Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:398/22.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/13/2025
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:IRC
MASSA INSOLVENTE
FACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I - A legitimação para efeitos de tributação em sede de IRC depende da obtenção de rendimentos/lucro.
II - Resultando demonstrado o encerramento da empresa no quadro do processo de insolvência, a apreensão do seu património e venda no âmbito da liquidação da massa insolvente, ter-se-á de concluir que a liquidação de IRC não se encontra legitimada na medida em que inexiste qualquer actividade desenvolvida que seja passível de tributação e, consequentemente, facto tributário.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Representante da Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença, proferida em 23 de Setembro de 2024, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação apresentada por M......., S.A. contra a liquidação oficiosa de IRC, e respectivos juros compensatórios, respeitantes ao exercício de 2017, com o número .......188, no montante a pagar de € 2.167.821,03.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

«A) Através da prolação da douta sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Massa Insolvente da T......., S.A., melhor identificada nos autos e aqui Recorrida, no seguimento do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.° .......188, com valor a pagar de € 2.167.821,03, relativa ao exercício de 2017.

B) Não pode, todavia, a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera que, da prova produzida, não é possível extrair as conclusões que serviram de base à decisão proferida, padecendo a mesma de erro na análise da matéria de facto,

C) não se conformando, também, com a aplicação do direito realizada em sede de dispositivo, nomeadamente, sobre o âmbito e alcance do disposto nos artigos 65.°, n.° 1 e 234.°, n.°s 1 e 3 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), 117°, n.° 10 do Código do Código do IRC, 160°, n.° 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e 15.° e 16.° Lei Geral Tributária (LGT).

D) A sociedade T......., S.A., é uma sociedade anónima que tem por objeto principal a “Construção Civil e compra e Venda de bens Imobiliários”, sendo o seu CAE Principal 68100-R3.

E) A empresa foi declarada insolvente por sentença judicial em 16-10-2015 (processo n.° 2159/15.3T8VFX), conforme consta da certidão permanente, tendo sido nomeada Administradora de Insolvência: A......., com o NIF: .......306.

F) Encontra-se cessada para efeitos de IRC nos termos do art.° 65° n.° 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) desde 02-12-2015.

G) Para dar cumprimento à Ordem de Serviço n.° .......102, de 22-02-2019, os serviços de inspeção tributária (SIT) da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) procederam à ação inspetiva interna à T....... S.A. - cfr. Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que se junta em anexo.

H) A ação de inspeção foi aberta na sequência do Projeto n° 2019/EAI/02 - Mais-Valias Imobiliárias - (Pessoas Coletivas) 2017.

I) Os SIT fizeram correções meramente aritméticas à matéria tributável do IRC, do ano de 2017, no valor de € 7.819.095,52.

J) Posteriormente foi emitida a liquidação de IRC n.° .......188, com valor a pagar de € 2.167.821,03, relativa ao exercício de 2017, vindo a impugnante, por com ela não concordar, interpor a impugnação judicial.
K) Da consulta das aplicações informáticas da AT - Património, constatou-se que no ano de 2017, a Recorrida efetuou a alienação de seis imóveis, conforme declaração Modelo 11 (submetida pelo notário) conjugada com a declaração de liquidação de IMT, em anexo 1 ao RIT (cfr. págs. 104 a 109 do RIT), e resumidas no quadro abaixo:
L) Apesar de ter efetuado a alienação de imóveis no ano de 2017, no valor de € 11.560.080,00, verificou-se que a Recorrida não procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22, nem da declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES) do ano de 2017, infringindo o disposto nas alíneas b) e c), do n.° 1 do artigo 117 ° e artigos 120° e 121°, todos do Código do IRC.

M) Sendo que, a última declaração de rendimentos modelo 22 entregue pelo sujeito passivo bem como a última declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES) foram as do ano de 2014, conforme print em anexo 3 ao RIT (cfr. págs. 118 a 120 do RIT).

N) No entanto, foram efetuadas liquidações oficiosas aos anos de 2015 e 2016 por parte da AT.

O) Analisada a última IES entregue pelo sujeito passivo, respeitante ao ano de 2014, verificou-se que em inventários está escriturado o valor de € 6.214.502,89 em terrenos e Recursos Naturais e Edifícios e outras construções o valor de € 3.605.741,58 conforme cópias em anexo 4 ao RIT (cfr. págs. 121 a 125 do RIT).

P) Pelo que, os imóveis na posse do sujeito passivo no ano de 2014, tinham um valor contabilístico de €9.820.244,47 = (€ 6.214.502,89 em inventários + € 3.605.741,58 de edifícios e outras construções e terrenos e recursos naturais).

Q) No entanto para averiguar o exato valor de aquisição dos imóveis agora alienados, foi solicitada cópia simples das escrituras dos vários artigos.

R) Junto do 5° Cartório Notarial de Lisboa, foi possível obter escritura de compra dos artigos: 2714 rústico e dos artigos 964 e 966 urbanos, bem como do artigo 2696 rústico, devidamente id

entificados no quadro 1, conforme cópia da escritura em anexo 5 ao RIT (cfr. págs. 126 a 130 do RIT).

S) Após vários pedidos, finalmente mediante pagamento por parte da Direção de Finanças de Lisboa, conseguiu-se obter as escrituras de aquisição dos artigos urbanos 962 e 1030, conforme discriminados e identificados no quadro 1, cópias das escrituras em anexo 6 ao RIT (cfr. págs. 131 a 137 do RIT).

T) De referir que na escritura de aquisição do artigo 962, também foi adquirido o artigo rústico 365, da mesma freguesia, pois tratava-se de um prédio misto. O artigo rústico foi desativado em 15-11-2002, razão pela qual se aceitou como custo de aquisição do artigo 962 a totalidade do valor pago pelo prédio misto (artigo rústico e artigo urbano), que foi de trezentos milhões de escudos ou seja €1.496.393,69.

U) Quanto ao artigo urbano 1030, a situação é idêntica à do artigo 962, pois também neste caso se tratava de um prédio misto, em que o artigo rústico 373, foi desativado em 15-11-2002, pelo que o custo de aquisição da totalidade do prédio misto foi imputado ao artigo urbano que é de duzentos milhões de escudos ou seja € 997.595,79.

