Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1134/10.9BELRA |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 05/22/2019 |
| Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
| Descritores: | FATURAÇÃO FALSA; NULIDADE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; IMPUGNAÇÃO MATÉRIA DE FACTO; INDÍCIOS: MEIOS DE PAGAMENTO. |
| Sumário: | I - Só existe nulidade da sentença por falta de fundamentação, quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente; II - A seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento; III - No domínio da faturação falsa, não é exigível que a Administração Tributária efetue uma prova direta da simulação, pelo que cumprindo a Administração Tributária aquele ónus e ilidindo, desse modo, a presunção de veracidade da declaração do sujeito passivo consagrada no referido artigo 74.º, n.º 1 da LGT, passa a competir, por seu turno, a este último o ónus da prova da realidade subjacente à fatura, infirmando os indícios recolhidos pela entidade fiscalizadora; IV - O indício que se prende com uma alegada simulação de terceiro que não fornecedor direto da Recorrente, concatena-se com uma simulação indireta e a montante da mesma, não sendo, por isso, de molde a indiciar, de forma séria e razoável, que as operações constantes nas faturas sejam simuladas; V - As exigências em termos documentais contempladas no CIVA, não são inteiramente transponíveis para a matéria de documentação de custos no âmbito do IRC; VI - Não sendo controvertido que foram emitidos cheques nominativos pela Recorrente à ordem da fornecedora dos bens e que os mesmos foram debitados da sua conta, sendo apenas colocado em causa o ulterior circuito financeiro, ou seja, o depósito em conta não coincidente com o beneficiário do cheque, tais factos não são suficientes para afastar a presunção da veracidade da escrita da Recorrente, por inteiramente concatenados com um fator alheio e completamente incontrolável pela mesma; |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO l – RELATÓRIO I... - Comércio Internacional, S.A., (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional relativa a Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2009 831..., no valor de EUR 15.164,41, do exercício de 2005, liquidação n.º 2009 000... de juros no valor de EUR 2.090,01, liquidação n.º 2009 831... no valor de EUR 7.551,49, relativa a IRC do exercício de 2006 e a liquidação n.º 2009 000… respeitante a juros no valor de EUR 739,01. A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: «1. A Mma Juiz A Quo para decidir sobre a matéria facto que considerou como provada entendeu que: “A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada, no que se refere à prova testemunhal produzida a mesma não foi considerada face à documentação das afirmações constantes dos depoimentos das testemunhas apresentadas, o depoimento das testemunhas J... e C... foi considerado relativamente a matéria constante do ponto 13” ; 2. Dispõe o nº 2 do artº 123º do CPPT que o Juiz na elaboração da sentença “descriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”. 3. Ora considerando o teor da norma infra invocada, a sentença deveria descriminar qual a matéria de facto que considerou como provada e não provada fundamentando tal decisão o que não ocorreu; 4. Considerando o disposto no nº 2 do artº 123º conjugado com o artº 125º, ambas estas normas do CPPT, a falta de fundamento de facto da decisão constitui nulidade que, in casu, se verifica. 5. Importa impugnar a decisão quanto à matéria de fato ao não ter levado em consideração o depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrente que fizeram plena e imparcial prova sobre os fatos alegados na PI e que deveriam ser considerados como provados. 6. Assim e ainda face à prova produzida, haveria que considerar não provado, no que tange à matéria de facto conclusiva da AT, o fato enunciado e descrito como 3. na parte que reproduz o relatório em súmula, a conclusão da inspeção; 7. Ainda que respeitando o princípio da livre apreciação da prova do Julgador considera-se que se verificou, com o devido respeito, erro grosseiro nesta parte. 8. Com efeito, importaria ao Julgador considerar o depoimento da Dra C... de que se transcreveram os concretos trechos do mesmo que se julgam absolutamente relevantes para dar como provados os fatos alegados em 9º, 10º, 11º, 12º, 14º, 24º e 27º da PI (Vide do cd de gravação da audiência de 2m:08s a 6m:38s, de 6m:45s a 7m:27s e de e de 9m:59s a 10m:49s); 9. O depoimento da testemunha em conjugação com os documentos juntos aos autos (faturas, meios de pagamento e alterações da composição do inventário em razão das compras antes de depois da compra da mercadoria) permitiria considerar provados os fatos articulados em 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 16º, 17º, 19º, 20º, 21º, 22º, 24º e 27º da PI; 10. Quanto à necessária reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento e nesta parte importa igualmente considerar o depoimento do Dr J..., ROC, tendo-se transcrito os concretos trechos do mesmo que se julgam absolutamente relevantes para contribuir para a prova dos fatos que se mencionam na conclusão anterior, vide registo no cd de gravação da audiência de julgamento de 32m24s a 34m39; 11. Assim, e repetindo o exposto, haveria que considerar o depoimento das testemunhas em causa conjugado com a prova documental junta (faturas de aquisição, inventários e meios de pagamento), e dar como provada a existência de uma real e efetiva relação comercial com a M... a quem comprou as peles que integrou no seu Stock; 12. A sentença recorrida face aos depoimentos das testemunhas C... e J... concretamente transcritos e levando em consideração os documentos juntos, devia dar como provada a matéria alegada em 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 16º e 17º, 19º, 20º, 21º, 22º, 24º, 26º e 27º da PI, a saber: • A impugnante desconhece qual foi a atividade comercial da M..., é perfeitamente alheia à mesma e manteve transações reais com aquela sociedade verificando-se entrega de peles e o seu pagamento; • As transações com a M... estão reproduzidas nos documentos juntos aos autos que espelham a realidade das operações; • A Impugnante pagou as facturas emitidas pela M... que traduziram negócios que foram reais com efetiva tradição de mercadoria; • A Impugnante é absolutamente alheia à circunstância de os cheques emitidos à ordem da M..., para pagamento das peles que comprou, terem sido endossados e depositados em conta diferente da beneficiária dos mesmos; • A Impugnante como acontece com a maior das suas transações não tem que saber de onde provieram as peles que lhe foram vendidas; • A Impugnante rececionou as peles que comprou à M..., tendo-as pago. Tais peles passaram a fazer parte das suas existências conforme resultou do inventário físico; • A Impugnante pagou à M... a mercadoria adquirida e o IVA respectivo, conforme resulta dos cheques e respectivo débito dos mesmos na sua conta bancária; • Ao contrário do que se afirma no relatório da Inspeção, a Impugnante fez prova cabal da existência de indícios credíveis e objetivos para que, as ditas facturas, sejam aceites em sede de IRC e os custos/encargos por elas titulados; • Do exame exaustivo aos inventários, efetuado, na sequência de duas inspeções executadas, a primeira, entre os dias 2/7/2008 e 26/09/2008 e, a segunda, entre os dias 25/5/2009 e 16/10/2009, conforme consta dos autos, designadamente, tendo sido apuradas e conferidas, as quantidades vendidas, compradas e saldos de fim de ano, verificou-se não existirem quaisquer correções a fazer; • Sem as compras efetuadas à M... Lda, não seria possível efetuar as vendas declaradas em 2005 e 2006 e ter o nível de inventário relevado fiscalmente no fim de cada exercício; • Conforme decorre do relatório da Inspeção, para o qual se remete, a Sociedade, M..., Lda, tinha, aquisições