Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:514/17.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2025
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:OPOSIÇÃO
REVERSÃO
CULPA
QUESTÃO NOVA
Sumário:I - Cumpre ao revertido demonstrar não ter contribuído para a situação de falta de pagamento dos tributos no momento do termo do prazo para pagamento voluntário e ter atuado com a diligência de um gestor criterioso e ordenado [artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)].
II - Nos casos de falta de entrega do IVA cobrado, o grau de censura e as exigências de prova da não culpa são ainda maiores que exigidas relativamente às demais dívidas tributárias.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

Vem H…, interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º 3301201501163000, originariamente instaurada contra a sociedade “P… - Construções …., Lda.”, por dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente ao período de abril de 2013, no montante de € 5 031,43, que contra si revertida.

Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:

1. «A sentença recorrida ao julgar a presente oposição improcedente fez uma errada interpretação das normas legais, quer ao dar como provado que o recorrente era gerente de facto com fundamento em “facto não controvertido” quer ao julgar a oposição procedente
2. Não existe qualquer presunção legal que o gerente de direito – o que consta do registo comercial nomeado – pratique factos de gestão da emprese devedora.
3. O juiz não pode inferir a gerência de facto automática e exclusivamente com base na gerência de direito, sob pena de reconduzir uma presunção judicial a uma presunção legal.
4. É pacifico o entendimento de que não existe no ordenamento jurídico português uma presunção legal da gerência de facto que se possa inferir a partir da gerência de direito.
5. 3. Não podendo o tribunal, sob pena de erro de julgamento, dar como provado, com fundamento em facto não controvertido, que aquele que consta no registo comercial e contra quem é revertida a execução é gerente de facto.
6. O recorrente considera incorretamente julgado o facto 3 constante da fundamentação de facto
7. Devendo tal facto nº 3 do elenco dos factos não provados ser dado como não provado e eliminado do elenco cos factos provados.
8. Impõe decisão diversa da tomado quanto ao facto 3 do elenco dos factos provados, a total ausência de alegação pela Autoridade Tributaria, quer no despacho de reversão, quer no processo administrativo quer na notificação do despacho de reversão de factos que possam consubstanciar atos efetivos de gestão da devedora originária.
9. Constitui pressuposto da reversão o efetivo exercício da gerência de facto por uma certa e determinada pessoa.
10. Isto é, a gerência de facto, é o ponto de partida da aplicação do regime legal da reversão previsto nos artigos 23º e 24º da Lei Geral Tributária.
11. No caso concreto não consta do despacho de reversão, da sua notificação e do processo administrativo instrutor qualquer facto concreto que demonstre que o recorrente praticou qualquer ato efetivo de gestão da devedora originária e que teve culpa na falta de pagamento da divida.
12. Nos fundamentos da reversão apenas comera nsta a referência a insuficiência de bens da devedora originaria e dos devedores solidários, com referencia ao artigo 23º da LGT.
13. Na fundamentação da reversão também não consta que o recorrente teve culpa na falta de pagamento da divida.
14. Ou seja, as omissões referidas nas alíneas anteriores significam que a AT não indica no despacho de reversão e subsequente citação, os pressupostos essenciais da responsabilidade subsidiária que cabia à AT alegar ou pelo menos referir para permitir que o revertido pudesse provar a sua ausência de culpa.
15. A Oposição não pode servir para suprir a falta de alegação pela AT; `data da reversão, dos pressupostos da responsabilidade subsidiária que lhe cabia alegar.
16. O ato de reversão dos presentes autos é infundado, quer formal quer materialmente padecendo de vicio de violação de lei, por falta dos pressupostos da responsabilidade subsidiária subjacente à reversão - a gerência e a culpa).
17. A falta de fundamentação do ato de reversão determina a anulação do despacho e consequente absolvição do recorrente.
18. A falta de pagamento das dividas em causa ficou a dever-se à situação económica da devedora originária e não a qualquer ato culposo do recorrente.
19. Como consta da matéria de facto provada, a devedora originária enfrentou muitas dificuldades financeiras, deixou de ter crédito de bancos e fornecedores e viu reduzida a sua atividade, tendo recorrido a dois processos especiais de revitalização, nos autos a Autoridade Tributária participou e votou favoravelmente.
20. A sentença recorrida viola, ao não fazer interpretação efetuada pelo recorrente nas alegações e conclusões supra referidas, viola o disposto nos artigos 23º, 24º, 74º, nº 1, 77º, nº 2 todos da LGT, 153º do CPPT, 342º, nº 1 e 350º, nº 1 do Código Civil, 268º nº 3 da CRP.