V) As cópias dos prints de IMI's identificativos da desativação dos artigos supra mencionados, constam do anexo 7 do RIT (cfr. págs. 138 a 140 do RIT).

W) Assim, foi obtido um custo de aquisição para os imóveis alienados, num total de € 3.740.984,48 conforme se discrimina no quadro infra:

X) Posto o que antecede, os SIT notificaram a representante legal da sociedade, Administradora de Insolvência Dr.a A....... para proceder à submissão eletrónica das declarações em falta, com os rendimentos do ano de 2017 devidamente refletidos, bem como ao envio do Balancete Analítico antes e após apuramento de resultados do exercício de 2017, com vista a ser aferida a execução da respetiva contabilidade e à comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável.

Y) Não foi efetuada qualquer notificação para a sede da sociedade uma vez que esta se encontra com atividade cessada desde 02-12-2015, conforme print em anexo 8 ao RIT (cfr. págs. 141 a 142 do RIT).

Z) Foi remetida notificação para o domicílio fiscal do responsável legal que consta do cadastro informático da AT (anexo 9 do RIT, cfr. págs. 143 a 144 do RIT).

AA) A notificação foi efetuada pelo ofício n.° 5928 de 05-03-2020 (RH 4602 0536 0 PT) à Administradora Judicial Dr.a A......., que respondeu enviando um mail (cópia em anexo 10 do RIT, cfr. págs. 146 a 149 do RIT), onde refere o seguinte:

- foi determinada a cessação da atividade em Assembleia de Credores de 02-12-2015 com a consequente cessação das obrigações declarativas e fiscais;

- pelo que não procedeu à entrega da declaração de rendimentos e que não tem os elementos solicitados pela AT;

- enviou cópia da ata da Assembleia de credores, bem como oficio do Tribunal a comunicar à AT a cessação da atividade nos termos do art.° 65° n.° 3 do CIRE.

BB) Tendo em conta os valores apurados em relação aos rendimentos obtidos e aos gastos suportados/dedutíveis, procedeu-se ao cálculo do lucro tributável para o ano de 2017, no valor de €7.819.095,52 conforme a seguinte demonstração:

CC) Assim, a questão a deslindar no caso sub judice, e que terá implicações ao nível da legalidade ou ilegalidade da liquidação de IRC impugnada, consiste em saber se uma sociedade dissolvida, na sequência de processo de insolvência, continua ou não a existir enquanto sujeito

passivo de IRC, até à data do encerramento da liquidação, mantendo-se, assim, vinculada a obrigações fiscais, nomeadamente declarativas.

DD) Adianta-se, desde já, que, nos termos do disposto no art° 141° do Código das Sociedades Comerciais (CSC) a sociedade dissolve-se pela declaração de falência da sociedade, entrando imediatamente, salvo disposição da lei em contrário, em liquidação - art° 146° do CSC —, mantendo a sua personalidade jurídica - cfr. acórdão do STA, de 01.10.2014, proferido no proc.° n.° 0668/14. E, já anteriormente o STA assim tinha decidido, acórdão de 12-10-2006, proferido no processo n° 06P2930.

EE) Compulsadas as normas contidas no Código das Sociedades Comerciais (CSC), podem ser várias as causas de dissolução das sociedades. Porém, qualquer que seja a causa de dissolução, ela acarreta uma fase de liquidação do património societário conducente à extinção da sociedade, pois, como decorre do disposto no art.° 160°, n° 2, do CSC, a sociedade só é considerada extinta após o registo do encerramento da liquidação, mantendo até lá a personalidade jurídica, sendo sujeito de direitos e obrigações, a quem continua a ser aplicável, embora com as necessárias adaptações e em tudo que não for incompatível com o regime processual de liquidação, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas - cfr. art.° 146° do CSC.

FF) Este tem sido o entendimento unânime da jurisprudência dos Tribunais Superiores e encontra-se vertido, pelo menos, nos acórdãos seguintes: acórdão do STA, de 24-02-2011, proferido no recurso n° 01145/09; acórdão do STA de 24-09-2008, recurso n° 0199/08; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 02-07-1996, recurso n° 423/96, e acórdão do STJ de 12-10-2006, processo n° 06P2930; acórdão do STA de 24-02-2011, proferido no processo n.° 04415/09.

GG) Com efeito, a sentença de declaração de insolvência não produz a extinção imediata das sociedades comerciais nem extingue a sua personalidade tributária, pois sendo submetida a um processo de insolvência, a extinção da sociedade comercial apenas se produz com o registo do encerramento do processo, após o rateio final (cf. n.° 3 do art. 234.° do CIRE).
HH) Por outro lado, e caso seja adotado um plano de insolvência com fins de recuperação, a sociedade persistirá para lá do encerramento do processo, como resulta do disposto no n.° 1 do art. 234.° do CIRE, resultando, por isso, reforçada no âmbito do CIRE a pertinência da manutenção da capacidade tributária da empresa insolvente - veja-se na doutrina SERRA, Catarina - Lições de Direito da Insolvência, Coimbra: Almedina, 2018, pág. 89.

II) E, nos termos do disposto nos arts. 15.° e 16.° da LGT resulta que quem tem personalidade fiscal é quem tem capacidade contributiva, e que esta é uma faculdade de quem tem capacidade de gerar rendimentos, independentemente da personalidade jurídica, pelo que nesse sentido, a sociedade insolvente em fase de liquidação mantém, pois, a personalidade tributária.

JJ) Por conseguinte, em termos fiscais e designadamente para a aplicação dos mecanismos estruturais do IRC, o que é decisivo é a cessação de atividade, a qual só ocorre nas situações expressamente previstas no aludido n° 5, do art.° 8° do CIRC, ou seja, na data do encerramento da liquidação.

KK) Isto é, inexistindo qualquer exceção prevista na lei, todas as sociedades dissolvidas, qualquer que seja a causa da dissolução, mantêm as obrigações fiscais e obrigações declarativas, sendo a sua responsabilidade do liquidatário ou do administrador da insolvência, conforme expressamente referido pelo n° 10, do art.° 117° do CIRC.

