Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 959/09.2BESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 07/15/2025 |
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Relator: | ÂNGELA CERDEIRA |
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Descritores: | IRC MÉTODOS INDIRETOS FATURAS FALSAS |
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Sumário: | I - Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão, mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido. II - O caso julgado material ocorre quando a decisão transitada recai sobre o mérito da causa, sendo que a definição dada à relação material controvertida tem força dentro e fora do processo. III - Uma das vertentes do caso julgado é a autoridade do caso julgado, através da qual se obsta a que a situação jurídica material definida por sentença ou acórdão transitados em julgado possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou acórdão, impondo-se à segunda decisão de mérito o decidido na primeira como sendo seu pressuposto indiscutível, subjacente a uma relação de prejudicialidade entre o objeto de ambas as decisões. IV - A correcção da matéria colectável através do recurso a métodos indirectos, com base na invocação de custos fundados em facturas falsas, pressupõe a demonstração dos pressupostos seguintes: i) a existência de indícios sérios e consistentes sobre a falsidade das facturas em causa; ii) a impossibilidade de avaliação directa da matéria colectável, porque os prestadores em apreço seriam os únicos cujas facturas estão inscritas na contabilidade da contribuinte e-ou porque os custos titulados pelas facturas em presença não podem ser apurados na sua materialidade, com base nos elementos fornecidos pela contribuinte, sem o recurso a estimativas. |
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Nº do Volume: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO
S....., LDA, doravante Recorrente, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 02/07/2019, que julgou improcedente a impugnação judicial por si apresentada contra as liquidações adicionais, nos autos melhor identificadas, relativas a IRC, referentes aos períodos de tributação de 2004 e 2005, e juros compensatórios associados apuradas com recurso a métodos indiretos, no montante global de € 6.248,07, assim determinando a sua manutenção na ordem jurídica. Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES: I- A descrição dos factos e das razões de direito invocadas no Relatório da Inspeção Tributária como motivadores dos actos tributários impugnados não permitem a cognoscibilidade pelo destinatário do acto. II- No plano factual, essa motivação reconduz-se à conjugação de circunstâncias relativas às sociedades emitentes das facturas alegadamente falsas, logo exteriores à Impugnante, com um único indício imputável à conduta desta. III- Afirmar-se, relativamente aos cheques que servem de suporte contabilístico ao pagamento das facturas consideradas falsas que “grande parte ou os de maior valor eram levantados por um dos gerentes da S.....” revela-se destituído da concretização e da quantificação exigíveis a título de fundamentação da intervenção correctiva da AT. IV- Sendo que o sentido alternativo dessa afirmação torna-a incongruente e obscura e, consequentemente inapta à compreensibilidade, pelo destinatário do ter cognitivo seguido pelo autor dos actos impugnados, reconduzindo-se a uma falta de fundamentação, geradra de vício de forma, nos termos do disposto no artigo 125º do CPA vigente à data das liquidações sub judice. V- O mesmo se diga relativamente à falta de indicação das normas legais pertinentes no relatório de inspeção tributária, tendo em consideração que as especiais exigências de fundamentação inerentes ao recurso a métodos indirectos impunham, por força do disposto no artigo 77º, nº 4 e 88º da LGT do mesmo diploma legal em que o autor dos actos tributários impugnados suportou o recurso a tais métodos. VI- Dado que esse relatório omite a indicação da alínea do artigo 88º da LGT tida em consideração pela AT para a prática dos actos impugnados estes resultaram inquinados de vício de forma, por falta de fundamentação, ilegalidade que impunha a respectiva anulação (artigo 77º, nº 4 e 88º da LGT e artigo 125º do CPA). VII- Nesta conformidade, ao dar por devidamente fundamentado o relatório final da inspeção tributária com a indicação das normas legais pertinentes, incorreu o Meritíssimo juiz a quo em erro de julgamento, por violação de lei, que impõe a revogação da sentença recorrida e a consequente anulação das liquidações impugnadas. VIII- Tudo, conforme entendimento que vem sendo sufragado pelos nossos tribunais superiores. IX- Do Relatório de Inspeção nada resulta a respeito de inexatidões ou outros elementos da escrita que inviabilizassem a reconstituição da contabilidade da Impugnante expurgada dos elementos respeitantes às facturas reputadas de falsas. X- Donde, não se encontravam reunidos os pressupostos legais de que dependia a legitimidade do recurso a métodos indirectos padecendo, consequentemente, os actos tributários impugnados de vicio de violação da lei. XI- Acresce que o entendimento sufragado na decisão recorrida, na esteira do adoptado pela Administração Tributária, no sentido de a existência de indícios sérios de uso de facturação falsa justificar o recurso a métodos indirectos contraria o entendimento largamente maioritário e constante defendido pelos nossos tribunais superiores. XII- Ainda assim, mesmo que se entendesse que esse uso justificava, à luz das normas legais aplicáveis, o recurso a métodos indirectos, sempre a AT, no relatório final da inspeção, teria de efectuar essa demonstração. XIII- Imperativo legal a que não deu satisfação porquanto se limitou a partir de uma premissa para chegar a uma conclusão sem cuidar de evidenciar a premissa principal, qual seja a demonstração da impraticabilidade dos de métodos directos. XIV- Pelo que decidindo na sentença pela verificação desses pressupostos e pela consequente legalidade do recurso a métodos indiciários, incorreu o Meritíssimo juiz a quo em erro de julgamento, por violação de lei (artigos 266º, nº 2 da CRP, artigos 77º, nº4, 85º, 87º e 88º da LGT e artigo 52º do CIRC).
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, requer a V. Exas. se dignem conceder provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida e julgando procedente a impugnação judicial com a consequente anulação dos actos de liquidação de IRC relativos aos exercícios de 2004 e 2005 e respectivos juros.”
