Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:249/11.0BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:11/28/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Sumário:
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
1
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I- Relatório
A A....., S. A, a quem sucedeu a B....., S.A., intentou Ação Administrativa Especial contra o Instituto da Segurança Social, I.P., peticionando “a anulação da ordem de restituição da quantia de 22.636,80€, que lhe foi notificada pelo ofício de 30 de Dezembro de 2010 do Centro Distrital da Guarda do Instituto da Segurança Social, I.P., relativa à totalidade das prestações do subsídio de desemprego de C.....”, inconformada com a Sentença proferida em 12 de junho de 2020 no TAC de Lisboa, que julgou a Ação improcedente, veio apresentar Recurso para esta Instância, no qual concluiu:
“A) - O ato administrativo objeto de impugnação identifica o motivo da sua emissão ("a cessação do contrato de trabalho por acordo”), bem como os fins visados ("notifica-se de que lhe vai ser exigido o pagamento de € 22.636,80”), contudo, a partir da frase "o referido trabalhador não se encontra dentro dos limites estabelecidos n.° 4 do art.° 10° do Decreto-Lei n.° 220/2006”, não é possível à ora recorrente alcançar o "iter” cognoscitivo percorrido pelo ISS, I.P., porquanto não lhe foi dado a conhecer todo o enquadramento fáctico determinante da ordem de reposição.
B) - A mera indicação que não se encontram preenchidos os limites do n.° 4 do artigo 10° do D.L. 220/2006, não cumpre a suficiência e clareza que se impõe na fundamentação dos atos administrativos.
C) - Era necessário que a notificação da decisão estivesse fundamentada quanto ao modo de apuramento do número de trabalhadores da autora /recorrente no triénio e respetivas datas de início e fim do triénio considerado, o modo como foi identificado o 80° trabalhador, como foi apurado o montante das prestações de desemprego devidas e quais as prestações de desemprego efetivamente pagas pelo ISS ao beneficiário e se este se encontra atualmente em situação de desempregado com direito ao subsídio.
D) - A omissão destes elementos equivale à falta de fundamentação do ato, na medida em que o não preenchimento dos limites previstos na norma em causa têm de ser preenchidos por factos objetivos e efetivos, por forma a que a ora recorrente pudesse indagar, conferir ou aferir a factualidade e conformar-se ou não com a decisão administrativa.
E) - Pelo que, a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no art.° 125° do CPA.
F) - Foi dado como facto provado, na alínea N) do probatório, o teor do despacho do Exmo. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, contudo a M. ma. Juíza "a quo” não fundamentou motivadamente a relevância do mesmo, nem o valorou para efeitos de decisão da causa.
G) - Ora, o aludido despacho do SEEFP declarou a A....., S.A. como empresa em reestruturação, podendo, por referência ao triénio 2010/2013, celebrar rescisões de contratos de trabalho por mútuo acordo até ao limite de 108 trabalhadores, pelo que era indispensável que a douta sentença recorrida tivesse aferido se a rescisão do trabalhador, a quem foi atribuído subsidio de desemprego, se enquadrava no limite estabelecido pelo douto despacho do SEEFP
H) - Na verdade, o teor do despacho do SEEFP, emitido ao abrigo do disposto a alínea d) do n.° 2 do art.° 10° do D.L. n.° 220/2006, permite a ultrapassagem dos limites impostos pelo n.° 4 da mesma norma, e daí q sua relevância para aferir a (i)legalidade do ato administrativo impugnado.
I) - A douta sentença recorrida é omissa quanto à apreciação crítica e valoração do facto provado na alínea N) do probatório, pelo que incorreu em omissão de pronúncia, determinando erro de julgamento e errónea decisão da causa.
J) - Convém ainda referir, que o ISS, I.P. - Centro Distrital de Viseu, em situação em tudo semelhante, revogou o ato de restituição de prestações por cessação de contrato de trabalho por acordo, após ser conhecido o Despacho de 14/04/2011 do SEEFP, reconhecendo a possibilidade legal de ultrapassar os limites de fixação de quotas previstos no n.° 4 do art.° 10° mencionado, uma vez que tal decisão foi fixada com efeitos para o triénio 2010/2013.
K) - Pelo que, não faz qualquer sentido, nem é legal, que no mesmo Instituto Público se adotem soluções e decisões diversas para idênticas situações de facto ocorridas com a A....., S.A., atendendo aos princípios da legalidade, da igualdade e da imparcialidade que presidem à atividade administrativa.
L) - Acresce ainda referir que em litígio que opôs a A....., S.A. e o ISS, I.P, o Tribunal Central Administrativo Norte, no douto Acórdão de 19 de fevereiro de 2016, proferido no processo 191/11.5BEMDL, pronunciou-se no sentido de aplicabilidade do despacho do SEEFP às cessações de posto de trabalho por acordo no triénio 2010/2013.
M) - A douta sentença recorrida interpretou o disposto no artigo 63° do D.L. 220/2006 no sentido de poder exigir-se à entidade empregadora a totalidade do subsídio de desemprego inicialmente atribuído, ainda que o ISS não faça prova do seu pagamento ao beneficiário, o que no entendimento da recorrente viola os princípios constitucionais da proporcionalidade, da boa fé e da tutela da confiança, consagrados no art.° 266° n.° 2 da CRP, pelo que a sua aplicação "in casu” é inconstitucional.
N) - A responsabilização do empregador, nos termos em que vem estabelecida no artigo 63°, não é uma penalização no sentido criminal ou contraordenacional, pelo que tem de se cingir ao estritamente necessário e proporcional à lesão efetiva da Segurança Social.
O) - Efetivamente, só poderá aferir-se do (não) enriquecimento sem causa por parte do ISS, I.P. se tivesse ficado provado que foi efetivamente entregue a totalidade da prestação social (subsídio de desemprego) deferida ao trabalhador, na sequência da cessação do contrato de trabalho por acordo, porém, tal não ficou provado.
P) - Ainda que se conclua pela constitucionalidade da norma, atenta a jurisprudência do STA (Ac. de 19/06/2014 e 13/12/2018 nos proc. 01308/13 e 0606/15.3BELRA) e do TCA Norte (Ac. de 10/10/2014 no proc. 00903/11.7BEAVR), sempre é de concluir que o douto tribunal "a quo” fez incorreta interpretação e aplicação do artigo 63.° do DL 220/2006.
Q) - A douta sentença recorrida fez uma errónea interpretação, ao enquadrar a reposição de subsídio de desemprego como contribuições patronais para a Segurança Social, uma vez que o que está em causa é o ressarcimento do ISS, I.P. pelas prestações de subsídio de desemprego atribuídas.
R) - Entende a recorrente que as normas ínsitas do n ° 4 do art.° 10° e do art.° 63° do Decreto-Lei n.° 220/2006, são inconstitucionais por violação do princípio da reserva relativa de lei.
S) - Na verdade, a responsabilização do empregador pela totalidade das prestações (ainda que não pagas efetivamente pela Segurança Social) dá origem a uma situação de enriquecimento sem causa do Estado, assumindo por isso o carácter sancionatório ou de penalização.
T) - Punição ou sanção cuja consagração legal, em termos jurídico- constitucionais, está sujeita ao princípio da reserva relativa de lei, nos termos do disposto no artigo 165°, n.° 1 alínea i) da Constituição da República Portuguesa.
U) - Como o Decreto-Lei n.° 220/2006 não provém da atividade legislativa da Assembleia da República, mas sim do Governo, sem contudo decorrer de uma lei de autorização legislativa onde tivesse sido prevista a criação de uma contribuição paga pelo empregador quando não estão preenchidos os requisitos do n.° 4 do art.° 10, o disposto no artigo 63° é inconstitucional por violação do princípio da legalidade, por violação da reserva relativa de lei prevista na alínea i) do n.° 1 do art.° 165° da CRP.
V) - Pelo que, também aqui se conclui que a douta sentença recorrida fez um erróneo julgamento da causa, por entender que não se verifica a in- constitucionalidade do art.° 63° do D.L. 220/2006, por violação do princípio da legalidade, na vertente da reserva relativa de lei.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser anulada a douta decisão recorrida, anulando-se, consequentemente, o ato de restituição de prestações de desemprego deferidas a C......”