LL) As sociedades em fase de liquidação mantêm, pois, a personalidade jurídica, ainda que exista a liquidação do património societário no sentido da extinção da sociedade, sendo que, nos termos do n° 2 do art.° 160° do CSC, a sociedade só se considera extinta após o registo do encerramento da liquidação e, até lá mantêm a personalidade jurídica e continuam a ser-lhes aplicáveis, com as necessárias adaptações as disposições que regem as sociedades não dissolvidas.

MM) O processo de insolvência não afasta a necessidade de as sociedades que vierem a ser declaradas insolventes possuírem contabilidade organizada, que deverá refletir todas as operações com relevo contabilístico, e que será a base das declarações fiscais a apresentar.

NN) Na Circular n° 10/2015, de 9 de setembro, do Gabinete do Diretor Geral da AT, com vista a clarificar o cumprimento das principais obrigações fiscais por parte dos administradores da insolvência ou de outros representantes de entidades em situação de insolvência, tendo por base o estudo realizado por um grupo de trabalho mandatado para o efeito e o entendimento por este preconizado, superiormente sancionado por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 14-07-2015, conclui-se, no seu ponto 3, o seguinte:

«a) A declaração de insolvência não determina a extinção da sociedade, verificando-se a continuidade da respectiva personalidade tributária até ao registo do encerramento definitivo da liquidação.

b) Uma pessoa coletiva em situação de insolvência continua a existir, enquanto sujeito passivo de impostos, mantendo-se obrigada ao cumprimento das obrigações fiscais previstas nos códigos tributários;

c) Pelo que, o disposto no artigo 65.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C IRE), com a redação que lhe foi dada pela Lei n.° 16/201 2, de 20 de abril, não pode ser interpretado no sentido de determinar:

i) A perda da personalidade tributária da pessoa coletiva insolvente, subsistindo a suscetibilidade de esta ser sujeito de relações jurldicas tributárias no decurso do processo de liquidação;

ii) Qualquer tipo de exclusão do âmbito de incidência de impostos; ou

iii) A extinção de obrigações fiscais que ainda não se tenham constituido na esfera da pessoa coletiva insolvente à data da deliberação de encerramento do estabelecimento, ou

iv) O afastamento das obrigações que venham a incidir sobre a insolvente em resultado das operações de liquidação que sejam realizadas até à extinção do processo de insolvência;

d) A deliberação de encerramento do(s) estabelecimento(s) compreendido(s) na massa insolvente, a que se refere o n° 3 do artigo 65° do CIRE, sendo comunicada oficiosamente pelo tribunal, pode ser determinante da cessação de atividade para efeitos fiscais (IRC e IVA), no pressuposto de que a atividade da pessoa coletiva insolvente deixará de ser exercida e que, consequentemente, deixará de lhe ser exigível o cumprimento das obrigações fiscais especificamente emergentes da prossecução normal de uma atividade;

e) Todavia, a dispensa integral do cumprimento de obrigações fiscais subsequentes verificar-se-á apenas nos casos em que estejam já esgotados os ativos da pessoa coletiva insolvente e desde que a liquidação e partilha da massa insolvente não integre atos supervenientes com relevância em termos de incidência tributária;

f) A inatividade ou a não exploração de estabelecimentos compreendidos na massa insolvente não significa de per si a impossibilidade de ocorrência de factos tributários posteriores, nem legitima que tais factos se devam excluir da tributação;

g) sendo todavia de reconhecer que as transmissões de bens compreendidos na massa insolvente que ocorram após a deliberação do encerramento de estabelecimento, revestem uma natureza específica, devendo ser consideradas vendas judiciais, com os consequentes efeitos em sede dos impostos sobre o rendimento e a despesa, nomeadamente quanto à definição do valor tributável e procedimentos de liquidação.».

OO) Neste sentido, independentemente de ter havido cessação da atividade, foram gerados factos tributários em sede de IRC, que estão sujeitos a tributação, tal como contemplado nos art.° 8° e 23° do CIRC, pelo que deveria ter sido entregue a respetiva declaração de rendimentos modelo 22, contemplando as transações efetuadas.

PP) Tanto resulta, igualmente, do disposto no n.° 1 do art. 65.° do CIRE, norma que permaneceu inalterada após a mudança introduzida nesta disposição pela Lei n.° 16/2012, de 20 de abril.

QQ) É o Administrador da insolvência o responsável, para além do mais, por promover a elaboração e depósito das contas anuais, nos termos que forem legalmente obrigatórios para o devedor, tal como decorre do n.° 1 do art. 65.°, do CIRE (norma que se manteve inalterada desde a redação inicial do diploma), assim como a manutenção das obrigações declarativas perante a AT, inexistindo qualquer norma da qual decorra a isenção em IRC nas transações que caibam na norma de incidência deste tributo efetuadas durante este período - cfr. acórdão do STA 00343/12.0BEVIS, de 13-05-2021, em sede de IVA, com raciocínio perfeitamente transponível para o caso sub judice.

RR) Como resulta da letra do n° 1, do art.° 268° do CIRE, na redação vigente à data dos factos, apenas estavam abrangidas pela isenção de IRC, as mais-valias resultantes da dação em cumprimento de bens do insolvente e da cessão desses bens aos credores e já não as resultantes da venda desses bens, ainda que o seu produto seja aplicado no pagamento aos credores.

SS) Ora, em face do exposto, não sobejam dúvidas acerca da tributação (não isenção), à data do facto tributário em crise nos autos - 2017 - da venda de bens e direitos, na pendência de processo de insolvência, por aplicação do disposto no n° 1, do art.° 268°, na redação anterior à Lei n° 114/2017, de 29 de dezembro.

TT) Mais, o IRC, devido pelas mais valias resultantes da venda do imóvel nos autos de insolvência, deve ser considerado dívida da massa insolvente.

UU) Atento todo o acima exposto, e tendo em conta que o sentenciado deu como provada toda a matéria factual constante do relatório de inspeção tributária (Facto provado E)), a Recorrente fez a prova que a si competia.