Termos em que, Deve o presente recurso ser admitido e, uma vez admitido, ser julgado procedente e, consequentemente, anulada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue a oposição procedente e determine a extinção da execução relativamente ao oponente.»


A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada para o efeito não apresentou contra-alegações.

O Tribunal a quo, admitiu o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Os autos foram com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso.

Assim, na falta de especificação no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 635/3 do Código de Processo Civil, deve-se entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente. O objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (artigo 635/4 CPC). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir se a sentença padece de erro de julgamento, na seleção, interpretação dos factos e aplicação do direito, ao ter julgado improcedente a oposição, porquanto considera ter feito prova de não ter sido por culpa sua que o património social se tornou insuficiente para o pagamento das dívidas tributárias.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. «Em 10.07.2015 foi instaurado à sociedade P… – CONSTRUÇÕES …, LDA, o processo de execução fiscal n 3301201501163000 para cobrança coerciva de dívida correspondente a juros de mora da liquidação oficiosa de IVA efectuada em 2015, referente ao período de 04.2013, com data-limite de pagamento voluntário em 22.06.2015 (Cfr. Capa do processo de execução fiscal apenso aos autos e identificação da quantia exequenda constante do anexo à respectiva Certidão de Dívida constante de fls. 2 do mesmo PEF);
2. O ora Oponente H… consta da Certidão Permanente do Registo Comercial da sociedade referida no ponto anterior como titular do cargo de gerente desde 10.09.2010 até, pelo menos 17.06.2016 (Cfr. Certidão Permanente do Registo Comercial da sociedade constante de fls. 12 e seguintes do PEF apenso aos autos, a qual é válida até 17.06.2016 e contém o registo da assunção da gerência do Oponente por deliberação de 10.09.2019, na Inscrição 5);
3. O Oponente exerceu, de facto a gerência da referida sociedade durante o período em que se encontra registada em seu nome a titularidade do cargo de gerência (Facto não controvertido);
4. A sociedade P… – CONSTRUÇÕES …, LDA desenvolve a actividade de construção civil e obras públicas, sendo esse o seu objecto social (Cfr. Certidão Permanente do Registo Comercial da sociedade constante de fls. 12 do PEF apenso aos autos e depoimento da testemunha C…);
5. Desde o início da sua actividade até 2006 até 2009 a visada sociedade desenvolveu uma actividade regular e obteve resultados positivos (Cfr. depoimento da testemunha C…);
6. A partir de 2009 a sociedade registou uma diminuição das obras (trabalhos) que conseguia obter e experimentou a dificuldade de os Bancos, perante quem tinha contraído empréstimos necessários ao desenvolvimento da actividade, começarem a exigir pagamentos (Cfr. depoimento da testemunha C…);
7. Em 2012 os Bancos junto dos quais a sociedade buscava financiamento cessaram em absoluto a concessão de crédito e exigiram o pagamento das prestações do crédito contraído em falta, e a partir dessa altura facturação da empresa passou a ser muito menor (Cfr. depoimento da testemunha C…);
8. Em 2013 a sociedade devedora originária apresentou-se a um Plano Especial de Revitalização que veio a ser aprovado (Cfr. depoimento da testemunha C…);
9. Em 2013 o volume de negócios da sociedade devedora atingiu 1 021 840,00, tendo descido em 2014 para 428 492,00 euros (Cfr. Relatório de Gestão constante de fls. 24 dos autos);
10. Em 2014 a sociedade obteve um resultado líquido negativo de 205 246,20 euros (Cfr. Relatório de Gestão constante de fls. 24 dos autos);
11. Depois de aprovado o PER situação da empresa não melhorou, uma vez que os fornecedores se recusavam a vender a crédito, exigindo sempre pronto pagamento, facto que tornava muito difícil arranjar obras (Cfr. depoimento da testemunha C…);
12. Em 22 de Junho de 2015 a conta bancária da devedora originária na Caixa … tinha o saldo positivo de 4,95 euros e depois desse dia, até 26 de Julho de 2015 o saldo positivo mais elevado que teve foi de 9895,87 euros (Cfr. Extracto de Movimentos da referida conta constante de fls. 56 dos autos);
13. Além da conta na Caixa … a devedora originária tinha uma outra noutro Banco, a a qual não era, porém, quase nunca usada (Cfr. Depoimento da testemunha C…);
14. Perante as dificuldades da empresa o ora Oponente chegou a pedir empréstimos a título pessoal para poder pagar aos funcionários quando não havia dinheiro da empresa para pagar a tempo (Cfr. depoimento da testemunha C...);
15. Em 2016 a sociedade devedora originária apresentou-se novamente a um PER e foi nomeado novo Administrador Judicial Provisório em 17.05.2016 (Cfr. Anúncio constante de fls. 17 dos autos, identificado como documento 3);
16. Em 20.06.2016 o ora Oponente apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa – 4 a sua pronúncia em sede de audiência prévia acerca da reversão contra si do presente processo de execução fiscal (Cfr. Pronúncia, a fls. 44 do PEF apenso aos autos);
17. Em 13.07.2016 foi proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa – 4 despacho de reversão do presente processo de execução fiscal contra o ora Oponente, do qual consta designadamente o seguinte teor: “(…) Em nome da originária devedora corre termos (…) um processo especial de revitalização (PER), encontrando-se os processos de execução fiscal suspensos em conformidade com o disposto no artº 17 E do CIRE quanto ao devedor. A existência do PER não invalida que os autos prossigam com a reversão contra o responsável subsidiário(…)” (Cfr. Despacho de reversão constante do PEF apenso aos autos);
18. O património a devedora originária é constituído algumas carrinhas, máquinas, ferramentas e dois ou três camiões, sendo as instalações arrendadas (Cfr. depoimento da testemunha C...).»


