Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1834/18.5BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 06/26/2025 |
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Relator: | ANA CRISTINA CARVALHO |
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Descritores: | ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL RECURSO HIERÁRQUICO FACULTATIVO PRAZO SUSPENSÃO ACTO DE INDEFERIMENTO NOTIFICAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO ERRADA INDICAÇÃO DOS MEIOS E PRAZO DE DEFESA PRINCÍPIO DA CONFIANÇA |
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Sumário: | I - A apresentação de recurso hierárquico facultativo, contra o acto impugnado, determina, nos termos do artigo 59.º, n.º 4, do CPTA, a suspensão do prazo do exercício do direito de acção, até ser proferida decisão sobre o recurso ou até que decorra o prazo legal fixado para a decisão, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar; II - O contribuinte não pode ser prejudicado pela errada indicação do prazo para impugnação por tal informação ter sido prestada pela Administração, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem poder depositar naquelas como corolário da boa-fé, que deve ser tutelada, impondo-se, nesse caso admitir a petição inicial como tempestiva. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – Relatório DELEGAÇÃO PORTUGUESA DO INSTITUTO MISSIONÁRIO DA CONSOLATA, veio apresentar ação administrativa contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, tendo por objecto o despacho de indeferimento do recurso hierárquico por si apresentado da decisão de revogação da isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), do ano de 2016. Inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção e absolveu o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS da presente instância, veio a Autora recorrer para este Tribunal Central Administrativo terminando as suas alegações de recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: «A. Está em causa nos presentes autos o Despacho Saneador Sentença que julgou procedente a exceção dilatória, invocada pela AT em sede de Contestação, da caducidade do direito de interposição da presente acção, com a consequente absolvição desta da instância. B. Fundamentou o Tribunal a quo a decisão com o disposto no artigo 59.º, n.º 4, do CPTA, ou seja com a apresentação do recurso hierárquico ficou suspenso o prazo de 3 meses de que a Autora [Recorrente] dispunha para apresentar a ação. C. Considerando que “(…) atento o disposto na última parte do n.º 4 do artigo 59.º do CPTA, importa aferir o que sucedeu em primeiro lugar: o decurso do prazo legal de decisão do recurso hierárquico ou a sua decisão expressa” e prossegue “Tendo a Autora apresentado o recurso hierárquico em 23/01/2018, em 24/03/2018 formou-se a presunção de indeferimento tácito e, considerando que a decisão expressa ocorreu em [23] julho de 2018, posteriormente àquela presunção, esta ocorreu em primeiro lugar. D. Concluiu “que a causa de suspensão do prazo de apresentação da presente ação, de 3 meses, cessou em 25/03/2018. Assim, tendo o prazo de apresentação da ação retomado o seu curso nessa data e, tendo a presente ação sido apresentada em 18/10/2018, estava manifestamente excedido o prazo legal de 3 meses e, por isso, caducado o direito de intentar a ação”. E. Não pode, salvo melhor, o entendimento vertido na decisão permanecer na ordem Jurídica. Pois, F. Em 18 de julho de 2018, foi proferido pelo Senhor Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa Despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico, que foi notificado à ora Recorrente por intermédio do ofício da Direção de Finanças de Lisboa n.º 20185000161614, de 19 de julho de 2018, onde consta expressamente que pode interpor recurso no prazo de três meses nos termos do art. 58.º do CPA. G. Considerando o teor daquela notificação conforme com a Lei – por emanada da AT (Estado) – em 18 de outubro de 2018, ou seja, dentro dos três meses seguintes à notificação da decisão expressa de indeferimento do recurso hierárquico, a Recorrente apresentou ação administrativa de impugnação junto do Tribunal Tributário de Lisboa (cf. alínea D) dos factos provados). H. Porém, como referido, na contestação apresentada, a AT invoca a caducidade em postura de venire contra factum proprium, pelo que a Mª Juiz ab initio considerou necessário, por relevante para a decisão daquela exceção, atento o prazo fixado no n.º 3 do artigo 66.º do CPPT “Os recursos hierárquicos devem,… subir no prazo de 15 dias,…” apurar a data em que ocorreu a subida do Recurso Hierárquico em crise. I. Nesse sentido, foi proferido Despacho nos autos com o seguinte teor: “Notifique o Réu para informar da data em que o processo foi remetido ao órgão competente para a decisão do recurso hierárquico (artº 198º nº 1 do CPA), para apreciação da excepção.” – cf. fls. 112 dos autos J. Perante o incumprimento do referido Despacho, para aquilatar da procedência da exceção da caducidade, invocada pela AT na Contestação, em novo Despacho (a fls. 115) de 16 NOV 2020, consignou a Mª Juiz: “Notifique o Réu para juntar o PAT que deverá conter, designadamente, todos os ofícios e notificações.” K. Veio, então, a AT juntar o PAT, em 7 janeiro de 2021, que consta a fls. 117 e sgs. dos autos. L. Perscrutando o referido PAT, a fls. 125 dos autos (1/52) encontramos a tramitação do Recurso Hierárquico de que extraímos o seguinte: - Data de Entrada: 23/01/2018; - Data de Autuação do Recurso Hierárquico:12/03/2018, fls. 1/52; - A fls. 49 e 50 consta a informação do funcionário (H…) datada de 13 MAR 2018, propondo a remessa do RH à DF de Lisboa para ulterior tramitação, fls. 50. - Constata-se que, após aquela notificação, temos um hiato relativamente à fl. 51 que aí não consta. - E, após fls. 50, surge numerada, no canto superior direito, fls. “52/52”, Despacho a determinar a subida do RH à DF de Lisboa contendo a singela sigla: “DS” – sem que exista, anteriormente, qualquer data e – como referido – está em falta a fl. 51. - A que acresce a informação do funcionário que “na mesma data recebi e remeti o presente recurso à DF de Lisboa”. M. Ou seja, a AT não deu cumprimento ao Despacho da Mª Juiz que lhe determinara para indicar a data de subida do Recurso Hierárquico, e N. do PAT junto aos autos não se apura a que data se reporta a remissão “DS”. O. Porém, a M.