Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2694/23.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:RICARDO FERREIRA LEITE
Descritores:IDLG
INDISPENSABILIDADE
REQUISITOS
Sumário:I - Para que a Recorrente pudesse lançar mão de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias era necessário que do requerimento inicial apresentado se pudesse vislumbrar que o adiamento deste processo de espera que vem tendo lugar desde que apresentou requerimento junto da Recorrida, estivesse a por em causa, de forma irremediável, intolerável e iminente algum seu direito, liberdade ou garantia (ou direito análogo).
II - A extrema urgência inerente ao presente meio processual impõe que devamos fazer uma triagem estrita daquilo que é verdadeiramente urgente e indispensável para salvaguarda de direitos, liberdades e garantias ou outros direitos e garantias de natureza análoga.
III - Isto sob pena de vulgarizarmos a urgência e passarmos a ter, na presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, uma espécie processual ineficiente e votada ao fracasso na proteção das verdadeiras urgências e atropelos aos verdadeiros direitos, liberdades e garantias.
IV - Essa “indispensabilidade” tem de ser carreada para os autos pelo respetivo requerente, alegando-a e concretizando-a factualmente, mais se predispondo a prova-la.
V - A falta de decisão do pedido não legitima, por si só, o recurso à IDLG, porquanto, a natureza das IDLG é subsidiária em relação aos demais meios de reação, cabendo ao requerente a alegação e densificação da ratio que impreterivelmente a justifica.
VI - Do disposto no nº 1 do artigo 110º-A, do CPTA, resulta que o juiz pode concluir que não se verifica a indispensabilidade de uma decisão de mérito célere para assegurar o exercício do direito fundamental, em tempo útil, mas, ainda assim, vem alegada e demonstrada urgência que justifica que dirija convite ao requerente para, no prazo que fixar no despacho liminar, alterar a petição apresentada para requerimento cautelar.
VII - A tutela cautelar, ainda que provisória, é urgente, pelo que só se forem alegados na petição da intimação factos indiciadores de urgência será adequada a convolação daquela em providência cautelar.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. Relatório
A…, ora Recorrente, vem interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, datada de 16 de Novembro de 2024, que, na ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias requerida contra a AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, I.P. (AIMA), ora Recorrida, entendeu que “[a] requerente não alega quaisquer factos concretos que permitam concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia de que seja titular, (…), o que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição das entidades requeridas da instância.
A Recorrente, inconformada, formulou as seguintes conclusões:
“1. A Requerente, ora Recorrente, é uma cidadã de nacionalidade canadiana que registou e submeteu, em 25 de julho de 2022, pedido de autorização de residência para atividade de investimento, definida, nos termos do artigo 90.º-A e da alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, cumprindo os requisitos previstos, tendo pedido o reagrupamento familiar do seu cônjuge e filhos e pago taxas ao SEF/ AIMA no valor de € 2.158,64 (dois mil, cento e cinquenta e oito euros e sessenta e quatro cêntimos).
2. De acordo com o n.º 1 do artigo 82.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, “o pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias”, tendo já decorrido até à data de início dos presentes autos, sem que tenha sido feito qualquer agendamento com a ora Recorrente, 381 dias.
3. O digníssimo tribunal a quo considerou que, em virtude de a Recorrente não residir em Portugal, mas sim na Holanda, não goza do princípio da equiparação previsto no art. 15.º da Constituição da República Portuguesa e que, assim, inexiste qualquer direito digno de proteção.
4. A Recorrente reside atualmente na Holanda, mas considera-se estar preenchido o requisito de se encontrar em Portugal – cfr. art. 15.º da CRP -, porquanto a Recorrente (i) submeteu o seu procedimento enquanto se encontrava em território português, e (ii) desloca-se a Portugal regularmente por força do princípio da livre circulação, de forma a aferir o estado do seu pedido.
5. Constitui uma discriminação atentatória do conteúdo essencial da nossa Constituição entender que, por um lado, um estrangeiro residente de forma ilegal em Portugal beneficia do corpo de direitos, liberdades e garantias previsto na nossa Constituição e, por contraposição, um estrangeiro que aguarda a autorização de residência e cumpre todos os requisitos previstos na lei, e não pretende residir em Portugal de forma ilegal, não terá exatamente os mesmos direitos perante as instituições públicas portuguesas, o que vai contra o art. 7.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e contra a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, aplicável de forma direta por força do art. 8.º da CRP.
6. A CDFUE é de aplicação direta em todo o território da União Europeia, pelo que a Recorrente estaria sempre sob a alçada do art. 41.º da CDFUE, o direito a uma boa administração, o que é reforçado pelo Código de Boa Conduta Administrativa da UE7, que apesar de apenas constituir soft law, enforma o ordenamento jurídico europeu.
7. O art. 41.º da CDFUE fundamenta-se na existência da União como comunidade de direito, cujas características foram desenvolvidas pela jurisprudência que consagrou a boa administração como princípio geral de direito (ver, nomeadamente, o acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1992, processo C-255/90 P, Burban, Colect. 1992, p. I-2253, bem como os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1995, processo T-167/94, Nölle, Colect. 1995, p. II-2589, e de 9 de Julho de 1999, processo T-231/97, New Europe Consulting e outros, Colect. 1999, p. II-2403).
8. O que faz com que o direito à boa administração seja um verdadeiro direito fundamental, seja por força do artigo 41.º da CDFUE, seja por força do art. 16.º da CRP, constituindo um direito fundamental “fora do catálogo” de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, uma vez que o seu conteúdo é em todo idêntico ao do art. 268.º da CRP, sob a epígrafe “Direitos dos Administrados”, considerado como direito fundamental análogo – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26.10.20238.
9. Como notam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em comentário ao artigo 16.º, n.º 1 da CRP, “a cláusula aberta acolhe direitos fundamentais de qualquer natureza (direitos, liberdades e garantias; direitos económicos, sociais e culturais), não havendo nenhuma razão para reservá-la para os direitos equiparados aos direitos liberdades e garantias. Isto quer dizer que podem buscar-se tais direitos tanto no PICP como no PIDESC, tanto na CEDH como na Carta Social Europeia”9.