de peles a terceiros em quantidade superior às vendidas à ora Reclamante, pelas facturas 5022, 5024 e 06 dos anos de 2005 e 2006; • Mas mais importante do que as aquisições, ou não, da M... a que a Impugnante á alheia, é relevante considerar que as existências da Impugnante refletem as aquisições de mercadorias feitas aquela sociedade conforme mapa comparativo junto aos autos; • Conforme resulta das existências da Impugnante, à data de 31/12/2005, constava das mesmas um "Stock Lot" na quantidade 22.323 pés; • O valor da mercadoria existente coincide, exatamente, com o lote de peles adquirido à M... em 28/11/2005, conforme resulta da cópia da factura nº 5022 junta ao processo; • No decorrer da Inspeção Tributária foi evidente a manifesta improcedência da pretensa argumentação de que se estava perante faturas falsas; • A organização contabilística e as existências da Impugnante, espelha, de modo rigoroso, a realidade de compras e vendas; 13. Com efeito, entende-se que a Recorrente fez prova documental e testemunhal, supra transcrita, de que as faturas em causa refletem uma transação comercial real e efetiva cumprindo o ónus que resulta do nº 2 do artº 74º e artº 75º da LGT o que, ao não ser considerado na decisão recorrida, representou errónea aplicação daquelas normas; 14. Na decisão recorrida entendeu-se que as faturas de aquisição das peles em causa no processo e mencionadas no ponto 3. da matéria dada como provada não cumprem os requisitos legais previstos nos artigos 23º nº1 e 123º do CIRC. 15. Também se entendeu que os cheques como meio pagamento das faturas não são relevantes. 16. A decisão recorrida desconsidera os meios de prova carreados pela Recorrente para prova das transações comerciais com a M... em causa. 17. Entendeu, de modo erróneo, que a decisão recorrida a Recorrente não cumpriu o ónus de prova que lhe é imposto pelo nº 2 artº 75º da LGT o que aconteceu considerando a prova produzida nos autos; 18. As faturas 5022, 5024 e 06 emitidas pela M... (mencionadas no relatório da IT e mencionadas no ponto 3. dos factos dados como provados) e que a I... relevou na sua contabilidade como gastos nos termos do nº 1 al. a) do artº 23º do CIRC cumprem os requisitos para esse efeito. 19. As faturas, desconsideradas na decisão recorrida como meio de prova suficiente, mencionam na sua descrição lote de vários pés e pele, mas indicam a quantidade de pés vendidos e ou o seu preço cumprindo o dispositivo do artº 23º do IRC. 20. Com efeito, em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos de aquisição de bens para efeitos do disposto no artigo 23º n.º 1, alínea a), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA embora, ainda assim, sempre haverá de se entender que foi respeitado o código que regula este último imposto. 21. Com efeito, para efeitos de IRC a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito com a menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova. 22. Assim o vocábulo “comprovadamente” constante do artigo 23.º, n.°1, do CIRC, caracteriza o modo do juízo a fazer, ou da actividade cognitivo-decisória a desenvolver, sobre a indispensabilidade dos gastos para a realização dos proveitos. 23. Com efeito, as provas a ter em conta são quaisquer provas documentais, por só estas podem ser objeto de tratamento contabilístico, sendo que provas são todos os factos ou elementos objetivos que tenham por função demonstrar a realidade dos factos (art.° 341.º do Código Civil (CC)), as quais devem ser apreciadas segundo os princípios estabelecidos na lei respectiva (valor legal, valor científico, livre apreciação segundo as regras de experiência comum, etc.). 24. Assim, devem considerar-se devidamente documentados na contabilidade ao contrário do que se decidiu, os custos relativos às aquisições em causa face aos documentos (faturas) com base nos quais foi efetuado o seu registo contabilístico nomeadamente em conjugação com outros documentos constantes da contabilidade que permitem determinar a sua natureza/montante. 25. Não sendo despiciendo conjugar a prova documental traduzida nas faturas com o resultado do exame exaustivo aos inventários, designadamente quantidades vendidas e compradas e saldos de fim de ano, não tendo existido quaisquer correções após a ação inspetiva; 26. Com efeito, provou a Recorrente complementarmente às faturas em causa e documentalmente (fls 91) que sem as compras efetuadas à M..., Lda. pela I..., S.A. não seria possível efetuar as vendas declaradas em 2005 e 2006 e ter o nível de inventário relevado fisicamente no fim de cada exercício; 27. Juntou a recorrente os meios de pagamento das faturas; 28. Entende-se assim que ao contrário do que se decidiu fazendo-se errónea interpretação das normas do artigo 23º e 123º do CIRC, que as operações foram devidamente documentadas dentro do espírito da exigência que aqueles normativos exigem; 29. A decisão recorrida viola o princípio constitucional da justiça ínsito no princípio material do Estado de direito (art.º 266. n.° 2, e 2.º da CRP) considerando todos os elementos relevantes documentais constantes da escrita que foram examinados pela IT, conectados com o concreto exercício da atividade da recorrente que comprovam a existência das compras e a sua integração nos Stocks; 30. Assim, entende-se que a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nos artigos 74º e nº 2 do artº 75 da LGT, os artigos 23. °, n.° 1, alínea a) e 123º, ambos do CIRC e 266.°, n.°2, da CRP; 31. Em função da prova carreada para os autos (faturas, meios de pagamento, inventário e outros), entende-se que a Mma Juiz A Quo deveria ter feito, na decisão recorrida, a aplicação da norma do artº 100º do CPPT uma vez que estamos perante um caso de dúvida fundada e, também, por esse motivo, deveriam ser anuladas as liquidações; 32. Com efeito, à falta de outros elementos, os carreados pela AT para fundamentar as correções não são, nem suscetíveis de alicerçar a convicção positiva do tribunal para que se tenha como não provada a materialidade das operações tituladas nas facturas em causa e, consequentemente, nem aptos a demonstrar a validade da liquidação de IRC a elas respeitante, por forma a desconsiderá-los como custos, antes são suscetíveis, de colocar em fundada dúvida os elementos e pressupostos em que se baseou a existência do facto tributário; 33. Daí que, que se tem de considerar que a impugnante, ora Recorrente, logrou criar a fundada dúvida sobre que assentou o facto tributário, fundamento das liquidações impugnada, existindo fundamento jurídico para a aplicação do regime do art. 100° do CPPT; 34. Daí que, que se tem de considerar que a impugnante/Recorrente logrou criar a fundada dúvida sobre que assentou o facto tributário, fundamento da liquidação impugnada, existindo fundamento jurídico para a aplicação do regime do art. 100° do CPPT; 35. A douta decisão recorrida deveria ter feito aplicação do art. 100° do CPPT impondo-se anular as liquidações impugnadas nos termos antes delimitados; Termos em que, atentos os fundamentos de fato e direito invocados, fazendo-se Justiça, deve ser revogada a decisão recorrida e, por consequência, devem ser anuladas as liquidações de IRC em causa nos presentes autos.” ** A Recorrida FAZENDA PÚBLICA, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações. *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão. *** II – FUNDAMENTAÇÃO De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: “1. Em 20/7/1992 a impugnante, sociedade anónima iniciou a actividade de “Importação e exportação de grande variedade de mercadorias e representações”, com o CAE: 46900-R3 “Comércio por grosso não especificado” enquadrada em sede de IRC no regime geral de tributação pelo lucro tributável de acordo com o estabelecido no n.º1 do artigo 17.º do CIRC (cf. relatório de inspecção constante de fls. 61 a 63 dos autos em suporte de papel, suporte ao qual pertencem as demais remissões de origem). 2. Entre 25/5/2009 e 16/10/2009 a Direcção Distrital de Finanças de Santarém realizou uma acção inspectiva externa à impugnante através das ordens de serviço n.º OI2007…, de âmbito parcial, em sede de IVA e IRC dos exercícios de 2005 e 2006, com fundamento na acção inspectiva realizada pela Direcção de Finanças do Porto à sociedade “M... – Consultadoria e Marketing Lda.” (cf. relatório de inspecção a fls. 61 dos autos). 3. Em 9/11/2009 a inspecção tributária emitiu o relatório de inspecção e respectivos anexos constantes de fls. 57 a 92 PAT, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e no qual foram determinadas as correcções meramente aritméticas em sede de IRC dos exercícios de 2005 e 2006, com os seguintes fundamentos: “ (…) (…) (“texto integral no original; imagem”) (…)