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Não se identificam factos que releve para a decisão da causa julgar como não provados.»

E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«A convicção do Tribunal quanto aos factos julgados provados resulta, por um lado, do exame dos documentos juntos aos autos e integrantes do Processo de Execução Fiscal apenso aos mesmos, e, por outro do depoimento prestado pela testemunha C..., conforme vem mais concretamente indicado, para cada facto, em cada ponto do probatório. O depoimento da testemunha foi achado credível e bastante para demonstrar os factos que com base nele se provaram uma vez que, antes de mais, se trata de factos de que a testemunha tinha conhecimento directo, atentas as funções que exerceu na sociedade desde 2007 a 2019 - as quais incluíam a emissão de facturas, o processamento de pagamentos e a realização de transferências bancárias – e, ainda, tendo em conta o seu desinteresse pessoal na causa, a postura calma e desapaixonada que manteve durante a inquirição e a prontidão e detalhe das respostas dadas que foram consideradas para prova dos referidos factos.»


Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, ao abrigo do preceituado no artigo 662/1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 281º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), adita-se ao probatório o seguinte:

A) O processo de execução fiscal (PEF) n.º 3301201501163000 a que se refere a alínea 1) supra, foi instaurado com base na certidão de dívida nº 2015/2817890, emitida em 2015.07.10, do anexo à certidão de dívida transcreve-se:



II.2 Do Direito

O Opoente e ora Recorrente deduziu oposição à execução fiscal nº 3301201501163000, instaurada para cobrança coerciva de dívidas de IVA respeitante ao período de abril de 2013 da sociedade “P… - Construções …, Lda.”, e contra si revertida, na qualidade de responsável subsidiário.

Na oposição deduzida argumentou a ilegalidade da reversão da execução fiscal por estar a decorrer um processo especial de revitalização da sociedade devedora originária e a sua ilegitimidade, por falta de culpa pelo não pagamento do imposto na origem da divida exequenda.

E, foi sobre estas questões suscitadas pelo Opoente na petição que a sentença recorrida se pronunciou e decidiu.

No recurso interposto, vem agora suscitar as questões relativas à falta de fundamentação do despacho de reversão e do não exercício da gerência de facto da sociedade, alegando não ter a Autoridade Tributária e Aduaneira feito qualquer prova desse mesmo exercício da gerência de facto.