ª Juiz (ora titular dos autos após 20 de janeiro de 2021), assumiu (implicitamente) posição diversa: - mas, a ser assim, de tal devia notificar as partes para, no exercício do contraditório, se pronunciarem sobre a – nova – posição do Tribunal quanto à apreciação da caducidade invocada pela AT na contestação. P. Para além de ter preterido o principio do contraditório, na decisão recorrida, a Mª juiz não considerou o facto de um serviço da Administração Direta do Estado – a AT – ter notificado a Autora – aqui Recorrente – que o indeferimento expresso do recurso hierárquico era suscetível de ser impugnado por meio de ação administrativa a apresentar nos três meses subsequentes à respetiva notificação, nos termos previstos nos artigos 50.º e 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA (cf. alínea d) dos factos provados). Q. Mais, notificando a AT a, ora, Recorrente para exercer o Direito de Audição, em 18/06/2018, que esta exerceu no dia 3/07/2018, tinha, por isso, expectativa – legitima – de ver ponderado e alterado o sentido da decisão projetada, atentos os sólidos argumentos jurídicos ai aduzidos, pelo que foi com estupefacção que constatou que a AT se cingiu à lapidar expressão “A recorrente não acrescenta nada de relevante que possa influir na decisão”. R. Ora, como invocado no artigo 24.º da Réplica apresentada, em 27/06/2019, pela Autora, ora recorrente, a ação podia ser interposta no prazo de três meses, sem conceder, ainda que cometido erro, a contar da sua cessação, accionando o contraditório: “Dispõe ainda, o artigo 58.º do CPTA: 1 – Salvo disposição legal em contrário, a impugnação de … atos anuláveis tem lugar no prazo: (…) b) Três meses, nos restantes casos. 2 – (…) 3 – A impugnação é admitida, para além do prazo previsto na alínea b) do n.º 1: a) – (…) b) – No prazo de três meses, contado da data da cessação do erro, quando se demonstre, com respeito pelo contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, em virtude de a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro;” S. Estão abrangidas na previsão do artigo 58.º, n.º 3, alínea b) do CPTA, situações como a dos presentes autos em que a Administração convence o Administrado de que, na sequência da audiência prévia, será praticado um novo acto, já com ponderação dos argumentos entretanto aduzidos pela interessada, ora Autora, dissuadindo-a, na prática, de incorrer em despesas com processos judiciais quando a situação será espontaneamente corrigida a curto prazo em sede Administrativa. T. Tudo o supra exposto foi desconsiderado no Despacho Saneador Sentença onde se invocou para fundamentar a decisão – unicamente - o hiato de 60 dias em que ocorreu a Suspensão do prazo para interposição da ação. U. Ora, o Estado (vg. a AT) tem-se como pessoa de bem e não se pode permitir que induza em erro os contribuintes! V. Tomando partido pela posição, da AT, de verificação da caducidade do direito de interposição da ação em (“venire contra factum proprium”), o Tribunal a quo posterga princípios basilares da relação entre a Administração Tributária e a Autora: os facta confiança e da boa-fé. W. Na verdade, despacho saneador em crise desvirtua cânones fundamentais do contencioso tributário, mormente o princípio da decisão e a natureza garantística da presunção de indeferimento tácito que é unanimemente reconhecida pelos tribunais administrativos e fiscais e pela doutrina, o que, a final, redunda na derrogação da garantia constitucional de tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos. X. A omissão de considerar que, no caso concreto, a Autora atuou de boa-fé e pautado pela confiança que depositou na atuação do ente público, o Tribunal a quo remeteu para o domínio da irrelevância princípios fundamentais na relação entre Administração Pública e os administrados. Y. Desde logo o princípio da boa-fé, previsto no artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável às relações jurídico-tributárias por via da remissão operada pelo artigo 2.º, alínea d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), nos seguintes termos: “1 - No exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé. 2 - No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do Direito relevantes em face das situações consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa e o objetivo a alcançar com a atuação empreendida” (sublinhado nosso) Z. Socorrendo-nos do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.º 00101/2002.TFPRT.21, de 10 de março de 2016, com vastas referências doutrinais, “Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 1ª ed. pp. 214/216), referem o seguinte: ″«O princípio da boa-fé está consagrado no art. 266°, 2 CRP e no art. 6°-A CPA, que alargou o seu âmbito subjetivo de aplicação, de modo a vincular não apenas a administração mas também os particulares que com ela se relacionem (…) o princípio da primazia da materialidade subjacente e o princípio da tutela da confiança (…) Já o princípio da tutela da confiança «visa salvaguardar os sujeitos jurídicos contra atuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem. É a isto que o artigo 6.