(…) (“texto integral no original; imagem”) (…) 4. Em 21/12/2005 a M… emitiu a factura n.º 5024, à impugnante, no valor de EUR 34.040,33, com a descrição “ Lote de várias peles de várias cores” quantidade “28.132,50” preço unitário 1,00, conforme cópia da factura constante de fls. 86 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido. 5. Em 28/11/2005 a M... emitiu a factura n.º 5022, à impugnante, no valor de EUR 32.683,10, com a descrição “ Lote de várias peles de várias cores” quantidade “22.323,00” preço unitário 1,21, conforme cópia da factura constante de fls. 87 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido. 6. Em 24/3/2006 a M... emitiu a factura n.º 6, à impugnante, no valor de EUR 33.841,89, com a descrição “ Lote de várias peles de várias cores” quantidade “1,00” preço unitário 27.968,50 conforme cópia da factura constante de fls. 88 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido. 7. Em 31/12/2005 a impugnante declara as existências constantes do quadro de fls. 91 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, no qual se encontram discriminados e identificados os vários tipos de peles num total de 491,902.75. 8. Em 13/11/2009 a Direcção de Finanças de Santarém emitiu o ofício n.º 7895, dirigido à impugnante, com o assunto “Relatório de Inspecção Tributária – art. 77.º da Lei Geral Tributária e artigo 62.º do Regime Complementar de Inspecção Tributária” (cf. oficio a fls. 56 dos autos). 9. Em 18/11/2009 foi emitida a liquidação de IRC n.º 2009 831..., relativa ao ano de 2005, no valor de EUR 17.255,02, com data limite de pagamento de 30/12/2009 (cf. demonstração da liquidação a fls. 63 a 65 dos autos). 10. Em 3/12/2009 foi emitida a liquidação de IRC n.º 2009 186…, relativa ao ano de 2006, no valor de EUR 8.290,50, com data limite de pagamento de 13/1/2010 (cf. demonstração da liquidação a fls. 68 dos autos). 11. Em 23/2/2010 a impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Alcanena a reclamação graciosa das liquidações adicionais de IRC, identificadas nos dois pontos que antecedem, constante de fls. 1 a 10 do Processo Administrativo Tributário (de ora em diante designado abreviadamente de PAT) cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido. 12. Em 22/6/2010 a impugnante recepcionou o aviso de recepção que acompanhou o oficio de notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa descrita no ponto anterior, constante de fls. 73 a 87 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido. 13. A impugnante não procede à transformação dos produtos, compra e vende ou manda transformar a outrem (cf. depoimento das testemunhas J... e C...). *** A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada, no que se refere à prova testemunhal produzida a mesma não foi considerada, face à documentação das afirmações constantes dos depoimentos das testemunhas apresentadas, o depoimento das testemunhas J... e C... foi considerado relativamente a matéria constante do ponto 13. *** Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir. *** Tendo em consideração que o Tribunal ad quem foi convocado a ouvir a prova testemunhal, tendo o mesmo ouvido o teor integral das inquirições, e asseverando-se que os aludidos depoimentos mostraram-se isentos, credíveis e com conhecimento direto dos factos, na medida em que a testemunha C..., esclareceu que é a própria que procede à contagem física dos stocks, tendo descrito com pormenor a orgânica e os meandros organizacionais da Recorrente, mormente, em termos de inventários e faturação. No respeitante ao depoimento da testemunha J... o mesmo depôs de forma espontânea, com circunstanciação fática pormenorizada, visto desempenhar funções de ROC na empresa Recorrente desde o ano 2000. Tendo abordado, com clareza, o sistema de inventário adotado, esclarecendo o método de contagem das existências e quem o efetuava. Assim, estando o Tribunal habilitado e legitimado a ampliar a matéria de facto que se repute pertinente e que decorra da sua audição(1), aditam-se ao probatório, ao abrigo do 662.º do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, os seguintes factos baseados na mesma e bem assim na prova documental constante dos autos e do processo administrativo tributário apenso e que infra se identificam: 14. Pelo menos nos anos de 2005 e 2006, a sociedade “I... Comércio Internacional, SA” adotou o sistema de inventário permanente (facto que se extrai do depoimento da testemunha J...); 15. Nos anos de 2005 e 2006, o controlo dos stocks da sociedade “I... Comércio Internacional, SA”, era realizado mediante contagens pontuais e por amostragem ao longo do ano e através de uma contagem exaustiva no final do ano (facto que se extrai do depoimento das testemunhas C... e J... e que se infere do teor do Relatório de Inspeção Tributária); 16. No âmbito da atividade desenvolvida pela sociedade “I... Comércio Internacional, SA” é usual a negociação, transação e subsequente armazenamento em lotes (facto que se extrai do depoimento das testemunhas C... e J...); 17. A contagem dos stocks armazenados em lotes é feita por recurso à quantidade, regra geral, utilizando a unidade de medida de pés e pelo valor total do lote (facto que se extrai do depoimento das testemunhas C... e J...); 18. Em 31/12/2004 a sociedade “P” emitiu a fatura nº 4009, no valor de 296.799,56, em nome de M... e com o teor que infra se descreve:
*** III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRC dos exercícios de 2005 e 2006 por entender que não resultam provadas as transmissões elencadas nas faturas emitidas pela sociedade M... e melhor descritas nos pontos 4, 5 e 6 do probatório. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de nulidade por falta de fundamento de facto, em caso negativo se incorre em erro de julgamento de facto, em face de, por um lado, ter valorado erroneamente a prova produzida nos autos, e por outro lado, ter omitido factualidade reputada fundamental para a presente lide. A final, importa analisar se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por errónea apreciação dos pressupostos de direito. Apreciando. Comecemos pela nulidade por falta de fundamentação de facto. Alega a Recorrente que de harmonia com o disposto no artigo 123.º do CPPT o Juiz na elaboração da sentença deve descriminar a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões, o que não foi cumprido pelo Tribunal a quo, uma vez que a decisão recorrida não discriminou qual a matéria de facto que considerou como provada e não provada, padecendo a mesma de nulidade ao abrigo do artigo 125.º do CPPT. Vejamos, então. Dispõe o artigo 123.º, nº2, do CPPT que: “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.” Mais preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que: “ 1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.” Dir-se-á, neste particular, que esta norma corresponde ao regulamentado no normativo 615.º, nº1, alínea b), do CPC, segundo o qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”. De convocar, ainda neste particular, o comando constitucional contemplado no artigo 205.