Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:99/25.7BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:10/30/2025
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:ENTREGA DO BEM
AUXÍLIO DAS AUTORIDADES POLICIAIS
Sumário: Nos termos dos nºs 2 e 3 do art° 256° do CPPT, o adquirente de um bem penhorado em processo de execução fiscal pode requerer ao órgão de execução fiscal, contra o executado e no próprio processo, a entrega do bem com base no título de transmissão, cabendo àquele órgão de execução solicitar o auxílio das autoridades policiais para a entrega do bem.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

Vem A… apresentar recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente o pedido formulado pela AT-Autoridade Tributária e Aduaneira de autorização judicial do auxílio das autoridades policiais para a entrega efetiva do imóvel penhorado e adjudicado à adquirente no âmbito do processo de execução fiscal nº 3530200301033425 e apensos.

A Recorrente nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“A - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, podendo anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª Instância quando repute deficiente, obscura ou contraditória ou quando considere indispensável a ampliação desta.

B - Da sentença recorrida não consta nos “Factos Provados” que o imóvel da recorrente é sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar, e/ou casa de morada de família, já que o mesmo é composto por r/c destinado a comércio e 1º andar destinado a habitação.

C - E nada consta da predita matéria de facto se a mesma, despejada do imóvel tem condições para ser realojada sem auxílio de entidades públicas, mormente Câmara Municipal e Autoridades Assistenciais.

D - Deve ser ampliada a matéria de facto a coberto do artigo 662º nº 2 alínea c) 2,”in fine” com anulação da decisão da 1ª instância, já que nos deparamos com uma falta objetiva de factos que são relevantes para a decisão de direito, revelando-se a ampliação relevante e indispensável com “Aditamento oficioso de factos”, ao abrigo do disposto naquele preceito legal, aditando-se ao probatório os seguintes factos:
L) A reclamante e o seu agregado familiar residem habitualmente no imóvel penhorado - artigo matricial urbano nº 7… da União de freguesias de Setúbal, sendo essa a sua casa de família.
M) o órgão de execução fiscal, não providenciou junto da Câmara Municipal de Setúbal e Segurança Social, para que estas entidades promovessem o realojamento do agregado familiar da recorrente A…

E) Por medida cautelar, sem prescindir, e por dever de patrocínio, subsidiariamente de forma a permitir a reapreciação da matéria de facto e caso a mesma não seja anulada oficiosamente, requer-se a ampliação da matéria de facto ao abrigo do artigo 712º, nº 4, do CPC em ordem a averiguar-se a recorrente e o seu agregado familiar habitam permanentemente no artigo matricial penhorado? - se a sua casa de morada de família é nesse imóvel? - se a Autoridade Tributária intentou junto da Câmara Municipal de Setúbal e Segurança Social, para que estas entidades diligenciassem o realojamento do agregado familiar da recorrente?

F - As normas jurídicas violadas são os artigos 861º, nº 6, aplicável por via do artigo 828º, ambos do CPC 2013 e 256º do CPPT.

G - O imóvel constitui casa de morada de família dos executados, pelo que a decisão viola o consignado no artigo 861º, nº 6, aplicável ex vi do artigo 828º e o agregado da recorrente ficará sem condições de realojamento e o Tribunal “a quo” não teve em consideração essa realidade, pelo que a sua decisão incorre em erro de julgamento. cfr. os Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa nº 23647/09.5T2SNT-B.L-7 de 12 de Março de 2019 e o Acórdão do Tribunal da Relação 4347/15.3T8SNT-D.L1-2 de 26/09/2024.

