua petição inicial”, cf. fls. 5 da douta sentença, mas sem razão.

K. Consta do intróito da P.I. que o Recorrente deduziu impugnação judicial “contra a indicada decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa e, bem assim, contra os atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante IVA), subjacentes às seguintes faturas emitidas pela B.... PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., pessoa coletiva n.º 503 546 054 (…)”, elencando as faturas controvertidas.

L. A presente impugnação judicial foi apresentada do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida “dos atos tributários de liquidação” de IVA consubstanciados nas faturas n.º FA 2021A/17, n.º FA 2021A/21, n.º FA 2021A/28, n.º FA 2021A/32 e n.º FA 2021A/33.

M. Aliás, já em sede de reclamação graciosa o Recorrente, no cabeçalho da sua reclamação, identifica como objeto da mesma a “FATURA N.º FA 2021A/17, FA 2021A/21, FA 2021A/28, FA 2021A/32 e FA 2021A/33 PERÍODOS DE JULHO A OUTUBRO DE 2021 IVA”, cf. fls. 11 do PAT.

N. Mais consta do introito que deduz reclamação graciosa “contra os atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante IVA), subjacentes às seguintes faturas emitidas pela B.... PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., pessoa coletiva n.º 503 546 054:”, especificando as faturas controvertidas.

O. Ora, os atos tributários de liquidação de IVA subjacentes às faturas emitidas constituem, nas palavras do Recorrente, o próprio IVA constante nas faturas emitidas.

P. Resulta dos articulados 33.º, 42.º, 74.º, 77.º da petição de reclamação graciosa e do pedido formulado que os atos tributários de liquidação de IVA reclamados são as faturas n.º FA 2021A/17, FA 2021A/21. FA 2021A/28, FA 2021A/32 e 2021A/33, em concreto o IVA mencionado nas mesmas.

Q. Portanto, sendo a impugnação judicial deduzida do indeferimento tácito da reclamação graciosa, o objeto mediato da impugnação judicial é o objeto da reclamação graciosa, que, como vimos, são as faturas n.º FA 2021A/17, n.º FA 2021A/21, n.º FA 2021A/28, n.º FA 2021A/32 e n.º FA 2021A/33.

R. Aliás, resulta do introito da P.I., dos articulados 30.º, 31.º, 40.º, 41.º, 42.º e do pedido da P.I. que o objeto da impugnação judicial são as faturas n.º FA 2021A/17, n.º FA 2021A/21, n.º FA 2021A/28, n.º FA 2021A/32 e n.º FA 2021A/33, em concreto, o IVA mencionado nas mesmas.

S. Ao interpretar a P.I. de forma distinta, definindo um objeto diferente do identificado pelo Recorrente, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto, não podendo, nesta sede, subsistir no ordenamento jurídico.

T. Sobre o erro de julgamento de direito, julgou a douta sentença recorrida que o meio processual adequado para contestar atos tributários é a impugnação judicial e concluiu “também que o objeto do processo, corporizado no pedido de anulação das liquidações de IVA subjacentes às já referidas faturas, é lícito e cabe no escopo do tipo processual utilizado.”, cf. fls. 6 da douta sentença recorrida, mas sem razão.

U. De acordo com o pedido constante na P.I., o Recorrente pretende que seja anulado o valor de IVA constante das faturas n.ºs FA 2021A/17, FA 2021A/21, FA 2021A/28, FA 2021A/32 e FA 2021A/33, e, nessa sequência, que lhe seja reembolsado o valor pago à fornecedora B.... a título de IVA.

V. Sucede que, em nenhuma destas alíneas do artigo 97.º do CPPT, se encontra prevista a apreciação da (i)legalidade de uma fatura ou de qualquer outro documento de natureza privada.

W. Por sua vez, o n.º 2 do artigo 95.º da LGT tipifica os atos eventualmente lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, designadamente “A liquidação de tributos, considerando-se também como tal para efeitos da presente lei os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;”, nos termos da alínea a), não constando uma fatura como ato lesivo.

X. Para obviar a esta inconveniência, o Recorrente designa como liquidação a parte da fatura que contém o IVA, procurando, assim, que a presente ação judicial seja aceite nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

Y. No entanto, o cálculo do IVA liquidado numa fatura não constitui um ato tributário de liquidação de imposto.

Z. No caso concreto, não houve qualquer declaração de contribuinte para efeitos de apurar um imposto devido, nos termos do artigo 59.º do CPPT.

