Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção do Contencioso Tributário Comum do Tribunal Central Administrativo Sul
I - RELATÓRIO
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “O............, Ld.ª” contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, interposto do acto de indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, respeitante ao exercício de 1992, no valor global de € 17.909,41, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:
«A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por O............, Lda., melhor identificada nos autos, contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, interposto do ato de indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, respeitante ao exercício de 1992, no valor global de € 17.909,41., anulando, consequentemente, a liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios, referente ao exercício de 1992.
B) Em causa nos autos está a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, referente ao exercício de 1992, emitida na sequência de uma ação inspetiva ao controle de existências finais de 1992, que, face às irregularidades detetadas nas existências e na respetiva documentação de suporte contabilístico, originou a extensão da ação aos exercícios de 1989, 1990, 1991 e 1992, dando origem a correções efetuadas em sede de IRC e IVA por aplicação de métodos indiretos.
C) Sendo o recurso ao método de avaliação indireta apenas legalmente possível quando o apuramento da matéria coletável através de correções técnicas se revele, de todo, impraticável, uma vez que a fixação da matéria tributável por métodos indiretos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci”, tal recurso exige uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização nos termos do n.º 1 do art.º 81.º da LGT.
D) Pelo exposto, exige-se que a Administração Fiscal justifique, motive e comprove a relação de causa/efeito entre a ação/omissão do sujeito passivo e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação direta. Senão vejamos o disposto no n.º 4 do art.º 77.º da LGT.
E) Não se discute, nos presentes autos, os pressupostos de aplicação dos métodos indiretos, tendo a inspeção tributária fundamentado devidamente a sua decisão de recurso a métodos indiretos relativamente aos exercícios de 1989 e 1992.
F) Firmados os pressupostos de aplicação dos métodos indiretos, em particular a prova da impossibilidade de reconstituição da contabilidade do sujeito passivo, ora Recorrida, e consequentemente proceder-se à determinação da matéria tributável por métodos de avaliação indireta, cabe ao sujeito passivo, ora Recorrida, o ónus da prova do erro ou manifesto excesso na respetiva quantificação, em conformidade com o disposto na parte final do n.º 3 do art.º 74º da LGT e n.º 2 e n.º 3 do art.º 100.º do CPPT.
G) E, contrariamente ao afirmado pelo Tribunal a quo, não teria sido possível à Inspeção Tributária ter feito “qualquer “dedução” ou abatimento referente ao furto de bens/mercadorias”, desde logo porque o acórdão proferido no processo-crime nº ..../94, que correu termos na 2ª secção da 7ª Vara Criminal de Lisboa [ponto M) do probatório], apenas transitou em julgado a 10.12.1997, conforme Doc. n.º 3 junto com a p.i., tendo a ação inspetiva decorrido entre os finais de 1992 e 1993.
H) Ora, encontrando-se a AT vinculada à utilização de critérios na determinação da quantificação da matéria tributável que fossem conhecidos e que segundo as regras de experiência pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da atividade do contribuinte, conduzissem à extrapolação dos factos desconhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar, não podia a inspeção tributária simplesmente deduzir um valor referente a um facto que não se encontrava minimamente provado ao tempo.
I) Apurado que foi, o rendimento tributável da ora Recorrida, com recurso à avaliação indireta, cabia-lhe o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação, em conformidade com o disposto na parte final do nº 3, do art.º 74º da LGT.
J) Em situações deste cariz, não favorece a ora Recorrida uma atuação probatória direcionada e orientada pelo simplista objetivo de suscitar dúvida, ainda que fundada, sobre a quantificação do facto tributário.
K) É imprescindível um desempenho pautado pela concreta e circunstanciada alegação de factos que, uma vez provados, sejam idóneos a comprovar, a demonstrar, com uma certeza adequada e passível de ampla aceitação, a aduzida errónea ou excessiva quantificação da matéria tributável.
L) Ora, as alegações aduzidas pela ora Recorrida e confirmadas pelo Tribunal a quo, não podem, de modo algum, ter-se por adequadas ao cumprimento do ónus probatório consagrado na parte final do nº 3, do art.º 74º da LGT.
M) Relativamente ao IVA, constatou a Inspeção Tributária, após análise do inventário das existências finais e o inventário das mercadorias, estas últimas descritas no processo junto dos tribunais comuns [processocrime nº ..../94], que evidenciava a descrição das peças e o seu peso, que era impossível fazer a correspondência entre os dois inventários por forma a aferir se as peças que haviam sido furtadas eram as mesmas que os serviços de inspeção consideraram como vendidas.
N) Contrariamente ao afirmado pelo Tribunal a quo, a real e fiel correspondência entre as peças efetivamente furtadas e as que se encontravam em faltam no inventário das mercadorias é imprescindível, sob pena de não ter a ora Recorrida logrado provar o excesso de quantificação pela Inspeção Tributária.