10.A receção dos direitos fundamentais constantes da carta, decorrem da respetiva cláusula aberta do artigo 16.º, n.º 1 da CRP, mas mesmo que assim não fosse, sempre restaria a invocação do Tribunal de Justiça da União Europeia, sobretudo quando este refere que: “(...) importa sublinhar, em qualquer caso, que os efeitos decorrentes do princípio do primado do direito da União se impõem a todos os órgãos de um Estado-Membro, sem que, nomeadamente, as disposições internas relativas à repartição das competências jurisdicionais, incluindo de ordem constitucional, se possam opor-lhes. Com efeito, segundo jurisprudência assente, não se pode admitir que a unidade e a eficácia do direito da União sejam postas em causa por regras de direito nacional, ainda que de ordem constitucional”10.
11.Pelo que andou mal o digníssimo tribunal a quo na sua tese de que, apesar de reconhecer o direito de qualquer particular de ter uma decisão da Administração Pública, entender que tal não configura um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, porque, se assim fosse, a Recorrente não teria qualquer meio de defesa perante a arbitrariedade e discricionariedade de tempo que a Recorrida despende na análise do seu pedido e formação da sua decisão, o que não se coaduna com os princípios basilares do ordenamento jurídico português, nomeadamente, com o próprio princípio da dignidade da pessoa humana.
12.É este direito à boa administração que possibilita o exercício e a defesa de outros direitos fundamentais, como sejam o direito à habitação, à saúde ou à educação, todos eles constitucionalmente consagrados e que, mercê da inoperância da Entidade Administrativa em apreço, se encontram prejudicados.
13.É que, a falta de uma decisão, ou atraso na avaliação das condicionantes para uma tomada de decisão ou, ainda, o silêncio da Administração, in casu, do SEF/AIMA, afetam negativamente aqueles direitos sociais, que são direitos equiparados a direitos, liberdades e garantias, e que vinculam o estado a uma prestação positiva para o seu respeito.
14.Como lapidarmente referiu o Tribunal de Justiça da União Europeia, num caso de índole diversa, “o dever de respeitar um prazo razoável na condução dos processos administrativos constitui um princípio geral do direito da União, cuja observância é assegurada pelo juiz da União, e que esse princípio é retomado, como componente do direito a uma boa administração, pelo artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”11, considerando ainda que o “direito a uma boa administração, (…) reflete um princípio geral do direito da União”, sendo certo que “as exigências que decorrem do direito a uma boa administração, designadamente o direito que assiste a qualquer pessoa de ver os seus processos serem tratados com imparcialidade num prazo razoável”, concluindo que: “a duração da totalidade do procedimento (…) não exceda um prazo razoável”12.
15.Discorda-se, ainda, que não exista, conforme refere o digníssimo tribunal a quo, um direito dos estrangeiros a residir em Portugal e que tal não configure um direito análogo aos direitos liberdades e garantias, porquanto, de acordo com o art. 13.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem,
“1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado.
2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.”
16.De acordo com o art. 8.º, n.º 1 da CRP, este direito faz parte integrante do ordenamento jurídico português, e por força do art. 16.º e 17.º da CRP, constitui um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
17.Pelo que, com o devido respeito, seja por força da Recorrente ser titular de um direito fundamental à boa administração, por virtude do art. 16.º da CRP e 41.º da CDFUE e jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, seja porque a Recorrente é titular de um direito fundamental a residir em Portugal, cumprindo as normas aplicáveis (o que fez e se provou por prova documental), por força do art. 13.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 8.º, 16.º e 17.º da CRP, facto é que é titular de um direito que carece de tutela e, como tal, encontra-se preenchido o requisito para o decretamento de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, a existência de direito a acautelar.
18.Ademais, não obstante o grande esforço financeiro feito, o investimento executado, o estrito cumprimento de todas as regras impostas à Recorrente e seus familiares para a aprovação do seu processo, não obstante o disposto no artigo 82.º da Lei n.º 27/2007, de 4 de julho na sua redação atual, dentro de poucos dias e não obstante o prazo legal de 90 dias, terá decorrido um prazo quase SEIS VEZES superior ao legalmente estipulado para a concessão, sem que tenha sido aprovado o processo ou sequer notificados para agendamento de dados biométricos e entrega de documentação original!!!
19.não pode a Recorrente e os seus familiares, como parece ser indicação do Tribunal a quo, com a qual não se concebe concordar, ser obrigada a residir em Portugal sem qualquer título válido enquanto aguarda o desfecho do seu processo!! É absolutamente irrazoável aguardar que um cidadão se sinta plenamente confiante, confortável e bem acolhido num país sem qualquer documentação que comprove a sua situação plenamente legal!
20.É absolutamente inconcebível que, se abordados por um agente PSP na rua a solicitar o título de residência, seja referido pela Recorrente e familiares que se encontram a aguardar os mesmos, ou que se tal situação se processe numa escola, no momento da inscrição dos filhos menores da Recorrente, tal se repita.
21.Não se concebe que se entenda que não está verificada a urgência no processo referido, porquanto em face do número elevado de ações que tramitam nos tribunais em desconformidade com o quadro de Juízes, estamos perante um caso em que o prolongamento no tempo da decisão será bastante prejudicial para a Recorrente e seus familiares, não só devido ao facto de estarem, atualmente, a aguardar o desfecho do processo para que possam vir viver para Portugal, tendo em sua vida completamente “em pausa” até que tal aconteça, com os seus planos absolutamente frustrados, mas também porque para efeitos de pedidos de autorização de residência permanente em Portugal e aquisição da nacionalidade portuguesa – que são, também, o objetivo da Requerente e dos seus familiares a curto prazo – a Recorrente e os seus familiares necessitam de estar a viver legalmente em Portugal há mais de 05 anos a contar da data do pedido.