A RECORRIDA não apresentou contra-alegações. *** O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR As questões a apreciar e decidir consistem em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar não verificados os seguintes vícios imputados às liquidações impugnadas: A) Falta de fundamentação; B) Falta de pressupostos para a aplicação de métodos indirectos.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: A) Em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI2....., OI2….., OI2….. e OI2….., a Administração Tributária efetuou uma ação inspetiva à sociedade Impugnante abrangendo os exercícios de 2004 a 2007 – facto não controvertido e cf. o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) a fls. 139 a 161 do Processo Administrativo Tributário (PAT) apenso. B) A ação de inspeção a que se refere a al. A) teve origem na sequência do ofício n.º 1…. de 15.04.2008 da Direção de Serviços de Investigação e Fraude e de Ações Especiais para os exercícios de 2004 a 2007 – cf. o RIT a fls. 139 a 161 do PAT apenso. C) Em 12.03.2009, na sequência da ação inspetiva supra referenciada, foi elaborado o Relatório Final constante de fls. 139 a 161 do PAT apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte: “[…] METODOLOGIA DE TRABALHO Tratando-se de uma empresa do sector da construção civil e sabendo-se que, regra geral, neste sector de actividade é frequente a utilização de fornecedores (prestadores de serviço) de existência duvidosa, a metodologia seguida neste procedimento inspectivo, para além da análise da conformidade dos documentos contabilísticos, foi também efectuar uma verificação da realidade dos fornecedores da empresa no sentido de se averiguar da veracidade da respectiva capacidade para realização/produção dos serviços facturados. II.3.1. CARACTERIZAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO II.3.1. 1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO E FISCAL O sujeito passivo desenvolve a actividade de “Montagem de trabalhos de carpintaria e de caixilharia”, que corresponde o CAE 043320, está enquadrado no regime geral de tributação em sede de IRC, e no regime normal com periodicidade mensal para efeitos de tributação em sede de IVA. A empresa dispõe de contabilidade regularmente organizada e informatizada, nos termos da legislação comercial e fiscal. […] Custos Relativamente aos custos declarados pela S..... Sociedade Construções nos exercícios em causa (2004 a 2007), verifica-se que a maior preponderância corresponde a custos com o Pessoal e Fornecimento e Serviços Externos conforme quadro:
Relativamente aos Fornecimentos e Serviços Externos temos como principais fornecedores (segundo consulta do anexo "P") os constantes abaixo: “(texto integral no original; imagem)” Custos com pessoal Relativamente aos custos com o pessoal e ao n.° de empregados, com base nas folhas de remunerações e diversos elementos da contabilidade apuramos
Com o intuito de melhor se aferir da relação comercial estabelecida entre o sujeito passivo e os diferentes prestadores de serviços, foi solicitada à S....., informação sobre se possuía elementos complementares tais como: Cópia de alvarás de construção, Cópia de declaração de não dívida às Finanças, Declaração de não dívida à Segurança Social, Cópia de apólices de seguros de acidentes pessoais, relação dos empregados que estiveram envolvidos nos serviços prestados, contratos de subempreitada/orçamentos, e Nome e contacto telefónico ou outro da pessoa responsável. Foi-nos dito que para o período em questão não possuíam qualquer elemento, pelo que não existe documentação que prove que os trabalhos foram efectuados pelas empresas, para além das facturas e respectivos meios de pagamento. Quanto aos meios de pagamento apesar de efectuados por cheque, grande parte ou os de maior montante, eram levantados por um dos gerentes da S...... Para além dos elementos colhidos na empresa, e com o intuito de melhor se conhecerem as empresas que prestaram serviços e que se encontram na situação de não declarantes procedemos a diversas diligências que abaixo se explanam: 1º - Consulta do sistema informático (Administração tributária e Aduaneira-SII!) para saber que ordens de serviço foram abertas em nome dos citados sujeitos passivos e em caso afirmativo que procedimento foi adoptado. 2º - Solicitamos ao INCI (antigo IMOPPi) informação sobre se as referidas empresas, possuíam Alvarás de construção. 3º - Também foi solicitado à segurança social informação sobre a estrutura de pessoal das mencionadas sociedades para a realização dos serviços facturados bem como de cópia dos mapas de pessoal para os exercícios de 2004 a 2007. Dos diversos elementos obtidos pudemos constatar o seguinte: Sub empreiteiros sem estrutura operacional em termos de pessoal para prestar os serviços facturados, que indiciam a emissão de facturas que não correspondem a serviços efectivamente prestados - negócios jurídicos simulados conforme descrito abaixo: 1- Sociedade construções B........ Lda. -NIF 50……. • Relativamente a esta Sociedade foram identificados os seguintes factos: Forneceu serviços à S..... nos seguintes montantes (anexo 1):
Não possui qualquer alvará emitido pelo INCI Foi efectuado um procedimento inspectivo (01200701973) referente ao ano de 2004 onde se propuseram correcções em sede de IVA referente a Imposto mencionado em facturas e não entregue no montante de 229.226,89€, por infracção ao art. 2° n. ° 1 alínea c) em conjugação com o artigo 26o do CIVA. Da segurança social é informado não constar em nome da referida sociedade qualquer empregado no período considerado (2004 a 2007) - (anexo 2). De acordo com a informação da base de dados do Sistema Informático Tributário, baseado nas declarações dos seus alegados clientes esta Sociedade terá prestado serviços em 2004 no valor 1.435.683,00 onde se incluem os €67.117,00 à S...... Da consulta ao sistema informático (anexo J/Mod 3) apuramos que para o período de 2004 a 2007 para alem de não ter entregue qualquer anexo J, nenhum sujeito passivo entregou declaração MOD3 onde tenha declarado que a Sociedade B........ tenha pago ou posto à disposição rendimentos da categoria A. Os Sócios gerentes declararam os seguintes rendimentos: B…. B….. - No período considerado (2004 a 2007) apenas entregou uma declaração (2004) com um anexo B sem qualquer rendimento obtido. C........ -No respectivo período apresentou declarações em 2004 e 2007. Em 2004 declarou rendimentos da categoria A postos à disposição pela M……. Unipessoal no montante de €1022,87. Já em 2007 declarou rendimentos da categoria A postos à disposição pela Construções S…… Unipessoal no montante de €2030,60. Do cruzamento do anexo J consta ter recebido rendimentos da categoria A das seguintes entidades: (…) Os factos descritos nomeadamente a inexistência de pessoal, a condição de trabalhador por conta de outrem de um sócio gerente e a inexistência de Alvará, comprovam que esta empresa não tinha qualquer capacidade operacional e por isso não podia ter prestado os serviços que os seus clientes declararam ter adquirido, nomeadamente o valor que a S..... declarou. 2 -Construções C…… Lda. -NIF 50…… Relativamente a esta Sociedade foram identificados os seguintes factos: Forneceu serviços à S..... nos seguintes montantes (anexo 3):