AA. Ensina o saudoso Professor PEDRO SOARES MARTÍNEZ que a liquidação consiste “na determinação do quantitativo da colecta, da prestação tributária. (…) No entanto, desde que o Código de Processo das Contribuições e Impostos usou, nos seus arts. 3.º, 4.º e 5.º, a expressão acto tributário, no sentido de acto administrativo definitivo pelo qual se fixa o quantitativo do imposto, abriu-se o caminho à utilização alternativa das expressões «liquidação» e «acto tributário» para designar a mesma realidade.”, in Direito Fiscal, 10.ª Edição (Reimpressão), Coimbra, Almedina, outubro 2000, página 293.

BB. No mesmo sentido, refere o Professor JOSÉ CASALTA NABAIS que “Por sua vez, no segundo momento da dinâmica dos impostos, procede-se à sua aplicação, efectivação, administração ou gestão. O que se traduz nas operações de lançamento, liquidação e cobrança dos impostos. Pelo lançamento identifica(m)-se o(s) contribuinte(s), através do lançamento subjectivo, e determina-se a matéria colectável (ou tributável) e a taxa (no caso de pluralidade de taxas), mediante o lançamento objectivo. Pela liquidação, por seu turno, determina-se a colecta aplicando a taxa à matéria colectável, colecta que vem a coincidir com o imposto a pagar, a menos que haja lugar a deduções à colecta, caso em que a liquidação também abarca esta última operação.” (sublinhado nosso) in Direito Fiscal, 2ª Edição, refundida e aumentada (Reimpressão), Coimbra, Almedina, maio de 2004, página 38.

CC. Ainda o Professor JOSÉ CASALTA NABAIS, ”A liquidação latu sensu, ou seja enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico fiscal, 2) o lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) a liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta.”, in obra supra citada, página 304.

DD. O ato de liquidação consiste no apuramento da prestação tributária – da coleta; não é isto que sucede quando se calcula o IVA numa fatura.

EE. Na realidade, da aplicação da taxa de IVA ao valor tributável constante de uma fatura, nem sequer resulta o valor de IVA que o sujeito passivo deve entregar ao Estado por efeito daquela venda / prestação de serviço.

FF. A liquidação do imposto, i.e., o cálculo da prestação tributária (eventualmente) devida pelo sujeito passivo efetua-se através da declaração periódica prevista no n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA, que agrega a globalidade das operações sujeitas a IVA em que o sujeito passivo foi interveniente,

GG. O IVA que consta das faturas não é uma liquidação, mas uma forma de exigir o seu pagamento ao adquirente dos bens ou destinatário dos serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 37.º do Código do IVA.

HH. O IVA incluído nas faturas n.ºs FA 2021A/17, FA 2021A/21, FA 2021A/28, FA 2021A/32 e FA 2021A/33 integra os atos tributários dos respetivos períodos de IVA, resultantes das declarações periódicas de IVA submetidas pela B.... relativa aos períodos de 2021/07 a 2021/10, não constituindo per se uma liquidação de IVA cuja legalidade possa ser conhecida através da presente impugnação judicial.

II. Na realidade, qualquer elemento da fatura que não seja conforme à realidade é uma questão a dirimir entre a B.... e o Recorrente, de natureza privada, a suscitar ao nível da jurisdição cível.

JJ. As questões fiscais suscitadas pela emissão das faturas n.ºs FA 2021A/17, FA 2021A/21, FA 2021A/28, FA 2021A/32 e FA 2021A/33 oponíveis à AT podem suscitar-se a dois níveis, sendo que nenhum foi considerado à apreciação do Tribunal: (i) do IVA liquidado, questão que produz efeitos na esfera jurídica da B.... , a suscitar na relação jurídico-tributária entre a B.... (na qualidade de sujeito passivo de IVA) e a AT, (ii) do IVA (eventualmente) dedutível, questão que produz efeitos na esfera jurídica do Recorrente, a suscitar na relação jurídico-tributária entre o Impugnante (na qualidade de sujeito passivo de IVA) e a AT.

KK. Ainda sobre a impropriedade do meio processual, recordamos o entendimento do Professor J. L. Saldanha Sanches, em anotação ao acórdão proferido pelo STA no processo n.º 012102 em 199007-04, que, após associar o interesse em agir à legitimidade processual, entendeu que “o meio de tutela judicial mais adequado [a quem suportou o imposto], porque tem de haver algum, é o que está inserido no capítulo VI, secção I, do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, Lei do Processo Administrativo: uma acção para o reconhecimento de direito ou interesse legítimo. Acções estas já criadas pela jurisprudência do STA para situações em que havia apenas aparência de acto administrativo ou de um acto criador de um tributo parafiscal.”, in Fisco, n.º 28, Ano 3, fevereiro de 1991, página 34.