22.A Recorrente já por várias vezes foi contactada por empresas do seu ramo de atividade, para laborar em Portugal, tendo por diversas vezes sido confrontada com o facto de nenhum dos processos avançar, considerando que a mesma não possui qualquer título válido de residência que viabilizasse um processo de recrutamento e vê-se muito em breve confrontada com uma situação igualmente discriminatória com o seu filho, que em breve se tornará maior de idade, não obstante continuar a estudar, uma vez que em Portugal existe uma legislação específica para efetuar o registo dos cidadãos estrangeiros menores em situação ilegal, regulada através do DL nº 67/2004, de 25 de Março, permitindo-lhes o acesso à educação, tal como acedem os menores em situação regular no território nacional, não existindo, porém, qualquer diploma para maiores de idade, que ainda se encontram dependentes dos seus progenitores e que não conseguem aceder à educação em Portugal.
23.Todo este tempo decorrido em que o processo se encontra pendente e que, infelizmente, rapidamente poderá chegar aos 2 anos de espera (quando deveria ser decidido em 90 dias), não conta para efeitos da completude dos 5 anos acima referidos para aquisição de residência permanente e/ ou nacionalidade portuguesa, estando a Recorrente a perder tempo valioso e insubstituível no seu processo.
24.A Recorrente encontra-se a aguardar a conclusão do seu processo de autorização de residência, para que possa, finalmente, orientar a sua vida e dos seus familiares, que está absolutamente parada, para que possa ser contratada por uma empresa portuguesa e inscrever os seus filhos na universidade em Portugal, e bem assim para que inicie a contagem do prazo para aquisição de nacionalidade portuguesa.
25.A intimação será absolutamente necessária quando não puder ser dispensada, ou seja, quando, para proteger direitos fundamentais, a intensidade da necessidade de proteção imediata impeça, por não ser possível em tempo útil, o recurso a um outro meio processual (por exemplo a ação administrativa) que seria o meio adequado ou o meio próprio para resolver definitivamente a questão existente, o que é o caso presente, pois não é possível a Recorrente se conformar com uma ação administrativa comum, que levará anos até ser decidida.
26.A ofensa dos direitos fundamentais em causa, a gravidade das consequências potenciais para a Recorrente, e a circunstância de tal situação afetar muitos outros requerentes – sendo previsível que tais ofensas continuem a ocorrer – justificam a atribuição e relevância jurídica e social à apreciação do presente recurso, sendo que se a pretensão da Recorrente vier apenas a ser apreciada no âmbito da ação administrativa, ficará sem qualquer utilidade a eventual condenação das Recorridas que aí possa vir a ocorrer, fruto das constantes oportunidades profissionais que vêm sendo perdidas, bem como pelo que ficou indicado em relação à educação dos filhos.
27.Apenas o facto de o SEF/ AIMA não cumprir com os prazos legais deveria ser suficiente para a consideração da urgência na procedência deste processo. É absolutamente insustentável exigir-se a uma família que fique 2 anos (até agora, mas estima-se que a Recorrente e os seus familiares ainda vivam nesta incerteza por muito mais tempo) numa situação ilegal, a aguardar aprovação do seu processo e emissão do título de residência, quando os Tribunais bem conhecem a realidade da importância da documentação estar na disposição dos cidadãos.
28.Por último, andou mal ainda o digníssimo tribunal a quo por decidir não ser possível a substituição da petição por procedimento cautelar, porque o art. 110.º-A do CPTA prevê que quando se verifique que as circunstâncias do caso não são de molde a justificar o decretamento de uma intimação, o juiz fixa prazo em despacho liminar para o Autor substituir a petição, o que constitui um verdadeiro poder-dever – se o digníssimo tribunal a quo entendesse não estarem preenchidos os requisitos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, deveria ter convolado o procedimento em procedimento cautelar prévio à instauração de ação administrativa destinada à prática de ato devido.
29.Este mecanismo previsto no art. 110.º-A do CPTA não depende de pedido do Requerente, pelo que deveria ter sido oficiosamente cumprido pelo digníssimo tribunal a quo.
30.Pelo que se requer a V. Exas. Venerandos Desembargadores:
a. A substituição da decisão proferida pelo digníssimo tribunal a quo por decisão que intime as Recorridas a, num prazo máximo de 15 (quinze) dias, praticarem, sob a forma de despacho, o ato administrativo de agendamento da recolha de dados biométricos da Recorrente e sua família, com vista à concessão de autorização de residência para atividade de investimento, a que se seguirá a disponibilização à Recorrente do título de residência que há meses devia já estar emitido e, para o qual, não existe nenhuma razão plausível para que não tenha sido ainda emitido e remetido à Recorrente; ou
b. Subsidiariamente, se assim não se entender, a substituição da decisão proferida pelo digníssimo tribunal a quo por decisão que convole os presentes autos em procedimento cautelar e convide a Recorrente a substituir a sua petição, nos termos do art. 110.º-A do CPTA;
TUDO PARA QUE SE FAÇA A TÃO ACOSTUMADA E SÃ JUSTIÇA!
NESTES TERMOS,
Deve ser concedido provimento ao recurso do Recorrente, revogando-se a douta Sentença recorrida, requerendo-se que a douta sentença seja substituída por decisão que intime as Recorridas a, num prazo máximo de 15 (quinze) dias, praticarem, sob a forma de despacho, o ato administrativo de agendamento da recolha de dados biométricos da Recorrente e sua família, com vista à concessão de autorização de residência para atividade de investimento, a que se seguirá a disponibilização à Recorrente do título de residência que há meses devia já estar emitido e, para o qual, não existe nenhuma razão plausível para que não tenha sido ainda emitido e remetido à Recorrente.
Subsidiariamente, se assim não se entender, requer-se a substituição da douta sentença por decisão que convole os presentes autos em procedimento cautelar e convide a Recorrente a substituir a sua petição, nos termos do art. 110.º-A do CPTA.
TUDO PARA QUE SE FAÇA A TÃO ACOSTUMADA E SÃ JUSTIÇA!”
