Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:95/20.0BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:11/20/2025
Relator:MARIA JULIETA FRANÇA
Sumário:
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL - SUBSECÇÃO SOCIAL:

I-RELATÓRIO

AA, identificado nos autos, na Ação Administrativa intentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja contra a ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO ALENTEJO, IP (ARS Alentejo), peticiona:


“Termos em que a presente ação deve ser julgada procedente por provada, e:

• reconhecendo-se o direito à contagem dos pontos obtidos pelo Autor, para efeitos de alteração da posição remuneratória, desde a data em que iniciou funções ainda que na modalidade de contrato de trabalho sem termo, devendo ser revogado o ato administrativo que decidiu não aplicar o disposto no n.º 4 do art.º 18 da LOE/2018 ao A. nos anos de 2007 e 2008.

• em consequência devem ser contabilizados os pontos obtidos pelo Autor durante aquele período para efeitos de alteração da posição remuneratória, devendo o Réu ser condenado a corrigir os pontos atribuídos e consequentemente, ser o Autor posicionado na Tabela Remuneratória Única em conformidade, reconstituindo-se a situação daquele, com efeitos a 01.01.2018, caso os pontos tivessem sido contabilizados.”


Por Despacho-Saneador, prolatado em 26 de junho de 2023, decidiu o TAF de Beja julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação, suscitada na Contestação pela Entidade Demandada, ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO ALENTEJO e, em consequência, absolveu da instância a Demandada.


Inconformado veio o Autor em 15 de setembro de 2023 interpor recurso jurisdicional da referida decisão para este TCA Sul, formulando nas alegações de recurso as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da douta Sentença proferida no processo mencionado em epígrafe, que, não conhecendo do mérito da causa, julgou procedente a exceção Secção de Contencioso Administrativo - Subsecção Social


de caducidade do direito de ação do ora recorrente e, em consequência, absolveu a entidade demandada da instância.


2. O recorrente intentou contra a ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO ALENTEJO, I.P. ACÇÃO ADMINISTRATIVA, pedindo a condenação da Demandada a reconhecer o direito à contagem dos pontos obtidos pelo Autor, ora recorrente, para efeitos de alteração da posição remuneratória, desde a data em que iniciou funções ainda que na modalidade de contrato de trabalho sem termo, devendo ser revogado o ato administrativo que decidiu não aplicar o disposto no n.º 4 do art.º18 da LOE/2018 ao A. no s anos de 2007 e 2008.


3.Pediu ainda que, em consequência, lhe fossem contabilizados os pontos obtidos durante aquele período para efeitos de alteração da posição remuneratória, devendo a entidade demandada ser condenada a corrigir os pontos atribuídos e consequentemente, ser o Autor posicionado na Tabela Remuneratória Única em conformidade, reconstituindo-se a situação daquele, com efeitos a 01.01.2018, caso os pontos tivessem sido contabilizados.


4.A Meritíssima Juíza a quo julgou verificada a exceção de caducidade do direito de ação e absolveu a entidade demandada da instância.


5.Com o devido respeito, não tem razão.


6.A conduta da Demandada ARSA, I.P. em causa na presente ação correspondeu ao incumprimento por esta entidade de uma obrigação legal, imperativamente fixada na lei, concretamente, das normas legais que regulam a contagem dos pontos obtidos, para efeitos de alteração da posição remuneratória, desde a data em que iniciou funções ainda que na modalidade de contrato de trabalho sem termo, devendo ser contabilizados os pontos obtidos pelo A. durante aquele período para efeitos de alteração da posição remuneratória.

7. Tal corresponde a uma conduta obrigatória da Administração e não a uma atuação desta que admitisse qualquer margem de discricionariedade ou em que esta surgisse no exercício de um poder de autoridade.

8. O Recorrente não pediu a anulação de qualquer ato administrativo, mas a condenação da Demandada a ver reconhecido o seu direito à contagem de pontos decorrente das regras jurídicas aplicáveis e ao seu consequente reposicionamento na tabela remuneratória.


9.Pediu, assim o reconhecimento de uma situação jurídica subjetiva a que tem direito em face do direito aplicável e pediu a condenação da Demandada a reconhecer esse direito e praticar os atos jurídicos consequentes que essas regras lhe impõem obrigatoriamente.


10. A Ação Administrativa é a forma de processo da lei aplicável à relação controvertida que o recorrente apresentou ao douto Tribunal.


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11.O que o Recorrente impugnou por via da ação foi uma conduta que obrigatoriamente se impunha à Demandada ARSA e não um ato discricionário.

12. A Demandada, ora Recorrida, não dispunha na matéria em causa nos autos, atenta a pretensão formulada pelo A., de nenhum espaço de discricionariedade, visto encontrar-se estritamente vinculada ao cumprimento da lei.

13. No vertente caso, a titularidade do direito do ora Recorrente a ser corretamente posicionado na Tabela Remuneratória Única em conformidade com os pontos a que nos termos da lei tinha direito constituiu-se com fundamento nas normas de direito aplicáveis.

14. A recorrida não dispunha de espaço de discricionariedade e despida de poderes de autoridade, impunha - se - lhe exerce atividade absolutamente vinculada à lei, o que se pediu por via da presente ação.

15. Na vertente situação, a R. incorreu em incumprimento de uma obrigação legal, decorrente diretamente da lei.

16. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 41.º do CPTA a ação a administrativa, in casu, podia ser proposta a todo o tempo.”


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Notificada a Entidade Demandada nos termos e para os efeitos do artigo 144.º do CPTA, não apresentou contra-alegações.


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O Recurso Jurisdicional foi admitido por despacho de 16 de novembro de 2020.