Não possui qualquer alvará emitido pelo INCI No âmbito do procedimento inspectivo (01200700343) de 17 de Janeiro de 2007 concluiu-se que a Sociedade não tem estrutura operacional e de pessoal. Segundo informação do sistema informático é sócio gerente o Sr. S….. com NIF 20…….. Da segurança social foi informado que no período considerado só se encontra registado o gerente S......... (anexo 4) Como remunerações pagas, declarou à segurança social em 2004 o montante de €1190,00 correspondente a 28 dias não constando os seus nomes. De acordo com a informação da base de dados do Sistema Informático Tributário, baseado nas declarações dos seus clientes, esta Sociedade terá prestado serviços em 2004 no valor de €347.696,00 onde se incluem os €121.487,00 à S..... Da consulta ao sistema informático (anexo J/ Mod 3) apuramos que no período de 2004 a 2006, para alem de não ter entregue qualquer anexo J, em 2004 apenas o gerente (S........) entregou declaração MOD3 indicando ter recebido rendimentos da categoria A, da Sociedade, no montante de € 6300,00. Acresce ainda o facto de no ano de 2004 o próprio gerente ter recebido rendimentos da categoria A (trabalhador dependente) pagos por outra entidade (L…..) no montante de €4 082,00. Os factos descritos nomeadamente a inexistência de pessoal, a condição de trabalhador por conta de outrem do sócio gerente e a inexistência de alvará, comprovam que esta empresa não tinha qualquer capacidade operacional e, por isso, não podia ter prestado os serviços que os seus clientes declaram ter adquirido, nomeadamente o valor que a S..... declarou. 3 - Sociedade Construções B……… - NIF50…… Relativamente a esta Sociedade foram identificados os seguintes factos: Forneceu serviços à S..... nos seguintes montantes (anexo5)
Não possuí qualquer alvará emitido pelo INCI Na segurança social é informado não constar em nome da referida sociedade qualquer empregado em 2004 e 2005. Constam apenas 3 registos em 2006 para 4 empregados conforme quadro abaixo: (...) Como remunerações pagas em 2006, declarou à segurança social o montante de € 926,12 correspondente a 66 dias. (anexo 6) De acordo com a informação da base de dados do Sistema Informático Tributário, baseado nas declarações dos seus alegados clientes, esta Sociedade terá prestado serviços em 2005 no valor de €175 563,00 onde se incluem os 57 701,00 à S...... Da consulta ao sistema informático (anexo J/Mod3) apuramos que para alem de não ter entregue qualquer anexo J apenas 2 contribuintes entregaram declarações MOD3 para o ano de 2005, onde mencionaram que esta Sociedade lhes pagou €5600,00 e €6658,54 respectivamente. Os sócios gerentes declararam os seguintes rendimentos: D........ - Para o período considerado apresentou declarações em 2005 e 2006. Nelas declarou que era trabalhador por conta de outrem, tendo recebido rendimentos da categoria A de outra entidade no montante de 10500€ por ano pagos pela Sociedade L......... A…… - Para o período considerado apresentou declaração em 2005. Nela declarou que era trabalhador por conta de outrem, tendo recebido rendimentos da categoria A da Sociedade P……. Lda, no montante de €5260,00 para o ano de 2005 e €6000,00 para o ano de 2006. Os factos descritos nomeadamente a inexistência de pessoal, a condição de trabalhador por conta de outrem dos sócios e a inexistência de Alvará, comprovam que esta empresa não tinha capacidade operacional e, por isso, não podia ter prestado os serviços que os seus clientes declararam ter adquirido, nomeadamente o valor que a S..... declarou. Em conclusão é nosso entendimento: Que relativamente a todos os subcontratos antes referidos, existem fortes indícios de corresponderem a operações inexistentes, razão pela qual não é aceite o IVA considerado dedutível pelo Sujeito Passivo nas declarações periódicas enviadas. Quanto aos Fornecedores J…. e D……, os factos que foi possível identificar relativos à sua estrutura operacional não são de molde a podermos por em causa os serviços prestados. III -DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS ÀMATÉRIA TRIBUTÁVEL Imposto sobre o valor acrescentado – IVA […] IV–MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS Conforme se demonstrou uma parte dos custos da empresa foi justificada com documentos que não podem ser considerados verdadeiros. Assim sendo verifica-se que a contabilidade tem factos que indiciam ter sido viciada, logo não permite a comprovação e quantificação directa da matéria tributável, pelo que nos termos do art° 87° e 88° da Lei geral Tributária estão reunidos os pressupostos para a aplicação dos métodos indirectos. V – CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS 1 - PROVEITOS A análise feita aos registos contabilísticos permite concluir que os valores totais dos proveitos declarados, nos montantes de 502.672,17€ para o ano de 2004 e de 667.370,42€ para o ano de 2005 são fiáveis, daí se considerarem correctos. Porque foram considerados custos que objectivamente não aconteceram, não é conhecido o valor real dos mesmos. Para ultrapassar esta dificuldade vamos calcular o lucro tributável utilizando o rácio da Rentabilidade Fiscal das Vendas (R04). O Rácio R04 permite, a partir do valor conhecido dos proveitos, determinar o valor do lucro tributável pois a sua fórmula de cálculo é R04=LT/Proveitos X 100. Para o caso em análise vamos utilizar o rácio R04 do sector de actividade (45250 - outras obras especializadas de construção) que corresponde à actividade efectivamente prestada. De acordo com a base de dados do Sistema Informático Tributário o valor deste rácio é de 4,81 para 2004 e de 5,39 para 2005. (anexo 7) Ano de 2004 […] Lucro Tributável = 20.823,05 € Ano de 2005 […] Lucro Tributável = 38.659,17 € Assim apuramos como Lucro Tributável corrigido para o ano de 2004 Para o ano de 2005 apuramos de lucro tributável […] – cf. o Relatório de Inspeção a fls. 139 a 161 do PAT apenso. D) Em 16.04.2009 a Impugnante deduziu o pedido de revisão da matéria coletável ao abrigo do art. 91.