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O Ministério dos Negócios Estrangeiros apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
A. A Recorrente instaurou a presente intimação contra o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o Ministério da Administração Interna e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, peticionando que fossem as Entidades Requeridas intimadas a, num prazo máximo de 15 dias, praticarem, sob a forma de despacho, o ato administrativo de agendamento da recolha de dados biométricos da Requerente e sua família, com vista à concessão de autorização de residência para atividade de investimento, a que se seguirá a disponibilização à Requerente de título de residência.
B. Será, antes de tudo, de acompanhar o entendimento vertido na sentença recorrida, nomeadamente de que a Recorrente não beneficia do princípio da equiparação consagrado no artigo 15.º da CRP, porquanto, conforme resulta do que foi por si declarado, a mesma não reside em Portugal.
C. Nesse sentido, a Recorrente não preenche o âmbito subjetivo daquele princípio, não lhe assistindo a tutela excecionalíssima de proteção dos direitos, liberdades e garantias prevista no artigo 20.º, n.º 5 da CRP, e concretizada na lei processual entre os artigos 109.º a 111.º do CPTA. .
D. Neste particular, para além da jurisprudência invocada na sentença recorrida, veja-se também o Acórdão do TCA Sul, no âmbito do processo n.º 2134/20.4BELSB: “A recorrente não é nacional portuguesa, não reside, nem se encontra em território português, assim, nos termos do art 15º, nº 1 da CRP, não goza dos direitos e deveres do cidadão português, consequentemente, carece de legitimidade para requerer a intimação do recorrido no reconhecimento de direitos de que não é titular”.
E. Acresce reforçar que a Recorrente não alegou, como lhe incumbia, “factos concretos que permitam concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito liberdade e garantia”.
F. A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias possui natureza subsidiária em relação aos restantes meios processuais, designadamente o decretamento provisório de providências cautelares, previsto no artigo 131.º, n.º 1 do CPTA, apenas podendo ser utilizado quando se verifique que a via normal não é possível ou suficiente para assegurar o exercício do direito, liberdade ou garantia, em tempo útil, ou seja, o processo da intimação é excecional, não é considerado a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias.
G. Também a Jurisprudência se pronuncia pela subsidiariedade deste meio processual para proteção de direitos, liberdades e garantias. A título de exemplo, veja-se o Acórdão do TCAS de 16-02-2017, prolatado no âmbito do processo 1753/16.0BELSB, onde pode ler-se:
“O processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, como já se disse anteriormente, não se basta com a circunstância de a tutela do direito fundamental exigir a prática de um ato administrativo ilegalmente recusado ou omitido, pois que terá que ser preenchido, para além de outros, o pressuposto da urgência de que depende a sua utilização. Neste particular, salientamos as palavras de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha (ob. cit. p. 726): “Com efeito, importa ter presente que o normal e desejável é que os processos se desenrolem nos moldes considerados mais adequados ao cabal esclarecimento das questões, o que exige tempo, o tempo necessário à produção da prova e ao exercício do contraditório entre as partes. Não é, por isso, aconselhável abusar dos processos urgentes, em que a celeridade é necessariamente obtida através do sacrifício, em maior ou menor grau, de outros valores, que, quando ponderosas razões de urgência não o exijam, não devem ser postergados”. E como já se concluiu neste TCAS em situações em que estava também em causa a discussão do pressuposto da urgência na tomada de uma decisão de mérito, a utilização da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias só é admissível quando a emissão urgente de uma decisão de fundo do processo seja indispensável para a proteção de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível em tempo útil o recurso a um outro meio processual. Situação que os autos não permitem revelar. Assim, há que aplicar a doutrina acolhida no acórdão deste TCAS de 27.05.2010, proc. n.º 6231/10”.
H. Competia à Recorrente demonstrar e provar, porque é sobre ela que recai o ónus de prova, as razões que impunham que fosse tomada uma decisão definitiva célere, e que outro meio processual seria insuficiente para tutelar, em tempo útil, o exercício do seu direito.
I. Em face do que, não tendo alegado os concretos factos, acompanhados dos correspondentes meios de prova, de modo a justificar que os direitos fundamentais invocados carecem de uma decisão definitiva urgente, e sendo patente que a referida omissão de alegação fática impede a possibilidade de convolação da intimação em processo cautelar, não terá a Recorrente razão.
J. Com o devido respeito, afigura-se que, apenas em sede de recurso, foram concretizados os factos que, na perspetiva da Recorrente, justificariam a tramitação da presente forma de processo ou, eventualmente, a sua convolação em procedimento cautelar.
K. Por outro lado, não se pode concordar com a tese da equiparação entre direitos, liberdades e garantias e direitos sociais, sendo que apenas os direitos, liberdades e garantias e os direitos análogos são passíveis de tutela principal e urgente, através do presente meio processual, sem que tal possa significar uma total ausência de tutela jurisdicional relativamente aos demais direitos e/ou prerrogativas consagrados na Constituição.
L. A entender-se de outro modo, permitir-se-ia o acesso generalizado a este meio processual principal urgente, para toda e qualquer situação – não sendo, de todo, essa a ratio das normas que regem o processo de intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias.
M. Pelo que deverá o recurso improceder.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE.
Assim se fazendo a costumada Justiça.”
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Notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso apresentado.
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Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção Administrativa Comum da Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
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II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 1, do CPTA, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º do CPTA):
A questão objeto do presente recurso suscitada pelo Recorrente prende-se em saber se a decisão recorrida errou no seu julgamento de direito ao rejeitar liminarmente a intimação requerida, com sustento na não verificação dos pressupostos para admissibilidade da mesma.
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III. Factos (dados como provados na decisão recorrida):
a) Em 25/07/2022, a requerente submeteu, no Portal ARI, candidatura de autorização de residência para actividade de investimento [cfr. processo administrativo].
b) Em 28/07/2022, a requerente apresentou pedido de reagrupamento familiar para o seu marido e dois filhos [cfr. processo administrativo].
c) Até à presente data, não foi agendada data para recolha dos dados biométricos da requerente e dos seus familiares [cfr. processo administrativo]
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IV. Direito
Conforme se adiantou acima, no presente recurso visar-se-á apurar se a decisão recorrida errou no seu julgamento de direito ao rejeitar liminarmente a intimação requerida, com sustento na não verificação dos pressupostos para admissibilidade da mesma.