O aqui Recorrido/ISS não veio apresentar contra-alegações de Recurso.
Em 11 de janeiro de 2021 foi proferido Despacho de admissão de recurso e sustentação da decisão Recorrida, nos seguintes termos:
“Interposto recurso de apelação com efeito suspensivo da sentença proferida nos autos em 12 de Junho de 2020 – cfr artºs 140º, 141º, nº 1 do artº 142º e nº 1 do artº 143º do CPTA – foi efetuada a notificação prevista no nº 3 do artº 144º do CPTA.
Convoca-se sobre a sentença recorrida que nos termos do nº 3 do artº 5º do CPC, que ”O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.
Entende-se, assim, que não padece a sentença recorrida de qualquer dos vícios assacados pela Recorrente, desde logo, porque não constitui omissão de pronúncia considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença que as partes hajam deduzido, nomeadamente a Autora – vide neste sentido, José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil anotado, 2ª edição, vol. 2º, p 774.
O que sucedeu, nos presentes autos.
Estatui o nº 2 do artº 608º do CPC, que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
É que a nulidade decorrente da falta/omissão de fundamentação sobre determinada quaestio numa decisão judicial apenas se verifica quando há ausência total de motivação e não assim quando através de uma dedução lógica se depreende a motivação do decidido, como se entende dominantemente na jurisprudência, de que se destaca, o douto Acórdão do TCA Sul, Processo nº 07800/11/A, de 2011.09.08 in www.dgsi.pt , que reza o seguinte:
“I - A nulidade de omissão de pronúncia prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Cód. Proc. Civil não se verifica quando a sentença recorrida aprecia todas as questões suscitadas, diretamente ou por remissão para outras decisões ou doutrina, embora não aprecie todos os argumentos.
II - As questões não se confundem com os argumentos, as razões ou motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões”.
Nestes termos, entende-se que a decisão recorrida se encontra devidamente fundamentada de facto e de direito quanto à solução adotada, pelo que a mesma se sustenta.”