º da LGT, no âmbito do qual, e na ausência de acordo entre os peritos, foi proferida decisão, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que manteve os valores fixados em sede de inspeção, referindo-se, quanto à aplicação do método de avaliação indireta e quantificação da matéria coletável o seguinte: “[…] Quanto aos pressupostos de aplicação do método de avaliação indirecta Pelo exposto e pelos elementos constantes do processo, Relatório da Inspecção Tributária, Pedido de Revisão e as posições dos Peritos intervenientes no Debate Contraditório, que aqui se dão como inteiramente reproduzidos, os quais foram abordados supra, conclui-se que a contabilidade não espelha a real actividade da empresa, porquanto os suportes documentais dos custos contabilizados, referentes aos serviços prestados pelas empresas “Sociedade Construções B........ Lda.”, “C….. Lda.," e “Sociedade de Construções B…… Lda.”, não correspondem a serviços efectivamente prestados pois verificou-se, em síntese, o seguinte: A maioria dos custos contabilizados referem-se a despesas com Pessoal e Fornecimento e Serviços Externos: Através da análise efectuada por consulta ao sistema informático da Administração Tributária e Aduaneira e dos elementos solicitados ao INCI e à Segurança Social relativamente aos prestadores acima referidos, constatou-se não possuem alvará de construção, não tem trabalhadores inscritos na Segurança Social e os sócios gerentes declararam rendimentos na condição de trabalhadores por conta de outrem; Os serviços de inspecção concluíram que as citadas empresa não tinham capacidade operacional para prestarem os serviços, pelo que havia fortes indícios das facturas emitidas à reclamante corresponderem a operações inexistentes; Foram as facturas acima indicadas contabilizadas pelo sujeito passivo como custos da actividade; Foi a empresa notificada para apresentar elementos complementares dos referidos fornecedores, para se poder aferir melhor da relação comercial estabelecida entre os intervenientes; Em resposta ao pedido foram os serviços informados que a empresa não possuía nenhum dos elementos pedidos, apenas tinham as facturas e meios de pagamentos; Os meios de pagamentos apesar de efectuados por cheque, grande parte ou os de maior montante, eram levantados ao “balcão” por um dos gerentes da S.....; Face às situações anómalas detectadas foi considerado existirem indícios de simulação de operações comerciais tituladas por documentos escriturados como custos do exercício pelo sujeito passivo. Conforme decorre do n°.1 e n°.2 alínea a) do art°.75° da LGT, a presunção de veracidade das declarações bem como dos dados inscritos na contabilidade do contribuinte não se verifica quando esta não se encontra organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal nem quando se verificam indícios fundados de que não refíecte ou impede o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo pela Administração Fiscal, tal como dispõe o n°.2 do art°.344° do Código Civil; Os pressupostos de aplicação do método de avaliação indirecta não foram validamente postos em causa, quer no pedido de revisão, quer no debate entre os peritos pois nem o contribuinte, nem o perito por si nomeado, vieram a destruir os argumentos, antes explicitados, mantendo-se os mesmos sem contestação válida, sendo a sua aplicação defendida pelo perito da AT. Aliás, conforme se verifica do laudo do perito do sujeito passivo, nada foi acrescentado durante o debate contraditório.
Em face da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável dos exercícios de 2004 e 2005, considero encontrarem-se reunidos os pressupostos para a determinação do lucro tributável por aplicação de métodos indirectos daqueles exercícios, para efeitos de IRC, conforme previsto nos Art°s 87°. Alínea b), art.° 88° alínea a) da LGT e art.° 54° do CIRC. Conclui-se, então, que se encontram verificados indubitavelmente os pressupostos de aplicação do método de avaliação indirecta para a determinação do lucro tributável nos termos dos artigos 52° e 54° do Código do IRC, relativamente aos exercícios de 2004 e 2005, de conformidade com o disposto nos Art°s 87° e 88° da LGT. Concordo então que os métodos indirectos estão assim, plenamente justificados. Quanto à quantificação Justificada a determinação da matéria tributável pelo método de avaliação indirecta, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, em conformidade com o disposto na parte final do n° 3 do art.° 74° da LGT. De conformidade com o disposto no art.° 90° da LGT, os Serviços de Inspecção Tributária procederam à determinação da matéria tributável da seguinte forma: porque foram contabilizados custos que objectivamente não são de aceitar, ao montante declarado a título de prestações de serviços para cada um dos anos e tendo em atenção que para gerar aqueles proveitos o sujeito passivo teve de incorrer em custos, foi aplicado o rácio da rentabilidade Fiscal das Vendas, do sector de actividade, que corresponde à actividade efectivamente exercida pela reclamante. Tendo em consideração todos os elementos apresentados é indubitável que estão reunidos os pressupostos para a avaliação indirecta, nos termos da alínea b) do artigo 87° e alínea a) do artigo 88° da LGT. No que respeita à quantificação, não foram apresentados pelo sujeito passivo ou pelo seu perito, elementos concretos que permitam pôr em causa os valores apurados pelos Serviços de Inspecção Tributária e confirmados pelo perito da Fazenda Pública e que permitam fazer prova do excesso na quantificação. Em face do exposto, mantenho os valores fixados.” – cf. fls. 179 a 186 do PAT apenso. E) Atos impugnados: Em 18.05.2009, com base nas conclusões do RIT referido em C), foram emitidas, em relação aos exercícios de 2004 e 2005, as liquidações adicionais de IRC n.