Vejamos.
No que para o efeito releva, foi a seguinte a argumentação vertida na decisão recorrida:
“(…) [c]omo consta do introito do requerimento inicial, a requerente reside na Holanda, pelo que não beneficia do princípio da equiparação consagrado no artigo 15.º, n.º1, da Constituição, o qual apenas é aplicável aos estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal, e, assim, não goza dos direitos dos cidadãos portugueses, onde se incluem os direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição.
Acresce que, e tendo presente que a necessidade de uma tutela de mérito urgente tem de ser aferida face às circunstâncias do caso concreto, a requerente não alega quaisquer factos concretos que permitam concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia, sendo que o direito dos estrangeiros a residir em Portugal não tem a natureza de um direito, liberdade e garantia.
Tendo presente o alegado pelo requerente quanto ao direito a uma boa administração, cumpre referir que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia apenas vincula os Estados-Membros quando apliquem Direito da União [artigo 51.º, n.º1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia], sendo que tal direito, ainda que, por força da cláusula geral ou de não tipicidade dos direitos fundamentais consagrada no artigo 16.º da Constituição, pudesse consubstanciar um direito fundamental “fora do catálogo”, não consubstanciaria um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, uma vez que não é directamente referenciável ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Por sua vez, o princípio da boa administração consagrado no artigo 5.º do CPA não confere aos particulares uma posição jurídica subjectiva, ou seja, um direito subjectivo com natureza análoga a um direito, liberdade e garantia, sendo que se é certo que os particulares têm direito a que os pedidos que dirigem à Administração sejam decididos num prazo razoável, não é menos certo que este direito não tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
A requerente da intimação, tendo apresentado um pedido de autorização de residência para atividade de investimento e um pedido de reagrupamento familiar, tem direito a que tais pedidos sejam decididos num prazo razoável. No entanto, este direito não tem a natureza de um direito, liberdade e garantia e, como tal, é insusceptível de fundamentar o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
Acrescente-se, ainda, que a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul citada pela requerente tem subjacente situações de facto diversas da sua, quais sejam, situações em que o requerente residia em Portugal.
Assim, atendendo a que a requerente não alega quaisquer factos concretos que permitam concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia de que seja titular, concluímos que não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, o que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição das entidades requeridas da instância.
Na resposta à questão prévia, a requerente requer, caso se entenda que não estão reunidas as condições para a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, “a convolação da forma processual urgente em decretamento urgentíssimo provisório de providência cautelar previsto no art.º 131.º CPTA”.
Ora, não só não nos encontramos na fase liminar do processo, como a norma do artigo 110.º-A, n.º1, do CPTA apenas é aplicável quando não se encontre preenchido o segundo pressuposto do recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, isto é, quando o Tribunal conclua que, apesar de estar em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, é possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar.
Nesta medida, considerando que, na situação dos autos, está em causa a falta de preenchimento do primeiro pressuposto do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, não há lugar ao convite à substituição da petição.”

Fundamentalmente, o tribunal recorrido entendeu que não resultava alegado (e, muito menos, comprovado), no requerimento inicial apresentado, qualquer urgência na proteção de direitos, liberdades e garantias e que permitam vislumbrar uma lesão iminente e irreversível dos vários direitos referidos, o mesmo se dizendo quanto à indispensabilidade de uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo útil.
Agora, em sede de recurso, a Recorrente insiste ser cidadã de nacionalidade canadiana que registou e submeteu, em 25 de julho de 2022, pedido de autorização de residência para atividade de investimento, tendo já decorrido até à data de início dos presentes autos, sem que tenha sido feito qualquer agendamento com a ora Recorrente, 381 dias, o que atenta contra o disposto no n.º 1 do artigo 82.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, preceito, segundo o qual,“o pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias
A Recorrente entende que a decisão recorrida errou na subsunção que fez, porquanto, se bem que resida na Holanda, submeteu o seu procedimento enquanto se encontrava em território português, e desloca-se a Portugal regularmente por força do princípio da livre circulação, de forma a aferir o estado do seu pedido.
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, aplicável de forma direta por força do art. 8.º da CRP, é de aplicação direta em todo o território da União Europeia, pelo que a Recorrente estaria sempre sob a alçada do art. 41.º da CDFUE, o direito a uma boa administração, o que é reforçado pelo Código de Boa Conduta Administrativa da UE7, que apesar de apenas constituir soft law, enforma o ordenamento jurídico europeu.
Depois, a Recorrente alega estar a aguardar o desfecho do processo para que possam vir viver para Portugal, tendo em sua vida completamente “em pausa” até que tal aconteça, com os seus planos absolutamente frustrados, mas também porque para efeitos de pedidos de autorização de residência permanente em Portugal e aquisição da nacionalidade portuguesa, a Recorrente e os seus familiares necessitam de estar a viver legalmente em Portugal há mais de 05 anos a contar da data do pedido.
Mais alega estar impossibilitada de laborar em Portugal, porque não possui qualquer título válido de residência que viabilizasse um processo de recrutamento e que quando o seu filho se tornar maior de idade não conseguirá aceder à educação em Portugal.
Ora:
No essencial, vemos que a Recorrente insiste, pura e simplesmente, que está em causa o direito a uma boa administração e que, tendo apresentado um pedido de autorização de residência para atividade de investimento e um pedido de reagrupamento familiar, tem direito a que tais pedidos sejam decididos num prazo razoável.
Entende que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, prevista no artigo 109.º do CPTA, é o meio processual adequado e idóneo para assegurar a defesa desses seus direitos, considerando a urgência e a indispensabilidade de uma decisão de mérito para a salvaguarda desses seus direitos fundamentais.
Tal como já sustentara no seu requerimento inicial, insiste que a inércia da Administração, no processamento do pedido de autorização de residência e título de residência, tem violado de forma grave e continuada os seus direitos, nomeadamente o direito à liberdade e livre circulação, à segurança e ao trabalho, com consequência diretas e imediatas para a sua (e de seus familiares/dependentes) vida pessoal e profissional.