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 27 de janeiro de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.


Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, como invocado, designadamente, se a Sentença se “a mesma fez uma errónea interpretação e aplicação do Direito à factualidade dada como provada.”

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como Provada.
“A) Na ‘Declaração’, de 17 de Setembro de 2010, da Autora, A....., SA, pode ler-se o seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr fls 19 do processo administrativo);
B) Na ‘Declaração de Situação de Desemprego’, entregue pela Autora, A....., SA na Entidade Demandada e relativa a C....., consta o seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr fls 17 e 18 do processo administrativo);
C) Em 18 de Setembro de 2010, C..... ficou na situação de desempregado da Autora, A....., SA, tendo sido assinalado o seguinte motivo:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr fls 22 do processo administrativo);
D) Na Informação de 20 de Setembro de 2010 da Entidade Demandada, consta o seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr fls 21 do processo administrativo);
E) No ofício de 20 de Setembro de 2010, a Entidade Demandada comunicou a C....., o seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr fls 20 do processo administrativo);
F) No ofício de 21 de Setembro de 2010, da Entidade Demandada, pode ler-se o seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr fls 16 do processo administrativo);
G) Pelo ofício datado de 14 de Novembro de 2010, a Entidade Demandada notificou a Autora, A....., SA, nestes termos:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr doc n° 3 junto com a petição inicial);
H) Em 30 de Novembro de 2010, a Autora, A....., SA, reclamou junto da Entidade Demandada da restituição da quantia de 22.636,80€, nos termos do ofício referido em G) (cfr fls 9 a 12 do processo administrativo);
I) Pelo ofício de 23 de Dezembro de 2010, a Entidade Demandada notificou a Autora, A....., SA, do que segue:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr fls 15 do processo administrativo);
J) Pelo ofício de 23 de Dezembro de 2010, a Entidade Demandada a Autora, A....., SA, do seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr fls 13 e 14 do processo administrativo);
K) Pelo ofício de 30 de Dezembro de 2010, a Entidade Demandada informou à Autora, A....., SA, do seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr fls 8 do processo administrativo);
L) Pelo ofício de 21 de Fevereiro de 2011, Autora, A....., SA, solicitou junto da Entidade Demandada, o seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr fls 2 e 3 do processo administrativo);
M) Na Informação de 3 de Março de 2011, da Entidade Demandada sobre a reposição da quantia de 22.636,80€, foi exarado o despacho de 15 de Março de 2011, nestes termos:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr fls 1 do processo administrativo);
N) O despacho de 14 de Abril de 2011, do Senhor Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional é do seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr fls 89 do SITAF).