Na verdade, na petição de oposição, não vem invocada a falta de fundamentação do despacho de reversão nem o não exercício da gerência de facto por parte do Oponente e ora Recorrente da sociedade devedora originária. Estamos assim, perante questões novas, não sindicadas no julgamento em 1ª instância, e sobre as quais o tribunal a quo, naturalmente, se não pronunciou.

Estamos, pois, assim perante questões novas que, por reputadamente não serem de conhecimento oficioso, não podem agora ser conhecida no presente recurso.

Com efeito, a falta de fundamentação do despacho de reversão, por se tratar de vício gerador de anulabilidade, não é do conhecimento oficioso e, para poder ser aqui apreciado, teria que ter sido suscitada na pi, ou vir invocada a superveniência do seu conhecimento.

Ora, na oposição deduzida, o Opoente e ora Recorrente não negou ter exercido a gerência de facto da empresa e nem suscitou ou alegou a falta de fundamentação do despacho de reversão, desde já se dizendo que não vislumbramos em que medida poderia vir invocada a superveniência do seu conhecimento.

Em qualquer caso anote-se que também não vem alegada superveniência subjetiva, ou seja, que a ora Recorrente, não teve, nem podia ter tido conhecimento do vício do ato na data de apresentação da petição inicial.

E, como é de jurisprudência reiterada e uniforme os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, e por essa razão, regra geral, em sede de recurso, não se pode tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado [nesse mesmo sentido cita-se o recente acórdão do STA de 2021.10.06, Proc. n.º 01235/09.6BESNT, e ainda, a título meramente exemplificativo, insiste-se, os Ac. do STA de 2014.11.05, Proc. n.º 01508/12, de 2014.10.01, Proc. n.º 0666/14].

Tais questões não podem, pois, agora ser aqui apreciadas.

Termos em que improcede o recurso nesta parte.

Prosseguindo:

Nas conclusões 18 e seguintes, vem o Recorrente alegar o erro de julgamento, porquanto da matéria dada como provada resulta que a falta de pagamento dos tributos ficou a dever-se à situação económica da devedora originária e não a qualquer ato culposo do recorrente.

Vejamos, então:

Como vimos as dívidas em cobrança coerciva são relativas a IVA do período de abril de 2013, pelo que o regime de responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores aplicável é o previsto na Lei Geral Tributária (LGT), que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1999.

Dizia o nº 1 do artigo 24º da LGT, que tem por epígrafe Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos

1 - Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

Assim, nos termos do nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária (LGT) para acionar a responsabilidade subsidiária não é suficiente a mera gerência ou administração de direito, mas sim o exercício da gestão de facto.

Prevê ainda, esta norma, dois regimes de responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes: relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício [alínea a) do nº 1 do citado artigo 24º LGT] ou vencidas no período do seu mandato [alínea b) do mesmo artigo].

Como tem salientado a jurisprudência dos Tribunais Superiores, da qual se cita aqui apenas o Acórdão do STA, de 2013.10.16, Proc. nº 0458/13, disponível em www.dgsi.pt, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova: (i) incumbe em qualquer dos casos à AT comprovar a alegação de exercício efetivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício [alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT]; (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo [alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT].

Como resulta da matéria de facto dada como provada o Opoente e ora Recorrente foi nomeado gerente em 10 de setembro de 2010, cargo que ocupou até 2016, data em que foi nomeado o administrador judicial provisório.


No caso concreto ora em apreciação, a verdade é que o despacho de reversão não faz qualquer menção ao artigo 24º da LGT, mas tão só à insuficiência de bens da devedora originária, não tendo o Opoente e ora Recorrente atacado com eficiência a fundamentação daquele despacho, como vimos supra. Cumpre determinar sobre quem recai o ónus da não culpa se sobre o Opoente e ora Recorrente se sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Como resulta da matéria de facto dada como provada, embora o imposto seja respeitante ao período de abril de 2013, com data limite de pagamento de 22 de junho de 2015.

Sendo certo que o Opoente e ora Recorrente na oposição apresentada não negou ser o gerente da sociedade naqueles períodos.