O) Ora, foi essencialmente a verificação de que as quantidades indicadas nos inventários eram superiores aos artigos existentes na loja, que justificou a liquidação de IVA em causa nos autos.
P) Pelo que, para cumprir o ónus que sobre si impende, a ora Recorrida teria de fazer uma correspondência direta entre o inventário de arrolamento de mercadorias furtadas e as mercadorias encontradas em falta que se presumiram vendidas.
Q) A ora Recorrida, não tendo feito esta correspondência, não logrou demonstrar, por factos certos e concludentes o excesso na quantificação.
R) E não tendo conseguido apresentar provas concludentes da não adequação dos valores apurados e de elementos que demonstrassem o erro ou excesso na quantificação efetuada pelos SIT, não se pode considerar que o acórdão no qual resulta provado que um ex-funcionário furtou, de forma continuada, vários bens da sociedade, simplesmente prove que a totalidade das correções efetuadas pela inspeção tributária são excessivas, sem que da única prova documental apresentada resulte o valor da correção em excesso.
S) Nenhum elemento consta do processo que permita concluir que os bens que ao longo de vários anos foram furtados correspondiam aos que foram presumidos como vendidos no ano de 1992.
T) Diga-se, aliás, que o espaço temporal em que decorreu o furto continuado e o ano a que se reportava o inventário das existências não deixava qualquer margem de atuação por parte dos serviços que não a da presunção de vendas.
U) Acresce que o referido furto continuado, provado por sentença transitada em julgado, ocorreu ao longo de vários anos, pelo que o furto em causa, atentas as características, deveria ter sido revelado na contabilidade ao longo dos exercícios em que foi consumado, o que não aconteceu.
V) Por assim ser, nunca se poderia concluir que as diferenças encontradas para mais ou para menos, entre o inventário de existências finais de 31.12.92 efetuado em 19.01.93 e a contagem física das existências efetuada em 12.01.93 fossem de facto as mesmas que foram furtadas ao longo de vários anos.
W) Considerar, como fez o Tribunal a quo, que o facto de não ter sido feita uma correspondência direta entre o “inventário de bens em falta” e o “inventário de bens furtados”, não é essencial para concluir que a liquidação de IVA impugnada se revela de montante excessivo, já que a AT simplesmente ignorou e desconsiderou o referenciado furto, é um erro de julgamento.
X) Cabendo à ora Recorrida o ónus da prova do excesso da quantificação, nos termos da parte final do n.º 3, do art.º 74.º da LGT, a apresentação tão só do acórdão proferido no processo-crime nº ..../94, que correu termos na 2ª secção da 7ª Vara Criminal de Lisboa [ponto M) do probatório], transitado em julgado a 10.12.1997, sem que do referido documento se possa extrair uma correspondência direta entre os bens em falta no inventário e os bens furtados, não é suficiente para se considerar cumprido o ónus que impendia sobre a ora Recorrida.
Y) O acórdão proferido no processo-crime nº ..../94, que correu termos na 2ª secção da 7ª Vara Criminal de Lisboa [ponto M) do probatório], permite retirar, em termos probatórios, a conclusão de que os bens elencados no mesmo acórdão foram efetivamente furtados por um ex-trabalhador da ora Recorrida.
Z) E, apenas essa conclusão se pode retirar do referido documento.
AA) Não se pode retirar de um documento, ainda que no caso, um acórdão, mais do que o mesmo pode provar.
BB) Não se pode retirar do referido acórdão que os bens que o Tribunal considerou provado que o exfuncionário da ora Recorrida furtou correspondem aos bens que a Inspeção Tributária detetou como ausentes fisicamente, ainda que constantes do inventário, e que por isso presumiu a sua venda.
CC) Tal ilação, a ser retirada, e repita-se, sobretudo porque o inventário de arrolamento das mercadorias furtadas não tinha qualquer correspondência com as mercadorias encontradas em falta e que se presumiram vendidas, viola flagrantemente, o ónus da prova, ao abrigo do disposto na parte final do n.º 3 do art.º 74.º da LGT, ónus da prova considerado cumprido pela ora Recorrida, quando tal não aconteceu.
DD) E, acrescente-se ainda que o alegado pela Direção de Serviços de IVA da DGCI em sede de procedimento de recurso hierárquico não é, como refere o Tribunal a quo uma afirmação sem sentido.
EE) Sendo certo que apesar de não ter sido possível fazer uma correspondência direta entre os bens em falta no inventário e os bens furtados, é possível que alguns (ou até todos) os bens em falta correspondam aos bens furtados pelo ex-funcionário da ora Recorrida, o que apenas se admite por cautela de patrocínio.
FF) E, a assim ser, sempre se dirá que a indemnização a que teve direito a Recorrida no âmbito do processo crime, teve a função de reparar todos os danos sofridos com o furto, designadamente, o pagamento da liquidação ora posta em crise.