O que ora vem alegado nas conclusões de recurso, pela Recorrente é, no mínimo, inócuo, para lograr o efeito pretendido nesta instância: a revogação da decisão proferida pelo tribunal a quo.
O referido “direito a uma boa administração”, referido na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, apenas vincula os Estados-Membros quando apliquem Direito da União [cfr. artigo 51.º, n.º1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia], sendo que tal direito não se mostra suscetível de consubstanciar um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, uma vez que não é diretamente referenciável ao princípio da dignidade da pessoa humana (e isto pressupondo que pudesse consubstanciar um direito fundamental “fora do catálogo”, por força da cláusula geral ou de não tipicidade dos direitos fundamentais consagrada no artigo 16.º da Constituição).
O mesmo vale para o princípio da boa administração, consagrado no artigo 5.º do CPA. Se bem que os administrados têm direito a que os pedidos que dirigem à Administração sejam decididos num prazo razoável, este direito não tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, não conferindo um direito com natureza análoga a um direito, liberdade e garantia.
Depois, em relação à reclamada equiparação, convém atentar, em primeiro lugar, que, se bem que a Recorrente resida na Holanda, é cidadã Canadiana e, como tal, não é nacional de nenhum Estado Membro da União Europeia.
Se fosse cidadão europeu, nos termos da Lei n.º 37/2006, teria direito a residir em Portugal, e o princípio da equiparação previsto no Artigo 15.º da CRP estender-se-lhe-ia, uma vez que outorga a a estes cidadãos os direitos e deveres do cidadão português, embora com as devidas adaptações previstas na lei da UE.
Mormente, para se estabelecerem em território nacional, os cidadãos da União Europeia devem solicitar um Certificado de Registo, sendo necessário que cá residam por um período superior a três meses.
A supra referida Lei n.º 37/2006, de 09.08, regula o direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União Europeia e, segundo o artº 7º e ss. da mesma, os cidadãos da UE têm o direito de residir em Portugal após três meses, desde que cumpram as condições de segurança social e de recursos económicos estabelecidas na lei.
Não é o caso, aqui.
A Recorrente não alega, sequer, residir em Portugal há mais de três meses ou ter encetado quaisquer procedimentos no sentido de beneficiar das prerrogativas previstas na sobredita Lei nº 37/2006..
Depois, afigura-se-nos descabida a referência que a Recorrente faz a um cenário hipotético de abordagem pela autoridade (“um agente PSP na rua a solicitar o título de residência”). Primeiro, porque, se bem que não seja algo comum (as pessoas serem abordadas nas ruas, pelas autoridades policiais, para exibirem se têm título de residência), no caso da Recorrente, como qualquer estrangeiro de visita ao nosso pais, estaria perfeitamente salvaguardada (segundo a mesma, desloca-se frequentemente a Portugal).
Ainda que assim não fosse, como a mesma assume, poderia exibir comprovativo de que requereu a sua autorização de residência, encontrando-se a aguardar a decisão do seu pedido.
Em relação a uma maior dificuldade na matrícula de filhos menores numa escola, uma vez mais, tendo em conta que reside na Holanda, não se vê a pertinência (por falta de circunstanciação) do alegado.
Não lhe assiste razão, pois, nestes pontos.
O mesmo vale para a alegação de que a Recorrente está apenas a aguardar o desfecho do processo para que possam vir viver para Portugal, tendo em sua vida completamente “em pausa” até que tal aconteça, com os seus planos absolutamente frustrados, mas também porque para efeitos de pedidos de autorização de residência permanente em Portugal e aquisição da nacionalidade portuguesa, a Recorrente e os seus familiares necessitam de estar a viver legalmente em Portugal há mais de 05 anos a contar da data do pedido.
Convocando a argumentação esgrimida na decisão recorrida, por referência ao quadro legal aplicável nesta matéria, dir-se-á que se nos afigura que a mesma carece de reparo, inexiste qualquer erro de julgamento de direito que a inquine.
Segundo o n.º 1 do artigo 109º do CPTA, “a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar”.
Ou seja, para que se possa recorrer a esta forma de processo torna-se necessário que se encontrem preenchidos dois requisitos: (1) em primeiro lugar, é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia; (2) por outro lado, torna-se necessário que não seja possível o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º.
A imposição deste segundo requisito, como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, (…) é da maior importância e deve ser realçada, pois, através dela, o Código assume que, ao contrário do que, à partida, se poderia pensar, o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reacção a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias. A via normal de reacção é a da propositura de uma acção não urgente (acção administrativa comum ou acção administrativa especial), associada à dedução de um pedido de decretamento de providências cautelares, destinadas a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa acção. Só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização da via normal não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação”.
Ou seja, o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias. A via normal de reação é a da propositura de uma ação não urgente (ação administrativa), associada à dedução de um pedido de decretamento de providências cautelares, destinadas a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa ação.
Sobre esta relação de subsidiariedade do processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, já se pronunciou o STA, no Acórdão proferido no proc. n.º 0884/09, de 7-10-2009, onde se sumariou que:
“I- Para ser proferida intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é necessário que se verifique uma situação em que a célere emissão da intimação seja indispensável para assegurar o respectivo exercício, "por não ser possível, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131°".
II - A tutela judicial para situações em que ocorra lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias, deve ser assegurada, preferencialmente, através da propositura de uma acção administrativa comum ou acção administrativa especial, se necessário acompanhada de pedido de decretamento de providência cautelar, destinada a assegurar a utilidade da sentença que vier a ser proferida no âmbito dessa acção.
III - Só quando se constatar que a utilização da via normal não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia pode deferir-se intimação para protecção de direitos liberdades e garantias.”
Por sua vez, chamado a decidir sobre esta mesma questão, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 198/2007, publicado no DR, II Série de 18 de Maio de 2007, decidiu:
“a) Não julgar inconstitucional, face aos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 109.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, interpretado no sentido de não permitir o uso do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias quando a colocação em risco do direito em causa supõe uma acuação da Administração contra a qual é possível reagir, em tempo útil, mediante o recurso a um meio processual comum, associado a providência cautelar;”
Do exposto verifica-se que o recurso a este meio processual apenas se justifica quando esteja em causa obter em tempo útil, e com carácter de urgência uma solução definitiva sobre o mérito da causa.