LL. Assim, afigura-se que a impugnação judicial não constitui o meio próprio para questionar o IVA constante de faturas, como sucedeu, igualmente, no processo n.º 012102, o que constitui uma nulidade de erro na forma do processo.

MM. Acresce que, o reverso da conclusão de a impugnação judicial não ser o meio processual idóneo para apreciar faturas, é as faturas não constituírem objeto da impugnação judicial.

NN. Sucede que as faturas n.ºs FA 2021A/17, FA 2021A/21, FA 2021A/28, FA 2021A/32 e FA 2021A/33 não se reconduzem a nenhum dos objetos da impugnação judicial previstos no n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

OO. Não é defensável que tendo a presente impugnação judicial sido deduzida do indeferimento tácito de reclamação graciosa, o seu objeto estaria previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, dado que a alínea c) se refere ao indeferimento total ou parcial de reclamação de atos tributários, uma vez que o objeto da reclamação graciosa são as faturas n.ºs FA 2021A/17, FA 2021A/21, FA 2021A/28, FA 2021A/32 e FA 2021A/33, pelo que não se encontra preenchida a alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

PP. Ensina o Professor ALBERTO XAVIER que, “É certo que, ao menos em certos impostos como no imposto de transacções (atual IVA) e nos direitos aduaneiros a liquidação não é uma simples operação mental, por se dever corporizar num documento (factura ou formula de despacho), cuja elaboração e rigorosamente disciplinada por lei, de tal modo que a sua inobservância produz efeitos jurídicos próprios, nomeadamente de caracter penal. A elaboração dos referidos documentos, de harmonia com a lei fiscal, bem como a indicação neles do imposto correspondente ao valor da transacção, constitui, porém, não a forma de um acto jurídico de aplicação da norma tributária material, anterior ao pagamento, mas a simples realização de um dever tributário acessório, imposto por lei para meros efeitos de fiscalização ou controlo da legalidade dos pagamentos efectuados. Trata-se aí de uma actividade de registo em documentos próprios (facturas e livros), de natureza análoga a dos lançamentos na escrita dos comerciantes, que a lei só em apertados casos permite corrigir, de modo a evitar fraudes e desvios a função probatória ou de controlo dos aludidos documentos. Não devem, pois, confundir-se com os actos de aplicação da lei fiscal, as suas operações de aplicação, caracterizadas pela natureza de juízos lógicos, aos quais falta a exteriorização numa conduta e a produção de efeitos jurídicos próprios.” (sublinhado nosso), in Conceito e Natureza do Acto Tributário, Coimbra, Almedina, 1972, páginas 62 e 63.

QQ. Continua o autor, “O facto tributável, uma vez realizado, dá imediatamente origem à obrigação de imposto; nesta situação, este efeito, só é invocável pelas partes através do seu título jurídico formal e nos seus precisos termos. Quer isto dizer que, para efeitos do exercício dos direitos e deveres substanciais que caracterizam a obrigação de imposto, a lei declara ininvocável pelas partes a obrigação subjacente, exigindo, em homenagem à ideia de certeza objectiva, a presença da obrigação abstracta gerada pelo acto tributário. Só uma vez tornados certos pela sua incorporação num título abstracto é que os efeitos directamente imputáveis ao facto tributável, embora já existentes, podem ser invocados para os aludidos fins. O acto tributário, como titulo abstracto da obrigação de imposto é, assim, em sentido técnico, sua condição de atendibilidade.” (sublinhado nosso) in obra supra citada, página 557.

RR. Portanto, não sendo impugnado um ato suscetível de constituir objeto de impugnação judicial, a presente ação carece de objeto, o que constitui uma nulidade processual.

SS. Respeitosamente, ao concluir que “não se vislumbra que a presente ação não seja o meio mais adequado e eficaz para assegurar a tutela efetiva dos direitos e interesses invocados pelo Impugnante no âmbito do seu pedido principal (anulação parcial de atos de liquidação de IVA). Não havendo erro na forma do processo, forçoso será concluir também que o objeto do processo, corporizado no pedido de anulação das liquidações de IVA subjacentes às já referidas faturas, é lícito e cabe no escopo do tipo processual utilizado.”, cf. fls. 5 e 6 da douta sentença,

TT. A douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, violando o disposto no artigo 97.º e n.º 4 do artigo 98.º do CPPT, bem como da alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º e da alínea b) do artigo 577.º ambos do CPC aplicáveis ex vi a alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