º-A, n.º 2, alínea a) do CPA se refere quando afirma que se deve ponderar «a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa». (…) ″ In casu, este princípio da tutela da confiança assume especial relevância, dado que visa, precisamente e como se disse, salvaguardar os sujeitos jurídicos contra atuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem. E, por outro lado, atualmente, deve entender-se que princípios como o da justiça - e da boa-fé - são aplicáveis mesmo no exercício de poderes vinculados, sobrepondo-se a outros deveres legais (cfr., por todos, o Acórdão do STA, de 25/06/2008, recurso n.º 0291/08)” (sublinhado da Recorrente). AA. Ora, não obstante o n.º 5 do artigo 66.º do CPPT estabelecer um prazo máximo de sessenta dias para a decisão do recurso hierárquico, desde logo o n.º 3 prevê subida do RH em 15 dias e que tal não sucedeu, resulta demonstrado à saciedade, porquanto deu entrada em 23/01/2018 e a subida não ocorreu em data anterior a 13/03/2018. BB. Mais, a própria AT comunicou à Recorrente que uma decisão expressa seria tomada depois daquele prazo. CC. O que efetivamente veio a suceder, uma vez que o despacho de indeferimento tem data de 19 de julho de 2018, ou seja, foi proferido cerca de meio ano depois da apresentação do recurso hierárquico (cf. alíneas B) e C) dos factos provados). DD. Porém, a conduta da AT havia criado na Recorrente a convicção legítima e fundada que aquela se pronunciaria expressamente sobre o recurso hierárquico, embora fora do prazo legalmente estipulado, EE. Dando, aliás, cumprimento ao princípio da decisão (cf. artigo 56.º da LGT e artigo 13.º do CPA). FF.A Recorrente podia, pois, legitimamente confiar na pronúncia expressa da AT sobre a sua pretensão, tanto que esta comunicou à primeira uma proposta de decisão para efeitos do exercício do direito de audição (cf. artigo 60.º da LGT). GG. Sendo legítimo – aliás, não se exigiria outra coisa de um contribuinte médio segundo o padrão do ”bonus patriae familiae" colocado na posição da Recorrente – que aguardasse pela notificação da decisão final para avançar para a via judicial mediante a apresentação de ação administrativa no prazo de três meses. HH. No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0122/12, de 12 de abril de 2012, ficou consignado que “a errónea indicação do prazo para reagir judicialmente deve ser valorada quando se verifica que, independentemente do meio processual utilizado, a petição foi oferecida dentro do prazo assinalado”. II. Mais: “Na verdade, e como é de elementar justiça, o contribuinte Autor não pode ser prejudicado por uma errada indicação do prazo para impugnação contenciosa, quando esse erro é da inteira responsabilidade da Administração, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, já que se trata de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas. Essa informação foi determinante da atuação do ora Recorrido que, dentro da convicção em que atuou, apresentou a petição no prazo que oficialmente lhe foi fornecido, não lhe sendo exigível comportamento diferente do que teve. E desse quadro ressalta, com evidência, que agiu em estado ou situação de boa fé, juridicamente relevante, afrontando diretamente essa boa fé o comportamento da Administração ao querer, in casu, prevalecer-se da situação para a qual, culposamente contribuiu através de informação errada, violando, simultaneamente, o princípio geral de direito de que ninguém deve ser prejudicado por falta ou irregularidade que lhe não sejam imputáveis” (sublinhado da Recorrente). JJ. É ainda o caso previsto no artigo 58.°, n.º 4, alínea a), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que admite que a impugnação contenciosa de atos anuláveis (…) seja feita posteriormente caso se demonstre que a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente ″por a conduta da Administração o ter induzido em erro″. KK. Disposições legais que mais não são que uma afloração do princípio geral de direito da boa fé – ninguém pode ser penalizado em consequência da falta ou irregularidade que lhe não é imputável – instituídas por exigências evidentes de justiça e que, por isso, devem ser consideradas de aplicação generalizada, não só por imperativo constitucional decorrente do princípio da justiça que decorre da ideia de Estado de Direito democrático consignada no artigo 2.º da Constituição, mas também por serem postuladas pelo próprio princípio do acesso aos tribunais e à justiça (arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição), que não pode deixar de exigir para sua concretização a concessão de uma possibilidade efetiva e não apenas teórica de utilização dos meios contenciosos de defesa de direitos e interesses legalmente protegidos” (sublinhado da Requerente). LL.A atual alínea b), do n.º 3 (anterior alínea a) do n.º 4), do artigo 58.º do CPTA, segundo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa “não se trata de uma novidade (…) Com efeito, desde há muito que se vinha adotando o entendimento de que no caso de os interessados serem induzidos em erro por atos de entidades públicas competentes, quanto aos prazos para a prática de atos, deve ser admitida a prática do ato dentro do prazo que erradamente foi indicado, regra que tem afloramentos explícitos, para os tribunais, no art. 161.º, n.º 6, e no art. 198.º, n.º 3, do CPC e para os atos da administração, no art. 7.º do CPA e no art. 60.º, n.º 4, do CPTA”23 (sublinhado da Recorrente) 23 Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª ed., Áreas, 2011, p. 282, e a jurisprudência aí citada nas notas de rodapé 487, 488 e 489. MM. Esta norma tutela os princípios constitucionais da proteção da confiança e da boa-fé e dá expressão prática, no plano processual, ao disposto nos artigos 8.