VV) Ainda releva que, no que respeita ao mencionado nas págs. 18 e 19 da sentença, no sentido de que «No mais, resulta evidente que no caso dos autos não foi demonstrado pela AT que a Impugnante tenha desenvolvido no exercício de 2017 uma qualquer atividade económica ou tenha obtido ganhos geradores de excessos relativamente aos créditos a satisfazer no âmbito da liquidação do ativo da insolvente (ponto 1 dos factos não provados).», ao contrário do sentenciado, caberia à Recorrida provar que não obteve «ganhos geradores de excessos relativamente aos créditos a satisfazer no âmbito da liquidação do ativo da insolvente.».

WW) O que, tal como resulta dos autos, a Recorrida não fez.

XX) E, se a invocação da inexistência de facto tributário determina a ilegalidade em concreto da liquidação, por erro nos pressupostos (cfr. acórdão do STA de 07.01.2016, processo n° 01120/15), por outro, cabe à Impugnante o ónus da prova dessa ilegalidade, comprovando que não foi exercida qualquer actividade geradora de imposto (cfr., nesta linha, acórdão do STA de 22.04.2015, processo n° 0826/13 e acórdão do TCAN de 16.10.2014, processo n° 00333/11.0BEAVR).

YY) E, relativamente às sociedades em liquidação em processo de falência, não é o facto de se tratar de uma execução universal de bens e de se estar em presença de uma situação económica deficitária que impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC.

ZZ) Uma vez que a Impugnante continua a ser sujeito passivo de imposto, mesmo após declaração de falência, nada a impedia de usar a faculdade de demonstrar que a matéria tributável apurada pela AT, nos termos estatuídos na lei, não correspondia à realidade ou que inexistia, de todo.

AAA) No entanto, não bastava para esse efeito uma mera alegação genérica e vaga de que a sociedade não tinha atividade, sem mais.

BBB) Assim, o sentenciado viola o disposto nos artigos 65.°, n.° 1 do CIRE, 234.°, n.°s 1 e 3 do CIRE, art.° 117°, n.° 10 do CIRC, 160°, n.° 2 do CSC, 15.° e 16.° LGT.

CCC) Conclui-se, pois, que as correções efetuadas pelos SIT, bem como a liquidação em análise na presente impugnação judicial não merecem qualquer reparo, pelo que, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que, dando provimento ao recurso, mantenha válida a liquidação na ordem jurídica e produtora de todos os seus efeitos legais.

A terminar,

DDD) Afigura-se que, a conduta da Fazenda Pública não é merecedora de censura, na medida em que pugna no processo de impugnação judicial, de modo fundamentado, pela posição adotada, em conformidade com o direito aplicável, e sem utilizar qualquer meio que possa ser reputado de inútil, desadequado ou dilatório, bem como se pauta pelo princípio da colaboração com a justiça, abstendo-se da prática de atos inúteis, fornecendo todos os elementos necessários à boa decisão da causa.

EEE) Pelo que, tendo o processo valor superior a € 275.000,00, entende-se que a Fazenda Pública merece ser dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6° n.° 7 do RCP, ou seja, que em sede de elaboração da conta de custas nos presentes autos, seja desconsiderado o remanescente da taxa de justiça, em respeito pelos princípios da proporcionalidade, da justiça e do acesso ao direito.

III. Do pedido

Termos em que, dando-se total provimento ao presente recurso, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que julgue a liquidação conforme à lei, com as devidas consequências legais.

Mais se requer que seja a Fazenda Pública dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6°, n.° 7 do Regulamento de Custas Processuais.»


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A Recorrida M......., S.A., notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, nas quais concluiu do seguinte modo:
a. As operações em crise nos autos (de alienação de imóveis) não representam o exercício de uma atividade económica, mas sim atos necessários à liquidação de património no contexto da insolvência, não podendo ser qualificados como factos tributários sujeitos a IRC, como bem defendeu o Tribunal a quo;
b. O artigo 65.° do CIRE estabelece que com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, extinguem-se, à partida, todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo Tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação de atividade;
c. A jurisprudência e doutrina esclarecem, pacificamente, que após a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, só existirá obrigação declarativa caso ocorra qualquer evento suscetível de ser considerado facto tributário para efeitos de IRC;
d. No caso dos autos, não ficou provado que a Recorrida tenha desenvolvido em 2017 uma atividade económica ou tenha obtido ganhos geradores de excessos relativamente aos créditos a satisfazer no âmbito da liquidação do seu ativo, nem tal matéria foi objeto de impugnação de facto por parte da Fazenda Pública;
e. A venda dos bens imóveis integrados na massa insolvente, a favor de terceiros, não gera um acréscimo patrimonial sujeito a tributação para efeitos de IRC, pois tais operações resultam de atos praticados no contexto de uma insolvência;
f. A conduta da Autoridade Tributária e Aduaneira, ora sufragada pela Fazenda Pública, viola os comandos legais do CIRE antes identificados - o artigo 65.°, assim como disposto no n.° 2 do artigo 156.° e no n.° 1 do artigo 158.° daquele código -, uma vez que desconsidera a cessação das obrigações declarativas e fiscais após a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento e a natureza das operações realizadas no contexto da insolvência;
g. A conduta da Autoridade Tributária e Aduaneira viola o disposto na Circular n.° 10/2015, pelo que os atos tributários escrutinados nos autos são ilegais, por violação do disposto no artigo 68.°-A da LGT;
h. As orientações genéricas têm caráter obrigatório para a Autoridade Tributária e Aduaneira, não adquirindo força vinculativa direta para os contribuintes ou Tribunais, ao não constituírem fontes de Direito;
i. A sentença recorrida deve ser mantida na ordem jurídica, improcedendo a alegação da Recorrente, por infundada e representativa de uma interpretação insustentável dos factos e dos comandos legais relevantes.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Excelências suprirão, deverá o presente recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo, com as legais consequências.
Espera deferimento,
A Advogada,”

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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento quando considerou que alienação de imóveis no
âmbito da liquidação da massa insolvente não representam o exercício de uma actividade económica, mas sim actos necessários à liquidação de património no contexto da insolvência, não podendo ser qualificados como factos tributários sujeitos a IRC, bem como que a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento extingue as obrigações declarativas e fiscais da sociedade insolvente.