GG) Concordamos com o Tribunal a quo quando afirma que não é a existência de uma eventual indemnização que determina ou não a anulação de uma liquidação, mas não é isso que está aqui em causa. Está sim o facto de a indemnização ter tido em conta todas as consequências que o furto acarretou para a ora Recorrida e, nomeadamente, as consequências fiscais, uma vez que o furto, em si, é uma situação à qual a administração tributária e especificamente a relação jurídico-tributária é completamente alheia.
HH) De igual forma, tendo seguramente a ora Recorrida um seguro especializado de joalheria e relojoaria, recebeu a mesma a devida indemnização da seguradora, de forma a colocá-la na situação que estaria se não tivesse ocorrido o furto e, portanto, como se tivesse procedido à venda de todos os bens inventariados.
II) Pelo exposto, verifica-se um erro de julgamento, decorrente da circunstância de, com base na factualidade dada por provada, se ter concluído que a ora Recorrida cumpriu o ónus da prova do excesso de quantificação da matéria coletável apurada por métodos indiretos, em violação do disposto na parte final do n.º 3 do art.º 74.º da LGT.
JJ) Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue improcedente a impugnação judicial.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»
* Devidamente notificada do recurso interposto, a recorrida não apresentou contra-alegações. * O Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso. * Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.* II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Importa assim, decidir:
i. se a sentença recorrida deve ser revogada por ter incorrido em erro de julgamento de facto quanto à apreciação da prova, por julgar verificada a prova pela recorrida, através do Acórdão proferido no processo crime ..../94, da correspondência directa entre os bens furtados, e os bens inventariados que no âmbito da acção de inspecção se detectou que não se encontravam no estabelecimento;
ii. se incorreu em erro de julgamento de direito por violação do artigo 74.º, n.º 3 da LGT.
* III - FUNDAMENTAÇÃO
III – 1. De facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:
«A) A Impugnante é uma sociedade comercial, constituída em 1985, com o objecto social de ourivesaria e relojoaria e enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA (cfr. RIT a fls. 98 e seguintes do Processo instrutor apenso);
B) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº …… de 29.12.1992, a Impugnante foi objecto de acção de inspecção, ao controle de existências finais de 1992, que, dadas as irregularidades detectadas nas existências e na respectiva documentação de suporte contabilístico, originou a extensão da acção aos exercícios de 1989, 1990, 1991 e 1992, dando origem a correcções efectuadas em sede de IRC e IVA por aplicação de métodos indirectos (cfr. RIT a fls. 98 e seguintes do Processo instrutor apenso);
C) Em 23.02.1993, foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária (RIT), da qual consta, designadamente, a seguinte fundamentação:
“(…)
3.1 – Regularidade da escrita
(…) os documentos de suporte dos registos das vendas não se encontram arquivados e conservados em boa ordem.
(…)
3.2 – Controlo Interno
O controlo interno verificado na análise efectuada foi inexistente, pelos seguintes factos:
− A gerência é assegurada pelos sócios, não existindo, contudo, segregação de funções.
− (…) as compras de cada loja estavam a cargo dos respectivos gerentes.
− Não existe máquina registadora.
− Não são emitidos talões de vendas a dinheiro e as vendas são registadas em mapas Diários com identificação dos artigos na sede e apenas pelo total diário na filial, em 1989.
− O inventário de existências finais em 31.12.89, não foi elaborado por contagem física de existências, mas sim através dos artigos considerados não vendidos, nos Livros de Registo de pratas, ouro, joalharia e relógios. Deste facto resultou que no inventário constam artigos que não se encontravam na empresa em 31.12.92.
− Na escrita da empresa não são relevadas contas bancárias, nem são processados balancetes mensais.
IV – Análise documental
4.1 Extensão e natureza da análise
A precária organização e execução da escrita (a escrita não é informatizada … e não é processado um diário de movimentos que centralize as operações, nem são elaborados Balancetes mensais do Razão), e a não entrega de declarações de IVA desde 1990 e de IRC, desde a sua entrada em vigor (as declarações foram entregues no decurso da acção de fiscalização), obrigam a uma análise exaustiva de toda a documentação.
4.2 – Análise documental
4.2.1 – Existências
Contactado o contribuinte no dia 12 de Janeiro de 1993, com vista à apresentação do Inventário de Existências, reportado a 31.12.1992, constatou-se que o mesmo não tinha sido ainda elaborado. Assim, o contribuinte foi notificado para apresentar o referido inventário, no dia 19 de Janeiro de 1993 (Anexo 3). Na data prevista foi apresentado o inventário, … iniciando-se de seguida a contagem física de existências e dessa contagem resultou a constatação de várias anomalias, tais como:
− Só os inventários de “prata” e “relojoaria” apresentam valorização unitária e global.
− Na generalidade dos artigos, verificou-se que as quantidades indicadas nos inventários eram superiores aos artigos existentes na loja (anexo 5).