Recai assim sobre o revertido ilidir a presunção de culpa na falta de pagamento dos tributos que como insistimos, consagra uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto – nesse sentido veja-se a jurisprudência deste TCAS nomeadamente nos acórdãos de 2012.05.08, Proc. nº 5392/12; de 2014.11.13, Proc. nº 7549/14, de 2017.04.06, Proc. nº 456/13.1BELLE, de 2018.05.17, Proc. nº 1099/14.8 BELRS, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Vejamos, então se a Opoente e ora Recorrente conseguiu demonstrar não ter contribuído para a situação de falta de pagamento dos tributos no momento do termo do prazo para pagamento voluntário e ter atuado com a diligência de um gestor criterioso e ordenado [artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)].

Atentemos ao decidido na sentença no segmento que aqui interessa:

(…)
«Assim é, com efeito, uma vez que está em causa uma dívida cujo prazo legal de pagamento a considerar terminou em 2015, em momento compreendido, portanto, no decurso do período em que o Oponente exerceu o cargo de gerente da devedora orignária (Cfr. factos provados 2 e 3), sendo por isso aplicável a alínea b) do artº 24º nº 1 da LGT, que estabelece a responsabilidade subsidiária dos gerentes/administradores das pessoas colectivas “pelas dívidas cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período do exercício do ser cargo quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.
A culpa do Oponente cuja existência está em causa nestes autos é, portanto, a culpa pela falta de pagamento do imposto, e não própria e directamente a culpa pela insuficiência do património da devedora originária.
Importa, em segundo lugar, sublinhar, que, precisamente por se tratar de uma reversão operada ao abrigo da alínea b) do artº 24º nº 1 da LGT vigora contra o Oponente uma presunção de culpa por essa falta de pagamento do tributo, sobre ele recaindo o ónus de afastar essa presunção, provando que a mesma não lhe é imputável, com a consequência de que, em caso de restarem dúvidas acerca dessa imputabilidade, deverá a dúvida resolver-se contra o Oponente, considerando- se que este é parte legítima.
De modo mais concreto, o Oponente alega que a sua conduta não é censurável, uma vez que no momento em que terminou o prazo legal para o pagamento do tributo que subjaz à dívida a sociedade devedora não dispunha de meios financeiros disponíveis para proceder ao pagamento, sendo que essa indisponibilidade de meios não lhe é por sua vez imputável, pois decorre da difícil situação económica da empresa originada por diversos factores externos atinentes à crise da economia nacional que deflagrou em 2008/2009 e que afectou muito especialmente o ramo da construção civil, ao qual pertencem as clientes da devedora originária.
Isto é, em suma, o Oponente reconduz a culpa pela falta de pagamento do imposto à culpa pela insuficiência de meios da sociedade devedora para pagar o tributo em tempo, sustentando que tal insuficiência se verificou apesar de o Oponente ter feito uma gesto criteriosa e racional da empresa, segundo o padrão de um bom pai de família, agindo no interesse da sociedade e procurando salvaguadar os interesses dos credores, sendo que a situação da empresa foi grosso modo a consequência da crise no mercado da construção civil e da cessação da concessão crédito por parte dos bancos devida à crise financeira.
Não podemos no entanto, perder de vista que, embora a argumentação do Oponente se foque essencialmente em demonstrar que a situação económica deficitária da empresa se ficou a dever às implicações da conjuntura de crise, o que está em causa não é propriamente a causa dessa difícil situação económica, mas a culpa pela falta de pagamento do tributo no momento e que este deveria ter ido pago.
A imputabilidade da falta de pagamento do tributo corresponde à censurabilidade dessa falta de pagamento, ao juízo de censura que a mesma merece. Deve no entanto dizer-se que tal falta de pagamento é, em princípio, censurável, de maneira que, para afastar sem dúvidas (como é necessário, para se concluir pela a ilegitimidade) esse juízo de censura impor-se-ia que o Oponente provasse que a mesma não era de todo possível, e de que essa impossibilidade por sua vez não lhe era, tão-pouco, imputável.
Ora, no caso presente, ainda que fosse de considerar que a factualidade alegada e provada permite concluir que a situação económica deficitária da empresa, que a levou a recorrer a dois PER, não se deveu a nenhuma actuação culposa do Oponente, daí não se seguiria, e não se segue, que a falta de pagamento da obrigação que subjaz à dívida dentro do prazo era impossível.