ºs 20…… e 20……., nos valores de € 650,33 e € 5.597,74, respetivamente – cf. docs. 1 e 2 juntos com o requerimento de 14.10.2009, a fls. 99/100 do suporte físico dos autos. F) Para a execução das obras sitas em Cobre, Albarraque, Porto Salvo, Mercês, Sacavém e Vialonga a Impugnante recorreu à contratação de pessoal externo – cf. depoimento das 2a , 3a e 5a testemunhas. G) A obra de Albarraque consistiu na construção de moradias germinadas – cf. depoimento da 3 a testemunha. H) A Impugnante chegou a ter quatro obras em execução nos anos de 2004 e 2005 – cf. depoimento das 2a e 3 a testemunhas. I) O pessoal cedido não era pago pela Impugnante – cf. depoimento das 1ª, 2 a , 3a e 5a testemunhas. J) Havia um cartão de registo no qual o chefe de equipa registava as horas de início e fim do trabalho, tanto dos trabalhadores da Impugnante como do pessoal cedido – cf. depoimento das 2a e 3 a testemunhas. K) Os pagamentos eram efetuados em direito às empresas que cediam pessoal – cf. depoimento da 1 a testemunha. L) Um dos sócios gerentes da sociedade impugnante procedeu ao levantamento de alguns dos cheques que servem de suporte contabilístico ao pagamento às empresas emitentes das faturas consideradas falsas pela administração tributária no âmbito da ação de inspeção acima referenciada – por confissão (cf. art.ºs 35.º e 226.º da p.i. e 21.º da contestação). M) A sociedade impugnante é uma sociedade conjugal – facto não controvertido e cf. pág. 6 do RIT a fls. 139 a 161 do PAT apenso. N) Em 01.09.2009 a presente impugnação judicial deu entrada neste TAF – cf. fls. 3 do suporte físico dos autos. O) Em 01.09.2009 a Impugnante deduziu impugnação judicial também contra as liquidações adicionais de IVA efetuadas para os exercícios de 2004 e 2005, na sequência da mesma ação de inspeção que deu origem às liquidações de IRC identificadas em E), invocando a mesma fundamentação de facto e de direito que invoca nos presentes autos, tendo a referida impugnação judicial tramitado neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob proc. n.º 960/09.6BESNT, no qual foi produzida a prova testemunhal objeto de aproveitamento para os presentes autos, e no qual foi já proferida sentença, transitada em julgado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que julgou improcedente a ação por concluir, no essencial, que “a Impugnante não logrou provar a prestação de serviços relativas às facturas questionadas nestes autos e tidas como falsas” – por consulta ao sitaf.»
Consignou-se, ainda, na sentença recorrida: «Não ficou provado que os serviços titulados nas faturas em causa tivessem sido prestados. Em sede de motivação da matéria de facto consta, na referida sentença, o seguinte: «Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos e depoimentos reportados em cada uma das alíneas do probatório. No que respeita aos factos julgados provados com base na produção de prova testemunhal, relevou o depoimento das quatro testemunhas inquiridas no âmbito dos presentes autos: A........, J........, F........, sendo que, não obstante tratar-se de testemunhas com ligações profissionais à sociedade impugnante, depuseram com rigor e isenção, e D........, sócia gerente, cujo depoimento se revelou imparcial e isento. Quanto à testemunha G........, Técnico Oficial de Contas da Impugnante e seu depoimento mostrou-se, no essencial, genérico e impreciso. Quanto ao facto dado como não provado, resulta de não ter sido produzida prova que permitisse ao Tribunal criar a convicção sobre a efetiva verificação do mesmo, designadamente, os depoimentos prestados foram, neste aspeto, demasiado vagos, sendo que, no que respeita às obras de Cobre, Albarraque, Porto Salvo, Mercês, Sacavém, Vialonga ficou apenas provado que a Impugnante recorreu à contratação de pessoal externo, contudo não ficou apurado quais as empresas que cederam esse pessoal. Por outro lado, as próprias faturas não esclarecem quais os serviços prestados nem a quantificação dos mesmos e respetivo preço unitário, e tendo a Impugnante alegado tratar-se de pagamento de cedência de pessoal pago à hora, naturalmente que tal descritivo deveria constar nas faturas, o que não sucede.» * IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO A Impugnante insurge-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que manteve as liquidações adicionais de IRC emitidas na sequência da ação inspetiva tributária realizada aos exercícios de 2004 e 2005, tendo a Administração Tributária e Aduaneira concluído que as faturas emitidas no exercício de 2004 pelas empresas C……, Sociedade B........ e em 2005 pela empresa S….. não correspondiam a transações reais e, com base nesse fundamento, decidido corrigir a matéria colectável através do recurso a métodos indirectos. No entendimento da Recorrente, a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar não verificados os seguintes vícios imputados às liquidações impugnadas: A) Falta de fundamentação; B) Falta de pressupostos para a aplicação de métodos indirectos. Vejamos se lhe assiste razão. A) Da falta de fundamentação Insiste a Impugnante que o Relatório de Inspeção Tributaria (RIT) padece de vício de forma por falta de fundamentação porquanto no mesmo não consta quais os pagamentos que foram efetuados em dinheiro, nem quais os valores desses pagamentos, sem sequer a que prestadores de serviços eles foram efetuados, limitando-se a referir que «grande parte ou os de maior montante eram levantados por um dos gerentes da S.....», afirmação que se revela destituída da concretização e da quantificação exigíveis a título de fundamentação correctiva da AT. Acrescenta que tal vício de forma resulta, ainda, da falta de indicação das normas legais pertinentes, tendo em consideração que as especiais exigências de fundamentação inerentes ao recurso a métodos indirectos impunham, por força do disposto no artigo 77º, nº 4 da LGT a especificação da alínea do artigo 88º do mesmo diploma legal em que o autor dos actos tributários suportou o recurso a tais métodos. Vejamos. Em primeiro lugar, cumpre referir que a invocada falta de fundamentação jurídica da decisão de recorrer a métodos indirectos constitui uma questão nova, não antes suscitada, nem apreciada, nos autos. Com efeito, conforme resulta do RIT, a fundamentação das correcções compreende duas decisões, reconduzindo-se a primeira à desconsideração das facturas tidas como falsas e a segunda à decisão de fixar a