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Após vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
A sentença recorrida deu como provados os eguintes factos:

«A) Por sentença proferida em 08.10.2015, pelo Juízo 3 da Secção de Comércio da Instância Central do Tribunal de Vila Franca de Xira, Comarca de Lisboa Norte, no âmbito do processo n.° 2159/15.3T8VFX, foi a sociedade "T......., S.A." declarada insolvente, tendo a administração da massa insolvente sido entregue à Administradora de Insolvência ali designada (cfr. doc. n° 2 junto com a p.i.).

B) No âmbito da Assembleia de Credores realizada no âmbito do processo referido na alínea antecedente, em 02.12.2015, foi aprovado pela maioria dos credores representados o encerramento da atividade e a consequente liquidação do ativo, sendo ainda constituída uma comissão de credores, tendo sido também proferido despacho a determinar a remessa de cópia certificada da ata à AT para os efeitos previstos no artigo 65°, n° 3 do CIRE (cfr. doc. n° 3 junto com a p.i.);

C) Em 12.09.2018 foi emitido o ofício n.° 138495060 pelo Juízo 3 da Secção de Comércio da Instância Central do Tribunal de Vila Franca de Xira, Comarca de Lisboa Norte, no âmbito do processo n.° 2159/15.3T8VFX, endereçado à Direção de Finanças de Lisboa com o assunto "Comunicação art.° 65° n°3 do CIRE", com o seguinte teor: "Para efeitos de cessação de atividade, levo ao conhecimento de V. Ex° de que em Assembleia de Credores realizada nos autos supra referenciados em 02-12-2015, foi deliberado o encerramento da actividade do estabelecimento do insolvente, T......., SA, com a consequente extinção de todas as obrigações declarativas e fiscais." (cfr. doc. n° 4 junto com a p.i.);

D) Em cumprimento da ordem de serviço n° .......102, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 13.° e alínea b) do n.° I do artigo 14.°, ambos do RCPITA, foi ordenado procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, sobre o IRC do ano de 2017, ao sujeito passivo T......., S.A. (cfr. Relatório Inspetivo constante do PAT);

E) Em 14.09.2021 foi elaborado o Relatório Final da ação inspetiva onde consta, designadamente, o seguinte:

III.2.1 Correccões em sede de IRC - ano de 2017

De acordo com o exposto no Capítulo III.1.1 constatou-se que não foi declarada a venda dos imóveis, não tendo sido apresentado os elementos da contabilidade, nomeadamente os balancetes analíticos solicitados, pelo que vamos recorrer aos elementos disponíveis no sistema informático da AT e Aduaneira, com vista ao apuramento da matéria colectável do ano de 2017, nos termos do artigo 17º e conforme previsto no n.° 2 do artigo 16º do Código do IRC.

III. 2-1.1 Rendimentos

Desta forma, consideram-se rendimentos do ano de 2017, nos termos do n.° 1 do art. 20° do Código do IRC, a venda dos imóveis, no valor de €11.560.080,00. conforme elementos obtidos das aplicações informáticas da AT — Patrimonio (Anexo 1):

III.2.1.2 Gastos

Conforme referido nos pontos anteriores, foi possível obter as escrituras de aquisição dos imóveis agora alienados e que constam do quadro 2 do ponto III. 1.2 e que ascendem na sua totalidade a €3.740.984,48 que vão ser considerados os gastos suportados/dedutíveis, nos termos do n.° 1 do artigo 23° do Código do IRC.

Não foi efectuada qualquer liquidação oficiosa por parte da AT a partir de 2016, (print que consta do anexo 3).

III.2.2 Apuramento do Lucro Tributável — ano 2017

Tendo em conta os valores apurados em relação aos rendimentos obtidos e aos gastos suportados/dedutíveis, já explicado nos pontos anteriores, procedemos ao cálculo do lucro tributável para o ano de 2017, no valor de €7.819.095,52 conforme a seguinte demonstração:

Quadro 3 — Apuramento do Lucro Tributável - 2017

F) Em concretização das correções efetuadas no Relatório Inspetivo, foi em 25.10.2021 emitida a liquidação de IRC do exercício de 2017 com o n° .......188, que gerou um montante total a pagar de € 2.167.821,03, com data limite de pagamento em 14.12.2021 (cfr. doc. 1 junto com a p.i.);

G) No ano de 2017, a Impugnante procedeu através do sua Administradora de Insolvência, à alienação dos seguintes imóveis que eram propriedade da sociedade insolvente:

(facto admitido por acordo).

H) A Impugnante apresentou a presente impugnação em 14.03.2022 (cfr. fls. 1 dos autos).»


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No que respeita a factos não provados, consta da sentença o seguinte:
«1- Não foi provado que a Impugnante tenha desenvolvido em 2017 uma atividade económica ou tenha obtido ganhos geradores de excessos relativamente aos créditos a satisfazer no âmbito da liquidação do seu ativo.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.»

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Em matéria de convicção, referiu o Tribunal a quo:

«A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo, e na posição factual expressa pelas partes nos seus respetivos articulados.

Quanto ao facto não provado, o mesmo resulta, da total ausência de recolha desses elementos pela AT, no âmbito da ação inspetiva.»


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II.2. Enquadramento Jurídico

A sentença recorrida julgou a presente impugnação procedente e, consequentemente, anulou o acto de liquidação de IRC do ano de 2017 e os respectivos juros compensatórios aqui impugnados.