− Alguns dos artigos apresentam igual referência, apesar da Regulamentação Específica do Sector obrigar à existência de uma referência por artigo.
− … alguns artigos expostos não apresentam referência.
Relativamente a cada grupo de artigos, vamos discriminar as anomalias detectadas. (…) [artigos inventariados que não se encontram expostos; artigos que não estão expostos e que não foram vendidos; artigos expostos que se encontram registados como vendidos; artigos expostos com a mesma referência; outros sem referência; artigos expostos que não constam do inventário, etc.]
A justificação para as faltas indicadas, foi dada pelos gerentes como tendo sido roubadas pelo único empregado, Sr. J............, o qual assumiu a responsabilidade da ocorrência pela carta que anexamos
(Anexo 10).
4.2.2 Compras
Foram detectadas facturas que não estavam contabilizadas (…).
(…) V – Determinação da matéria colectável
(…) Os factos descritos impedem a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de harmonia com as disposições da secção II do capítulo III do CIRC, pelo que o lucro tributável deve ser determinado nos termos do artigo 51º do mesmo diploma. Contudo, a tributação pelos métodos indiciários apenas se aplicará ao exercício de 1989, dado que a informação disponível não permite contestar os valores declarados, embora os reduzidos valores de compras indiciem omissões das mesmas.
(…)
Custo Total das existências em falta (…) 5.892.826.300
Aplicando ao custo das existências em falta a margem bruta de vendas obtida por amostragem (aos preços de etiqueta) para o ano de 1992, obtém-se as vendas presumidas dos artigos que não se encontram na loja.
(…)
5.3.4 – Exercício de 1992
Dos registos de vendas obteve-se o montante de vendas de 10.539.665.300.
Do controlo físico das existências realizado no dia 25.01.93, constatou-se que vários artigos que constavam nos inventários, não se encontravam no estabelecimento, pelo que nos termos do artigo 80º do CIVA, presumem-se vendidos tais artigos. Logo, as vendas de 1992 devem ser de 10.539.665.300, acrescido de 11.314.225.800, valor de venda apurado pelas existências em falta no estabelecimento.
- Vendas presumidas = 10.539.665.300 + 11.314.225.800
- Total de vendas de 1992 = 21.853.890.300
(…)
6.2 – IVA liquidado contabilizado
Declarações não entregues
Como foi referido no ponto 4.2.3 foram emitidas liquidações oficiosas, desde o período de 90-12T até 92-09T. (…)
VII – Conclusões
(…) 7.1 A escrita da sociedade apresenta as seguintes deficiências:
− Processamento precário ao nível da escrita auxiliar pela inexistência de diários de movimentos, balancetes e contas correntes.
− Não é relevada na escrita a conta bancária.
− Omissões de compras nos registos contabilísticos
– foram detectadas facturas não contabilizadas.
− Discrepância acentuada entre as margens da contabilidade
– 64% em 1989; 95% em 1990 e 158% em 1991, e as margens obtidas por amostragem aos preços de venda constantes das folhas de venda de 21,1%; 28,3% e 27,8%, respectivamente, situação que retira credibilidade aos valores declarados.
− A margem bruta de vendas obtida por amostragem aos preços de etiqueta é de 92%.
− Do controlo físico concluído no dia 25.01.93 constatou-se que o inventário de existência apresenta várias irregularidades:
a) Foi elaborado apenas e depois do contribuinte ter sido notificado … para o apresentar.
b) As existências estão repartidas por 4 inventários (…). Destes inventários parciais apenas o dos relógios e das pratas apresenta valorização unitária e global.
c) Foram detectados vários artigos inventariados que apesar de não constarem das vendas, não se encontram no estabelecimento.
d) Foram detectadas referências em duplicado, apesar da regulamentação especifica do sector contrariar essa situação.
e) Alguns artigos expostos não apresentam referências.
7.2 As irregularidades descritas implicam a tributação pelos métodos indiciários nos termos do artigo 51º do CIRC, do exercício de 1989 e à correcção das vendas de 1992 (relativamente aos artigos inventariados que não se encontram no estabelecimento).