º da CRP o qual prevê que: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Quanto à falta de fundamentação de facto, a Doutrina(2) tem entendido que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, o mesmo sucedendo com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores a qual aduz que “[P]ara que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário(3)”. No caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que vêm discriminados os fundamentos de facto. Com efeito, no item III denominado de “fundamentação” estão elencados os factos provados deles constando, expressa e individualmente, o meio probatório que permitiu a fixação da aludida factualidade, evidenciando se o suporte é meramente documental ou testemunhal. Mais importa ter presente que em sede da motivação da matéria de facto é feita uma apreciação isolada da prova testemunhal. É certo que se reconhece que essa motivação é singela sendo conveniente que a mesma seja mais escorreita e com superior densificação, mas verdade é que, como vimos, só a falta absoluta de fundamentação conduz à nulidade da sentença. Ademais, importa ter presente que a motivação da matéria de facto não tem de ser ou tentar ser uma recriação do julgamento, devendo antes de assegurar que o processo de decisão seja inteligível, de forma sucinta, ainda que tão completa quanto possível. No caso vertente, entende-se que quanto à enumeração dos factos provados, e à concreta motivação da decisão da matéria de facto, foram analisados, sucinta, mas criticamente as provas e especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgado, permitindo a mesma dar a conhecer quais os suportes probatórios que justificam a prova dos factos considerados provados. No concernente à factualidade não provada consta na sentença sub judice a seguinte menção: “Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa, atenta a causa de pedir.” Mais uma vez, entende-se que a aludida fórmula contém o mínimo de fundamentação que afasta tal nulidade. Em face de todo o exposto, conclui-se que inexiste nulidade por falta de fundamentação de facto. Atentemos, ora, na impugnação da matéria de facto. Para o efeito importa, desde já, convocar o teor do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT. Preceitua o aludido normativo que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de primeira Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida ou o aditamento de novos factos ao acervo probatório dos autos. No caso vertente, encontramo-nos perante um aditamento por substituição e um aditamento por complementação. Vejamos, então. Comecemos pelo aditamento ao probatório por substituição. Entende a Recorrente que deveria constar como facto não provado o facto elencado no ponto 3 do probatório, ainda que parcialmente. Aduz, concretizando, que “face à prova documental e testemunhal produzida, haveria igualmente que considerar não provado, no que tange à matéria de facto conclusiva da AT, o fato enunciado e descrito como 3. na parte que reproduz o relatório em súmula, a conclusão da inspeção, a saber: “Em face do que foi referido anteriormente conclui-se que a " M..." não poderia ter vendido aquela quantidade de peles porque a fatura de aquisição (fatura nº 4009 de 31/12/2004 emitida pela "P...") que suporta aquelas vendas, corresponde a um negócio simulado. De salientar ainda que a "M..." não tem outras compras de peles, para além das referidas na fatura acima indicada que pudesse justificar aquelas vendas. 2.2- Em sede de IRC Perante os indícios de que as operações são simuladas, os Serviços de Inspeção entendem que, nos termos do nº1 e do nº 2 artigo 23º do Código do IRC, os custos/encargos titulados pelas faturas emitidas pelo "fornecedores" supra identificado no presente relatório, não poderão ser considerados indispensáveis para a obtenção de proveitos. Pois, sendo as operações simuladas em face dos indícios objetivos e credíveis descritos não traduzem tais faturas, a existência de operações efetivamente realizadas, não podendo os respetivos valores relevar fiscalmente para efeitos de custos, como impõe o artigo 23º do código do IRC, cabendo ao Sujeito Passivo o ónus de provar a existência e efetivação daquelas operações, nos termos do artigo 74º da Lei Geral tributária.” Relativamente a este aditamento ao probatório entende-se que a Recorrente não cumpriu as formalidades consignadas no aludido normativo, uma vez que se limita remeter, genericamente, para a prova documental e testemunhal, não especificando os concretos documentos, não indicando passagens concretas dos depoimentos, nem tão-pouco procedendo à transcrição de excertos que reputaria relevantes para esse efeito. Ora, como é bom de ver, tendo presente a disciplina constante no citado normativo quanto à impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto não são permitidos, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo.(4) De todo o modo, sempre se dirá que o Juiz do Tribunal a quo limitou-se a dar como provado, no ponto 3 do probatório, a existência de um documento denominado de Relatório de Inspeção Tributária com o teor nele constante e não as afirmações nele constantes. Com efeito, os documentos não são factos mas sim meios de prova de factos, sendo que a transcrição de parte do Relatório Inspetivo tem apenas a virtualidade e o alcance de dar como provada a existência desse documento e com esse teor(5). Assim, em face de todo o exposto, rejeita-se o aditamento ao probatório supra requerido pelas razões expostas. Atentemos, ora, no aditamento ao probatório por complementação. A Recorrente convocando a prova testemunhal e documental entende que deveriam ter sido aditados ao probatório os factos constantes nos artigos 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 16.º, 17.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 24.º, 26.º e 27.º. Neste particular, importa, ab initio, ter presente que a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento. “[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”.(6) “As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.”(7). Vejamos, cada facto de per si. Antes da aludida análise casuística importa, desde já, evidenciar que embora a Recorrente faça alusão aos artigos da p.i., a verdade é que a redação que propõe nas suas alegações não corresponde textualmente ao teor do artigo constante na p.i., razão pela qual o facto que elencamos é o que consta nas conclusões das suas alegações. A Recorrente alega que o Tribunal a quo deveria dar como provada a factualidade constante no artigo 9.º da p.i. com o seguinte teor: “A Impugnante desconhece qual foi a actividade comercial da M..., é perfeitamente alheia à mesma e manteve transacções reais com aquela sociedade, verificando-se entrega de peles e o seu pagamento”. Convoca, para o efeito, o depoimento da testemunha C..., constante do registo fonográfico no cd de gravação da audiência por entender que é credível, isento e explícito quanto à prova das operações comerciais, e cujos excertos se encontram transcritos no corpo das suas alegações. Mais convoca o teor da prova documental, concretamente, as faturas, os meios de pagamento e as alterações da composição do inventário antes e depois da compra da mercadoria. Cumpre, desde já, relevar que o facto supra elencado que a Recorrente pretende que seja aditado só em parte reveste a natureza de um facto, sendo no demais conclusivo e com juízos valorativos que, em rigor, radicam na questão decidenda. Na verdade, a única factualidade que poderia ser aditada ao probatório consistiria no âmbito e específico conhecimento da atividade desenvolvida pela M..., mas a verdade é que do teor do aludido depoimento não se consegue extrair a aludida factualidade. Atentando no seu depoimento e nos concretos excertos convocados não é possível extrair a conclusão que a Recorrente desconhecia, sendo totalmente alheia, à atividade desenvolvida pela M... e aos concretos meandros societários. O mesmo sucedendo, necessariamente, quanto à prova documental que, aliás, a Recorrente convoca de forma ampla. De relevar, ainda neste particular, que a questão dos pagamentos é abordada de forma absolutamente conclusiva, sendo certo que a realidade fática inerente aos pagamentos deve constar por referência aos respetivos meios de pagamento, os quais, conforme analisaremos adiante, serão abordados noutro aditamento equacionado pela Recorrente. E por assim ser indefere-se o aludido aditamento ao probatório. Aditamento ao probatório do facto alegado no artigo 10.