H - Ademais, os pressupostos normativos para o recurso da AT ao auxílio das autoridades policiais, cujo regime se verte no artigo 256º nº 3 do CPPT, não se mostram verificados, tendo a sentença recorrida incorrido em erro de julgamento, a recorrente ancora-se na fundamentação do Acórdão nº 3370/14.0T8VNF-H.G1 da Relação de Guimarães de 06/03/2025

I - O Tribunal recorrido deveria ter aportado à sua decisão os factos constantes do ponto 6º, os quais se revelam fundamentais para a decisão conforme o direito aplicável

J - O Tribunal “a quo” deveria ter interpretado e decidido, que para a efetivação da entrega da casa penhorada e vendida em hasta pública, importaria saber se a mesma é habitação principal do executado e casa de família, estendendo essa averiguação prévia ao próprio agregado familiar,

L - Suscitadas sérias dificuldades no realojamento, terá ser precedida de comunicação antecipada, com o mínimo de 10 dias do órgão de execução fiscal à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes, sendo esta a melhor interpretação do consignado no n.º 6 do artigo 861.º do CPC,

M - A sentença recorrida deveria ter interpretado o artigo 256º nº 3 do CPPT, e na subsunção dos factos ao direito concluído, que não se mostram verificados os
pressupostos e requisitos para a execução da entrega do bem com recurso ao auxílio da força pública

N - A decisão recorrida deveria ter em obediência aos artigos 256º do CPPT e 757º nºs 3 e 4 do CPC, interpretado estes preceitos, considerando não existir receio justificado para recurso a força policial a que as necessidades de realojamento exigiam por parte do OEF a adoção de diligências prévias, em consonância com o regime legal que se destila do artigo 861º nº 6 do CPC.

Nestes termos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e revogada a douta Sentença do Tribunal “a quo”, com todas as consequências legais daí advindas.”.
* *
A Recorrida apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

“I. Entende, a Fazenda Pública, não padecer a Douta Sentença de qualquer erro de julgamento, quer de facto, quer de Direito, pelo que a mesma terá de se manter na ordem jurídica, devendo improceder o Recurso que vem deduzido pela requerida, razão pela qual se apresentam as seguintes contra-alegações de Recurso;

II. Certamente por erro, a Recorrente informa estar a reagir contra Sentença “que julgou improcedente a reclamação apresentada ao abrigo dos artigos 276.º a 278.º do CPPT”. Vem também, em sede de alegações, indicado um artigo matricial urbano que não é aquele em causa nos Autos;

III. Tiveram os Autos início em requerimento apresentado pelo órgão de execução fiscal ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 757.º do Código de Processo Civil (CPC). A entrega efetiva do imóvel foi solicitada pela adquirente do mesmo – C…, S.A. -, nos termos do disposto no art.º 828.º do Código de Processo Civil (CPC), tendo já anteriormente a requerida, na qualidade de mera detentora, sido notificada para proceder à entrega do bem;

IV. Juntou, o Serviço de Finanças, diversa documentação extraída do processo de
execução fiscal, nomeadamente Ofício remetido à executada para entrega do imóvel. Este Ofício, com data de 13.12.2019, foi remetido para o então domicílio fiscal da agora requerida, sito na Rua da F…………….Azeitão, tendo ali sido rececionado pela própria, conforme assinatura do aviso de receção;

V. Está-se perante venda realizada no ano de 2010, tendo o auto de adjudicação sido lavrado em 24.11.2010, conforme ficou a constar como facto provado na Douta Sentença. Desde esta data não é, a requerida, proprietária do imóvel vendido, pago, e adjudicado, à compradora. Desde o ano de 2013 nem sequer a aqui Recorrente é a responsável pelo pagamento IMI do prédio em questão;

VI. Mais se verifica que o atual domicílio fiscal da requerida A… não é na morada do imóvel em causa, mas antes na Avenida do …………………… Lisboa e, consultado o Google Maps – Street View é também possível verificar a situação do imóvel, totalmente afeto a serviços, tanto no piso térreo como no piso superior, ali funcionando a Policlínica Bela Saúde, Lda., com diversas valências, a qual indica como morada na sua página internet a do imóvel em causa;