º e 10.º do CPA. NN. Acresce que, a fls. 5 do Douto Despacho Saneador, em B) consta que “Em 23/01/2018, a Autora interpôs recurso hierárquico da decisão mencionada na alínea que antecede – cf. documento a fls. 126 dos autos.” OO. A tal facto deve, em nosso entender, por ser da maior relevância para a qualificação do factos, serem acrescidos os Factos constantes dos artigos 11.º e 12.º da P.I., não contestados e documentados no PA, sob as alíneas “B1” e “B2”, com a seguinte redacção: “B1) Em 18/06/2018, e nos termos do disposto no artigo 60.º da LGT, foi notificada para se pronunciar em sede de Direito de Audição do projecto de indeferimento do referido Recurso Hierárquico. - facto não controvertido. B2) Em 03/07/2018 foi rececionado, na Direção de Finanças de Lisboa, o Direito de Audição prévia ao mencionado projeto contestando o sentido da decisão proposta - facto não controvertido.” Uma vez que, consta em D) do probatório (decorridos meros 15 dias da apresentação do referido Direito de Audição por ofício datado de 19/07/2018) foi a Autora notificada da decisão final de indeferimento do Recurso Hierárquico em crise. PP. Existe manifesta contradição entre os documentos existentes nos autos e o que se afirma no Saneador Sentença sobre o momento de subida do Recurso Hierárquico e intempestividade deste recurso”. QQ. Ora, tendo o Tribunal a quo entendimento diverso, de tal devia a Mª Juiz notificar as partes para, no exercício do contraditório, se pronunciarem. RR. O princípio do contraditório, ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais, proíbe a prolação de decisões surpresa, mesmo que de conhecimento oficioso, e garante a participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. SS. Violando o princípio do contraditório, o Tribunal a quo proferiu decisão surpresa, que é ilegal, e cometeu uma nulidade, pois omitiu a prática de um ato a que lei obriga, com influência decisiva no sentido da decisão da causa. Tanto mais que, TT.O princípio do contraditório não se basta com a garantia de que as partes tenham a possibilidade de intervir no processo, tendo conhecimento e possibilidade de pronúncia quanto aos pedidos que deduzem ou contra si são deduzidos; implica ainda que as partes possam pronunciar-se quanto a questões determinantes para a decisão a proferir e que, constituindo novidade no processo, não tenham sido objecto de pronúncia no decurso do normal contraditório previsto na tramitação processual. UU. O princípio do contraditório assume-se como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 12841/19.08T8LSB.L2-6 (ANA DE AZEREDO COELHO). VV. Foi, assim, violado o princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º da Constituição, por ser inadmissível que um procedimento seja decidido ao arrepio do mais elementar direito à igualdade de armas, já de si comprometido, atenta a dimensão e desproporção dos intervenientes na lide: Autoridade Tributária/Estado Vs. Entidade privada de índole religiosa; WW. A violação do princípio da tutela judicial efetiva é manifestamente injusta, pois tem como consequência a denegação do direito de interposição de acção judicial. XX. Violou o Tribunal garantias constitucionais da Autora, ora recorrente, alheando-se da condução e tramitação dos autos em consonância com os procedimentos legalmente previstos. YY. Mais, o Tribunal a quo não só violou o n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, como incorreu na prática de uma nulidade, nos termos do disposto no artigo 195.º do Código de Processo Civil e inconstitucionalidade por violação do artigo 20.º da CRP. ZZ.O entendimento do Tribunal a quo aniquila princípios basilares da relação entre a Administração Tributária e os contribuintes, em particular, os da confiança e da boa-fé. AAA. Numa ótica processual, desvirtua cânones fundamentais do contencioso tributário, mormente o princípio da decisão e a natureza garantística da presunção de indeferimento tácito que é unanimemente reconhecida pelos tribunais administrativos e fiscais e pela doutrina, o que, a final, redunda na derrogação da garantia constitucional de tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos. BBB. Não estavam reunidas as condições, desde logo, em virtude da documentação carreada para os autos e identificada no ponto d) dosfactos provados, para que se entendesse que a procedência da exceção dilatória de caducidade do direito de ação era clara e, por isso, não devesse haver lugar à audiência prévia – obrigatória – nos termos previstos no artigo 87.º-B, n.º 1, do CPTA. CCC. Foi justamente por ter perspetivado – incorretamente – que essa audiência prévia não deveria ter lugar, porque uma exceção dilatória deveria proceder e pôr termo imediato à lide, que o Tribunal a quo proferiu a decisão, ora recorrida, ela própria ilegal. DDD. Portanto, foi omitida uma formalidade obrigatória que influenciou a decisão da causa, o que consubstancia uma nulidade processual, aqui arguida para todos os efeitos legais (cf. artigo 195.º, n.º 1, do CPC, aplicável por remissão do artigo 1.º do CPTA). EEE. Reitera-se, confiança ainda mais justificada quando, ao proceder à notificação da decisão final no procedimento de recurso hierárquico, a AT transmitiu à Recorrente que esta poderia “interpor impugnação de atos administrativos no prazo de três meses” e que a contagem deste prazo de três meses tinha início no dia útil seguinte àquele em que a notificação se considerava efetuada, nos termos do artigo 39.º, n.