IV – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão Recorrida:
“O Decreto-Lei n° 220/2006, de 3 de Novembro, estabeleceu o regime jurídico de proteção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem e revogou os Decretos-Leis n°s 119/99, de 14 de Abril, e 84/2003, de 24 de Abril.
A Autora sustenta que não foram preenchidos os limites do n° 4 do art° 10° do supra identificado diploma, violando o princípio da proporcionalidade dado que “somente pode ser responsabilizada pelas prestações indevidamente e efetivamente pagas, e não pela totalidade”, mais deduzindo a falta de fundamentação e a ausência dos argumentos invocados na audição prévia, bem como a inconstitucionalidade do art° 63° do mesmo diploma por violação do princípio da legalidade, por violação da reserva relativa de lei prevista na alínea i) do n° 1 do art° 165° da CRP, o que defende “dá origem a uma situação de enriquecimento sem causa do Estado, assumindo por isso o carácter sancionatório ou de penalização”.
O art° 10° do citado diploma, sob a epígrafe ‘Cessação por acordo’, estatui designadamente o seguinte: “1 - Consideram-se desemprego involuntário, para efeitos da alínea d) do n° 1 do artigo anterior, as situações de cessação do contrato de trabalho por acordo, que se integrem num processo de redução de efetivos, quer por motivo de reestruturação, viabilização ou recuperação da empresa, quer ainda por a empresa se encontrar em situação económica difícil, independentemente da sua dimensão.
2 - Para efeitos de aplicação do número anterior considera-se:
a) Empresa em situação de recuperação ou viabilização, aquela que se encontre em processo especial de recuperação, previsto no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e Falência, bem como no Código da Insolvência e Recuperação de Empresa, ou no procedimento extrajudicial de conciliação;
b) Empresa em situação económica difícil, aquela que assim seja declarada nos termos do disposto no Decreto-Lei n° 353-H/77, de 29 de Agosto;
c) Empresa em reestruturação, a pertencente a sector assim declarado por diploma próprio nos termos do disposto no Decreto-Lei n° 251/86, de 25 de Agosto, e no n° 1 do artigo 5°do Decreto-Lei n° 206/87, de 16 de Maio;
d) Considera-se, ainda, empresa em reestruturação aquela que assim for declarada para os efeitos previstos no presente decreto-lei através de despacho favorável do membro do Governo responsável pela área do emprego, consultado o Ministério da Economia, após apresentação de projeto que demonstre inequivocamente que a dimensão da reestruturação da empresa, necessária à sua viabilidade económica e financeira, determina a necessidade de ultrapassar os limites quantitativos fixados no n° 4 do presente artigo.
3 - A consulta ao Ministério da Economia prevista na alínea d) do número anterior pode ser efetuada, designadamente, através do Gabinete de Intervenção Integrada de Reestruturação Empresarial (...), criado pelo Decreto Regulamentar n° 5/2005, de 12 de Julho, salvaguardando-se em qualquer dos casos a audição dos parceiros sociais sobre a situação económica e do emprego no sector em causa.
4 - Para além das situações previstas no n° 2 são, ainda, consideradas as cessações do contrato de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, nos termos seguintes:
a) Nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores inclusive ou até 25% do quadro de pessoal, em cada triénio;
b) Nas empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até 62 trabalhadores inclusive, ou até 20% do quadro de pessoal, com um limite máximo de 80 trabalhadores em cada triénio.”
O n° 4 do normativo e diploma legal que antecede, vem balizar os limites quantitativos atinentes às cessações de contrato de trabalho por mútuo acordo.
Nos termos deste artigo, resulta provado que C....., em 18 de Setembro de 2010, ficou desempregado da Autora, A....., SA, ex vi da cessação do seu contrato de trabalho, densificada como um acordo de revogação. Ao referido trabalhador foi deferido o direito a receber o subsídio de desemprego no valor diário de 20,96€, durante o período de 1080 dias, que se iniciou em 20 de Setembro de 2010.
Consigna o art° 37° daquele diploma, sob a epígrafe ‘Período de concessão das prestações de desemprego’, que “1 - O período de concessão do subsídio de desemprego e do subsídio social de desemprego inicial é estabelecido em função da idade do beneficiário e, quer para determinação do período de concessão quer dos acréscimos, do número de meses com registo de remunerações no período imediatamente anterior à data do desemprego, nos seguintes termos:
a) Beneficiários com idade inferior a 30 anos:
i) Com registo de remunerações num período igual ou inferior a 24 meses, 270 dias;
ii) Com registo de remunerações num período superior a 24 meses, 360 dias, com acréscimo de 30 dias por cada cinco anos com registo de remunerações;
b) Beneficiários com idade igual ou superior a 30 anos e inferior a 40 anos:
i) Com registo de remunerações num período igual ou inferior a 48 meses, 360 dias;
ii) Com registo de remunerações num período superior a 48 meses, 540 dias, com acréscimo de 30 dias por cada 5 anos de registo de remunerações nos últimos 20 anos;
c) Beneficiários com idade igual ou superior a 40 anos e inferior a 45 anos:
i) Com registo de remunerações num período igual ou inferior a 60 meses, 540 dias;
ii) Com registo de remunerações num período superior a 60 meses, 720 dias, com acréscimo de 30 dias por cada 5 anos de registo de remunerações nos últimos 20 anos;
d) Beneficiários com idade superior a 45 anos:
i) Com registo de remunerações num período igual ou inferior a 72 meses, 720 dias;
ii) Com registo de remunerações num período superior a 72 meses, 900 dias, com acréscimo de 60 dias por cada 5 anos de registo de remunerações nos últimos 20 anos.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior são considerados os períodos de registo de remunerações posteriores ao termo da concessão das prestações devidas pela última situação de desemprego.
3 - Nas situações em que o trabalhador não tenha beneficiado dos acréscimos, previstos no n° 1, por ter retomado o trabalho antes de ter esgotado o período máximo de concessão da prestação inicial de desemprego, os períodos de registo de remunerações que não tenham sido considerados relevam, para efeitos de acréscimo do período de concessão de prestações, em posterior situação de desemprego”.
Sufragando o douto Acórdão do TCA Sul, Processo n° 09158/12, de 24 de Janeiro de 2013, in www.dgsi.pt, “(...) a lei obriga a entidade patronal a pagar a totalidade das prestações à segurança social. Esta obrigação é justa, pois tem como objetivo dissuadir as entidades patronais de convencerem os seus trabalhadores a cessarem os contratos de trabalho em número que ultrapasse as quotas legalmente admissíveis, que o legislador, num juízo de ponderação, entre as necessidades das empresas de concorrerem nos mercados e as necessidades de combater o desemprego, concluiu serem as adequadas. Não tem um efeito meramente reparador, tem também um efeito punitivo”.