VII. Assim, não apenas a venda foi realizada no ano de 2010, seguindo todos os normativos legais à data (e nem é matéria em análise nos Autos), como terá que se entender que a requerida teve mais do que tempo suficiente para desocupar o
local, mesmo que ali tivesse a sua residência e da sua família. E, como visto, não
tem;

VIII.A presente ação mais não visou do que solicitar ao Tribunal que autorizasse o Recurso ao auxílio das autoridades policiais para a entrega efetiva do imóvel, precisamente atendendo à não colaboração da executada na entrega do mesmo. E nada mais;

IX. Quanto ao julgamento de facto, e ao contrário do que vem alegado no Recurso, nenhuma factualidade relevante há que acrescentar para a boa decisão da causa.
A venda foi realizada no ano de 2010 e o bem adjudicado nesse ano. O imóvel não está afeto a habitação, não sendo sequer questão nos Autos. Notificada para
proceder à entrega do bem a executada não o fez de forma voluntária;

X. Para mais, fica evidenciado que não apenas ali não reside nem tem fixado o domicílio fiscal, como está factualmente a usufruir de exploração de bem alheio para realização de negócios e obtenção de proveitos – no entanto tal nem é matéria fundamental à decisão face ao objeto do processo;

XI. Os Autos foram instaurados para apreciar da necessidade do auxílio das forças policiais e apenas com esse objetivo. O qual desde logo resulta evidente atendendo ao decurso do tempo e à não entrega do bem de forma voluntária mesmo após notificação para o efeito;

XII. Não tinha, o órgão de execução fiscal, de providenciar junto da Câmara Municipal ou Segurança Social para promover o alojamento do agregado familiar da Recorrente, nem era matéria que devesse constar fixada na Douta Sentença;

XIII. Desde logo por não ser residência habitual, e mesmo que o fosse 15 anos teriam sido mais do que suficientes para que a própria Recorrente providenciasse para tal.
Não se pode propriamente considerar estar a ser pressionada para abandonar o local quando dele usufruiu por cerca de 15 anos sem nada pagar e utilizando-o mesmo como fonte rendimentos. Tudo em claro prejuízo da compradora que, tendo pago o preço, ao fim de 15 anos ainda não conseguiu aceder à sua propriedade, ilegalmente ocupada, e explorada comercial e abusivamente;

XIV. Não falta, assim, a fixação de qualquer elemento de prova ou factualidade essencial à boa decisão da causa;

XV. Quanto ao Direito, alega, a Recorrente, a existência de erro de julgamento de Direito, quer por não ter o órgão de execução fiscal comunicado previamente o despejo a determinadas instituições, quer por não existir receio justificado de que vai ser oposta resistência na entrega do bem;

XVI. Como já referido, o órgão de execução fiscal solicitou anteriormente a entrega do imóvel, não tendo a executada cumprido. Desde a data da venda decorreram cerca de 15 anos. Desde a data do envio e receção do Ofício para entrega do imóvel que está provado nos Autos decorreram cerca de 6 anos. O imóvel está totalmente afeto a serviços há já vários anos, não tendo a executada ali a sua residência;

XVII. Precisamente por estar ali a funcionar uma clinica com várias valências, e não ter, ainda que após notificação para o efeito, sido entregue o bem, é de prever que a mera presença de funcionário do órgão de execução fiscal no local para entrega do imóvel não tornará, subitamente, a aqui Recorrente, colaborativa, quando ao longo dos muitos anos que decorreram desde a data da venda nunca o foi nem demonstrou qualquer intenção de proceder à sua entrega de forma voluntária;

XVIII. Assim, entende a Representação não existir qualquer erro de julgamento, quer de Direito, quer de facto, tendo o Tribunal feito a correta fixação dos factos e a boa interpretação e aplicação do Direito face ao objeto e pedido, pelo que a Sentença se deverá manter.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.ºs se dignem julgar o Recurso apresentado pela Requerida nos Autos totalmente improcedente, mantendo a Sentença, por a mesma não padecer de qualquer erro de julgamento, quer de Direito, quer de facto, com todas as devidas e legais consequências.”.
* *
O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa de vistos, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito por violação do disposto nos artigos 256º, nº 3 do CPPT e nº 6 do art. 861º do CPC como alega a Recorrente.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevância para a decisão desta questão, importa ter em consideração os seguintes factos:

A) Contra a sociedade “P…………..LDA.”, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Setúbal 2, o processo de execução fiscal n.º 3530200301033425 e apensos com vista à cobrança de dívidas de IVA, no valor total de €35.457,82. [cfr. fls. 3 do PEF de fls. 1 a 72 – doc. n.º 006243695 (Sitaf)];

B) Em 26 de Março de 2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Setúbal 2 prolatou o despacho para audição (reversão) contra “A……….”, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3530200301033425 e apensos. [cfr. fls. 12 do PEF de fls. 1 a 72 – doc. n.º 006243695 (Sitaf)];

C) Através do despacho de 6 de Outubro de 2010, da Chefe do serviço de
finanças do Setúbal 2, iniciou-se o procedimento de venda judicial n.º 3530.2010.97, por meio de propostas em carta fechada, do bem imóvel penhorado – artigo matricial urbano n.º 7…. da freguesia de São Lourenço,
concelho de Setúbal, tendo sido determinado o dia 24 de Novembro de 2010, pelas 10h, naquele serviço de finanças. [cfr. fls. 31 do PEF de fls. 1 a 72 – doc. n.º 006243695 (Sitaf)];

D) Em 24 de Novembro de 2010, foi lavrado auto de adjudicação do bem imóvel identificado na alínea anterior à «C….., S.A.», pelo valor de €162.000,00. [cfr. fls. 54 a 63 do PEF de fls. 1 a 72 – doc. n.º 006243695 (Sitaf)];

E) A «C….., S.A.» apresentou, no serviço de finanças de Setúbal 2, requerimento dirigido ao Chefe de Finanças, pedindo a entrega do imóvel adquirido no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3530200301033425 e apensos, em que é Executada A…. [cfr. fls. 66 do PEF de fls. 1 a 72 – doc. n.º 006243695 (Sitaf)];

F) Através de carta registada com aviso de receção, foi enviado à Executada
A…., o ofício de 13 de Dezembro de 2019, com o assunto «Venda em Processo de Execução Fiscal - Executado – A….», do serviço de finanças do Setúbal 2, para no prazo de 20 dias, proceder à entrega das chaves do imóvel penhorado nos autos e cuja venda se realizou em 24/11/2010, tendo sido adjudicado a C…., S.A. [cfr. fls. 68 do PEF de fls. 1 a 72 – doc. n.º 006243695 (Sitaf)];

G) O Aviso de Receção referente ao ofício descrito na alínea antecedente foi assinado em 17 de Dezembro de 2019 por “A….”. [cfr. fls. 69 do PEF de fls. 1 a 72 – doc. n.º 006243695 (Sitaf)];

H) Através de e-mail de 26 de Novembro de 2024, dirigido ao serviço de finanças de Setúbal 2, com o assunto: “Proc. de Exec. fiscal n.º 3530200301033425 e apensos, em – Venda n.º 3530.2010.97 – A….”, a Il. mandatária da «C…., S.A.», informa e após requer o seguinte:
“A nossa constituinte adquiriu, através da venda n°. 3530.2010.97 no âmbito do PEF indicado em assunto, por €162.000,00, o prédio urbano, composto de edifício de rés-do-chão e primeiro andar, para habitação, policlínica e anexo para garagem e logradouro, sito na Rua Família Bronze, n°. 50, tornejando para a Travessa B…., n°. 1, B…., freguesia de São Lourenço, concelho do Setúbal, descrito na 1a. Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n°. 1…. da referida freguesia e inscrito na respectiva matriz predial com o artigo n.° 7….
Embora tenho sido solicitada a tomada de posse do imóvel por volta do ano de 2013, a nossa constituinte continua sem a posse do referido imóvel, pelo que serve o presente para requerer a V. Exa. os V, bons ofícios no sentido de diligenciar pelo agendamento de diligência de tomada de posse do referido imóvel, nos termos do artigo 828° do Código do Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 2° e 256° n° 2 do Código do Procedimento e Processo Tributário.” [cfr. fls. 70 do PEF de fls. 1 a 72 – doc. n.º 006243695 (Sitaf)];