º 1, do CPPT (cf. alínea d) dos factos provados). FFF. Ora, a Recorrente apresentou a ação administrativa dentro dos três meses subsequentes à notificação do indeferimento do recurso hierárquico, nos precisos termos que lhe foram comunicados pela AT (cf. alíneas d) e e) dos factos provados), de onde decorre que o terceiro pressuposto (i.e., a efetivação de um investimento de confiança) e o quarto (i.e., nexo de causalidade) pressuposto da tutela da confiança estavam reunidos no caso concreto. GGG. Quando todos estes pressupostos de tutela da confiança estão reunidos, “A violação pela administração tributária dos deveres procedimentais de colaboração e de atuação segundo as regras da boa-fé, pode consistir em vício autónomo de violação de lei” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0753/11, de 21 de setembro de 2011, citado na decisão arbitral de 17 de setembro de 2018 no processo n.º 14/2018-T). HHH. Defender o contrário do que acabou de se referir significa, sem mais, desrespeitar a confiança e a boa-fé, ambos princípios modeladores da relação entre o Estado e os particulares, bem como o princípio da justiça e, derradeiramente, a garantia de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, que se converte em simples retórica e num direito sem possibilidade de exercício efetivo pelos particulares (cf. artigos 20.º, n.º 1, 266.º, n.º 2, e 268.º, n.º 4, da CRP). III. Em face do exposto, tendo em conta que a AT criou na Recorrente não só a confiança legítima e fundada de que o recurso hierárquico seria objeto de uma decisão expressa, como também que esta decisão era suscetível de ser impugnada contenciosamente nos três meses subsequentes à sua notificação, prazo que foi observado, não podia o Tribunal a quo ter considerado verificada a exceção de caducidade do direito de ação. JJJ. Conforme decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul no recente Acórdão n.º 706/18.8BELLE, de 15 de abril de 2021, “não é pelo facto de se poder presumir o indeferimento tácito que a AT deixa de estar onerada com o dever legal de decidir (…) ″Ora, a impugnação contenciosa do ato de indeferimento tácito é uma mera faculdade e não uma obrigação preclusiva da impugnação da decisão a proferir pela Administração (cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de Janeiro de 2011, proferido em sede do recurso n.º 03889/10, disponível em www.dgsi.pt).″ Nem interessa saber se decisão do recurso hierárquico pode ou não ser impugnada, já que, por um lado, pode a Recorrida ter apenas interesse na decisão graciosa, inexistindo dever de impugnar judicialmente, e, por outro, não cabe aqui averiguar da impugnabilidade de uma decisão que ainda não foi, sequer, proferida” (sublinhado da Recorrente). KKK. No Acórdão n.º 0411/15, de 31 de março de 2016, o Supremo Tribunal Administrativo observa que, “como ensina a melhor doutrina, a presunção de indeferimento tácito, enquanto subsistir no contencioso tributário – artigo 57.º, n.º 5 da LGT –, constitui uma mera faculdade de acesso à via contenciosa, sem que do seu não uso advenham consequências negativas para o interessado (cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS/ BENJAMIM SILVA RODRIGUES/ JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4.ª edição, 2012, p. 483 – nota 9 ao art. 57.º da LGT)” (sublinhado da Recorrente) (cf. ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.º 038170, de 21 de novembro de 1996, n.º 0547/02, de 26 de novembro de 2003, n.º 01074/08, de 11 de março de 2009, n.º 0122/13, de 30 de abril de 2013, e n.º 0719/14, de 3 de setembro de 2014). LLL. Ao declarar a caducidade do direito de ação por a Recorrente não ter apresentado a ação administrativa no seguimento do decurso do prazo para decisão do recurso hierárquico, o Tribunal de primeira instância relegou o princípio da decisão para o domínio da irrelevância e, ao mesmo tempo, converteu uma faculdade concedida pelo legislador tributário ao contribuinte num ónus, isso sem qualquer disposição de direito processual ou procedimental tributário que o autorize. MMM. Pois, apesar de a lei tributária autorizar o contribuinte a recorrer à via judicial imediatamente a partir do momento em que se forma a presunção de indeferimento tácito, trata-se de uma faculdade ao seu dispor e não de um ónus que, a ser incumprido, preclude o direito de acesso aos tribunais após a notificação da decisão (cf. artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT). NNN. A remissão para a ação administrativa operada pelo artigo 97.º, n.ºs 1, alínea p), e 2, do CPPT não tem a virtualidade de permitir extrair tais conclusões. OOO. Nem se compreenderia, aliás, que a solução fosse diversa pelo simples facto de o CPPT fazer referência à ação administrativa, porque, antes de mais, se está aqui no contexto de uma relação jurídica tributária enformada, em primeira linha, pelas regras fundamentais contidas neste diploma e na LGT. PPP. O que, por um lado, nos remete para o entendimento – pacífico – que o decurso do prazo legal para decisão no procedimento tributário não extingue o dever legal de decisão que impende sobre a Administração Tributária, e, por outro lado, para a orientação igualmente consensual segundo a qual “não tendo o indeferimento tácito fundamentação (por ser ficção de ato), a decisão expressa fundamentada implica sempre revogação por substituição do anterior indeferimento tácito (…) Por isso, a prolação de ato expresso de indeferimento implica a revogação do ficcionado indeferimento tácito, sendo a posição assumida naquele ato que fica a prevalecer na ordem jurídica (…) Por outro lado, não subsistindo já na ordem jurídica os indeferimentos tácitos impugnados que são o objeto do processo, há que concluir pela impossibilidade da lide, o que justifica a extinção da instância” (cf. decisão arbitral proferida em 4 de setembro de 2020 no processo n.