UU. Padecendo a douta sentença recorrida de erro de julgamento de facto ao considerar como objeto da impugnação judicial as liquidações de IVA subjacentes às faturas emitidas, e do subsequente erro de julgamento de direito ao concluir que a impugnação judicial constitui o meio processual adequado para apreciar a legalidade das faturas controvertidas, julgando improcedente as exceções suscitadas pela Fazenda Pública, em violação das normas constantes dos artigos 97.º e n.º 4 do artigo 98.º do CPPT, bem como das normas constantes da alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º e da alínea b) do artigo 577.º ambos do CPC aplicáveis ex vi a alínea e) do artigo 2.º do CPPT, a douta sentença recorrida não merece a sua confirmação, não podendo subsistir no ordenamento jurídico, quanto a este segmento decisório.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., caso seja considerado procedente o recurso apresentado pelo Recorrente, deverá ser considerado procedente a presente ampliação do objeto do recurso e revogada a douta sentença recorrida, neste segmento decisório, sendo substituída por acórdão que julgue procedente as exceções dilatórias de erro na forma do processo e de carência de objeto, como é de Direito e de Justiça, e absolva a Fazenda Pública da instância.»

O INEM respondeu à matéria da ampliação do objecto do recurso, transcrevendo-se as respectivas

«CONCLUSÕES

i. Por Saneador-sentença proferido em 20 de dezembro de 2022, o Tribunal a quo julgou improcedente as exceções dilatórias do erro da forma do processo e da falta de objeto, mas concluiu pela procedência da exceção de ilegitimidade ativa, tendo em consequência absolvido a Fazenda Pública da instância.

ii. Na sequência da notificação do recurso interposto pelo INEM contra a referida decisão, a FAZENDA PÚBLICA veio requerer, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a ampliação do objeto do recurso, por forma a que o Tribunal ad quem se pronuncie sobre as exceções dilatórias de erro na forma do processo e ausência de objeto invocadas na sua contestação pela Fazenda Pública, tendo imputado à decisão controvertida o erro de julgamento da matéria de facto e de direito.

iii. Contrariamente ao que a Fazenda Pública tenta perpassar na ampliação do objeto do recurso, o INEM não pretende que nos presentes autos seja apreciada a legalidade das faturas, mas sim dos atos tributários de liquidação do IVA subjacentes a essas faturas, como decorre das diversas peças processuais constantes dos autos (cf. petição de reclamação graciosa, petição de impugnação e requerimento apresentado pelo INEM em 12.09.2022 com a referência SITAF 007482629).

iv. Não é pelo facto de a liquidação do IVA ser executada, por imposição legal pelo prestador de serviços (in casu, pela B.... ), que liquida e arrecada o imposto em substituição da AUTORIDADE TRIBUTÁRIA, que esse ato deixa de consubstanciar a liquidação de um tributo.

v. Assim, o Tribunal a quo que identifica como objeto dos presentes autos os atos tributários de liquidação de IVA, subjacentes às faturas acima identificadas, não incorreu em qualquer erro de julgamento quanto à matéria de facto.

vi. Não obstante, a Fazenda Pública indicar que impugna a matéria de facto, na ampliação do objeto do recurso não se identificada nenhum concreto ponto que tenha sido incorretamente julgado pelo Tribunal a quo na matéria de facto fixada no capítulo II. Dos Factos da sentença recorrida. Não são identificados os concretos meios probatórios que ponham em causa a matéria de facto fixada no indicado capítulo, nem a decisão que no entender da Fazenda Pública deveria ter sido proferida (pois, na verdade não é impugnada nenhuma concreta questão de facto).

vii. Pelo que, deverá ser rejeitada a impugnação da matéria de facto por não cumprimento do ónus do artigo 640.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, pela Fazenda Pública.

viii. As exceções dilatórias de erro na forma de processo e de ausência de objeto foram julgadas improcedentes pelo Tribunal a quo com base no entendimento de que os atos tributários de liquidação do IVA impugnados são suscetíveis de contestação através do processo de impugnação judicial.

ix. Como já avançado, o INEM através dos presentes autos pretende que seja a apreciada a legalidade dos atos tributários subjacentes às faturas acima identificadas e não como erradamente entende a FAZENDA PÚBLICA a legalidade dessas mesmas faturas.