Como se referiu acima, o tribunal recorrido entendeu não ser esse o caso dos autos e que os “direitos” que se pretendem exercer por esta via poderem sê-lo por via da interposição de uma normal providência cautelar a par da correspetiva ação principal.
Entendeu que, in casu, não se mostra indispensável que tal tutela seja concedida por via de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, bastando, neste caso, o recurso à via normal de reação judicial, isto é, à interposição de uma ação administrativa, ainda que complementada com medidas cautelares que provisoriamente regulassem a situação.
Nessa sequência foi considerado inadmissível o recurso à presente espécie processual.
Portanto:
Independentemente da querela quanto à suscetibilidade de um pedido como o presente poder ser objeto de uma providência cautelar (e da debatida – eventual - consunção do objeto da ação principal com o potencial deferimento da pretensão cautelar), o que é certo é que processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias, só podendo aquele meio ser utilizado quando o mesmo se revele indispensável para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos referidos direitos.
Essa “indispensabilidade” tem de ser carreada para os autos pelo respetivo requerente.
Primeiro, tem de a alegar.
Depois, tem de a provar.
Neste caso, a Recorrente não fez nenhuma das duas.
Nem alegou a indispensabilidade do presente meio de tutela para salvaguardar direitos, liberdades e garantias seus que estejam na iminência de serem torpedeados, por alguma forma, muito menos se predispôs a produzir sobre isso qualquer prova.
Caberia à Recorrente ter densificado, em sede própria e recorrendo a um enquadramento factual apropriado, em que medida o seu circunstancialismo, em particular, era passível de ser acobertado por uma intimação para proteção de direitos liberdades e garantias. Mormente, em que medida, a delonga na decisão da sua pretensão, por parte da Entidade Recorrida, vem pondo, de forma intolerável e iminente, em causa direitos liberdades e garantias seus.
Não o fez no r.i. oportunamente apresentado, nem o faz agora, em sede de recurso.
Naquele primeiro, como se adiantou acima, não aduziu os factos que permitam ao tribunal fazer o enquadramento fáctico-jurídico concreto habilitador de tal juízo, referindo-se a meros constrangimentos, inerentes à sua condição de estrangeira, num pais onde pretende viver e à demora na conclusão do procedimento de concessão de autorização de residência.
Como já se havia referido supra, agora, em sede de recurso, conforme se vislumbra das suas conclusões, o dissenso em relação à decisão proferida é ainda mais parco. Limita-se a concluir que o tribunal a quo faz uma interpretação errada da Lei e que a presente intimação é o único instrumento legal adequado para a defesa dos seus interesses (sem prejuízo da alegação de que foi postergada a obrigação de convolação oficiosa em providência cautelar e que analisaremos infra).
Ora:
No acórdão do STA, proferido no processo nº 036/22.0BALSB, datado de 07-04-2022, disponível para consulta em www.dgsi.pt sumariou-se, justamente, o seguinte:
“I - O processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias, só podendo aquele meio ser utilizado quando o mesmo se revele indispensável para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos referidos direitos.
II - Quando o uso daquele meio processual não se revele indispensável, o artigo 110.º-A do CPTA não impõe a convolação do processo numa providência cautelar, nomeadamente se não for demonstrada a urgência da tutela requerida.”

No acórdão em causa, refere-se, citando SOFIA DAVID (in “Das intimações. Considerações sobre uma (nova) tutela de urgência no Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Coimbra, 2005, p. 124): «o requerente deverá oferecer, logo com o articulado inicial, prova sumária destes pressupostos de “indispensabilidade”, de “urgência”, de “impossibilidade” e de “insuficiência”, necessários, quer para a admissibilidade do pedido de intimação, quer, depois, para a sua procedência»
Igualmente, sobre a “indispensabilidade” a que nos referimos acima, aí se diz que, « [s]obre a indispensabilidade do meio processual utilizado os Reclamantes nada dizem de novo que ponha em causa o que se decidiu no despacho reclamado, limitando-se a reiterar «estarem a ser restringidos e violados os direitos mencionados», e que tais restrições, «todos os dias, condicionam a sua vida e as suas decisões relacionadas com as atividades sujeitas a restrição».
(…)
Nenhum desses factos comprovam a indispensabilidade do meio processual utilizado, nem tão pouco a urgência da tutela requerida, porque, repete-se «não alegam factos que demonstrem a indispensabilidade da intimação para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente daqueles direitos, como, por exemplo, uma viagem ou outro evento concreto, com data marcada, que não possam realizar ou em que não possam participar por não se encontrarem vacinados, se não forem, entretanto, ordenadas as providências requeridas».
(…)”

Conforme se refere no acórdão acima referido e parcialmente transcrito, esta indispensabilidade será aferível pela iminência, a imediata perceção de uma violação que está a ocorrer ou em vias de ocorrer.
Aqui chegados, temos, invariavelmente de concluir o seguinte:
A extrema urgência inerente ao presente meio processual impõe que devamos fazer uma triagem estrita daquilo que é verdadeiramente urgente e indispensável para salvaguarda de direitos, liberdades e garantias ou outros direitos e garantias de natureza análoga.
Isto sob pena de vulgarizarmos a urgência e passarmos a ter, na presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, uma espécie processual ineficiente e votada ao fracasso na proteção das verdadeiras urgências e atropelos aos verdeiros direitos, liberdades e garantias.
Para terminar, conforme se adiantou acima, a Recorrente alega terem sido violados vários direitos constitucionais (ou de natureza afim) seus, mas não reside em Portugal, mas sim na Holanda, não beneficiando, por isso, do princípio da equiparação, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual “[o]s estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.”
Neste caso, será inconsequente a sua argumentação de que se encontrava em Portugal à data da submissão do procedimento e que, por várias vezes ao longo do mesmo, esteve em Portugal, porquanto não será a sua presença esporádica em Portugal que justifica a aplicação do princípio da equiparação, mas apenas a sua qualidade de residente no nosso pais.