No enquadramento legislativo trazido à colação, desde logo, o princípio da proporcionalidade, não se mostra violado, ao invés do que a Autora argumenta.
Prevê o art° 5° do CPA, sob a epígrafe ‘Princípios da igualdade e da proporcionalidade’ que “1 - Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
2 - As decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objetivos a realizar”.
De acordo com o Acórdão do Tribunal Constitucional n° 632/2008, de 23 de Dezembro de 2008, in www.dgsi.pt, “O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:
Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);
Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);
Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos) ”.
Convoca-se que aliado aos pressupostos estabelecidos para que a revogação do contrato de trabalho seja acordada entre as partes, é indispensável a viabilidade do despedimento coletivo ou a extinção do posto de trabalho.
Identicamente, não foram ofendidos os princípios da boa fé e da tutela da confiança, sendo que a Entidade Demandada não extravasou os deveres nem as obrigações que lhe estão cometidas ao praticar o ato sub juditio nem violou quaisquer normas jurídicas.
Traz-se à colação, a propósito, o Acórdão do STA, Processo n° 01188/02, de 18 de Junho de 2003, in www.dgsi.pt, no qual designadamente, se escreve o seguinte:
“II - O principio da boa fé assume-se como um dos princípios gerais que servem de fundamento ao ordenamento jurídico.
IV - Tal principio apresenta-se como um dos limites da atividade discricionária da Administração.
V - Um dos corolários do principio da boa-fé consiste no principio da proteção da confiança legitima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança.
VI - A exigência da proteção da confiança é também uma decorrência do principio da segurança jurídica, imanente ao principio do Estado de Direito.
VII - Contudo, a aplicação do principio da proteção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança "legitima" o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do principio da confiança quando este radique num ato anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade percetível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido principio.
VIII - Por outro lado, para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal principio é necessário ainda que o interessado em causa não o pretenda alicerçar apenas, na sua mera convicção psicológica, antes se impondo a enunciação de sinais exteriores produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde seja razoável ancorar a invocada confiança.
X - As meras expectativas fácticas não são juridicamente tuteladas.
X - O cuidado e as precauções a exigir da parte que reivindica a proteção da sua boa-fé serão tanto maiores quanto mais avultados forem os investimentos feitos com base na confiança, já que se não pretende tutelar o ‘excesso de confiança’.
XI - Por outro lado, mesmo em sede do principio da boa-fé, a Administração terá sempre de valorar os condicionantes que entretanto, se tenham produzido, sendo que a mudança do circunstancialismo em que se tivesse baseado numa anterior conduta, poderá legitimar à luz da vinculação ao principio da legalidade e da prossecução atualizada do interesse público, uma alteração aos critérios anteriormente assumidos não estando, assim, a Administração impedida de avaliar a nova situação que, porventura, se tivesse desenvolvido, por forma a melhore acautelar os interesses que lhe incumbisse defender”.
Ora, o Decreto-Lei n° 133/88 de 20 de Abril, regulou a responsabilidade emergente do pagamento indevido de prestações de Segurança Social sendo que preceituou no art° 1° que “O recebimento indevido de prestações no âmbito dos regimes de segurança social dá lugar à obrigação de restituir o respetivo valor, sem prejuízo da observância do regime de revogabilidade dos atos administrativos”.
Segundo a alínea d) do n° 1 do art° 54° do Decreto-Lei n° 220/2006, de 3 de Novembro, o direito às prestações de desemprego cessa “Quando se verifique a utilização de meios fraudulentos, por ação ou omissão, determinante de ilegalidade relativa à atribuição e ao montante das prestações de desemprego”.
Assim, quer ao trabalhador quem à entidade empregadora estão legalmente vedados situações de enviesamento no procedimento, estando a cominação legal prevista no n° 1 do art° 5° do Decreto-Lei n° 133/88 de 20 de Abril, nestes termos: “Verificada a concessão indevida de prestações, devem as instituições cessar de imediato os pagamentos, averiguar a identidade de quem as recebeu e proceder à sua interpelação para efetuar a restituição e informar sobre os respetivos valores e termos que a mesma pode revestir”.
In casu, a Entidade Demandada constatou que a falta legal tinha sido operada por banda da Autora, pelo que nada mais resta que a medida instituída pelo ato impugnado - devolução da verba de 22.636,80€ - o que não afronta os princípios da proporcionalidade, da boa-fé e da confiança, nos termos densificados pelo aludido Acórdão do Tribunal Constitucional.
O ato sob escrutínio seria sempre aplicado independentemente da Autora e do trabalhador que nos ocupam e, em face de análoga situação, dado que obedece a aos imperativos legais que pautam os limites a que se encontram adstritas as empresas para a cessação dos contratos de trabalho.
Com efeito, o ato sub juditio encontra-se fundado na garantia da segurança, quer em serem concedidas aos trabalhadores as prestações respeitantes ao subsídio de desemprego, quer em impedir que as empresas se munam de meios fraudulentos para o abonar, visando-se, deste modo, assegurar que os recursos financeiros são cautelosa, escrupulosa e devidamente administrados pela Entidade Demandada.
Importa que o ato sindicado assenta no cumprimento do desiderato público de não desperdiçar os meios económico/ financeiros postos a cargo da Administração Pública para a realização de vários fins, tendo como fito que os destinatários aos quais são pagos subsídios, sejam eles quais forem, manifesta e indubitavelmente são os exclusivos para esse efeito.
Atente-se, a propósito, nas palavras do preâmbulo do diploma em causa, que expressa: “Assim, são definidas com rigor as condições em que, mesmo nos casos de cessação do contrato por acordo entre a entidade empregadora e o trabalhador, se mantém o acesso ao subsídio de desemprego, pois o sistema de proteção social não deve continuar a suportar os custos decorrentes de todas as situações de acordo entre trabalhadores e empresas, sem prejuízo, contudo, da consideração de situações específicas de verdadeira reestruturação das empresas, com vista a garantir a sua viabilidade económica, e, assim, dos postos de trabalho em causa”.