(…)
7.6 – Relativamente ao IVA, os factos descritos no 7.1 implicam a determinação do volume de vendas nos termos do artigo 84º do CIVA
(…) 7.7 – As existências inventariadas em 31/12/92 que não se encontram no estabelecimento presumem-se vendidas no exercício de 1992, nos termos do artigo 80º do CIVA, e do valor presumido de vendas de 11.314.225$00 [€ 56.435,12], resulta imposto em falta de 3.186.131$00 [€ 15.892,35]. (…)”
(Cfr. RIT a fls. 98 e seguintes do Processo instrutor apenso);
D) Em 21.07.1994, na sequência da reclamação apresentada pela Impugnante, foi realizada a reunião da Comissão de Revisão, a que se refere o artigo 84º do Código de Processo Tributário, relativamente a IVA de 1989 e IVA de 1992, onde se deliberou, designadamente, relativamente ao exercício de 1992, manter-se o imposto fixado em 3.180.131$00, com a fundamentação daí constante e que se dá aqui por integralmente reproduzida (cfr. acta nº ………/94 de fls. 148 e seguintes do processo instrutor apenso);
E) Foi emitida liquidação adicional de IVA, referente ao exercício de 1992, no montante de € 15.892,35 e juros compensatórios no montante de € 2.017,06 (cfr. fls. não numeradas do PA apenso);
F) Em 21.04.1997, o Impugnante apresentou, junto do serviço de finanças de Lisboa (3º Bairro Fiscal, à data), reclamação graciosa, peticionando a anulação da liquidação a que se refere a alínea antecedente, com fundamento na inexistência de facto tributário por, no seu entender, ter ficado provado em Tribunal que a discrepância nas existências se deveu a furto de um seu funcionário, de forma continuada, com reflexos contabilísticos em 1992 (cfr. fls. não numeradas do PA apenso, que se dá aqui por reproduzido);
G) Em 14.08.2002, foi elaborado o projecto de indeferimento da reclamação graciosa e notificado o mesmo ao Impugnante para efeitos de audição prévia, direito que exerceu através de requerimento com data de entrada em 15.12.2003 (cfr. fls. não numeradas do PA apenso, que se dá aqui por reproduzido);
H) Por despacho do Director de Finanças Adjunto de 11.05.2004, foi indeferido o pedido de reclamação graciosa, com base na informação que parcialmente se transcreve:
(…) foi o sujeito passivo notificado para que juntasse aos presentes autos, justificativos que provassem que as mercadorias consideradas pelos serviços de fiscalização como transmitidas correspondiam às relacionadas no âmbito do processo que correu trâmites na 7º Vara Criminal do Círculo de Lisboa, não tendo sido dada resposta ao solicitado; 2.1.5 – no exercício do seu direito de audição, alega ter sido feita, aquando da reclamação graciosa, prova suficiente e bastante para sustentar a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário;
2.1.6 – porém, em face de tais elementos, não é possível à Administração Fiscal concluir quais os bens furtados que correspondem efectivamente aos que foram presumidos como vendidos;
2.1.7 – e o sujeito passivo não deve limitar-se a negar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação do facto tributário, uma vez que é a ele que cabe o ónus da prova de tais factos, isto é,
2.1.8 – só mediante prova concludente de tais factos é que é possível concluir-se pelo fundamentos da “dúvida” a que se refere o nº 1 do artigo 100º do CPPT. (…)” (cfr. fls. não numeradas do PA apenso, que se dá aqui por reproduzido);
I) Contra a decisão de indeferimento que antecedente, o Impugnante, em 09.06.2004, interpôs recurso hierárquico, com os fundamentos que se dão por integralmente reproduzidos, processo ao qual foi atribuído o nº ……/04 (cfr. fls. não numeradas do PA apenso);
J) Em 29.03.2006, foi elaborado pela Direcção de Serviços de IVA da DGCI, informação com o seguinte teor (que se transcreve parcialmente):
“(…) • Analisados os dois inventários, o das existência finais, onde constam as referências, preços unitários de cada peça e disponibilizado pela empresa quando do decurso da inspecção, e o inventário das mercadorias relacionadas pela reclamante no âmbito do processo interposto junto dos tribunais comuns, onde consta a descrição das peças e o seu peso, que foi provado furto das mesmas por parte do réu do processo, tornou-se difícil/impossível a correspondência entre os dois inventários, por forma a aferir que as peças furtadas seriam as mesmas que a inspecção considerou como vendidas e consequentemente, alvo das correcções de IVA.
(…) Porém, tais elementos não permitiram concluir à AF de que os bens furtados correspondem efectivamente aos que foram presumidos como vendidos, sobre os quais foi efectuada a liquidação de IVA ora reclamada.
(…)
• Tendo sido determinado pelo Tribunal o direito a uma indemnização à recorrente, essa indemnização tem a função de reparar danos sofridos com o furto, repor a situação anterior (…), reparar prejuízos sofridos, entre eles, o pagamento da liquidação ora posta em crise. CONCLUSÃO:
Na apreciação do Recurso, sintetizam-se os seguintes factos:
• A verificação de um Inventário Final de Existências, reportado a 92.12.31 … pela empresa.
• A efectivação de controle e contagem física de existências efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária, no início do ano de 1993.
• Um inventário de arrolamento de mercadorias furtadas, …, apresentado em Tribunal onde foi sentenciado o “Furto de Mercadorias” à recorrente, com transito em julgado em 1997.
• Um inventário de arrolamento de mercadorias furtadas, …, apresentado em Tribunal onde foi sentenciado o “Furto de Mercadorias” à recorrente, com transito em julgado em 1997.