x. As questões relacionadas com a liquidação do IVA, tais como incidência, liquidação e sua cobrança, respeitam à atividade exercida pela AUTORIDADE TRIBUTÁRIA, devendo, por essa razão, ser apreciadas/dirimidas pela própria AUTORIDADE TRIBUTÁRIA ou pelos Tribunais Tributários, como aliás, é revelado pela circunstância de ter sido emitido um pedido de informação vinculativa sobre esta matéria e de o Tribunal Arbitral no processo n.º 13/2019/INS/AP, intentado pela B.... contra o INEM, não ter conhecido o enquadramento em sede de IVA das operações subjacentes ao contrato, por entender que “[n]a presente ação arbitral não cabe decidir se há lugar à isenção discutida. A competência para tal cabe aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro (na redação da Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro), designadamente dos seus arts. 1.º e 4.º. – preceitos esses que, de resto, são uma concretização do n.º 3 do art. 212 da Constituição, que determina: «Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.»”, e por esse motivo, reconhece que a solução que avança é “no plano económico – provisória, por força do que o tribunal fiscal competente venha a declarar.” -- cf. página 69 e 93 da Decisão Arbitral, junta como Doc. 10 com a petição.

xi. A própria AUTORIDADE TRIBUTÁRIA quando faz correções em sede de IVA no quadro de inspeções tributárias, também, corrige o imposto operação a operação, ou seja, em função do IVA de cada uma das faturas que constam da contabilidade do sujeito passivo e, com base nas quais este liquidou ou deduziu o imposto.

xii. Considerando as normas relativas à incidência objetiva e subjetiva previstas, respetivamente, no n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA, e na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como a definição de prestação de serviços presente nos artigos 3.º e 4.º, percebe-se que é a realização da prestação de serviços em causa que constitui o facto gerador de imposto e origina o nascimento da obrigação da sua liquidação junto do Sujeito Passivo.

xiii. Com efeito, importa ter presente, quanto à liquidação do IVA, que é a realização da prestação de serviço que, preenchendo a norma de incidência do IVA, constitui o facto gerador do imposto, não se podem confundir os factos tributários (atos autónomos entre si) que geram a dívida de imposto com os momentos (que, em certos casos, pode ocorrer com periodicidade) da entrega do imposto liquidado.

xiv. Decorre do n.º 4 do artigo 36.º do Código do IVA que em toda a fatura emitida figure obrigatoriamente, o preço líquido de imposto, a taxa aplicável e o montante de imposto devido, dispondo, por sua vez o n.º 1 do artigo 37.º do Código do IVA que a importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da fatura, para efeitos da sua exigência aos destinatários dos serviços.

xv. Significa isto que, no caso do IVA, por obrigação legal, o prestador dos serviços quando emite a fatura com o valor destes, procede à liquidação do IVA devido, adicionando o valor dessa liquidação ao valor da fatura.

xvi. Não é, assim, pelo facto de a liquidação do IVA ser executada, por imposição legal, diretamente pela B.... , enquanto prestador de serviço, que liquida e arrecada o imposto em substituição da ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA, que esse ato deixa de consubstanciar a liquidação de um tributo.

xvii. A possibilidade de impugnação da liquidação do IVA subjacente a uma fatura pelo consumidor final/repercutido legal, foi já admitida pelo Supremo Tribunal Administrativo (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 04 de julho de 1990, no âmbito do processo n.º 12102, disponível em INFORFISCO).

xviii. Estando em causa liquidações do IVA consubstanciadas em faturas as mesmas são suscetíveis de serem contestadas em sede de impugnação judicial, nos termos da alínea a) e c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e, por isso, ao contrário do sustentado pela Fazenda Pública não se verifica, como bem decidiu a sentença recorrida, a exceção de ausência de objeto do processo.

xix. Para justificar a impropriedade do meio processual a Fazenda Pública invoca a posição de SALDANHA SANCHES, em “Anotação ao Acórdão n.º 12102 – A legitimidade processual do IVA”, na parte em que este AUTOR sustenta que o meio de tutela judicial mais adequado é a ação para o reconhecimento de direito ou interesse legítimo (cf. revista Fisco nº 28, de Fevereiro de 1991, disponível em Inforfisco).

xx. Porém, importa ter presente que na referida Anotação quando SALDANHA SANCHES propõe como meio a ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo fá-lo no quadro da Lei do Processo Administrativo, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de julho.

xxi. Tratava-se de um quadro legal muito diferente do atual, em que artigo 97.º, n.º 1, alínea a) do CPPT estabelece que o processo judicial tributário compreende a impugnação da liquidação dos tributos e o artigo 18.º, número 4 da Lei Geral Tributária que reconhece expressamente ao repercutido o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral”, pelo que se impões concluir pela possibilidade do repercutido contestar a legalidade dos atos de liquidação por via da impugnação judicial, como se decidiu na decisão recorrida.