º da p.i. com o seguinte teor: “As transacções, com a M..., reproduzidas nos documentos juntos aos autos espelham a realidade das operações”. Para o efeito, a Recorrente convoca o depoimento da testemunha C... e à semelhança do evidenciado quanto ao facto constante na alínea anterior, é convocado o teor da prova documental, concretamente, as faturas, os meios de pagamento e as alterações da composição do inventário antes e depois da compra da mercadoria. Ora, mais uma vez, o facto que a Recorrente pretende que seja aditado não tem a roupagem de um facto, mais não representando que um juízo conclusivo sobre a questão decidenda. Com efeito, o que importa dar como provado são realidades fácticas que isolada ou conjuntamente permitam, ou não, extrair a conclusão de que as operações constantes nas faturas em causa são reais e não um facto com essa conclusão. Indefere-se, assim, o aditamento ao probatório requerido. Aditamento do facto elencado no artigo 11.º da p.i. com o seguinte teor: “A Impugnante pagou as faturas emitidas pela M... que traduziram negócios que foram reais com efectiva tradição da mercadoria”. Para o efeito, a Recorrente convoca o depoimento da testemunha C.... Releva, outrossim, o teor da prova documental, concretamente, as faturas, os meios de pagamento e as alterações da composição do inventário antes e depois da compra da mercadoria. Atentando no teor do artigo supratranscrito constata-se, à semelhança do já evidenciado anteriormente, que o mesmo tem caráter conclusivo, e com conteúdo opinativo e valorativo quanto aos indícios da materialidade das operações, indeferindo-se, nessa medida, o aditamento ao probatório supra evidenciado. Aditamento ao probatório do facto evidenciado no artigo 12.º da p.i., com o teor que infra se transcreve: “ A Impugnante é absolutamente alheia à circunstância de os cheques emitidos da M..., para pagamento das peles terem sido endossados e depositados em conta diferente da beneficiária dos mesmos”. Aduz, para esse efeito, que terá de ser relevado o depoimento da testemunha C... e prova documental, especificamente, as faturas, os meios de pagamento e as alterações da composição do inventário antes e depois da compra da mercadoria. A formulação do facto constante no artigo 12.º contém, mais uma vez, juízos conclusivos, e com inferências valorativas, vislumbrando-se, no entanto, que a Recorrente pretende fazer prova do pagamento, convocando, para o efeito, os cheques aludindo, nesse particular, ao destino que lhes foi dado. Assim, admite-se a factualidade constante no artigo 12.º, mas expurgando todos os juízos de valor e conclusivos, que dela constam, aditando-se, assim, os factos que infra se enumeram com a devida sequência numérica: 19. A sociedade “I...-Comércio Internacional, SA”, emitiu cheques nominativos à ordem de “M...”, tendentes ao pagamento das faturas identificadas nos números 4, 5 e 6. 20. Os cheques evidenciados no número anterior foram movimentados a débito na conta da sociedade “I...-Comércio Internacional, SA” e posteriormente endossados e depositados em conta bancária não titulada pela “M...”. Aditamento ao probatório dos factos elencados em 13.º, 16.º, 17.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º constantes na p.i. e cujo teor se transcreve infra: “13.º A impugnante, como acontece com a maior das suas transações, não tem que saber de onde provieram as peles que lhe foram vendidas”. 16.º A Impugnante pagou à M... a mercadoria adquirida e o IVA respectivo, conforme resulta dos cheques e respectivo débito dos mesmos na sua conta bancária, 17.º Ao contrário do que se afirma no relatório da Inspecção, a impugnante fez prova cabal da existência de indícios credíveis e objectivos para que, as ditas facturas, sejam aceites em sede de IRC e os custos/encargos por elas titulados.” 19.º Do exame exaustivo aos inventários, efectuado, na sequência de duas inspecções executadas, a primeira, entre os dias 2/7/2008 e 26/09/2008 e, a segunda, entre os dias 25/5/2009 e 16/10/2009, conforme consta dos autos, designadamente, tendo sido apuradas e conferidas, as quantidades vendidas, compradas e saldos de fim de ano, verificou-se não existirem quaisquer correcções a fazer. 20.º Sem as compras efectuadas à M... Lda não seria possível efectuar as vendas declaradas em 2005 e 2006 e ter o nível de inventário relevado fiscalmente no fim de cada exercício (vide documentos juntos ao processo instrutor); 21.º Conforme parece decorrer do relatório da Inspecção, para o qual se remete, a Sociedade M..., Lda, tinha, aquisições de peles a terceiros em quantidade superior às vendidas à ora Reclamante, pelas facturas 5022, 5024 e 06 dos anos de 2005 e 2006. 22.º Mas mais importante do que as aquisições, ou não, da M..., a que a Impugnante é alheia é relevante considerar que as existências da Reclamante reflectem as aquisições de mercadorias feitas aquela sociedade conforme mapa comparativo junto aos autos.” Para o aditamento ao probatório dos factos supra elencados a Recorrente invocou, exclusivamente, prova documental, relevando para o efeito as faturas, os meios de pagamento e as alterações da composição do inventário antes e depois da compra da mercadoria. Pese embora a técnica adotada pela Recorrente não seja a melhor, devendo evidenciar para cada um dos aludidos factos qual(is) o(s) documento(s), em concreto, que permitia(m) inferir tal factualidade, ainda assim, tendo em consideração que foi destacada a aludida prova documental o Tribunal aquilatará, sendo caso disso, se os mesmos permitem dar como provada a factualidade alegada pela Recorrente. Apreciando. O teor do artigo 13.º supratranscrito mais não representa que um juízo de opinião, em nada consubstanciando um acontecimento da vida real. Por seu turno, o artigo 16.º, tem uma formulação conclusiva, sendo que a factualidade inerente aos meios de pagamento e ao circuito dos mesmos já está elencada nos pontos 19 e 20, ora aditados e com a formulação atribuída pelo Tribunal ad quem. No respeitante ao artigo 17.º, e em face de tudo o que vem sendo dito anteriormente é por demais evidente que o mesmo mais não representa que uma conclusão, encerrando, para o efeito, o desfecho que a Recorrente pretende provar, ou seja, a materialidade das operações. O artigo 19.º tem, igualmente, uma formulação conclusiva, visto o que teria de constar na factualidade, caso fosse reputado relevante, era o teor dos inventários e bem assim o modus faciendi da Recorrente em termos de controlo das existências, extrapolando-se, sendo caso disso, a conclusão que se reputava pertinente, mormente, para efeitos de cumprimento das obrigações tributárias. De relevar, neste particular, que o Tribunal no âmbito dos seus poderes de cognição já aditou à matéria de facto os pontos 14 a 17 que estão concatenados com o controlo das existências e os procedimentos de contagens inerentes à atividade e meandros organizacionais da Recorrente. Relativamente ao artigo 20.º, como é bom de ver, o mesmo contempla um juízo valorativo que em nada comporta e encerra a definição de facto. Com efeito, compete ao Tribunal, do conjunto da factualidade constante dos autos extrapolar, sendo caso disso, a conclusão que a Recorrente aduz no aludido artigo. No respeitante ao artigo 21.