Para tanto, e após exposição do regime legal aplicável, considerou, no essencial, o seguinte:
1- Quanto à extinção das obrigações declarativas após a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento:
Perante o regime legal transcrito, nomeadamente, face à redação do artigo 65° do CIRE (conferida pela Lei n° 16/2012 de 20/04) é hoje indiscutível e pacífico que o encerramento da atividade não se dá com o encerramento da liquidação, mas sim com a deliberação da assembleia de apreciação do relatório de encerramento da atividade do estabelecimento - artigo 65° n°3 do CIRE. E que as obrigações declarativas cessam "necessariamente” (como consta expressamente do preceito), com o encerramento da atividade do estabelecimento, o qual, inclusive, é, pelo Tribunal, oficiosamente comunicada à Administração Tributária (o que não colide com a suscetibilidade ou possibilidade de após esse momento serem realizadas operações tributáveis e relativamente a estas ser exigível a correspondente tributação).
Tal é o entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.° 0736/18.0BELRS, de 18.05.2022, onde se sumariou: "Após a deliberação do encerramento da atividade dos estabelecimentos compreendidos na massa insolvente e a comunicação desse facto à Autoridade Tributária pelo tribunal competente, extingue-se o dever de apresentação periódica das declarações de rendimentos relativas a períodos ulteriores e a que alude o artigo 120.° do CIRC”.
Pelo que, sem mais delongas, não procede o argumento da Fazenda Pública que defende a obrigatoriedade da entrega das declarações após a deliberação da Assembleia de credores de encerramento da atividade do estabelecimento, prosseguindo o processo de insolvência para liquidação do ativo.

2- A existência de facto tributável:
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 3.°, n.° 1 do Código do IRC, a base do imposto, para as sociedades que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, é o lucro.
Pelo que, importa aferir se após a declaração de insolvência, nomeadamente, quando é determinado o encerramento da sua atividade, se a sociedade insolvente deixa de consubstanciar uma estrutura económica que visa alcançar o lucro.
No desenrolar do processo de liquidação de uma sociedade insolvente, subsequente à sua dissolução, há um processo de desmantelamento da instituição societária, através de uma sequência de atos ou factos jurídicos que determinam a cessação progressiva da sua existência. Trata-se de um facto contínuo de execução continuada.
A sociedade em liquidação, após a ocorrência do facto dissolutivo, contínua suscetível de direitos e obrigações, mas os atos que pratica - ou os que são praticados pelo administrador de insolvência no processo de insolvência - passam a ser no sentido da cessação ou extinção das relações em causa e não no sentido da prossecução do seu objeto social.
Ademais, o processo de insolvência é um processo de liquidação universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência (cfr. artigo 1.° do CIRE).
Com efeito, o processo de insolvência é orientado para a satisfação dos credores e não para a obtenção de lucro, pelo que, após a referida declaração, não se realizam (em regra) operações económicas de carácter empresarial, no contexto normal de desenvolvimento de uma atividade económica.
Contudo, importa realçar que esta conclusão apenas vale para os casos em que é deliberado o encerramento da atividade e já não valendo para os casos em que é determinado o prosseguimento da sua atividade.
Há que separar as circunstâncias específicas de cada caso em concreto. Ou seja, o que releva para aplicação do artigo 3° do CIRC é aferir, em cada caso, se apesar da declaração de insolvência, a sociedade continuou (ou não) a exercer atividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC e, bem assim, se obteve (ou não) ganhos geradores de excessos relativamente aos créditos a satisfazer no âmbito da liquidação do ativo da insolvente.
Na situação trazida, informam os autos e o probatório que após a declaração de insolvência foi deliberado pela assembleia de credores o encerramento e liquidação da sociedade (Cf. Alíneas A, B e C) dos factos provados).
Portanto, com a sentença de declaração de insolvência a sociedade passou a existir como uma massa insolvente, um acervo de bens integrantes da mesma. Foram esses bens, enquanto património autónomo (massa insolvente) que foram alienados com vista à satisfação dos credores em concurso universal.
Não se tratou de uma venda do imobilizado para realização de mais, ou menos valias. É uma venda de bens apreendidos para a massa insolvente visando a satisfação dos credores, cujo resultado não integra o conceito de lucro (vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.° n° 01079/03 de 29.10.2003 e Acórdãos do Tribunal Central Administrativo do Sul, Processo n.° 107/15.0BESNT de 13/05/2021, Processo n.° 1162/16.0BESNT, de 09.06.2021 e Processo n.° 996/19.9BESNT de 22.06.2023).
Como se depreende da matéria de facto fixada, a sociedade já não desenvolvia a atividade própria daquele que foi o seu objeto social, tendo-se a administradora de insolvência limitado a alienar o património apreendido para a massa insolvente para dar pagamento aos credores reclamantes (facto provado alínea G).
No mais, resulta evidente que no caso dos autos não foi demonstrado pela AT que a Impugnante tenha desenvolvido no exercício de 2017 uma qualquer atividade económica ou tenha obtido ganhos geradores de excessos relativamente aos créditos a satisfazer no âmbito da liquidação do ativo da insolvente (ponto 1 dos factos não provados).
Se não ocorrer qualquer atividade económica não poderá haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário (Vide, a título exemplificativo, Acórdão do TCAN, processo n.° 288/16.5BEPRT de 11.03.2021).
O caso concreto não evidencia qualquer atividade em que subsista a sujeição a IRC, pois que, contrariamente ao que os SIT entenderam, a transmissão dos imóveis em causa não resulta da normal atividade económica da impugnante.
Assim sendo, não foi provado pela AT a existência de facto tributário em sede de IRC que a legitimasse a proceder a qualquer liquidação de IRC à ora impugnante, o que conduz necessariamente à consideração de que a liquidação impugnada é ilegal, devendo, por isso ser anulada.
Do acima exposto impõe-se concluir que o ato tributário em apreço enferma de erro nos pressupostos de facto, o que determina a sua anulação.
Acresce que, tal é inclusivamente o entendimento sufragado na Circular n.° 10/2015 acima transcrita. (…)”

Como se viu, em suma, a sentença recorrida fundamentou a procedência da impugnação no facto de considerar que a AT não demonstrou a existência de qualquer facto tributário susceptível de tributação após a comunicação do encerramento da actividade da sociedade insolvente.