matéria colectável através de métodos indirectos. Na petição inicial, a Impugnante diz que não é possível apreender o critério valorativo usado para concluir que os pagamentos efetuados constituem um indício de que as faturas são falsas e que o facto de grande parte dos cheques serem levantados por um gerente não permite saber quais cheques, se são a maior parte ou quase todos, nem conhecer a relação entre os cheques e os emitentes das faturas em causa, o que impede o direito de defesa. Impunha-se, assim, segundo a Impugnante, que a inspeção conferisse aos fundamentos que invocou um mínimo de concretização e de objetividade que permitisse aferir da suficiência desses indícios. O que significa que a alegação constante da petição inicial em torno do vício de falta de fundamentação foi dirigida, exclusivamente, à decisão da AT de desconsiderar as referidas facturas, por não corresponderem a operações reais. Ora, os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido. As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida – cfr. acórdão do STJ de 08/10/2020, processo 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt. Deste modo, constituindo a suscitada falta de fundamentação jurídica da decisão de aplicar métodos indirectos uma questão nova, este tribunal de recurso não a pode conhecer. Relativamente à questão da falta de fundamentação da decisão de desconsideração dos custos suportados nas faturas cujas operações foram consideradas simuladas, o tribunal de 1ª instância concluiu pela improcedência do vício suscitado, com base nas seguintes considerações: “Constando de modo discriminado do teor do relatório da fiscalização a descrição dos factos e as razões de direito, com indicação das normas legais pertinentes, que levaram a Administração Fiscal a liquidar o imposto em causa, disso tendo sido notificada a Impugnante, terá esta que se considerar devidamente esclarecida sobre a motivação da decisão e, consequentemente, os atos de liquidação fundamentados (artigos 77.º da LGT e 125.º do Código do Procedimento Administrativo). (…) Ora, in casu, analisado o Relatório de Inspeção Tributária [cfr. al. C) da fundamentação de facto] salta à evidência que a Administração Fiscal cuidou de expor com detalhe as razões pelas quais desconsiderou os custos suportados nas faturas cujas operações foram consideradas simuladas. Assim, da conjugação das notificações do relatório de inspeção e das liquidações torna-se claro que a Impugnante teve acesso a toda a informação necessária para a compreensão dos atos de liquidação de IRC, relativos aos anos de 2004 e 2005, que lhe foram notificados. Tudo está devidamente explicitado e a Impugnante demonstrou, ao longo da extensa exposição constante da petição inicial, que compreendeu, exatamente, qual foi o iter cognoscitivo da Administração Tributária para chegar ao resultado a que chegou. Prova disso mesmo é a forma como vem a juízo atacar as liquidações. Demonstra claramente na sua alegação que conhece as razões de facto e de direito pelas quais a Administração Tributária procedeu às correções e, consequentemente, liquidou IRC adicionalmente. À mesma conclusão se chegou, aliás, na sentença proferida, e já transitada em julgado, na impugnação judicial que correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob proc. n.º 960/09.6BESNT, relativa ao IVA liquidado adicionalmente na sequência da mesma ação de inspeção que deu origem às liquidações objeto dos presentes autos (…) – cf. al. O) do probatório.”- sublinhado nosso. Vejamos. Dispõe o art.º 619.º, n.º 1, do CPC: “1 - Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”.
Respeita a norma contida nesta disposição legal ao caso julgado material, que ocorre quando a decisão transitada recai sobre o mérito da causa. Assim, a definição dada à relação material controvertida tem força dentro e fora do processo. As exigências de segurança jurídica têm sido apontadas como fundamento primordial do caso julgado material, sendo um garante da tendencial imutabilidade das decisões transitadas em julgado, fundamental até em termos de manutenção da paz social(1). O caso julgado material pode refletir uma dupla função, negativa ou positiva. Assim, a função negativa do caso julgado material está inerente à exceção de caso julgado, consubstanciando-se no impedimento de a mesma causa ser apreciada pelo Tribunal numa nova ação. Já a função positiva respeita à chamada autoridade do caso julgado, através da qual se obsta a que a situação jurídica material definida por sentença ou acórdão transitados em julgado possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou acórdão. Ou seja, a autoridade do caso julgado impõe à segunda decisão de mérito o decidido na primeira como sendo seu pressuposto indiscutível, subjacente a uma relação de prejudicialidade entre o objeto de ambas as decisões(2). Considerando que, no que respeita à aferição da observância do dever de fundamentação, por parte da AT, em sede de desconsideração dos custos suportados nas faturas cujas operações foram consideradas simuladas, a situação ora em análise e a apreciada no processo n.º 960/09.6BESNT é exatamente a mesma (uma vez que em ambas se aprecia o mesmo RIT) e considerando que o referido Acórdão transitou em julgado, formou-se caso julgado material, com os necessários reflexos nos presentes autos, atenta a autoridade do caso julgado. Razão pela qual é de manter a decisão da 1ª instância, que julgou improcedente o vício de falta de fundamentação. Relativamente à falta de verificação dos pressupostos para a utilização de métodos indirectos, o tribunal a quo concluiu que tal ilegalidade também não se verificava, convocando para o efeito a seguinte fundamentação: “(…) O recurso aos métodos indiretos para fixação da matéria coletável estará legitimado sempre que a Administração Fiscal demonstre uma de duas situações: ou que o sujeito passivo não dispõe de contabilidade organizada de acordo com as normas legais, quando a isso se encontrava legalmente obrigado (obrigação acessória), ou quando, dispondo de contabilidade organizada (com todos os elementos devidos), a mesma evidencie contradições, erros ou omissões que a tornem inidónea para a determinação da matéria coletável por avaliação direta. Volvendo agora ao caso dos autos, no Relatório de Inspeção [cf. al. C) da fundamentação de facto] constam no capítulo “IV” enunciados