º 809/2019-T). QQQ. Daí que a ausência no ordenamento jurídico tributário de uma norma semelhante à que resulta do artigo 190.º, n.º 3, do CPA e do artigo 59.º, n.º 4, do CPTA não possa ser vista como uma lacuna que tenha de ser preenchida com recurso ao direito administrativo, porque o ordenamento jurídico tributário preconiza uma solução diversa daquela que resulta do direito administrativo para as situações em que o particular utiliza um meio gracioso de reação com caráter facultativo (e.g. recurso hierárquico) e a Administração Tributária permanece em silêncio durante o prazo de que dispõe para decidir. RRR. Ademais, existindo pronúncia expressa da AT sobre o recurso hierárquico, como sucedeu no caso concreto, é esta decisão de segundo grau que é diretamente impugnada e consubstancia o objeto imediato da ação, e não o ato de primeiro grau que lhe deu origem. Uma situação diversa daquela que o n.º 4 do artigo 59.º do CPTA contempla, pois o que aí se prevê é que se houver lugar à impugnação administrativa (e.g. recurso hierárquico) o ato impugnável é o ato primário e não o ato que decide aquela impugnação administrativa (e.g. decisão do recurso hierárquico). SSS. Este regime processual administrativo é resultado de, com o novo artigo 198.º, n.º 4, do CPA, a figura do indeferimento tácito ter sido definitivamente erradicada do contencioso administrativo, um paradigma completamente diverso daquele que vigora no domínio tributário. TTT. No procedimento tributário de recurso hierárquico, ao contrário do que sucede no procedimento administrativo, o decurso do prazo para a decisão dá origem a uma ficção jurídica de ato impugnável que, em si mesma, é suscetível – mas não tem necessariamente – de ser impugnada contenciosamente pelo particular. UUU. Para além de não ter suporte na legislação tributária, obrigar o particular a reagir imediatamente após o decurso do prazo legal de sessenta dias para a decisão do recurso hierárquico acabaria, inevitavelmente, por esvaziar essa garantia dos contribuintes. Não foi esta, decerto, a intenção do legislador tributário ao conceber e regular o recurso hierárquico como garantia de reapreciação do ato pelo mais elevado superior hierárquico do seu autor (cf. artigo 80.º da LGT e artigo 66.º, n.º 2, do CPPT). VVV. Acresce que, a valer o entendimento do Tribunal a quo, o que não se concede, a garantia constitucional de impugnação dos atos administrativos lesivos consagrada no artigo 268.º, n.º 4, da CRP viraria letra morta na sua dimensão procedimental. WWW. Por todas as razões supra expostas, não pode manter-se o entendimento vertido no despacho saneador, devendo ser revogado e substituído por outra decisão que se pronuncie sobre o mérito da causa ou, em alternativa, determine o prosseguimento normal dos autos com vista a uma pronúncia, a final, sobre a questão de fundo. Termos em que o presente recurso deve ser admitido e julgado totalmente procedente, por provado, e, em consequência, ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que, julgando improcedente a exceção dilatória de caducidade do direito de ação suscitada pela AT, se pronuncie sobre o mérito e conceda integral provimento à ação administrativa de impugnação, com todas as consequências legais que daí decorrem.» Notificada da admissão do recurso jurisdicional, a recorrida não usou da faculdade de contra-alegar. O Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146.º, n.º 1 do CPTA. Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção Comum do Contencioso Tributário para decisão. * II – Delimitação do objecto do recurso O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida efectuou errada apreciação dos factos e se incorreu em erro de julgamento de direito ao julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção. * III – FUNDAMENTAÇÃO III. 1 – Fundamentação de facto Para julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção foram fixados os seguintes factos: «A) Em 27/12/2017, através do ofício n.º 3531, de 20/12/2017, foi a Autora notificada da decisão, de 11/12/2017, que revogou a isenção de IMI para o imóvel localizado na freguesia do Lumiar, sob o artigo matricial 5…. Frações … e …, extraindo-se daquele ofício o seguinte “Desta decisão poderá, querendo, recorrer hierarquicamente, no prazo de 30 dias, a contar da presente notificação, nos termos dos artigos 66.º e 76.º do CPPT ou impugnar judicialmente, no prazo de 15 dias, a contar da notificação, nos termos do artigo 102.º, n.º 2 do CPPT” – cf. documento 8 junto com a p.i. B) Em 23/01/2018, a Autora interpôs recurso hierárquico da decisão mencionada na alínea que antecede – cf. documento a fls. 126 dos autos. C) Em 23/07/2018, foi a Autora notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico mencionado na alínea que antecede – facto não controvertido. D) A petição inicial da presente ação foi apresentada, em 18/10/2018, via SITAF – cf. documento a fls. 1-4 dos autos.» * III. 2 – Fundamentação de direito A única questão que vem suscitada e que importa apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida errou ao julgar procedente a excepção da caducidade do direito de acção, suscitada na contestação pela Entidade Demandada. Invocando a sua relevância para a qualificação dos factos alega na conclusão OO) que devem ser aditados os factos constantes dos artigos 11.º e 12.º da P.I., não contestados e documentados no PA, uma vez que, consta em D) do probatório (decorridos meros 15 dias da apresentação do referido Direito de Audição por ofício datado de 19/07/2018) foi a Autora notificada da decisão final de indeferimento do Recurso Hierárquico em crise. A recorrente pretende que seja efectuado o seguinte aditamento: B1) Em 18/06/2018, e nos termos do disposto no artigo 60.