Assim, uma vez que ao abrigo do já citado n° 4 do art° 10° do Decreto- Lei n° 220/2006, de 3 de Novembro, a Autora havia ultrapassado os limites neste estipulados, foi notificada para a devolução da restituição das prestações de desemprego no montante de 22.636,80€, que à luz do seu art° 63°, sob a epígrafe ‘Responsabilidade pelo pagamento das prestações’, predita o seguinte:
“Nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no n° 4 do artigo 10o, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego”.
Nos termos do douto Acórdão, Processo n° 00526/12.3BECBR, de 4 de Março de 2016, in www.dgsi.pt, “I - Através do artigo 63° do Decreto-Lei n° 220/2006, de 3 de Novembro, pretende-se responsabilizar os empregadores pelas situações de cessação de contrato de trabalho por acordo, para além dos limites impostos pelo referido normativo. Estamos perante um mecanismo que pretende proteger as situações dos trabalhadores no desemprego visando também combater a fraude e promover a poupança de recursos afetos à segurança social.
II - Tendo ocorrido acordo de revogação, com os fundamentos aí constantes, e tendo sido criado no trabalhador a convicção do preenchimento das condições previstas no n° 4 do artigo 10o, como refere o artigo 63°, estão criadas todas as condições para poder ser aplicado este artigo ao caso dos autos, nada havendo a referir quanto a esta conclusão por parte da decisão recorrida”.
Resulta dos autos que o trabalhador da A....., SA, C....., entretanto no desemprego, manteve assegurado o pagamento das prestações diárias do respetivo subsídio sendo penalizada a ex-entidade empregadora com a devolução do valor supra assinalado, sem prejuízo de tal ser levado a cabo em prestações, como a Entidade Demandada lhe comunicou.
Idem inexiste falta de fundamentação do ato que nos ocupa, desde logo, porque a Autora foi notificada do mesmo, e nessa comunicação estavam patenteados quer os factos como o direito que o enformaram.
Mesmo que numa primeira abordagem, pela Entidade Demandada não tivessem sido expressamente indicados os normativos legais, o que se verifica é que esta emendou a mão.
Com efeito, neste âmbito, a própria Autora, A....., SA, reclamou junto daquela da restituição da quantia de 22.636,80, pelo que pelo ofício de 23 de Dezembro de 2010, - cfr respetivamente alíneas G), H) e I) todas do Probatório - desta feita, a Entidade Demandada, a notificou nestes termos:
Estabelece o art° 124° do CPA, na versão do Decreto-Lei n° 442/91, de 15 de Novembro, que “1 - Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior.
2 - Salvo disposição da lei em contrário, não carecem de ser fundamentados os atos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal”.
Assim sendo, não ocorre preterição do n° 2 do art° 125° do mesmo diploma que dita: “Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato”.
A Autora ficou sabedora da motivação do ato e do seu enquadramento fáctico e de direito.
Reza o Acórdão do TCA Sul, Processo n° 07294/11, de 7 de Dezembro de 2011, in www.dgsi.pt que “A fundamentação é (...) entendida não só como motivação, traduzida na indicação das razões que estão na base da escolha operada pela Administração, mas também como justificação, traduzida na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram à decisão tomada. Trata-se de um princípio fundamental da administração do Estado de Direito, pois a fundamentação não só permite captar claramente a atividade administrativa (princípio da transparência da ação administrativa) e a sua correção (princípio da boa administração) mas também, e principalmente, possibilita um controlo contencioso mais eficaz do ato administrativo, sobretudo quanto aos vícios resultantes da ilegalidade dos pressupostos e do desvio do poder ”.
Como elucidam J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, (paginas 935 e 936) Um ato administrativo estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal, médio, colocado na situação concreta, possa ficar ciente do sentido da decisão, e das razões de facto e de direito que sustentam a decisão que consubstancia. Estará fundamentado se atento o seu teor for possível conhecer o iter cognoscitivo e valorativo que levou a que se decidisse assim e não de outra forma. Estará suficientemente fundamentado quando um destinatário normal se aperceba das razões de ser da decisão, quando seja possível conhecer as razões porque o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente.
Neste sentido, vide Acórdãos do STA de 11-01-2005, relativo ao processo 0988/14, de 11-01-2005, relativo ao Proc. 0605/04, de 20-01-2005, relativo ao Proc. 0787/04, e de 15-12-2004 relativo ao Proc. 0518/03 - em www.dgsi.pt”.
No que concerne à invocada pela Autora, ausência dos argumentos apresentados em sede de audiência dos interessados, entende-se que se os mesmos não forem suscetíveis de modificar a materialidade dos atos praticados nem apelar a díspares normativos legais, acabam por não influenciar a tomada de decisão final.
Releva que dos art°s 101° e 102° do CPA inexiste a obrigatoriedade de a Entidade Demandada adequar a fundamentação do ato sub juditio, de acordo com as respostas dadas pelos interessados no âmbito daquele exercício do direito de defesa.
Assim, a audiência prévia não pressupõe que, à partida, haja um termo favorável ao que o interessado, neste caso a Autora, explicitou, ou seja, que vá ao encontro do discernimento que manifestou.
No que toca à alegada inconstitucionalidade do art° 63° do Decreto-Lei n° 220/2006, de 3 de Novembro, por violação, quer do princípio da legalidade quer por reserva relativa de lei, prevista na alínea i) do n° 1 do art° 165° da CRP, o que a Autora considera que “dá origem a uma situação de enriquecimento sem causa do Estado, assumindo por isso o carácter sancionatório ou de penalização”, igualmente, não se verificam.
O princípio da legalidade não foi preterido pelo ato impugnado, tomando em consideração que a Entidade Demandada o praticou ao abrigo do disposto em normas legais supra enunciadas e que por economia discursiva nos abstemos de repetir.
Por outro lado, as contribuições patronais para a Segurança Social não devem obediência ao princípio da reserva de lei, nos termos do douto Acórdão do STA, Processo n° 012665, de 9 de Janeiro de 1991, in www.dgsi.pt: “Não se configurando como verdadeiros impostos as contribuições patronais para a segurança social, não devem obediência ao principio da reserva de lei as respetivas normas criadoras e regulamentadoras”.
Aqui chegados, a resposta à vexata quaestio dos autos que se traduz em saber se deve ser anulada a ordem de restituição da quantia de 22.636,80€, ínsita no ato impugnado
- é negativa, em virtude de não se verificarem os vícios apontados ao mesmo pela Autora.
Consequentemente, improcede o pedido da Autora nas múltiplas vertentes por si deduzidas.”

Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância julgar improcedente a Ação.

Analisemos então o suscitado.
A sentença recorrida julgou improcedente o pedido de anulação do ato objeto de impugnação proferido pelo Centro Distrital da Guarda do Instituto da Segurança Social, determinando a restituição à ISS por parte da Autora, aqui Recorrente, de €22.636,80, referente à totalidade das prestações do subsídio de desemprego relativamente ao seu ex-trabalhador C......

Quanto à fundamentação de facto e de direito do ato
Refere-se na sentença recorrida que “Inexiste falta de fundamentação (...) e nessa comunicação estavam patenteados quer os factos como o direito que o enformam” concluindo que “(…) não ocorre preterição do n° 2 do art° 25° do mesmo diploma (...) A Autora ficou sabedora da motivação do ato e do seu enquadramento fáctico e de direito”.

Sem necessidade de acrescida argumentação, refira-se que se adere, neste aspeto, ao entendimento constante da Sentença Recorrida, pois que se é certo que a Recorrente não concorda com a decisão Recorrida, tal não equivale à verificação de qualquer falta de Fundamentação, sendo certo que a Recorrente bem percecionou os pressupostos justificativos do ato controvertido.

Por outro lado, no que concerne à questão Recursivamente suscitada, relativamente ao Facto Provado N), entende o Recorrente que o Tribunal a quo, “não fundamentou motivadamente a relevância do mesmo”.

Independentemente da alegada falta de motivação do referido facto, e uma vez que o mesmo se mostra descritivo, não se alcança o objeto e objetivo do suscitado, em face do que se manterá o referido facto nos termos em que se encontra, atenta até a circunstância da alteração da matéria de facto por Tribunal Superior ter natureza excecional, não colidindo com o que se decidirá a final.

Da inconstitucionalidade do art.° 63° do D.L. 220/2006:
A sentença recorrida interpretou o disposto no artigo 63° do D.L. 220/2006 no sentido de poder exigir-se à entidade empregadora a totalidade do subsídio de desemprego inicialmente atribuído, o que no entendimento da recorrente viola os princípios constitucionais da proporcionalidade, da boa fé e da tutela da confiança, consagrados no art.° 266° n.° 2 da CRP, pelo que a sua aplicação "in casu” é inconstitucional.

Efetivamente, e no que concerne à violação de princípios e normas de cariz constitucional, sempre teria o alegado de ser densificado e concretizado.

Com efeito, não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu.

Como tem vindo a ser reconhecido pela generalidade da Jurisprudência (Vg. o Acórdão do TCA - Sul nº 02758/99 19/02/2004) não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.”