os motivos que, no entender dos serviços de inspeção, implicaram o recurso a métodos. Aí se refere, designadamente, remetendo para o capítulo “III”, que “[c]onforme se demonstrou uma parte dos custos da empresa foi justificada com documentos que não podem ser considerados verdadeiros. Assim sendo verifica-se que a contabilidade tem factos que indiciam ter sido viciada, logo não permite a comprovação e quantificação directa da matéria tributável, pelo que nos termos do art° 87° e 88° da Lei geral Tributária estão reunidos os pressupostos para a aplicação dos métodos indirectos”, ou seja, a Administração Tributária constatou que, face aos indícios de simulação de operações comerciais tituladas por documentos escriturados como custos do exercício pelo sujeito passivo, a presunção de veracidade das declarações bem como dos dados inscritos na contabilidade da impugnante não se verificava, impedindo, assim, o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, razão pela qual, tendo sido contabilizados proveitos, e tendo a matéria coletável declarada pelo sujeito passivo sido influenciada por custos que, objetivamente, não seriam de aceitar, impunha-se a aplicação de uma metodologia adequada ao apuramento dos mesmos. Ou seja, todos os factos que determinaram o recurso à avaliação indireta se mostram detalhadamente descritos no RIT, não podendo olhar-se apenas à descrição fundamentadora expressa no mencionado capítulo “IV”, mas também ao que antes ficou descrito no capítulo “III”, para o qual é feita remissão, como decorre da expressão “Conforme se demonstrou…”. A impossibilidade de determinação da matéria tributável por métodos diretos e, consequentemente, a legalidade do recurso à avaliação indireta, deve ser aferida pela fundamentação expendida pela Administração Tributária, no cotejo com os elementos ao seu dispor no decurso da ação inspetiva, fundamentação essa particularmente exigente uma vez que deve ser evidenciado, de modo claro, que dos elementos em apreciação, resulta um descrédito da contabilidade que não permite aceitar os elementos declarados pelo contribuinte. No caso, é por demais evidente que a fundamentação expendida pela Administração, designadamente no que se refere à afirmação de que da contabilidade não resultam elementos seguros sobre os custos suportados para gerar os proveitos declarados, no essencial por terem sido recolhidos indícios sérios de uso de faturação falsa, tendo sido contabilizados custos que não correspondem a efetivas operações materiais, permite concluir, como concluiu a Administração Tributária, que se justificava o recurso à avaliação indireta. Conclui-se, pois, que a Administração Tributária, no exercício da sua competência de fiscalização, cumpriu o ónus de demonstrar a existência de todos os pressupostos do recurso necessário à avaliação indireta, conforme disposto no nº 3 do art.º 74º da LGT, fazendo um esforço no sentido de trazer à evidência um conjunto de situações que demonstram a sua falta de rigor e verdade.” A Recorrente discorda do assim decidido, sustentando que do Relatório de Inspeção nada resulta a respeito de inexatidões ou outros elementos da escrita que inviabilizassem a reconstituição da contabilidade da Impugnante expurgada dos elementos respeitantes às facturas reputadas de falsas, donde, não se encontravam reunidos os pressupostos legais de que dependia a legitimidade do recurso a métodos indirectos padecendo, consequentemente, os actos tributários impugnados de vício de violação da lei. Acrescenta que o entendimento sufragado na decisão recorrida, na esteira do adoptado pela Administração Tributária, no sentido de a existência de indícios sérios de uso de facturação falsa justificar o recurso a métodos indirectos contraria o entendimento largamente maioritário e constante defendido pelos nossos tribunais superiores. A título subsidiário, refere que mesmo que se entendesse que esse uso justificava, à luz das normas legais aplicáveis, o recurso a métodos indirectos, sempre a AT, no relatório final da inspeção, teria de efectuar essa demonstração, imperativo legal a que não deu satisfação porquanto se limitou a partir de uma premissa para chegar a uma conclusão sem cuidar de evidenciar a premissa principal, qual seja a demonstração da impraticabilidade dos métodos directos. Pelo que, conclui, “decidindo na sentença pela verificação desses pressupostos e pela consequente legalidade do recurso a métodos indiciários, incorreu o Meritíssimo juiz a quo em erro de julgamento, por violação de lei (artigos 266º, nº 2 da CRP, artigos 77º, nº4, 85º, 87º e 88º da LGT e artigo 52º do CIRC)”. Vejamos se lhe assiste razão. O recurso aos métodos indiretos só deve ser utilizado quando configure a única solução para se chegar à identificação do valor da matéria tributável efetiva. Assume, portanto, a natureza subsidiária e residual (cfr. artigo 85.º, n.º 1, da LGT). Uma “ultima ratio”, para que a AT possa cumprir o poder/dever que lhe está cometido de diligenciar no sentido de que todos os contribuintes paguem os impostos devidos. “É, de facto, doutrinária e jurisprudencialmente líquido que a AT apenas estará legitimada a recorrer a presunções, na tarefa de encontrar a matéria tributável do contribuinte, -ainda que, por natureza e norma, meramente aproximativa da efectiva, quando este tenha rompido com o seu dever de colaboração para com aquela na medida em que, por um lado, a declarada, nos termos do princípio vigente neste domínio, não mereça credibilidade, por se indiciar fundadamente, que não tem aderência à realidade e, por outro, porque não haja metodologia alternativa que permita a sua fixação directa e exacta (correcções técnicas), sendo, ao caso e atento o imposto liquidado, relevante o preceituado nos art.ºs 82.º, 83.º e 84.º do CIVA e no art.º 81.º, do CIRS” (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no recurso nº 2016/07, de 14 de novembro de 2007, disponível para consulta em www.dgsi.pt.) Neste particular, importa, desde logo, ter presente o consignado no artigo 81.º da LGT, o qual preceitua que: “1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”.
Preceituando, por seu turno, o normativo 83.º da LGT, sobre os fins da avaliação direta e bem assim indireta, no sentido que: “1 - A avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.
2 - A avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”.