º da LGT, foi notificada para se pronunciar em sede de Direito de Audição do projecto de indeferimento do referido Recurso Hierárquico. - facto não controvertido. B2) Em 03/07/2018 foi rececionado, na Direção de Finanças de Lisboa, o Direito de Audição prévia ao mencionado projeto contestando o sentido da decisão proposta - facto não controvertido. Os factos que a recorrente pretende aditar constituem a reconstituição dos actos praticados na sua linha temporal, no entanto são inócuos para a decisão da questão que importa decidir nos presentes autos, pelo que, não se admite o requerido aditamento. A Autora pretende com a presente acção a condenação da Entidade Demandada a reconhecer a isenção de IMI desde o ano de 2016, incidente sobre os prédios que identifica na petição. A sentença proferida pelo Tribunal Tribuário do Lisboa julgou extemporânea a impugnação judicial instaurada pela ora Recorrente contra o acto de indeferimento do recurso hierárquico, por si apresentado contra a decisão de revogação da isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), referente ao ano de 2016 e que apurou imposto a pagar no montante de € 694,19. O Tribunal recorrido motivou tal julgamento no facto de não ter sido arguido nenhum vício legal que seja cominado com a nulidade, porquanto: «[n]o seu petitório o impugnante põe em crise a (i)legalidade da liquidação de IRS/2017, logo em causa não vem arguido nenhum vício legal que seja cominado com a nulidade, caso em que a impugnação poderia ser deduzida a todo o tempo, de acordo com a previsão do nº 3 do art. 102º do CPPT. Com efeito, os vícios imputados pelo Impugnante à liquidação em análise reconduzem-se ao erro sobre os pressupostos de facto e de direito, não se afigurando possível o enquadramento na previsão da regra geral do nº 1 ou de qualquer das alíneas do nº 2 do referido art. 161.º do CPA.» A Recorrente insurge-se contra esta decisão sustentando, no essencial, que: - a AT não deu cumprimento ao Despacho da Mª Juiz que, tendo em vista decidir a questão da tempestividade da acção, lhe determinou que juntasse prova da data de remessa do Recurso Hierárquico, para o órgão decisor; - a nova titular do processo assumiu implicitamente posição diversa sem notificar as partes para, no exercício do contraditório, se pronunciarem sobre a – nova – posição do Tribunal quanto à apreciação da caducidade invocada pela AT na contestação. - notificada para exercer o Direito de Audição, que esta exerceu tinha, por isso, expectativa – legitima – de ver ponderado e alterado o sentido da decisão projetada, atentos os sólidos argumentos jurídicos ai aduzidos, pelo que foi com estupefacção que constatou que a AT se cingiu à lapidar expressão “A recorrente não acrescenta nada de relevante que possa influir na decisão”; - não foi ponderado pelo Tribunal que a AT notificou a Autora – aqui Recorrente – que o indeferimento expresso do recurso hierárquico era suscetível de ser impugnado por meio de ação administrativa a apresentar nos três meses subsequentes à respetiva notificação, nos termos previstos nos artigos 50.º e 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA (cf. alínea d) dos factos provados); - a acção podia ser interposta no prazo de três meses, sem conceder, ainda que cometido erro, a contar da sua cessação, accionando o contraditório nos termos da previsão do artigo 58.º, n.º 3, alínea b) do CPTA; - ao julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção tal invocação pela AT constitui um “venire contra factum proprium” em face do teor da notificação supra referida, postergando os princípios da confiança e da boa fé. - não pode ser prejudicado por uma errada indicação do prazo para impugnação contenciosa, quando esse erro é da inteira responsabilidade da Administração, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, já que se trata de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas - por existir manifesta contradição entre os documentos existentes nos autos e o que se afirma no Saneador Sentença sobre o momento de subida do Recurso Hierárquico e intempestividade deste recurso foi violado o princípio do contraditório, porquanto o Tribunal a quo proferiu decisão surpresa, não facultando às partes a garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento do litígio, ao arrepio do mais elementar direito à igualdade de armas e em derrogação da garantia constitucional de tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos Vejamos. Decorre do n.º 4 do artigo 59.º do CPTA que «A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar.» A decisão do Tribunal sobre o regime sobre o prazo aplicável à impugnação da decisão que recai sobre recurso hierárquico, quando seja aplicável a forma de processo da acção administrativa está em sintonia com a jurisprudência reiterada sobre a questão, cf. se observa no Acórdão do Pleno do STA proferido em 01268/16 de 23/02/2017: «II - Nos termos previstos no art. 59.º/4 do CPTA, a suspensão do prazo de impugnação contenciosa decorrente de interposição de recurso hierárquico facultativo cessa com a notificação da decisão proferida sobre essa impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal para a decidir, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar.» No mesmo sentido v.g. os Acórdãos do TCA Norte de 28/09/2017 proferido no Processo nº 00580/14.3BEPRT, 00279/16.6BECBR, de 27/04/2022 e TCA Sul no processo n.