I) Até à data em que foi apresentada a petição que deu origem aos presentes
autos, não foi efetuada a entrega do imóvel identificado na alínea C). [cfr. facto extraído do teor dos documentos constantes dos autos];

J) Inexistem requerimentos de anulação de venda e embargos pendentes. [cfr. facto extraído do teor dos documentos constantes dos autos e da consulta à plataforma SITAF];
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Inexistem factos alegados não provados com interesse para a presente decisão.
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Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A decisão da matéria de facto fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, concretamente dos documentos que integram o processo executivo apenso juntos aos autos pela Autoridade Tributária, conforme remissão feita a propósito de cada alínea do probatório.”.

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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada deferiu o pedido formulado pela AT – Autoridade Tributária e Aduaneira de autorização judicial de auxílio das autoridades policiais para a entrega do bem imóvel penhorado e vendido no âmbito do processo de execução fiscal nº 3530300301033425 e apensos, tendo vertido, após referência ao enquadramento jurídico da questão, a seguinte fundamentação:
Resultando dos autos que:
- A «C..., S.A.», adquirente do bem imóvel, pediu a entrega do bem; [cfr. alíneas E) e H) dos factos]
- Até à data em que foi apresentada a petição que deu origem aos presentes autos, não foi efetuada a entrega do imóvel em questão [cfr. alínea I) dos factos]
- Inexistem requerimentos de anulação da venda ou de embargos pendentes [cfr. alínea J) dos factos]
Nos termos e com os fundamentos acima previstos, conclui-se que nada obsta à requerida autorização para a entrega efetiva do bem adquirido em sede de execução fiscal, com recurso a autoridades policiais, que concretizem decisão judicial de arrombamento.”.

Dissente do assim decidido veio a Recorrente alegar erro de julgamento da matéria de facto e de direito, requerendo desde logo o aditamento de factos e subsidiariamente “a ampliação da matéria de facto ao abrigo do art. 712º, nº 4 do CPC” e defendendo que na sentença não foi atendido que o imóvel vendido era a habitação habitual do seu agregado familiar e não foi solicitado o apoio das autoridades para promoverem ao seu realojamento, e concluindo terem sido violados os artigos 861º, nº 6 aplicável ex vi do art. 828º do CPC e art. 256º do CPPT.

Em sede de contra-alegações veio a AT refutar os fundamentos invocados pela Recorrente afirmando que o órgão de execução fiscal não tinha de providenciar junto da Câmara Municipal ou Segurança Social o alojamento do agregado familiar da Recorrente, nem era matéria que devesse constar fixada na sentença, desde logo por o imóvel vendido não ser residência habitual, e mesmo que o fosse, 15 anos teriam sido mais do que suficientes para que a própria Recorrente providenciasse para o realojamento. Mais invoca que o órgão de execução fiscal solicitou anteriormente a entrega do imóvel, não tendo a executada cumprido. Desde a data da venda decorreram cerca de 15 anos. Desde a data do envio e receção do ofício para entrega do imóvel que está provado nos autos decorreram cerca de 6 anos. O imóvel está totalmente afeto a serviços há já vários anos, não tendo a executada ali a sua residência.

Apreciando.