º, o mesmo contém um teor opinativo e valorativo da questão jurídica, a qual extrai do teor do Relatório de Inspeção Tributária. De todo o modo, a faturação de aquisição dos materiais emitida pela empresa denominada “P” em nome da M..., foi objeto de aditamento à matéria de facto pelo Tribunal ad quem, estando contemplada no ponto 18 do probatório. Quanto ao artigo 22.º, o teor do mesmo apresenta, em parte, um juízo opinativo e conclusivo, pretendendo a Recorrente que se faça uma extrapolação do mapa de existências, mas a verdade é que essa inferência está vedada por não corresponder a uma realidade de facto. De todo o modo, o que é possível configurar como realidade de facto é o teor do mapa das existências, sendo certo que essa realidade já se encontra reproduzida no ponto 7 da matéria de facto. Em face do exposto, indefere-se o aditamento dos factos supra evidenciados. Aditamento dos factos constantes nos artigos 14.º e 27.º da p.i, cuja análise é feita em conjunto, atenta a identidade dos meios de prova para suportar o aditamento. O artigo 14.º apresenta o seguinte teor: “A Impugnante rececionou as peles que comprou à M..., tendo-as pago. Tais peles passaram a fazer parte das suas existências conforme resultou do inventário físico.” Por seu turno, o facto elencado no artigo 27.º da p.i., apresenta o seguinte teor: “A organização contabilística e as existências da Impugnante, espelha de modo rigoroso, a realidade de compras e vendas”. A Recorrente convocou, para o efeito, o teor do depoimento das testemunhas C... e J... de acordo com os excertos constantes no corpo das suas alegações e bem assim a prova documental, genericamente invocada, a saber faturas, meios de pagamento e alterações da composição do inventário antes e depois da compra da mercadoria. Vejamos. Quanto ao facto constante no artigo 14.º da p.i. o mesmo apresenta uma formulação de teor conclusivo, representando, em rigor, uma conclusão de facto, pois tal extrapolação tem de se inferir, ou não, de um conjunto de factualidade, ou seja, o que tem de constar no probatório é a existência do negócio da Recorrente com a M..., evidenciado pelas correspondentes faturas, pelos respetivos meios de pagamento lido em conjunto com o mapa das existências, sendo que da conjugação da aludida factualidade é que se pode retirar uma conclusão. De relevar, neste âmbito, que todas as aludidas realidades de facto já estão contempladas no probatório, concretamente, nos pontos 4, 5, 6, 7 e nos, ora, aditados 19 e 20, e por assim ser indefere-se o requerido aditamento ao probatório. No respeitante ao artigo 27.º, a formulação apresentada pela Recorrente não reveste a natureza de um facto, mas sim juízo conclusivo. Porém, atentando no seu teor verifica-se que a realidade fáctica que a Recorrente pretende que resulte provada nos autos, está intrinsecamente relacionada com a organização contabilística e com os documentos analisados em sede de inspeção, razão pela qual em ordem ao consignado no Relatório de Inspeção Tributária, conjugado com o depoimento das testemunhas invocadas pela Recorrente o Tribunal reformula o aludido facto expurgando-se do seu teor qualquer juízo valorativo e conclusivo e adita à matéria de facto os seguintes factos: 21. Nos anos de 2005 e 2006, a sociedade “I...-Comércio Internacional, SA” dispunha de contabilidade organizada, possuindo diários, balancetes e extratos de conta corrente; 22. Os documentos de suporte aos registos contabilísticos encontravam-se numerados por diário e arquivados nos respetivos diários. Atentemos, ora, no aditamento do artigo 24.º da p.i., o qual apresenta o seguinte teor: “O valor da mercadoria existente, referido no ponto anterior, coincide, exactamente, com o lote de peles adquirido à M... em 28/11/2005, conforme resulta da cópia da factura nº 5022 junta ao processo”. Para o efeito convocou, enquanto meio de prova, o depoimento da testemunha C... com base nos excertos transcritos no corpo das alegações, apelando, igualmente, ao teor do suporte documental já evidenciado anteriormente. Porém, mais uma vez, o teor do citado artigo da p.i. não representa um facto mas sim uma conclusão de facto, extraível, sendo caso disso, da conjugação de dois meios de prova, concretamente, da fatura nº 5022 e bem assim do mapa de existências, os quais, encontram-se devidamente elencados no probatório, especificamente nos pontos 5. e 7. Indefere-se, assim, os requeridos aditamentos. Resta, ora, tecer dois considerandos relativamente a dois factos que a Recorrente requer o seu aditamento. Concretamente os factos com a seguinte redação: “Conforme resulta das existências da Impugnante, à data de 31/12/2005, constava das mesmas um “Stock Lot” na quantidade 22.323 pés” “ No decorrer da Inspecção Tributária foi evidente a manifesta improcedência da pretensa argumentação de que se estava perante faturas falsas”. Relativamente ao facto elencado em primeiro lugar, o mesmo corresponde, ainda que não textualmente, ao teor do artigo 23.º, porém, conforme se retira do teor da impugnação da matéria de facto a Recorrente no elenco numérico da impugnação não faz qualquer referência ao mesmo. De todo o modo, atento o seu teor o mesmo é uma inferência extraível do mapa das existências, o qual, como já evidenciado anteriormente já se encontra contemplado no acervo probatório, razão pela qual se indefere o requerido aditamento ao probatório. No concernente ao aditamento do segundo facto elencado anteriormente o mesmo respeita à redação do artigo 26.º da p.i., sendo que, pese embora se faça alusão ao mesmo em termos de impugnação da matéria de facto convoca como meio de prova atinente ao seu aditamento o depoimento da testemunha C..., porém não alude a nenhuma passagem concreta do seu depoimento, nem tão-pouco convoca qualquer excerto que permita aferir da viabilidade do seu aditamento à matéria de facto. Não obstante, sempre se dirá que o seu teor mais não representa que a conclusão que pretende que o Tribunal ad quem retire em termos de valoração probatória, coadunando-se com o respetivo thema decidendum. E por assim ser indefere-se o aludido aditamento ao probatório. **** Assim, em face de todo o exposto e em resultado da impugnação da matéria de facto apreciada anteriormente, o Tribunal ad quem, adita os factos que infra se enumeram: 19. A sociedade “I...-Comércio Internacional, SA”, emitiu cheques nominativos à ordem de “M...”, tendentes ao pagamento das faturas identificadas nos números 4, 5 e 6; 20. Os cheques evidenciados no número anterior foram movimentados a débito na conta da sociedade “I...-Comércio Internacional, SA” e posteriormente endossados e depositados em conta bancária não titulada pela “M...”; 21. Nos anos de 2005 e 2006, a sociedade “I...-Comércio Internacional, SA” dispunha de contabilidade organizada, possuindo diários, balancetes e extratos de conta corrente; 22. Os documentos de suporte aos registos contabilísticos encontravam-se numerados por diário e arquivados nos respetivos diários. **** Assim, estabilizada que está a matéria de facto dos autos, importa, então, aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito. Alega a Recorrente que a Administração Tributária não cumpriu o ónus probatório a que estava adstrita, não tendo demonstrado a existência de indícios objetivos e seguros de que as faturas emitidas não titulam as aquisições de peles nelas contantes. Concretiza, para o efeito, que à falta de outros elementos, os carreados pela Administração Tributária para fundamentar as correções não são, nem suscetíveis de alicerçar a convicção positiva do tribunal para que se tenha como não provada a materialidade das operações tituladas nas faturas em causa e, consequentemente, nem aptos a demonstrar a validade da liquidação de IRC a elas respeitante, por forma a desconsiderá-los como custos, antes são suscetíveis, de colocar, no limite, a fundada dúvida sobre os pressupostos em que se baseou a existência do facto tributário. Releva, neste particular que a organização contabilística e as existências da Impugnante, espelham, de modo rigoroso, a realidade de compras e vendas, tendo sido apresentados os respetivos meios de pagamento. Mais evidencia que as faturas números 5022, 5024 e 06 emitidas pela M... foram relevadas na sua contabilidade como gastos nos termos do nº 1, alínea a), do artigo 23.