O mesmo vale, por falta de sustento legal, para a alegação de que o princípio da equiparação se aplicará a residentes ilegais e que por isso lhe deveria ser aplicado a ela também. A atribuição de proteção e direitos a residentes ilegais ou irregulares poderá ter lugar em casos específicos, como o acolhimento de refugiados que têm direito a autorização de residência com acesso a direitos básicos, mas não corresponde à verdade que a permanência irregular permita, por alguma forma, a um estrangeiro, beneficiar do princípio da equiparação.
Mais a mais, a falta de decisão do pedido não legitima, por si só, o recurso à IDLG, porquanto, conforme se referiu acima, a natureza das IDLG é subsidiária em relação aos demais meios de reação, cabendo ao requerente a alegação e densificação da ratio que impreterivelmente a justifica.
Quanto à alegação da Recorrente de que foi postergada a obrigação de convolação oficiosa em providência cautelar, nos termos e para os efeitos previstos no artº 110-A do CPTA, secundar-se-á o juízo formulado na decisão recorrida, quando concluiu que foi o incumprimento do especial ónus de alegação e prova que determinou o indeferimento liminar. Em síntese, entendeu o tribunal que não foram alegados factos que permitam concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito fundamental.
Ora:
Dispõe o nº 1 do artigo 110º-A, do CPTA, que “[q]uando verifique que as circunstâncias do caso não são de molde a justificar o decretamento de uma intimação, por se bastarem com a adoção de uma providência cautelar, o juiz, no despacho liminar, fixa prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar, seguindo-se, se a petição for substituída, os termos do processo cautelar.”.
Do preceito acima resulta que o juiz pode concluir que não se verifica a indispensabilidade de uma decisão de mérito célere para assegurar o exercício do direito fundamental (direito, liberdade e garantia), em tempo útil, mas, ainda assim, vem alegada e demonstrada urgência que justifica que dirija convite ao requerente para, no prazo que fixar no despacho liminar, alterar a petição apresentada para requerimento cautelar.
Com efeito, a tutela cautelar, ainda que provisória, é urgente, pelo que só se forem alegados na petição da intimação factos indiciadores de urgência e de potencial violação de um direito, liberdade e garantia, será adequada a convolação daquela em providência cautelar.
Donde, da referida norma não se pode extrair um dever para o juiz em promover a referida convolação e em ouvir previamente as partes sobre a mesma, como defende a Recorrente.
Neste sentido já se pronunciou o STA no acórdão datado de 7.4.2023, proferido no proc. Nº 036/22.0BALSB, disponível para consulta em www.dgsi.pt e no qual se escreveu que: (…) não resulta uma obrigação de convolação do processo de intimação numa providência cautelar, mas apenas uma possibilidade de o fazer, quando o Tribunal entenda que a tutela requerida se basta com a adoção da mesma providência.», a qual não opera quando os requerentes «… não alegam factos que demonstrem a indispensabilidade, nem tão pouco a urgência da intimação – e por maioria de razão de uma providência cautelar - para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos seus direitos, liberdades e garantias.».
Ou seja, a solução no sentido da convolação do processo de intimação numa providência cautelar apenas será de adotar quando o requerente alega factos que demonstrem a indispensabilidade e/ou a urgência da intimação/ providência cautelar para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos seus direitos, liberdades e garantias.
Como se referiu acima, neste caso, a juiz a quo concluiu que foi o incumprimento do especial ónus de alegação e prova que determinou o indeferimento liminar.
E essa falta de alegação é transversal a qualquer das espécies processuais, intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias ou providência cautelar.
Também aqui claudica, pois, a pretensão recursiva da Recorrente.
Cumpre, pois, negar provimento ao recurso interposto e confirmar a decisão recorrida, no sentido de julgar não admissível a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
*
Concluindo (sumário elaborado nos termos e para os efeitos previstos no artº 663º, nº 7 do CPC):
I. Para que a Recorrente pudesse lançar mão de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias era necessário que do requerimento inicial apresentado se pudesse vislumbrar que o adiamento deste processo de espera que vem tendo lugar desde que apresentou requerimento junto da Recorrida, estivesse a por em causa, de forma irremediável, intolerável e iminente algum seu direito, liberdade ou garantia (ou direito análogo).
II. A extrema urgência inerente ao presente meio processual impõe que devamos fazer uma triagem estrita daquilo que é verdadeiramente urgente e indispensável para salvaguarda de direitos, liberdades e garantias ou outros direitos e garantias de natureza análoga.
III. Isto sob pena de vulgarizarmos a urgência e passarmos a ter, na presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, uma espécie processual ineficiente e votada ao fracasso na proteção das verdadeiras urgências e atropelos aos verdadeiros direitos, liberdades e garantias.
IV. Essa “indispensabilidade” tem de ser carreada para os autos pelo respetivo requerente, alegando-a e concretizando-a factualmente, mais se predispondo a prova-la.
V. A falta de decisão do pedido não legitima, por si só, o recurso à IDLG, porquanto, a natureza das IDLG é subsidiária em relação aos demais meios de reação, cabendo ao requerente a alegação e densificação da ratio que impreterivelmente a justifica.
VI. Do disposto no nº 1 do artigo 110º-A, do CPTA, resulta que o juiz pode concluir que não se verifica a indispensabilidade de uma decisão de mérito célere para assegurar o exercício do direito fundamental, em tempo útil, mas, ainda assim, vem alegada e demonstrada urgência que justifica que dirija convite ao requerente para, no prazo que fixar no despacho liminar, alterar a petição apresentada para requerimento cautelar.
VII. A tutela cautelar, ainda que provisória, é urgente, pelo que só se forem alegados na petição da intimação factos indiciadores de urgência será adequada a convolação daquela em providência cautelar.
*
IV – Decisão:
Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas.
***
Lisboa, 08 de outubro de 2025

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Ricardo Ferreira Leite


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Lina Costa


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Joana Costa e Nora