Como dispõe o n.º 1 do art.º 662.º do CPC, subsidiariamente aplicável ao contencioso tributário, os Tribunais Centrais, enquanto tribunais de recurso, devem «(…) alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

“(…) Funcionando o Tribunal de 2.ª instância como órgão jurisdicional com competência própria no que respeita à decisão quanto à matéria de facto relevante para a decisão da causa, tem autonomia decisória, o que significa, desde logo, que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram o julgado recorrido. No âmbito dessa apreciação, cumpre ainda ao Tribunal de 2.ª instância reapreciar os meios de prova e a prova em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo também em conta o teor das alegações recursivas das partes, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.” (cfr. Acórdão do TCA Sul de 03/04/2025 – proc. 601/11.1BESNT)

Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto, considerando o disposto no art.° 640.° do CPC, aplicável ex vi do art. 281º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto caracteriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de discordância com tal decisão.

O art. 640º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, consagra que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.° 2 do artigo 636°."

No caso em apreço, a Recorrente pretende o aditamento de factos sem ter efetuado qualquer referência aos concretos meios de prova constantes do processo e que sustentam tais factos, não cumprindo os ónus previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, que exige não apenas a indicação dos factos alegadamente mal apurados (como provados, não provados ou impertinentes) mas, também no mínimo, o sentido ou redação com que deviam constar no probatório, bem como os meios de prova constantes do processo e que os sustentam.

Na medida em que a Recorrente não cumpriu os requisitos enunciados no art. 640.º do CPC, rejeita-se o recurso nesta parte, nos termos do disposto no n.º 1, alínea a) daquele preceito legal.

Vem a Recorrente requerer subsidiariamente a ampliação da matéria de facto nos termos do disposto no art. 712º, nº 4 do CPC sendo certo que tal disposição legal é referente à tramitação eletrónica do processo e não dispõe de nenhum nº 4, e por outro lado não cabe a este Tribunal realizar diligências probatórias no sentido pretendido pela Recorrente, a saber, “em ordem a averiguar-se a recorrente e o seu agregado familiar habitam permanentemente no artigo matricial penhorado? - se a sua casa de morada de família é nesse imóvel? - se a Autoridade Tributária intentou junto da Câmara Municipal de Setúbal e Segurança Social, para que estas entidades diligenciassem o realojamento do agregado familiar da recorrente?” porquanto cabe a este Tribunal de recurso apenas proceder à apreciação crítica das provas que motivaram o julgado recorrido, razão pela qual vai indeferida a ampliação da matéria de facto nos termos requeridos pela Recorrente.

Contudo, nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por estarem documentalmente provados e serem pertinentes para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, acorda-se em aditar ao probatório os seguintes factos:

K- Em 05/06/2009 a ora Recorrente dirigiu um requerimento ao órgão de execução fiscal requerendo o pagamento em prestações e dando como garantia o imóvel com o artigo matricial nº 7… da freguesia de São Lourenço tendo indicado no referido requerimento a seguinte morada: Urbanização Olhar a Serra, lote 30 B…., 2…. como consta do documento com a referência - Petição Inicial (005717054) Pág. 26 de 12/02/2025 00:00:00

L- Em 08/10/2010 foram assinados os avisos de receção por A….com referência às notificações que lhe foram dirigidas relativamente à venda do bem – art. matricial urbano nº 7…. da freguesia de São Lourenço - e à nomeação do fiel depositário, tendo essas notificações sido endereçadas para Urb. O…, Lt 30 B….. A…. - cfr. consta do processo de execução fiscal (Petição Inicial (005717054) Pág. 37 de 12/02/2025 00:00:00).

M- A notificação para entrega das chaves do imóvel mencionada nas alíneas F) e G) foi dirigida a A… para a morada Rua Praia da F………– cfr consta do processo de execução fiscal (Petição Inicial (005717054) Pág. 70 de 12/02/2025 00:00:00)

Estabilizada a matéria de facto importa decidir do alegado erro de julgamento de direito.

O artigo 256.º, n.º 2 do CPPT, bem como o artigo 828.º do CPC, permitem ao adquirente de bens em execução, com base no título de transmissão, requerer o prosseguimento dessa execução, formulando pedido de entrega contra o detentor, nos termos prescritos no artigo 861.º do CPC.