º do CIRC cumprindo todos os requisitos para esse efeito, visto que mencionam na sua descrição lote de vários pés e pele, indicando a quantidade de pés vendidos e ou o seu preço. Termina dizendo que provou, complementarmente às faturas em causa e documentalmente, que sem as compras efetuadas à M... não seria possível efetuar as vendas declaradas em 2005 e 2006 e ter o nível de inventário relevado fisicamente no fim de cada exercício. O Tribunal a quo entendeu que a Administração Tributária cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, tendo carreado indícios suficientes de que as faturas emitidas não correspondem a transações reais sendo que a Recorrente não logrou provar que as alegadas aquisições de peles à M..., efetivamente, ocorreram. Razão pela qual, concluiu que não tendo a Recorrente cumprido o ónus de demonstração da sua realidade contabilística, nos termos previstos no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o ato de liquidação não padece de erro sobre os pressupostos de facto devendo, assim, manter-se na ordem jurídica. Vejamos, então. Comecemos por aferir como se processa o direito adjetivo fiscal em sede probatória e quais as consequências que dimanam da sua regulamentação. Em sede de procedimento administrativo tributário incumbe à Administração Tributária a prova dos factos constitutivos do ato administrativo, ou seja, cumpre à entidade fiscalizadora aquilatar e indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, porquanto, o procedimento só pode produzir uma liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a plena convicção da existência e conteúdo do facto tributário. De resto, tal conclusão resulta evidente em face do princípio da verdade material, ínsito nos artigos. 50.º, do CPPT e 58.º, n.º 1, da LGT. Com efeito, o contribuinte goza da presunção de verdade da sua declaração, nos termos consignados no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, logo compete à Administração Tributária o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação, in casu a demonstração de que os indícios por si recolhidos no decurso da ação inspetiva são sérios e suficientes para concluir pela inexistência ou simulação de uma relação económica que sustente as faturas em apreço. Nessa medida, tem a Administração Tributária o dever de averiguar e reunir indícios conducentes ao afastamento da declaração apresentada pelo contribuinte, ou melhor, “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova”(8). De sublinhar, neste particular, que não é exigível que a Administração Tributária efetue uma prova direta da simulação, pelo que cumprindo a Administração Tributária aquele ónus e ilidindo, desse modo, a presunção de veracidade da declaração do sujeito passivo consagrada no referido artigo 74.º, n.º 1 da LGT, passa a competir, por seu turno, a este último o ónus da prova da realidade subjacente à fatura, infirmando os indícios recolhidos pela entidade fiscalizadora(9). Uma vez analisada a questão da repartição do ónus da prova, importa transpor o direito para o caso em apreço. Vejamos, então, se a Administração Tributária reuniu ou não os elementos necessários para legitimar a sua atuação, ou seja, se foram recolhidos indícios sérios e bastantes que permitam concluir pela simulação das operações constantes nas faturas referidas nos pontos 4, 5 e 6 da factualidade assente. Neste particular, importa convocar o teor do Relatório da Administração Tributária, atentando quais os factos indiciários que foram convocados pela Entidade fiscalizadora. São evidenciados como factos indiciários os que infra se descrevem: - A fatura de aquisição que suporta as vendas da M... é representativa de um negócio simulado; - As faturas números 5022, 5024 e 06 não se encontram emitidas na forma legal de acordo com o estipulado no artigo 35.º, nº5, do CIVA, sendo insuficiente a alusão “lote de vários pés de peles de várias cores”. A unidade em que o produto é transacionado nem sempre consta nas faturas; - Os cheques emitidos pela I... para pagamento das faturas números 5022, 5024 e 06, foram depositados em contas em que o titular não é a M...; Vejamos, então, se os indícios recolhidos pela Administração Tributária são suficientes para concluir pela inexistência das aquisições constantes nas faturas que a entidade fiscalizadora reputou como sendo falsas. Analisemos, então, cada um dos indícios apresentados pela Administração Tributária. Comecemos pelo indício que se prende com o facto da fatura de aquisição que suporta as vendas da M... advir de um negócio simulado. O aludido indício prende-se com uma simulação indireta e a montante da Recorrente. Com efeito, se atentarmos no teor do Relatório de Inspeção Tributária verifica-se que tal indício decorre da, alegada, faturação falsa da empresa fornecedora da M..., aliás a sua explicitação no aludido relatório mais não representa que uma transcrição de excertos do relatório inspetivo da M..., como aliás é expressamente reconhecido no item inerente à análise do direito de audição. No fundo, o que a Administração Tributária entende é que a empresa M... não poderia ter vendido a quantidade de peles em causa porque a fatura de aquisição nº 4009, de 31 de dezembro de 2004, emitida pela sociedade identificada como “P”, que suporta aquelas vendas, corresponde a um negócio simulado. Mas a verdade é que tal realidade de per si não é de molde a indiciar, de forma séria e razoável, que as operações constantes nas faturas em discussão nos presentes autos sejam simuladas. Note-se que o Tribunal não está a dizer que não é possível fazer-se uma extrapolação da faturação falsa mediante recurso ao cruzamento de informações decorrentes e resultantes de outras ações inspetivas, o que, efetivamente, se está a dizer é que fundar a falta de materialização das aquisições constantes nas faturas com base em indícios apenas e só resultantes de condutas exógenas e alheias à Recorrente não é suficiente e razoável para fundamentar a faturação falsa. Aduza-se, em abono da verdade, que não há no Relatório de Inspeção Tributária, nenhum facto objetivo de que possa ser extraída a conclusão de que as suas declarações não devam ter-se como verdadeiras, atenta a forma, irrepreensível, da sua contabilidade e escrita. Ainda para mais quando dos elementos constantes dos autos se retira, inequivocamente, que a contabilidade da Recorrente se encontra organizada. Com efeito, conforme resulta do teor do Relatório Inspetivo e dos factos, ora, aditados a Recorrente dispõe de contabilidade organizada, possuindo diários, balancetes e extratos de conta corrente, estando, em rigor, todos os documentos de suporte aos registos contabilísticos encontram-se numerados por diário e arquivados nos respetivos diários. Ademais, importa ter presente que a sociedade Recorrente adotou o sistema de inventário permanente, o qual consiste na identificação dos bens quanto à sua natureza, quantidade e custos unitários e globais, de forma a permitir uma verificação, a qualquer momento, da correspondência entre as contagens físicas e os respetivos registos contabilísticos. Mais dimanando assente, in casu, que a Recorrente procede a um controlo rigoroso dos stocks realizando contagens pontuais e por amostragem ao longo do ano e uma contagem exaustiva no final do ano. Note-se que nenhuma censura é feita no que respeita à faturação em questão que não a de existência de faturação falsa com base na averiguação e fiscalização de um único fornecedor e