Em qualquer caso, independentemente da questão de constitucionalidade suscitada, importa não perder de vista o estabelecido no Acórdão do STA de Uniformização de Jurisprudência, nº 02550/17.0BEBRG de 25-03-2021, a que aderimos, onde se sumariou o seguinte:
“A responsabilidade do empregador pelo pagamento das prestações de desemprego estabelecida pelo art.º 63.º, do DL n.º 220/2006, de 3/11, na redação resultante do DL n.º 64/2012, de 15/3, abrange apenas o reembolso à Segurança Social das prestações de desemprego efetivamente pagas ao trabalhador e não daquelas que corresponderiam à totalidade do período de concessão.”

A questão que se coloca é, pois a de saber se, por força do que se dispõe no art.º 63.º do DL 220/2006, a entidade patronal está obrigada a pagar à Segurança Social a totalidade das prestações devidas mesmo que aquele subsídio não tenha sido pago na sua totalidade.

Por uma questão de bom-senso, está bem de ver que o empregador só tem de compensar a Segurança Social pelo valor que esta efetivamente despendeu visto a responsabilidade em causa ser indemnizatória e, por essa razão, advir do prejuízo efetivamente sofrido pelo lesado e ter como medida o valor desse dano.

Nesta conformidade, e sendo ilegal ressarcir alguém de um prejuízo que ele não teve (art.º 483.º do CC), é forçoso concluir que se a Segurança Social só pagou uma parte do subsídio de desemprego a que o trabalhador tinha direito, a entidade responsável pelo ressarcimento dessa quantia só terá o dever de a compensar por esse valor, pois que, a não ser assim, estar-se-ia a exceder o dever indemnizatório do empregador e a provocar um enriquecimento indevido da Segurança Social.

O Objetivo do controvertido normativo visou singelamente responsabilizar o empregador pelo pagamento irregular do subsídio de desemprego, e não sancioná-lo por essa conduta ilegal. Ou seja, o escopo único daquela norma foi afastar a hipótese de caber à Segurança Social o pagamento de um subsídio pago irregularmente, e não o ter um efeito punitivo.

Efetivamente, a responsabilidade indemnizatória do obrigado tem de ter como limite o prejuízo efetivamente sofrido pelo lesado e como medida o valor desse dano pelo que não faria sentido ressarcir o Réu por um prejuízo que ela não teve.

A não ser assim, o pagamento de quantia diversa daquela que a Segurança Social efetivamente pagou configurava uma sanção não prevista no citado diploma (vd. seus art.ºs 64 a 67.º), o que seria ilegal uma vez que as sanções estabelecidas nos apontados normativos não incluem a «punição».

Para além do supra referenciado Acórdão do STA de uniformização de Jurisprudência (02550/17.0BEBRG de 25-03-2021), este entendimento já havia sido precedentemente acolhido pelo Ac. do STA de 13/12/2018, proferido no processo n.º 0606/15.3BELRA, onde igualmente se sumariou que “a Segurança Social só pode exigir da entidade patronal, ao abrigo do art.º 63.º do DL n.º 220/2006, de 3/11, o reembolso das prestações a que o trabalhador teve efetivamente direito e não do que corresponderia à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego”.

Objetivando:
Sob a epígrafe “Responsabilidade pelo pagamento das prestações”, o art.º 63.º, do DL n.º 220/2006, na redação resultante do DL n.º 64/2012, dispunha que “nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, de que a empresa se encontra numa das situações previstas no n.º 2 do art.º 10.º ou que se encontram preenchidas as condições previstas no n.º 4 do mesmo artigo e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a Segurança Social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego”.

Este preceito, inserido no Capítulo X que tem por título “Responsabilidade e regime sancionatório”, constitui o único normativo da Secção I que tem por epígrafe “Responsabilidade”, não estando, assim, incluído no regime sancionatório a que se referem os artºs. 64.º e 65.º do DL n.º 220/2006, o que demonstra que a intenção do legislador não foi a de punir a entidade patronal, mas de a responsabilizar pelos danos sofridos pela Segurança Social com o montante da prestação de desemprego que suportou.

A referida intenção legislativa tem correspondência no texto do preceito quando interpretado como circunscrevendo o limite máximo da indemnização devida à Segurança Social, ou seja, quando se considere que a totalidade nele referida se reporta ao montante que o trabalhador, beneficiário da Segurança Social, receberia se se mantivesse na situação de desempregado durante todo o tempo em que tinha direito a auferir a prestação de desemprego.

Assim, em consonância com a Jurisprudência supra referenciada do STA, é de considerar que a Autora, aqui Recorrente só terá de compensar a Segurança Social pelo valor que esta efetivamente despendeu a título de prestações de desemprego do identificado trabalhador.

Deve, pois, ser concedido provimento ao recurso.

V - Decisão
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao Recurso, revogando-se a Sentença Recorrida, limitando-se a restituição das prestações de desemprego concedidas a C....., ao montante efetivamente despendido pela Segurança Social.

Sem custas nessa instância pela ausência de apresentação de Contra-alegações por parte da Entidade Recorrida.

Lisboa, 28 de novembro de 2024

Frederico de Frias Macedo Branco

Julieta França

Rui Belfo Pereira