De facto, o Oponente apresenta como fundamento da alegada impossibilidade de pagamento o facto de, na data em que terminou o prazo legal de pagamento do imposto – 22.06.2015 (Cfr. facto provado 1), a sua conta bancária não ter saldo bastante para proceder ao seu pagamento.
É certo que se provou que o saldo da conta bancária, praticamente a única conta bancária usada pela sociedade era, no dia 22.06.2015, de 4,95 euros (Cfr. factos provados 12 e 13).
No entanto a análise do mesmo extracto bancário que o revela permite também constatar que em dias seguintes, próximos dessa data, existia saldo significativamente mais elevado, tendo chegado a atingir o valor de 9895,87 euros.
Ora, o processo de execução fiscal foi instaurado à devedora originária somente em 10.07.2015 (Cfr. facto provado 1). Tivesse o pagamento ocorrido até esse momento, e o processo não teria sido instaurado, e, se tivesse ocorrido depois, teria sido extinto por pagamento. Não importa, pois, ter conta apenas a existência de meios para proceder ao pagamento do tributo na data-limite do prazo conferido para o efeito, não sendo decisivo que não houvesse meios disponíveis nessa precisa data, mas releva também a existência de meios para proceder ao pagamento tanto durante o decurso do prazo como no período de tempo que imediatamente se seguiu ao seu termo.
Ora, se é manifesto que um saldo bancário de 4,95 euros seria insuficiente para proceder ao pagamento do imposto, o mesmo não sucede, no entanto, com saldo bancário de 9895,87 euros, que chegou a estar disponível no período de 22 a 26 de Junho, o qual supera significativamente o montante da dívida exequenda.
Na verdade, mesmo no âmbito de uma situação económica difícil, deficitária, que, segundo se provou, era a da empresa em 2015 (Cfr. factos provados 10,11 e 15), a empresa mantinha-se em funcionamento, sendo operados movimentos na sua conta bancária, a qual foi tendo saldos positivos, sendo efectuados pagamentos, que correspondem às opções da gerência acerca do que pagar e do que deixar em dívida.
Assim sendo, é apenas possível concluir que a gerência da sociedade optou por deixar de pagar o tributo que subjaz à dívida exequenda numa situação económica de difícil gestão, mas não fica demonstrado que não lhe teria sido possível, nessa situação, proceder ao pagamento do tributo no período imediatamente posterior ao termo desse prazo, restando-nos, quanto a isso, dúvidas que os factos provados não permitem superar.
Deve ainda dizer-se que mesmo numa situação em que os pagamentos a efectuar superam os meios de pagamento disponíveis da empresa, a falta de pagamento do tributo pode residir precisamente na opção de manter a empresa a funcionar numa situação deficitária a todo o custo, destinando os meios disponíveis da empresa para realizar os pagamentos necessários para assegurar esse funcionamento (funcionários, fornecedores, etc), mas sem assegurar que são cumpridas as obrigações tributárias.
Releva ainda que o tributo em causa seja IVA, e que, em consequência, corresponda à parte dos montantes liquidados pela sociedade devedora nas suas operações económicas aos seus clientes que lhe competia entregar ao Estado; isto é, que se trate de montantes correspondentes a IVA que a devedora liquidou aos seus clientes e que não lhe pertenciam, sendo aquela sua mera depositária, com obrigação de os entregar ao Estado.
A Oponente alega a esse respeito que o imposto em causa resulta de correcções oficiosas feitas pela AT baseadas na não aceitação de deduções de IVA, e que por esse motivo não estão em causa quantias que tenham sido liquidadas e não entregues, mas sim quando muito quantias que foram deduzidas não devendo tê-lo sido.
O facto de o imposto em dívida resultar de correcções oficiosas baseadas na não aceitação de deduções de IVA não invalida que o mesmo corresponda a quantias liquidadas e não entregues, uma vez que, sendo o IVA a entregar o correspondente ao IVA liquidado deduzido do IVA suportado nas operações anteriores, uma dedução indevida de IVA, que redunda, na prática, na entrega de uma importância menor do que aquela que deveria ser entregue, corresponde, do mesmo modo, à manutenção na posse da devedora de quantias correspondentes a IVA liquidado a clientes que deveriam ter sido entregues, e não foram.
Em suma, face a todo o exposto, a factualidade provada não permite provar, sem deixar dúvidas, que a falta de pagamento do tributo em causa não é imputável ao Oponente, não lhe merecendo qualquer juízo de censura.
Impõe-se, pois, concluir que não se verifica a ilegitimidade do Oponente por falta de verificação do requisito da culpa pela falta de pagamento do imposto.
(…)»

Entendemos, com efeito, que não foi proficientemente afastada a presunção de culpa que recaía sobre o Opoente e ora Recorrente.