Da comparação dos três documentos existentes no processo, não obstante existir uma sentença de Tribunal relativa a “furto de mercadorias” dum valor aproximado ao das existências encontradas em falta pelos Serviços de Inspecção, não ficou provado que as mercadorias “furtadas” sejam as mesmas, dadas as divergências de valor /referência /preço unitário.
Por outro lado, se o furto foi efectivado ao longo de vários exercícios, isto é, foi de carácter continuado, não se pode concluir que as diferenças encontradas para mais e/ou para menos, entre o inventário de existências finais de 1992.12.31 efectuado em 1993.01.19 e a contagem física das existências efectuada em 1993.01.12, sejam de facto as mesmas que foram furtadas, ao longo de vários anos. Nestas condições, o furto em causa, dadas as suas características, deveria estar relevado em termos contabilísticos, ao longo dos exercícios em que foi consumado.
Estes dois documentos, são suficientes para a objectivação do acto tributário, nos termos do artigo 80.° do CIVA, articulado com o artigo 84.° do mesmo diploma.
As diversas irregularidades detectadas na contabilidade da empresa, foram determinantes para a aplicação de Métodos Indirectos em exercício anterior, tendo sido efectuada amostragem a diversos produtos transaccionados, de modo a obter a margem de comercialização que por sua vez foi aplicada ao exercício em causa, para apurar as vendas presumidas nos termos do artigo 84.°do CIVA, que originaram a liquidação adicional de IVA, ora recorrida.
O terceiro documento, um inventário de arrolamento de mercadorias furtadas, não tem correspondência directa com as mercadorias encontradas em falta que se presumiram vendidas. Este seria o documento que poderia fazer prova fidedigna, de que as mercadorias encontradas em falta correspondiam às que foram furtadas, se essa prova se mostrasse inequívoca e se não se tivessem verificado quaisquer outras irregularidades na organização contabilística e fiscal da empresa, o que não é o caso, conforme se afere de toda a informação que faz parte do processo. Só nessa situação o SP teria o direito de invocar a “dúvida” a que refere o n.° 1 do artigo 100.° do CPPT.
• Não se verifica qualquer ilegalidade em termos de quantificação do IVA apurado.
• Os elementos de prova apresentados pelo SP, não são suficientes para por em causa o acto tributário.
• A sentença de Tribunal, decidiu ressarcir o SP de danos e prejuízos sofridos.
Não se verificando nenhuma das ilegalidades argumentadas pelo requerente, o recurso hierárquico é de indeferir na sua totalidade. (…)” (cfr. Doc. 1 junto com a p.i.);
K) Sobre a informação antecedente recaiu despacho do Subdirector-Geral dos Impostos de 16.05.2006, que nega provimento ao recurso hierárquico (cfr. Doc. 1 junto com a p.i.);
L) A presente acção foi remetida a este Tribunal, via SITAF, em 10.10.2006 (cfr. fls. 2 dos autos).
Mais se provou que:
M) Por acórdão proferido no processo-crime nº ..../94, que correu termos na 2ª secção da 7ª Vara Criminal de Lisboa, foi o arguido J............, exfuncionário da Impugnante, condenado pelo crime de furto de mercadorias, no valor de 6.500.000$00 (cfr. Doc. 3 junto com a p.i.).»* Consta ainda da mesma sentença que «Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
MOTIVAÇÃO:
Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos, processo administrativo e processo instrutor apensos, que incluem o procedimento de reclamação graciosa (RG) e recurso hierárquico (RH), conforme especificado em cada uma das alíneas supra.»
* III – 2. Da apreciação do recurso
Na sequência de uma ação inspectiva ao controle de existências finais de 1992, foram detectadas irregularidades nas existências e na respectiva documentação de suporte contabilístico, originando a extensão da acção inspectiva aos exercícios de 1989, 1990, 1991 e 1992.
Com interesse para o conhecimento do presente recurso, importa ter presente, com referência ao exercício de 1992, o que aqui está em causa, que em resultado da referida acção inspectiva, foram efectuadas correções em sede IVA, das quais resultou a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios que decorreram da inexistência em loja de bens constantes do inventário.
Apenas constitui objecto do recurso, a questão do excesso de quantificação, com a qual a recorrente não se conforma, imputando à sentença recorrida a verificação de erro de julgamento de facto e de direito.
A recorrida alegou que as existências em falta foram furtadas por um funcionário, fazendo decorrer a prova de tal facto do acórdão proferido no processo-crime n.º ..../94, que correu termos na 2ª secção da 7ª Vara Criminal de Lisboa.
O Tribunal a quo julgou procedente a acção de impugnação no entendimento de que foi efectuada prova «real e objectiva, que se revela apta e suficiente para ilidir a presunção constante do artigo 80.º do CIVA, pelo menos relativamente a uma parte dos “bens em falta”».