xxii. Face ao exposto, a decisão recorrida que julgou improcedentes as exceções da adequação do meio processual e do objeto da impugnação judicial invocadas pela FAZENDA PÚBLICA na sua contestação, não merece qualquer censura.

xxiii. Sem prejuízo do exposto, é ainda de salientar que a interpretação dos artigos 97.º, n.º 1, al. a) e c) do CPPT, 98.º, n.º 4 do CPPT e, 95.º, n.º 1 e 2 da LGT adotada pela FAZENDA PÚBLICA, como impedindo a contestação da legalidade do IVA suportado pelo repercutido tributário e de o fazer por via da impugnação judicial viola o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva com consagração constitucional nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP, vertido no artigo 9.º e n.º 1 do artigo 95.º da LGT e, bem assim, o disposto no artigo 103.º, n.º 3 da CRP.

xxiv. Do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva resulta a exigência de uma tutela jurisdicional adequada, ou seja, que para cada conflito em matéria tributária exista um meio processual adequado e um Tribunal competente para o dirimir.

xxv. A liquidação do IVA ao repercutido tributário trata-se de matéria tributária e, como tal sujeita à jurisdição dos tribunais tributários (cf. artigo 4.º, n.º 1 alínea a) do ETAF).

xxvi. Suportando o INEM, por imposição legal, o encargo económico do IVA subjacente às indicadas prestações de serviço impõe-se que lhe seja reconhecido o direito de contestar a liquidação do imposto repercutido na sua esfera jurídica, uma vez que, das citadas normas constitucionais resulta que a todos é garantido o direito à tutela jurisdicional para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos (cf. artigo 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º da CRP) e que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança não seja feita nos termos legais (cf. artigo 103.º, n.º 3 da CRP).

xxvii. A interpretação do disposto dos artigos 97.º, n.º 1, al. a) e c) do CPPT, 98.º, n.º 4 do CPPT e, do artigo 95.º, n.º 1 e 2 da LGT como não admitindo a contestação da legalidade das liquidações de IVA suportado pelo repercutido tributário, subjacentes às Faturas em seu nome emitidas e, bem assim como não admitindo a referida contestação da legalidade por via da dedução de impugnação judicial viola o disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP e, ainda, o disposto no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, o que se invoca, na medida em que ao repercutido tributário, e no caso concreto ao INEM, é negada a apreciação judicial da legalidade da liquidação do tributo repercutido na sua esfera jurídica e, em consequência, é também, negada a possibilidade de ser determinada a sua anulação judicial.

xxviii. Ou seja, em clara violação do direito de acesso a um tribunal e à tutela jurisdicional efetiva, a proceder esta interpretação, o INEM fica obrigado a suportar o encargo de um tributo que no seu entender se afigura ilegal, sem que o possa contestar.

xxix. Mas mais, num contexto, em que o INEM não dispõe de outro meio para ver declarada a ilegalidade das liquidações contestadas, a vingar a posição sustentada pela FAZENDA PÚBLICA será efetivamente recusada a possibilidade do INEM ser reembolsado do valor pago, que lhe foi indevidamente faturado a título de IVA, o que é incompatível com a Diretiva do IVA, e dos princípios da efetividade e da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado, conforme posição sufragada pelo Tribunal de Justiça, no Proc. C-397/21, de 13 de outubro de 2022.

xxx. Assim, a interpretação preconizada pela FAZENDA PÚBLICA dos artigos 97.º, n.º 1, al. a) e c) do CPPT, 98.º, n.º 4 do CPPT e, 95.º, n.º 1 e 2 da LGT, de acordo com a qual, o repercutido que suportou indevidamente o encargo económico de uma liquidação de IVA ilegal não pode contestar a legalidade dessa liquidação e, que não o pode fazer por via da impugnação judicial e, assim recuperar o IVA indevidamente pago, é, ainda, contrária à Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lida à luz dos princípios da efetividade e da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado, o que se invoca.»