Nos termos dos nºs 2 e 3 do art° 256° do CPPT, o adquirente de um bem penhorado em processo de execução fiscal pode requerer ao órgão de execução fiscal, contra o executado e no próprio processo, a entrega do bem com base no título de transmissão, cabendo àquele órgão de execução solicitar o auxílio das autoridades policiais para a entrega do bem.

E o nº 6 do art. 861º do CPC estabelece que “Tratando-se da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos nºs 3 a 5 do artigo 863.º e, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes.”.

A Recorrente alega que na sentença ora recorrida não foi atendido que o imóvel vendido era a casa de morada de família e não foi solicitado o apoio das autoridades competentes para promoverem ao seu realojamento, tendo sido violados os artigos 861º, nº 6 aplicável ex vi do art. 828º do CPC e art. 256º do CPPT.

Por sua vez a Recorrida apresenta contra-alegações no sentido de que o órgão de execução fiscal não estava obrigado a providenciar junto da Câmara Municipal ou Segurança Social o alojamento do agregado familiar da Recorrente, nem era matéria que devesse constar fixada na sentença, porquanto por um lado o imóvel vendido não era sua residência habitual, e, perante o decurso temporal de cerca de 15 anos entre a data da venda e a presente data, caberia à Recorrente providenciar pelo alojamento do seu agregado familiar. Por outro lado alega que o imóvel vendido está totalmente afeto a serviços há já vários anos, não tendo a Recorrente ali a sua residência, concluindo que a sentença não padece de qualquer erro de julgamento, quer de direito, quer de facto, tendo o Tribunal feito a correta fixação dos factos e a boa interpretação e aplicação do Direito face ao objeto e pedido, pelo que a Sentença se deverá manter.

Vejamos então.

No caso em apreço resultou provado que no âmbito do processo de execução fiscal nº 3530300301033425 e apensos, e após reversão contra a ora Recorrente, foi efetuada a penhora do imóvel registado com o artigo matricial 7…, sito na Rua F….., n°. 50 tornejando para a Travessa B….., n°. 1, em Azeitão, e que esse imóvel foi adjudicado à C... em 24/11/2010.

Mais se encontra provado que a ora Recorrente indicou como sua morada no requerimento de pagamento em prestações a Urbanização O…………, Azeitão, tendo sido notificada nessa morada, quer na qualidade de executada por reversão, quer na qualidade de fiel depositária do imóvel, bem como para, após a venda judicial, proceder à entrega das chaves tendo as notificações sido rececionadas pela ora Recorrente e os respetivos avisos de receção sido assinados como consta do probatório.

Destacamos ainda que no decurso das diligências acima mencionadas nunca a Recorrente invocou que o imóvel penhorado e vendido era a sua habitação e do seu agregado familiar.

Desta forma, na data da venda judicial, nada consta nos autos que nos permita concluir que a recorrente tinha a sua habitação habitual no imóvel penhorado e vendido.

Tendo sido notificada para a entrega das chaves do imóvel através do ofício mencionado nas alíneas F), G) e M), a ora Recorrente nada invocou a propósito da sua habitação e da necessidade de o órgão de execução fiscal promover junto das entidades competentes (câmara municipal e serviços da segurança social) na obtenção de alojamento para o seu agregado familiar.

Perante a não entrega das chaves do imóvel pelo fiel depositário, o adquirente veio requerer ao órgão de execução fiscal a obtenção de autorização de recurso aos meios policiais para proceder ao arrombamento, tendo esse pedido sido concedido como consta da sentença ora Recorrida, que não merece qualquer censura.

Face à matéria assente, conclui-se que a sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento não tendo violado as disposições legais invocadas pela Recorrente, pelo que nega-se provimento ao recurso e mantém-se a sentença recorrida.

V. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente
Lisboa, 30 de outubro de 2025
Luisa Soares
Susana Barreto
Isabel Vaz Fernandes