às omissões declarativas desse mesmo fornecedor, e às suas irregularidades contabilísticas. Ora, como é bom de ver, a Administração Tributária teria de ter ido mais longe, não sendo suficiente bastar-se em elementos (indícios externos), tem necessariamente de obter alguns indícios junto do contribuinte (indícios internos) que, ainda que conjugado com aqueles outros, conduzam à elevada probabilidade de que as faturas não correspondem a operações efectivas(10). Vejamos, ora, o outro indício, mormente, a falta de cumprimento dos requisitos das faturas. Importa, desde já, referir que tal indício é avançado no aludido relatório inspetivo em sede de IVA, apenas se fazendo alusão -entenda-se análise conjunta- no item reportado ao direito de audição, mas a verdade é que, conforme bem evidencia a Recorrente a densidade formal e material para efeitos de IRC é distinta da exigível para efeitos de IVA. As exigências em termos documentais “[c]ompreensíveis embora no sistema do IVA, não são inteiramente transponíveis para a matéria documentação de custos no âmbito do IRC porquanto a densidade e os contornos das específicas obrigações documentais tutelam interesses substanciais próprios de cada imposto. O Código do IRC não contém qualquer referência que precise a noção de documento justificativo. É certo que a factura completa, à luz dos normativos pertinentes do Código do IVA, subsume-se no conceito de documento justificativo, no entanto a inversa não é verdadeira, pois as duas noções não são inteiramente coincidentes quanto à respectiva significação. Assim, na ausência ou incompletude da factura, à regra geral da desconformidade do título em sede de IVA não corresponde, inelutavelmente, a mesma consequência para efeitos de IRC.(11)” Ademais, se atentarmos no teor das faturas, ora colocadas em causa e descritas nos pontos 4, 5 e 6 do probatório do seu teor extrai-se, na sua componente essencial, o produto, a quantidade, e o valor, logo elementos suficientes para se poder identificar a mercadoria transacionada. Acresce que, no âmbito da atividade desenvolvida pela sociedade Recorrente é usual a negociação, transação e subsequente armazenamento em lotes, sendo que a contagem física dos stocks armazenados em lotes é feita por recurso à quantidade, regra geral, utilizando a unidade de medida de pés e pelo valor total do lote. Portanto conclui-se, uma vez mais, que tais indícios não são suficientes para abalar a presunção da veracidade da escrita da Recorrente. Atentemos, ora, no indício referente aos pagamentos. A Administração Tributária evidencia que “de acordo com os dados enviados pela “I…” todas aquelas facturas foram através de cheques” mais sublinhando que “[f]oi-nos dada autorização para solicitar aos bancos, fotocópias dos cheques emitidos na forma frente e verso” tendo, nessa sequência sido “[e]nviado pelo banco fotocópia de cheques e constatamos que os mesmos foram depositados em contas em que o titular não é a “M...”. Concluindo, depois que desconhece-se, assim, que “[e]m que contas foram os mesmos depositados.” Ora, extrai-se, assim, que não é controvertido que foram emitidos cheques nominativos pela Recorrente à ordem da M... tendentes ao pagamento das faturas evidenciadas em 4,5 e 6, e que os mesmos foram debitados na conta da “I...”, o que, em rigor, é colocado em causa é o ulterior circuito financeiro, ou seja, o depósito em conta não coincidente com o beneficiário do cheque. Porém, tais factos, de per si, não relevam para afastar a presunção da veracidade da escrita da Recorrente, estando os mesmos inteiramente concatenados com um fator alheio e completamente incontrolável pela Recorrente, concretamente, com a entrada efetiva do dinheiro na esfera jurídica da entidade beneficiária do cheque e do montante nele constante. Note-se que tais questões, radicam já no controlo financeiro, operando já no final da cadeia económico financeira não sendo, portanto, exigível que um sujeito passivo “fiscalize”, após emissão do competente cheque, se ele foi objeto de depósito ou de levantamento pelo seu beneficiário. O Tribunal concorda que o mais apropriado seria o depósito dos cheques em contas dos beneficiários, porém, já não se pode anuir com a extrapolação que daí resulta para efeitos de faturação falsa. Dizem-nos as regras da experiência que no âmbito comercial, é bastante usual a existência de endosso de cheques, os quais, de resto, têm consagração legal. In fine, sempre importa ter presente que não nos encontramos perante cheques ao portador mas sim nominativos. Nessa medida, tal facto desacompanhado de demais elementos factuais não tem a relevância que lhe foi atribuída pela Administração Tributária. Dir-se-á, portanto, que com base nesse indício e dada a fragilidade dos demais que antes referimos, não é possível fundar, objetivamente, qualquer conclusão quanto à inexistência das aquisições de mercadorias. Conclui-se, portanto, que os indícios recolhidos pela Administração Tributária não permitem suportar, objetivamente e à luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e que determinou as correções à matéria coletável de IRC, dos exercícios de 2005 e 2006, pelo que a Recorrente tem direito a fazer refletir negativamente os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável, nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC. Pelo que a Administração Tributária incorre em ilegalidade implicante da invalidade dos atos de liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios, e nessa medida a sentença recorrida que assim o não decidiu tem de ser revogada. Tudo visto e ponderado e sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se procedente o presente recurso e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida. *** IV- Decisão Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO e revogar a sentença recorrida, julgando, em consequência, a impugnação judicial procedente, com a consequente anulação dos atos de liquidação de IRC e respetivos juros respeitantes aos exercícios de 2005 e 2006. Custas em ambas as instâncias pela Recorrida. Registe e Notifique. Lisboa, 22 de maio de 2019 (Patrícia Manuel Pires) (Cristina Flora) (Tânia Meireles da Cunha) -------------------------------------------------------------------------- (1) “[a] Relação já não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art. 413.º), sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão.” In Abrantes Geraldes-Recursos no Novo Código de Processo Civil:Almedina, 5ª Edição, 2018, p.293. (2) Neste sentido Alberto dos Reis “Código de Processo Civil Anotado”: Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140. (3) Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09420/16, de 29 de junho de 2016. (4) Vide, neste âmbito o Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9BEPRT. (5) Vide, designadamente, Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 00944/04.0, de 30 de abril de 2013. (6) HENRIQUE ARAÚJO: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt (7) AC. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1 (8) Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Ato Tributário, pág. 154. (9) Vide, inter alia, Acórdão do TCA Norte, proferido no Processo n.º 00171/06.2BEBRG, de 20 de dezembro de 2011; No respeitante ao ónus da prova no âmbito específico da faturação falsa vide Aresto do TCA Norte, proferido em 24 de janeiro de 2008, no processo nº 01834/04; Vide, entre muitos outros Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 5500/01, com data de 05 de março de 2002, Acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF. (10) Vide, designadamente, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul proferidos nos processos nºs 438/12.0 de 08 de maio de 2019 e 08959/15, de 22 de fevereiro de 2018 (11) Vide, designadamente, Aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 28 de janeiro de 2010, no processo nº 04871/04. |