Com o pedido de ampliação do recurso, pretende a Fazenda Pública que seja apreciado o “erro de julgamento de facto” da douta sentença recorrida, ao considerar como objeto da impugnação judicial as liquidações de IVA subjacentes às faturas emitidas, e o subsequente erro de julgamento de direito ao concluir que a impugnação judicial constitui o meio processual adequado para apreciar a legalidade das faturas controvertidas, julgando improcedente as exceções suscitadas pela Recorrida, em violação das normas constantes dos artigos 97.º e n.º 4 do artigo 98.º do CPPT, bem como das normas constantes da alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º e da alínea b) do artigo 577.º ambos do CPC aplicáveis ex vi a alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

Sobre o “erro de julgamento de facto”, refere a Fazenda Pública que a presente impugnação judicial foi apresentada do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida “dos atos tributários de liquidação” de IVA consubstanciados nas faturas n.º FA 2021A/17, n.º FA 2021A/21, n.º FA 2021A/28, n.º FA 2021A/32 e n.º FA 2021A/33, sustentando que “ao contrário do estatuído na douta sentença recorrida, o objeto da impugnação judicial não são as liquidações de IVA subjacentes às faturas n.º FA 2021A/17, n.º FA 2021A/21, n.º FA 2021A/28, n.º FA 2021A/32 e n.º FA 2021A/33, 43º, mas sim as próprias faturas n.º FA 2021A/17, n.º FA 2021A/21, n.º FA 2021A/28, n.º FA 2021A/32 e n.º FA 2021A/33, em concreto, o IVA constante das mesmas”, pelo que ao interpretar a petição inicial de forma distinta, definindo um objeto diferente do identificado pelo Impugnante, a douta sentença recorrida incorreu em “erro de julgamento de facto”, não podendo, nesta sede, subsistir no ordenamento jurídico.

Ora, em primeiro lugar cumpre referir que a questão suscitada pela Fazenda Pública não consubstancia um “erro de julgamento de facto”, mas antes uma errónea interpretação da petição inicial, quanto ao objecto da impugnação judicial.

E, adiante-se, desde já, que tal vício apontado à sentença recorrida não se verifica.

Com efeito, como constitui jurisprudência consolidada, à interpretação dos articulados aplicam-se os princípios de interpretação das declarações negociais pelo que aquelas declarações valem com o sentido que um declaratário normal deva retirar das mesmas e tal interpretação deve ter presente a máxima da prevalência do fundo sobre a forma.

Neste sentido, vide Ac. do S.T.A. de 27/04/2016 (Francisco Rothes), processo 0431/16, in www.dgsi.pt, onde se lê: “(…) os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr. art. 20.º da CRP), motivo por que o tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, indagando da sua real pretensão.”

Ora, aquilo que resulta de forma clara da petição inicial é que a impugnação tem por objecto mediato os vícios concretamente imputados aos actos de liquidação subjacentes às aludidas faturas, sendo por isso correcta a interpretação efectuada pelo tribunal de 1ª instância.

Com efeito, o acto de liquidação consiste no acto de quantificação da obrigação tributária, ou seja, diz respeito à operação aritmética que determina quanto tem de pagar determinado sujeito passivo, pelo que o objecto mediato da impugnação corresponde às operações de cálculo que conduziram ao montante do imposto constante de cada uma das faturas.

Improcede, assim, nesta parte, a alegação da Fazenda Pública.

Em sede de erro de julgamento de direito, sustenta a Fazenda Pública que em nenhuma das alíneas do nº 1 do artigo 97º do CPPT, normativo que prevê as formas de processo tributário, se encontra prevista a apreciação da (i)legalidade de uma fatura ou de qualquer outro documento de natureza privada.

Acrescenta que o cálculo do IVA liquidado numa fatura não constitui, manifestamente, um ato tributário de liquidação de imposto, ou seja, a liquidação do imposto não se efetua nas faturas.

Segundo a Fazenda Pública, a liquidação do imposto, i.e., o cálculo da prestação tributária (eventualmente) devida pelo sujeito passivo efetua-se através da declaração periódica prevista no n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA, que agrega a globalidade das operações sujeitas a IVA em que o sujeito passivo foi interveniente.

Assim, para a Fazenda Pública, o IVA incluído nas faturas n.ºs FA 2021A/17, FA 2021A/21, FA 2021A/28, FA 2021A/32 e FA 2021A/33 integra os atos tributários dos respetivos períodos de IVA, resultantes das declarações periódicas de IVA submetidas pela B.... relativa aos períodos de 2021/07 a 2021/10. 84º, não se identificando uma liquidação de IVA nas referidas faturas cuja legalidade possa ser conhecida através da presente impugnação judicial.

Pelo que, no seu entendimento, a impugnação judicial não constitui o meio próprio para questionar o IVA constante de faturas.

Acrescenta que o reverso da conclusão de o meio processual não ser o adequado a obter o efeito jurídico pretendido pelo autor é o facto de o objeto não ser adequado à ação judicial, afirmando que “[s]e a impugnação judicial não é o meio processual idóneo para apreciar faturas, então, por inerência, as faturas não constituem objeto da impugnação judicial”.