Tal como tem sido decidido neste TCAS, nomeadamente nos Acórdãos de 2023.03.16, Proc nº 275/11.0BELRS, o qual subscrevemos na qualidade de 1ª Adjunta e com o qual concordámos e aderimos nos Acórdãos de 2023.06.01 e 2024.01.23, nos processos nº 550/08.0BESNT e 1485/10.2BELRS (disponíveis em www.dgsi.pt): sendo certo que o êxito na gestão ou a falta dele não se confunde com a culpa, para efeitos de cumprimento do dever de diligência de um gestor criterioso e ordenado, para que seja afastada a presunção de culpa prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT seria necessário demonstrar que, no caso em concreto, as opções de gestão do Recorrido foram as mais adequadas, de acordo com padrões de diligência de um gestor médio, não tendo a sua conduta contribuído para a situação de falta de pagamento da dívida tributária no momento do termo do prazo para pagamento voluntário.

E, tal não se consegue extrair da factualidade assente.

Prossegue o Acórdão que vimos citando:

«É ainda de sublinhar que […] a dívida exequenda respeita a IVA, situação em que as exigências de prova em casos como o dos autos são maiores, dado que há maior nível de censura associado ao seu não pagamento ao Estado.

Nas palavras de Saldanha Sanches (1-Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 274.):

“[N]um imposto como o IVA (…) a liquidação e a cobrança [são] (…) confiadas ao particular [, o que] implica sempre um fluxo financeiro na empresa (…).
[A] existência desse fluxo financeiro cria um forte indício de comportamento censurável que só em casos muito particulares pode ser objecto de uma demonstração de ausência de culpa por parte dos particulares. É uma demonstração difícil, mas não impossível, uma vez que a empresa não é o fiel depositário da quantia cobrada. Embora tenha o dever de entregar as quantias cobradas na aplicação do IVA no prazo previsto pela lei, a empresa pode considerá-las como uma receita normal, cabendo-lhe a devida diligência para que o pagamento seja feito. Pode haver justificação, pela verificação de um facto imprevisto e razoavelmente imprevisível, para que a entrega se não tenha verificado”.
Neste sentido, v., v.g., os Acórdãos deste TCAS de 14.02.2019 (Processo: 692/12.8BESNT), de 11.04.2019 (Processo: 2968/12.5BELRS), de 11.03.2021 (Processo: 784/10.8BELRS) e de 25.11.2021 (Processo: 106/11.0BEALM).

Assim, a factualidade provada (e mesmo a alegada) não permite afastar a presunção de culpa que impende sobre [o Recorrente], não estando sequer alegada factualidade que demonstre que a sua atuação tenha sido de molde a não contribuir para o não pagamento das dívidas tributárias.»

Esta conclusão a que se chegou no acórdão citado é inteiramente transponível para os presentes autos.

Com efeito, nos casos de falta de entrega do IVA cobrado, o grau de censura e as exigências de prova da não culpa são ainda maiores que exigidas relativamente às demais dívidas tributárias.

Ora, a verdade é que como vimos, o Opoente e ora Recorrente não conseguiu demonstrar ter atuado com a diligência de um gestor criterioso e ordenado.

Em face do exposto, será de negar provimento ao recurso e de manter a sentença recorrida.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pelo Recorrente, que ficou vencido.


Sumário/Conclusões:

I - Cumpre ao revertido demonstrar não ter contribuído para a situação de falta de pagamento dos tributos no momento do termo do prazo para pagamento voluntário e ter atuado com a diligência de um gestor criterioso e ordenado [artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)].
II - Nos casos de falta de entrega do IVA cobrado, o grau de censura e as exigências de prova da não culpa são ainda maiores que exigidas relativamente às demais dívidas tributárias.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente que decaiu, nos termos expostos.

Lisboa, 8 de maio de 2025.


Susana Barreto

Lurdes Toscano

Luisa Soares