Inconformada com a sentença, alega a recorrente que «nunca se poderia concluir que as diferenças encontradas para mais ou para menos, entre o inventário de existências finais de 31/12/92 efectuado em 19/01/93 e a contagem física das existências efectuada em 12/01/93 fossem de facto as mesmas que foram furtadas ao longo de vários anos.»
Considera que não podia a inspecção tributária simplesmente deduzir um valor referente a um facto que era desconhecido e não se encontrava minimamente provado ao tempo. Por outro lado, do acórdão proferido no processo-crime nº ..../94, transitado em julgado a 10/12/1997, não decorre a prova inequívoca de que os bens em falta inexistiam na loja por terem sido furtados. Do referido Acórdão o que se permite retirar, em termos probatórios é «a conclusão de que os bens elencados no mesmo acórdão foram efetivamente furtados por um ex-trabalhador da ora Recorrida.»
Mais alega que não se pode retirar do referido acórdão que os bens que o Tribunal considerou provado terem sido furtados «correspondem aos bens que a Inspeção Tributária detetou como ausentes fisicamente, ainda que constantes do inventário, e que por isso presumiu a sua venda. (…) sobretudo porque o inventário de arrolamento das mercadorias furtadas não tinha qualquer correspondência com as mercadorias encontradas em falta.»
Importa assim, aferir se, com base na factualidade dada por assente, se se pode concluir que a ora Recorrida ilidiu a presunção constante do artigo 80.º do CIVA (na redacção vigente à data dos factos) provando que os bens que não foram encontrados na contagem física foram objecto de furto, como se decidiu na sentença recorrida, ou se a factualidade provada não permite tal conclusão como defende a Recorrente.
Vejamos, então.
A liquidação teve por fundamentação, o artigo 80.º do CIVA, que dispunha, à data dos factos o seguinte:
«Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que não se encontrem em qualquer desses locais».
Como é sabido, as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, conforme decorre expressamente do disposto no artigo 73.º da LGT.
No caso dos autos, no âmbito da acção inspectiva a AT apurou os seguintes factos, conforme resulta do ponto C) da matéria de facto provada:
- os documentos de suporte dos registos das vendas não se encontram arquivados e conservados em boa ordem;
- Inexistência de controlo interno;
- Inexistência de máquina registadora;
- Não são emitidos talões de vendas a dinheiro e as vendas são registadas em mapas Diários com identificação dos artigos na sede e apenas pelo total diário na filial, em 1989.
- Na escrita da empresa não são relevadas contas bancárias, nem são processados balancetes mensais;
- A execução da escrita não é informatizada e não é processado um diário de movimentos que centralize as operações, nem são elaborados Balancetes mensais do Razão);
- não foram entregues as declarações de IVA desde 1990 e de IRC, desde a sua entrada em vigor (as declarações foram entregues no decurso da acção de fiscalização);
- O inventário de existências finais em 31.12.89, não foi elaborado por contagem física de existências, mas sim através dos artigos considerados não vendidos, nos Livros de Registo de pratas, ouro, joalharia e relógios;
- constatada a inexistência do Inventário de Existências reportado a 31/12/1992, a 19/01/1993 a recorrida foi notificada para a sua apresentação;
- No inventário apresentado constam artigos que não se encontravam na empresa em 31.12.92;
- apresentado o referido inventário, foi realizada a contagem física de existências;
- dessa contagem resultou a constatação de várias anomalias:
i) Só os inventários de “prata” e “relojoaria” apresentam valorização unitária e global;
ii) Na generalidade dos artigos, verificou-se que as quantidades indicadas nos inventários eram superiores aos artigos existentes na loja (anexo 5).
iii) Alguns dos artigos apresentam igual referência, apesar da Regulamentação Específica do Sector obrigar à existência de uma referência por artigo;
iv) alguns artigos expostos não apresentam referência;
v) 18 artigos expostos que constam do inventário encontram-se registados como vendidos (cf. Capítulo IV 4.2., do relatório de inspecção, a título de exemplo ref. ………, ……., ……., ……., …., ……., ……. …;).
vi) artigos expostos com a mesma referência e outros sem referência;
vii) artigos expostos que não constam do inventário;
viii) foram detectadas facturas que não estavam contabilizadas.
Notificada a recorrida para justificar a situação apurada apresentou justificação para as faltas indicadas, referindo terem sido furtadas pelo único empregado, Sr. J............, anexando uma carta na qual assumiu a responsabilidade da ocorrência.
Para que a AT opere a presunção de transmissão dos bens, estabelecida no artigo 80.º do CIVA, no caso dos autos, exige-se à AT, que efectue a contagem física dos bens de modo a que possa dar-se como provado que os bens não se encontram nos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade, como sucedeu.
Da mesma forma que se exige a prova inequívoca, a efectuar pela AT, no sentido de se poder concluir que os bens adquiridos que constam do inventário não estão em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade, para que se presumam transmitidos, também, para que seja ilidida a presunção juris tantum estabelecida no mencionado preceito legal deve o contribuinte efectuar a prova concreta, por qualquer meio legalmente admissível, de que os bens não foram transmitidos.