A Recorrente, quanto à matéria de facto, apenas invoca o erro na sua análise, não a impugnando.
Ora, o que resulta do probatório é, de facto, que a sociedade ora Recorrida, declarada insolvente, foi objecto de encerramento da actividade, o que foi comunicado à AT (pontos A), B) e C)), que no ano de 2017 a Recorrida procedeu através do sua Administradora de Insolvência, à alienação de vários imóveis (G)), tendo sido julgado não provado que a Recorrida tivesse desenvolvido em 2017 uma actividade económica ou “tivesse obtido ganhos geradores de excessos relativamente aos créditos a satisfazer no âmbito da liquidação do seu ativo” (ponto 1)).
Perante este quadro factual há que dizer, desde já, que a decisão recorrida não merece qualquer censura.
Se não vejamos:
Se é certo que a sociedade dissolvida, na sequência de processo de insolvência, continua a existir enquanto sujeito passivo de IRC até à data do encerramento da liquidação, ficando sujeita, com as necessárias adaptações e em tudo o que não for incompatível com o regime processual da massa insolvente, às disposições previstas no CIRC para a tributação do lucro tributável das sociedades em liquidação, mais se mantendo vinculada a obrigações fiscais declarativas (cfr. arts. 8.º do CIRC e 65.º n.º 1 e 2 do CIRE ), o que significa que, caso continue a realizar, ainda que ocasionalmente, transmissões de bens ou prestações de serviços correspondentes ao exercício de uma actividade económica que impliquem a sua qualificação como sujeito passivo de IRC deve, nos períodos de imposto em que tal se verifique, proceder ao cumprimento das obrigações previstas no mesmo diploma, a verdade é que no caso concreto, estando já comunicado o encerramento da actividade e não tendo resultado demonstrado pela AT, a quem competia esse ónus, já que tinha conhecimento oficial desse encerramento, que a Recorrida tivesse desenvolvido em 2017 uma actividade económica ou “tivesse obtido ganhos geradores de excessos relativamente aos créditos a satisfazer no âmbito da liquidação do seu ativo”, tal significa que não tinha que cumprir qualquer obrigação declarativa (art. 65.º n.º 3 do CIRE, na redacção vigente).
E, portanto, o que há que apurar é se a venda dos imóveis no âmbito da liquidação da massa insolvente pode ser considerado facto tributário para efeitos de sujeição a IRC.
Isto porque, como tem sido decidido recorrentemente pelos tribunais superiores, de que é exemplo o Ac. do STA, de 17-11-2010, proc. n.º 0609/10, “inexistindo facto tributário em resultado da inactividade do sujeito passivo e consequente não demonstração da obtenção de receitas no ano a que respeita a tributação, não se verifica o pressuposto do imposto (artigo 1.º do CIRC)”.
Na verdade, e como ali também ficou consignado, “dispõe o artigo 1.º do Código do IRC, sob a epígrafe pressuposto do imposto, que tem aqui o sentido de facto constitutivo da respectiva relação jurídica de IRC (cfr. SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7. ed., Coimbra, Almedina, 1993, p. 187), que:
«O imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo que provenientes de actos ilícitos, no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos, nos termos deste Código» (sublinhados nossos). Segue-se a norma relativa à incidência subjectiva (artigo 2.°, Sujeitos passivos), entre os quais se contam as sociedades comerciais com sede ou direcção efectiva em território português (artigo 2.°, n.° 1, alínea a) do CIRC), cuja base do imposto, de acordo com o artigo 3.° do CIRC, é constituído pelo respectivo lucro, quando exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola (cfr. o artigo 30, n.° 1, alínea a) do CIRC).
Parece certo, em face das normas de incidência subjectiva do IRC, que a inactividade da empresa não obsta a que esta possa ser sujeito passivo de imposto, pois que mantém a sua existência jurídica não obstante o não exercício do objecto social (embora a personalidade jurídica não seja, sequer, pressuposto da sua potencial sujeição - cfr. a alínea b) do n.° 1, do artigo 2.° do CIRC) e pode ter obtido outros rendimentos tributáveis. Sucede, contudo, que tal só sucederá verificado que seja o pressuposto do imposto, ou seja, que tenha obtido rendimentos, mesmo que provenientes de actos ilícitos (artigo 1.º do CIRC), pois que não basta que possa ser sujeito passivo, necessário é também que se verifique o facto constitutivo da relação jurídica de IRC.
(…)
A norma em causa, respeitante à determinação do lucro tributável, só se aplica havendo rendimentos, pois que só havendo rendimentos, ou seja, só verificado que seja o pressuposto do imposto, nasce a respectiva relação jurídica.
Mesmo nesse caso, ou seja havendo rendimentos, o valor mínimo constante da referida norma legal terá de ser entendido como mera presunção de rendimento, e como tal ilidível, ex vi do 73.° da Lei Geral Tributária, cuja regra não parece aplicável apenas as normas de incidência tributária em sentido próprio, mas também a todas as normas que estabelecem ficções que influenciam a determinação da matéria colectável (quer directamente, através de valores ficcionados para a matéria colectável, quer indirectamente, ao fixarem ficcionadamente os valores dos rendimentos relevantes para a sua determinação).
(…)
Assim,…,a existência de rendimentos tributáveis não é apenas um pressuposto do regime simplificado de tributação, mas da constituição de qualquer relação jurídica de IRC, que se assume, precisamente, como um imposto sobre rendimentos, fundamentalmente reais, e não como um imposto de “porta aberta”. (…)”.
No mesmo sentido, cfr. Acórdão do STA, proferido no proc. n.º 01145/09, em 24-02-2011.