º 1113/21.0BELSB de 06/02/2025, destacando-se o sumário respeitante a este último Acórdão: «I- O prazo para decisão do recurso hierárquico é, no procedimento tributário, de 60 dias (artigo 66º do CPPT) e não o prazo de 30 dias previsto no artigo 198º do CPA. II- Apenas nas situações em que o recurso hierárquico é necessário/obrigatório, enquanto condição para aceder à via judicial, é que o prazo para intentar uma ação administrativa se inicia desde a notificação da decisão ali proferida (art. 189º e 190º do CPA). III- A apresentação de recurso hierárquico facultativo, contra o ato impugnado, determina, nos termos do artigo 59.º, n.º 4, do CPTA, a suspensão do prazo do exercício do direito de ação, até ser proferida decisão sobre o recurso ou até que decorra o prazo legal fixado para a decisão, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar.» No entanto, tal como alega a recorrente, existem especificidades no circunstancialismo subjacente aos autos que se impõe considerar e que determinam solução diferente como veremos. Conforme decorre do artigo 36.º, n.º 2 do CPPT: «As notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências.» Evidenciam os autos que foi proferido acto expresso de indeferimento do Recurso Hierárquico, que foi notificado através do ofício da Direção de Finanças de Lisboa n.º 20185000161614, de 19 de julho de 2018 (a que se alude o ponto C) da matéria de facto) em cumprimento do dever consagrado no artigo 36.º, n.º 2 do CPPT, consta expressamente da referida notificação que pode interpor recurso no prazo de três meses nos termos do artigo 58.º do CPA. No caso dos autos foi indicada a possibilidade de deduzir acção administrativa no prazo de 3 meses a contar da notificação, o que a recorrente cumpriu. Embora esteja assessorada por advogado, a recorrente não pode ser prejudicada pelo facto de na notificação não constar informação fidedigna. Com efeito, por força do preceituado no artigo 266.° da Constituição da República Portuguesa, a actividade da administração tributária está submetida ao princípio da legalidade, nos termos do qual decorre a obrigação de desenvolver a sua actividade em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos, de acordo com o princípio da boa fé. A tutela da confiança na actuação da Administração, como corolário do princípio da boa fé, impõe que no caso dos autos se admita a acção administrativa. Não existindo qualquer indício de concausalidade, o Autor não pode ser prejudicado pela errada indicação quanto ao meio e prazo de impugnação contenciosa, como sucede no caso, que é da inteira responsabilidade da Administração, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem poder depositar nas informações emanadas pela própria Administração, já que estão em causa expectativas e confiança que merecem ser tuteladas (neste sentido v.g. Acórdão do STA proferido no processo n.º 0122/12, de 12/04/2012,). Conforme decidiu o STA no Acórdão de 09/09/2009, proferido no processo n.º 0461/09 em cujo sumário se pode ler: «IV - No caso de erro na notificação quanto ao prazo para a interposição dessa acção, nada obsta à aplicação subsidiária do disposto no n.º 1 do artigo 161.º do CPC e “maxime do n.º 3 do artigo 198 do mesmo diploma ao prever que “Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida no prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares”.» Suportando-nos na sua fundamentação que aqui se acolhe: «a jurisprudência tem vindo a adoptar o entendimento que os interessados não devem ser prejudicados por erros de entidades competentes- cfr. acórdãos deste STA de 5/05/87, 24/10/96 e 31/05/05, nos recursos n.ºs 23.205, 39.578 e 46.544. Neste sentido, nada obsta à aplicação subsidiária do já citado n.º 1 do artigo 161.º do CPC e “maxime” do n.º 3 do artigo 198.º do mesmo diploma ao prever que “Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que lei concede, deve a defesa ser admitida no prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares”. Aplicando este entendimento ao caso que nos ocupa, tendo a ora recorrida sido notificada do indeferimento do recurso hierárquico que interpusera no dia 28/06/05 (4. do probatório), o prazo de três meses que lhe foi concedido nos termos dessa notificação, de natureza substantiva, contínuo e contado de acordo com as regras do artigo 279.º do CC, por remissão do artigo 20.º, n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, terminava a 28/09/05 e daí que, tendo a acção administrativa especial sido apresentada nesta precisa data (7. do probatório), se tenha de concluir que a respectiva petição seja tempestiva para efeito de impugnação judicial, dessa forma tornando admissível a convolação, como bem se decidiu no despacho recorrido.» Assim sendo, impõe-se considerar tempestivamente apresentada a presente acção, mostrando-se assim procedente o recurso, julgando-se prejudicada a apreciação as demais questões suscitadas. IV – CONCLUSÕES I - A apresentação de recurso hierárquico facultativo, contra o acto impugnado, determina, nos termos do artigo 59.º, n.º 4, do CPTA, a suspensão do prazo do exercício do direito de acção, até ser proferida decisão sobre o recurso ou até que decorra o prazo legal fixado para a decisão, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar; II - O contribuinte não pode ser prejudicado pela errada indicação do prazo para impugnação por tal informação ter sido prestada pela Administração, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem poder depositar naquelas como corolário da boa-fé, que deve ser tutelada, impondo-se, nesse caso admitir a petição inicial como tempestiva. * V – DECISÃO Termos em que, acordam os juízes que integram a Subsecção Comum do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso revogando o despacho saneador, e determinar a baixa dos autos para que prossigam a sua tramitação se a tal nada mais obstar. Sem custas. Lisboa, 26 de Junho de 2025. Ana Cristina Carvalho - Relatora Vital Lopes – 1.º Adjunto Rui A. S. Ferreira– 2.º Adjunto |