Daí que, a determinação da avaliação direta, tenha como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, os quais se presumem verdadeiros. Preceituando, neste âmbito, o artigo 75.º, nº1, da LGT, de que se presumem verdadeiras as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei. O princípio da verdade declarativa coloca, assim, na esfera de atuação dos contribuintes a iniciativa no procedimento de apuramento, fixação e pagamento dos impostos, logo a AT está vinculada a liquidar os tributos com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, a posteriori, ao controlo dos factos declarados. Com efeito, só passa a competir ao contribuinte a prova de que declarou todos as situações a que estava legalmente vinculado quando, efetivamente, a AT tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar a dita presunção da escrita. Nessa medida, se por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no citado normativo 75.º, n.º 1 da LGT deixar de funcionar, a AT fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, preferencialmente com recurso aos métodos diretos ou, quando tal não seja, de todo, possível, a métodos indiretos – cfr. acórdão do TCA-Sul de 26/09/2024, processo 1458/09.8BELRS, disponível em www.dgsi.pt. Note-se que, como decorre do citado normativo, concretamente, do seu nº2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “[o]missões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”. Daí que, tenha existido a preocupação legal de se objetivarem as situações em que a matéria coletável pode ser fixada através de métodos indiretos, consagração legislativa taxativa, na medida em que não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta. O mesmo é dizer que, se não obstante a existência de irregularidades contabilísticas, for, ainda assim, possível quantificar diretamente a matéria coletável, deve-se lançar mão dos métodos diretos, desde que os mesmos permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta. No tocante à concreta enumeração, como visto, taxativa, há que chamar à colação o plasmado nos normativos 87.º e 88.º da LGT, na parte que revela para os presentes autos. Preceitua o citado artigo 87.º, n.º 1, alínea b) da LGT: “1 - A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de: a) (…) b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto; (…).” Esclarecendo, por seu turno, o artigo 88.º da LGT, no atinente à impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável que: “A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável: a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais; b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação; c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal. d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”.
Cumpre referir, ainda, que constitui jurisprudência assente que a correcção da matéria colectável através do recurso a métodos indirectos, com base na invocação de custos fundados em facturas falsas, pressupõe a demonstração dos pressupostos seguintes: i) a existência de indícios sérios e consistentes sobre a falsidade das facturas em causa; ii) a impossibilidade de avaliação directa da matéria colectável, porque os prestadores em apreço seriam os únicos cujas facturas estão inscritas na contabilidade da contribuinte e-ou porque os custos titulados pelas facturas em presença não podem ser apurados na sua materialidade, com base nos elementos fornecidos pela contribuinte, sem o recurso a estimativas – cfr. acórdão do TCA-Sul de 09/07/2020, processo 893/10.3BELRS, disponível em www.dgsi.pt. No presente recurso, apenas é posta em causa a verificação do 2º pressuposto, pelo que, tendo em conta que não estamos perante a situação em que os prestadores em causa eram os únicos cujas facturas estavam inscritas na contabilidade, importa aquilatar se os custos reais não podiam ser apurados com base nos elementos fornecidos pelo sujeito passivo. Ora, aquilo que resulta do relatório de inspecção é que “Quanto aos Fornecedores J….. e D….., os factos que foi possível identificar relativos à sua estrutura operacional não são de molde a podermos por em causa os serviços prestados.” E, no quadro de fls. 4 do RIT são identificados os “principais fornecedores” da Impugnante: “(texto integral no riginal; imagem)” É, ainda, referido no RIT, em sede de fundamentação dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos que “porque foram considerados custos que objectivamente não aconteceram, não é conhecido o valor real dos mesmos. Para ultrapassar esta dificuldade vamos calcular o lucro tributável utilizando o rácio da Rentabilidade Fiscal das Vendas (R04).” Todavia, nada se refere no RIT relativamente aos custos declarados e que não foram postos em causa pela AT – relativos aos fornecedores J...... e D........ e outros fornecedores “secundários” – desconhecendo-se o montante global dos mesmos e a razão pela qual não foram considerados a título de custos efectivamente incorridos nos anos em causa. Desse modo, não se encontra devidamente demonstrada pela AT a inviabilidade de quantificar directamente a matéria colectável, o que significa que, ao contrário do decidido pelo tribunal de 1ª instância, não se encontram reunidos todos os pressupostos para a aplicação de métodos indirectos. Verifica-se, pois, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na análise da questão em causa, o que impõe a procedência do recurso e consequente anulação das liquidações impugnadas. * Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, formulam-se as CONCLUSÕES: I. Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão, mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido. II. O caso julgado material ocorre quando a decisão transitada recai sobre o mérito da causa, sendo que a definição dada à relação material controvertida tem força dentro e fora do processo. III. Uma das vertentes do caso julgado é a autoridade do caso julgado, através da qual se obsta a que a situação jurídica material definida por sentença ou acórdão transitados em julgado possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou acórdão, impondo-se à segunda decisão de mérito o decidido na primeira como sendo seu pressuposto indiscutível, subjacente a uma relação de prejudicialidade entre o objeto de ambas as decisões. IV. A correcção da matéria colectável através do recurso a métodos indirectos, com base na invocação de custos fundados em facturas falsas, pressupõe a demonstração dos pressupostos seguintes: i) a existência de indícios sérios e consistentes sobre a falsidade das facturas em causa; ii) a impossibilidade de avaliação directa da matéria colectável, porque os prestadores em apreço seriam os únicos cujas facturas estão inscritas na contabilidade da contribuinte e-ou porque os custos titulados pelas facturas em presença não podem ser apurados na sua materialidade, com base nos elementos fornecidos pela contribuinte, sem o recurso a estimativas.
Decisão Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA E JULGAR PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, COM A CONSEQUENTE ANULAÇÃO DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO IMPUGNADOS.
Custas pela Recorrida, sem prejuízo de não ser devida, pela mesma, taxa de justiça na presente instância de recurso.
Registe e notifique.
Lisboa, 15 de julho de 2025 (Ângela Cerdeira)
(Cristina Coelho da Silva)
(Rui A. S. Ferreira)
(1)A este respeito, v. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. III, p. 94, Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1956, pp. 286 e 287, e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, 1985, Coimbra Editora, Coimbra, p. 705. (2)V. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. III, p. 93. |