Regressando ao caso concreto, como se viu do probatório, pode extrair-se que no ano de 2017 a Recorrida não obteve qualquer rendimento, tendo havido apenas a venda dos imóveis na sequência da liquidação do imobilizado.
Por outro lado, não ficou demonstrado que a sociedade impugnante, nesse ano, tivesse desenvolvido qualquer actividade comercial, o que, de resto, é coerente com a verificação da venda do imobilizado e com o encerramento da actividade.
Dito isto, e verificando que não foram obtidos rendimentos resultantes da actividade da Recorrida e que apenas foram alienados, no âmbito da massa falida, bens que integravam o seu activo imobilizado, ainda aqui há que averiguar se tal venda pode integrar o conceito de mais-valias e menos-valias previsto no art. 43.º do CIRC (a que corresponde hoje o artigo 46.º). Dito de outro modo, importa apreciar e decidir se a consideração da existência de "proveitos" advindos da venda de bens do activo imobilizado da empresa é ou não susceptível de ser tributada em IRC.
Sobre esta matéria o Tribunal toma a posição que muito claramente foi analisada e decidida no acórdão do STA, de 29-10-2003, proferido no proc. n.º 1079/03, cujo conteúdo, em parte, se transcreve. Em tal aresto pode ler-se que:
“(…)
Tal venda teve lugar “nos Autos de Liquidação do activo apensos ao processo de falência”.
Ora, o activo imobilizado compreende o conjunto de bens e direitos com que a sociedade cumpre ou concretiza a consecução do seu objecto social.
Ou, de outro modo: aquele conjunto de bens que, constituindo parte integrante do seu património activo, tenham sido adquiridos - ou, até produzidos, - pela empresa com outro destino que não seja a revenda, que não constituam, pois, objecto do seu comércio, que, em suma, não constituam mercadoria, correspondente ao seu activo indisponível, por contraposição ao activo realizável.
Trata-se de bens duradouros, corpóreos ou incorpóreos, da empresa, directamente afectos à produção e nela utilizados, concretizando o respectivo capital fixo, cujo destino normal não é a alienação mas a afectação à actividade empresarial.
Eventualmente, podem ser alienados e, muitas vezes, o são.
É esta última a situação prevista no artº 43º do CIRC, que estabelece o conceito de mais-valias: "os ganhos obtidos ou as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título porque se opera".
Ora, como bem refere o Exmº magistrado do MP, decretada a falência, cessa a prossecução do objecto social da empresa e, portanto, a obtenção de lucros que é a base do IRC - artº 1º e 3º do CIRC -, não mais havendo, consequentemente, activo imobilizado, como tal.
Todos os bens da empresa são, então, apreendidos e passam a integrar a chamada "...": "um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar (desde logo) os créditos reconhecidos", como bem refere o MP.
Ora, como acima se referiu, a venda em causa teve lugar nos autos de liquidação do activo da empresa, uma vez decretada a respectiva falência.
Pelo que, em rigor, se não trata da venda de bens do seu activo imobilizado.
Trata-se, antes, da venda de bens da referida massa em ordem, nomeadamente e sobretudo, à satisfação dos credores, em concurso universal.
Assim, a venda de bens da ..., não se integra no disposto no artº 43º do CIRC.(…)”
Para efeitos de consideração de mais-valias, temos, pois, que, com a declaração de insolvência não há mais activo imobilizado, qua tale, sendo, antes, todos os bens apreendidos, passando a constituir um novo património, um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, primeiramente, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos – vide ac. citado.
Ora, o importante a reter, no caso em apreço, é que, sem prejuízo das obrigações declarativas da sociedade falida e sem desconsiderar que, mesmo em situação falimentar, é possível conceber uma actividade da sociedade que possa gerar situações passíveis de sujeição a IRC, esse não é o caso das alegadas mais-valias geradas pela venda de imobilizado da empresa, no âmbito do processo de falência.
Com efeito, mesmo em situação falimentar, pode conceber-se alguma actividade económica geradora de rendimentos tributáveis, como é o caso, por exemplo, de negócios jurídicos de execução duradoura iniciados antes da declaração de falência. No entanto, numa hipótese como esta daquilo que estamos a falar é ainda de um ganho que se prende com a actividade produtora da empresa.
Ora, contrariamente, no caso dos ganhos obtidos com a alienação de bens que integravam o activo imobilizado da sociedade, não estamos no domínio da actividade produtiva da sociedade, tratando-se antes de ganhos alheios a tal actividade. Estes ganhos, no âmbito de um processo falimentar, não podem, como vimos, ser sujeitos a imposto, sob pena de desvirtuarmos o fim do processo em causa e impedirmos, assim, que se cumpram os objectivos de permitir que um determinado acervo de bens e direitos, retirados da disponibilidade da sociedade, sirva em exclusivo para pagar os créditos reconhecidos, em concurso universal.

Neste sentido, cfr. Acórdãos deste TCA Sul, proferidos no proc. n.º 08251/14, de 13-07-2016 e 76/12.6BELRS, de 19-12-2024, cujo sumário, porque bastante elucidativo a seguir transcrevemos:
I - Com a declaração de insolvência a pessoa coletiva não deixa de existir, para efeitos do artigo 2.º do CIRC continuando, portanto, a ser sujeito passivo de IRC, e nessa medida, vinculada ao cumprimento das obrigações declarativas daí advenientes;
II - A omissão declarativa não integra, sem mais, fundamento para a tributação em imposto sobre o rendimento.
III - A legitimação para efeitos de tributação em sede de IRC depende da obtenção de rendimentos/lucro.
IV - Resultando demonstrado o encerramento da empresa, no quadro do processo de insolvência, a apreensão do seu património e pagamento das dívidas dos credores e a subsequente prestação de contas, ter-se-á de concluir que a liquidação oficiosa de IRC não se encontra legitimada na medida em que inexiste qualquer atividade desenvolvida, donde passível de tributação, e consequentemente facto tributário.

Assim, tendo-se chegado à conclusão de que, no ano de 2017, não houve qualquer proveito resultante da actividade da Recorrida e de que, do mesmo passo, não houve qualquer proveito tributável em IRC, ainda que resultante da alienação do seu imobilizado, tudo isto vale por dizer que, a liquidação impugnada, não tendo na sua base qualquer facto tributário, é ilegal, não se podendo manter, razão pela qual a sentença que assim decidiu deve ser confirmada.
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Dispensa do remanescente
Como se viu, a Recorrente vem pedir a dispensa do remanescente da taxa de justiça.
A decisão recorrida concedeu tal dispensa com os seguintes fundamentos:
No caso, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida tendo em conta a correta conduta processual das partes, a complexidade das questões decidendas, não inferior ao normal, mas consideravelmente mitigada pela citada Jurisprudência consolidada, e acima de tudo o facto de o montante da taxa de justiça devida em função do valor da ação afigurar-se desproporcionado, face ao concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, de acordo com o quadro constitucional vigente. Neste sentido, a título de exemplo, Vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 0436/18.0BALSB 0436/18, de 03.04.2019 e jurisprudência aí citada.

Ora, concordando-se com tal fundamentação e mantendo-se os pressupostos, também este Tribunal dispensa o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de Novembro de 2025


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[Teresa Costa Alemão]


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[Ana Cristina Carvalho]



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[Tiago Brandão de Pinho]