Portanto, – conclui a Fazenda Pública – “não sendo impugnado um ato suscetível de constituir objeto de impugnação judicial, a presente ação carece de objeto, o que constitui uma nulidade processual”.

Vejamos se lhe assiste razão.

Como refere José Casalta Nabais, “os mais importantes impostos são presentemente liquidados e cobrados pelos particulares, sobretudo pelas empresas, seja enquanto contribuintes ou outros sujeitos passivos através da autoliquidação, como nos casos do IRC, do IVA, [...], seja como terceiros actuando em substituição dos contribuintes ou outros sujeitos passivos com base na difundida técnica da retenção na fonte” (Direito Fiscal, 11.ª Ed., Coimbra, Almedina, 2019, p. 344).

É o que se designa privatização do sistema fiscal ou da administração fiscal (ob. cit., p. 343).

No caso do IVA, compete em regra ao sujeito passivo a obrigação de passar factura ou documento equivalente por cada transmissão de bens ou prestação de serviços até ao quinto dia útil seguinte ao momento em que o imposto é devido (alínea b) do nº 1 do artigo 29º e alínea a) do nº 1 do artigo 36º do CIVA).

Nos termos do disposto na alínea d) do nº 5 do artigo 36º do CIVA as faturas devem conter “as taxas aplicáveis e o montante do imposto devido”.

Por sua vez, a alínea b) do nº 1 do artigo 7º do CIVA estabelece que, no caso das prestações de serviço, o imposto é devido no momento da sua realização.

Significa isto que, por obrigação legal, o prestador dos serviços quando emite a fatura com o valor da contra-prestação, procede à operação de cálculo do IVA devido.

Conclui-se, pois, no caso dos autos, que a realização das prestações de serviços em causa constituiu o facto gerador de imposto e originou o nascimento da obrigação da sua liquidação junto do sujeito passivo (a sociedade B.... ), que fez constar o montante do imposto devido em cada uma faturas emitidas.

Com efeito, como refere o Impugnante, é a realização da prestação de serviço que, preenchendo a norma de incidência do IVA, constitui o facto gerador do imposto, não se podendo confundir os factos tributários (factos autónomos entre si) que geram a obrigação de imposto com os momentos (que, em certos casos, pode ocorrer com periodicidade) da entrega do imposto liquidado.

Não é, pois, pelo facto de a liquidação do IVA ser efectuada, por imposição legal, diretamente pela B.... , enquanto prestador de serviço, que liquida e arrecada o imposto em substituição da Administração Tributária, que esse ato deixa de consubstanciar a liquidação de um tributo.

Em consonância com o exposto, é de concluir que, ao julgar improcedentes as excepções da idoneidade do meio processual utilizado e da falta de objecto da acção, o tribunal de 1ª instância não incorreu na violação das normas invocadas pela Fazenda Pública, devendo manter-se o julgamento efectuado.

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, formulam-se as CONCLUSÕES:

I - Não é admissível a interposição de um recurso independente ou subordinado pela Fazenda Pública, quando resulta da contestação apresentada nos autos que a mesma deduziu defesa por exceção, através da invocação de exceções dilatórias pedindo a sua absolvição da instância e, subsidiariamente, por impugnação, vindo o Tribunal a quo a absolver da instância a Fazenda Pública, uma vez que o “pedido” deduzido a título principal obteve provimento;

II – Nas situações em que se afigure impossível ou excessivamente difícil para o adquirente obter, junto do vendedor ou prestador de serviços, o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago, deve-lhe ser reconhecida legitimidade para contestar diretamente a legalidade das liquidações de IVA.

III – À interpretação dos articulados aplicam-se os princípios de interpretação das declarações negociais pelo que aquelas declarações valem com o sentido que um declaratário normal deva retirar das mesmas e tal interpretação deve ter presente a máxima da prevalência do fundo sobre a forma.

IV - Não é pelo facto de a liquidação do IVA ser efectuada, por imposição legal, diretamente pelo prestador do serviço, que liquida e arrecada o imposto em substituição da Administração Tributária, que esse ato deixa de consubstanciar a liquidação de um tributo.

V. Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

a) rejeitar os recursos (independente e subordinado) interpostos pela Fazenda Pública;

b) conceder provimento ao recurso do Impugnante e revogar a decisão recorrida, na parte em que julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa do Impugnante;

c) determinar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para que sejam aí tramitados, com vista à apreciação do mérito da causa, se a tal nada mais obstar.

Custas pela Fazenda Pública.

Registe e notifique.

Lisboa, 30 de Abril de 2025


(Ângela Cerdeira)

(Ana Cristina Carvalho)

(Rui A. S. Ferreira)