No caso dos autos a recorrida juntou cópia do Acórdão proferido no âmbito do processo crime que correu termos com o n.º ..../94.
A AT invocou, quer na reclamação graciosa, quer no recurso hierárquico que não era possível efectuar a correspondência entre os bens identificados no inventário e a lista de bens que o Tribunal, no processo crime, deu como furtados.
Cabendo à recorrida ilidir a presunção de que se socorreu a AT, perante as divergências verificadas entre o inventário por si apresentado, reportado a 31/12/1992, e o controle das existências efectuada através da contagem física levada a cabo pela AT, incumbia à recorrida a prova de que os bens que se presumira transmitidos eram os que foram furtados, estabelecendo a correspondência que permitisse concluir que os bens não haviam sido transmitidos por terem sido furtados.
Compulsados os autos, verificamos que efectivamente não é possível determinar que os bens em falta são os que constam da lista de bens considerados furtados no processo crime por falta de correspondência entre as referências, descrição e/ou preço unitário.
Tendo presente que a recorrida foi notificada pela AT para efectuar ou esclarecer tal correspondência, uma vez que a invocava, limitou-se a sustentar a verificação de dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.
Tanto o inventário das existências, como o inventário de arrolamento de bens furtados no âmbito do processo crime, foram elaborados pela recorrida, ou pelo menos estava no seu domínio tal elaboração. Acresce que convidada a esclarecer e/ou a estabelecer a corresponde cia entre ambos, nada disse sobre tal assunto, pelo que, não sendo possível estabelecer a correlação necessária, impõe-se concluir que não foi ilidida a presunção.
No caso vertente não se pode, sequer, afirmar que a condenação do funcionário no âmbito do processo crime constitua fundamento para que se considere verificada a fundada dúvida sobre a existência ou quantificação do facto tributário, na medida em que a dúvida, a existir é de sentido contrário.
Concretizando, conforme deixámos dito supra, resultam do relatório de inspecção vários factos que conduziram à avaliação indirecta em sede de IRC. A título de exemplo, a inexistência de controlo interno e de caixa registadora, artigos expostos que constam do inventário como vendidos, artigos expostos que não constam do inventário e, não menos importante, foram detectadas facturas que não estavam contabilizadas. Tais factos reforçam a dúvida sobre a existência de correspondência entre os bens inventariados e os julgados furtados.
Perante este cenário, não pode afirmar-se que, tendo sido furtados bens, os artigos que constam do inventário e que não se encontram em loja foram furtados, nem sequer tal pode sustentar a dúvida, perante o circunstancialismo descrito.
O que se exige do contribuinte, perante a presunção estabelecida no artigo 80.º do CIVA é que efectue prova de forma concludente que permita ilidir a referida presunção, não se bastando tal ónus probatório com a mera dúvida, pelo que se impõe julgar o recurso procedente, revogara sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente.
A título incidental no seu requerimento de fls. 238 a impugnante, veio invocar que a dívida se encontra prescrita questão que foi considerada prejudicada.
A prescrição da dívida emergente do acto tributário impugnado. Constitui questão de conhecimento oficioso, no entanto, constitui jurisprudência reiterada e uniforme conforme decorre do Acórdão do STA, de 04/07/2018, proferido no processo n.º 01433/17, entre outros, que: «[s]ó pode conhecer-se da prescrição da obrigação tributária, em impugnação judicial, incidentalmente, como eventual causa de inutilidade superveniente da lide, se o processo disponibilizar, sem necessidade de averiguação, todos os elementos factuais necessários».
Dos autos apenas é possível saber que em 31/12/1996 a recorrida havia pago a 26ª prestação da dívida que se encontrava em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º ……….. pagamento esse efectuado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 225/94 de 5/9 (cf. guia de pagamento a fls. 86 do PA – conhecimento n.º ………/92).
Não consta apenso aos autos o processo de execução fiscal, pelo que o conhecimento da excepção relativa à prescrição não pode ter lugar nesta sede, por falta de elementos necessários à sua apreciação.
Termos em que se determina não apreciar a questão incidental.
* No que se refere às custas, o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual custas são pagas pela parte que lhes deu causa.
Atendendo à procedência do recurso, considera-se que foi a recorria que deu causa às custas do presente processo (cf. n.º 2), e, portanto, deve ser condenado nas custas (cf. n.º 1, 1.ª parte).
IV – CONCLUSÕES
Salvo prova em contrário, presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que não se encontrem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade.
V – DECISÃO
Termos em que, acordam os Juízes da Subsecção Comum do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2024.
Ana Cristina Carvalho - Relatora
Patrícia Manuel Pires– 1ª Adjunta
Vital Lopes– 2º Adjunto |