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Notificado, em 12.12.2023, nos termos do artigo 146.º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, não emitiu parecer.


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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


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- Questões a apreciar

Saber se a decisão recorrida enferma dor erros que são apontados, verificando se estão reunidos os pressupostos com vista a ter sido declarada a caducidade do direito de ação, sendo que o objeto do Recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, nos termos dos artigos 635. °, n.°4 e 639. °, n.°1, 2 e 3, todos do CPC, “ex vi” artigo 1.º e 140. ° do CPTA.


III – FUNDAMENTAÇÃO A. DE FACTO


Por não ter sido impugnada, nem ser caso de alteração da matéria de facto, remete-se para os factos dados como assentes pela sentença recorrida, nos termos do n.°6 do artigo 663. ° do CPC.

B. DE DIREITO

Diz-se na Sentença recorrida:


“(…) importa, tão só, saber se o direito de ação do A. já havia, ou não, caducado aquando da interposição da presente ação.


A resposta mostra-se afirmativa: cfr. alínea A) a alínea G) supra.


(…) importa ter presente que, como decorre dos autos e o probatório elege, ao ato impugnado é, no essencial, assacado vício de violação de lei (v.g. Lei n.º 35/2014, de 20 de junho; Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro; Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro; Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro) e vício de forma (por alegada falta de fundamentação), vícios cujo desvalor, se se viesse a verificar, seria apenas suscetível de conduzir à mera anulação do ato e não à sua nulidade: cfr. art.º 161º a art.º 163º todos do Código de Procedimento Administrativo – CPA e alínea A) a G) supra.


Isto porque, nenhum dos invocados vícios se mostra concretizador de um direito fundamental substantivo, nem constitui uma ilegalidade expressamente cominada na lei ordinária com a sanção mais gravosa de nulidade, razões pelas quais, mesmo que no caso viessem a resultar provados tais vícios, apenas seriam suscetíveis de conduzir à anulação do ato sindicado e nunca, como sobredito, à sua nulidade: cfr. art.º 161º a art.º 63º todos do CPA e alínea A) a G) supra. Afirmado que está que as invalidades apontadas pelo A. apenas poderiam gerar a anulação do ato colocado em crise, importa verificar agora se se mostra, ou não,


respeitado o prazo legal de 3 (três) meses, que o A. tinha para exercitar judicialmente o seu direito de ação: cfr. art.º 58º n.º 1 al. b), n.º 2 e art.º 59º n.º 4 in fine ambos do CPTA; alínea A) a G) supra.


O cotejo dos factos, enquadrados pelas disposições legais aplicáveis, revela que, quer tomando como boa a data em que, por força da lei, o A. assumiu o estatuto de trabalhador com vínculo de emprego público (ou seja, 2009-01-01), quer a data do ato do ato impugnado (ou seja: 2018-0522), há muito que se mostra ultrapassado o prazo para exercitar o seu direito de ação: cfr. alínea A) a G) supra.


Isto porque, e como claramente resulta da factualidade assente, ao intentar a presente ação judicial, como intentou em 2020-05-04, o A. fez uso do prazo para impugnação contenciosa muito para além do prazo legal que tinha ao seu dispor, e sendo que o seu decurso de tal prazo sem o respetivo exercício determina a sua extinção, preclude o direito de ação, pois é um prazo de caducidade do direito de ação …”.


Importa agora analisar, apreciar e decidir.


O Autor, ora Recorrente, na petição inicial requereu a alteração da sua posição remuneratória e que, para tal, deve ser-lhe reconhecido o direito à contagem dos pontos obtidos desde a data em que iniciou funções ainda que na modalidade de contrato de trabalho sem termo, com revogação do ato administrativo que decidiu não aplicar o disposto no n.º 4 do artigo 18.º da LOE/2018 nos anos de 2007 e 2008.


Na petição inicial invoca que o referido ato administrativo, infringiu disposições normativas contidas na Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, Lei n.º 12A/2008, de 27 de fevereiro e Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro, e que o mesmo sofre de falta de fundamentação, argumentos que conduzem à imputação de vício de violação de lei e vício de forma ao ato administrativo em causa.


Da matéria fáctica dada como assente na decisão recorrida, resulta que:


O Autor/Recorrente, em 03.09.2001, celebrou com o Instituto de Solidariedade e Segurança Social, IP um contrato de trabalho sem termo, tendo por objeto: “… o desempenho de funções com lealdade, zelo, pontualidade e assiduidade no I.SSS, as funções inerentes à categoria de Motorista, cujo conteúdo funcional se encontra descrito no regulamento de carreira e estatuto em vigor para o pessoal da Administração Pública…”;


Em 30.01.2009 o Autor/Recorrente foi pessoalmente notificado do teor do ofício emanado pela Entidade Demandada/Recorrida, sob o Assunto: “Aplicação da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro”, tomando conhecimento que, por aplicação da citada Lei, em 01.01.2009 transitou para a situação de trabalhador com Contrato de Trabalho em Funções Públicas por tempo indeterminado e para a categoria de assistente profissional;


Em 06.10.2014 o Autor/Recorrente passou a exercer funções na ARS Alentejo, na categoria de


Assistente Operacional, face ao Acordo de Mobilidade Interna, estabelecido entre o ISS, IP, a Entidade Demandada/Recorrida e o Autor;


A Recorrida ARS Alentejo, por força do estabelecido na Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2018) comunicou ao Recorrente/Autor, através de ofício, datado de 13.03.2018, os pontos acumulados por avaliação de desempenho para efeitos de alteração obrigatória de posicionamento remuneratório, relativa aos anos de 2009 a 2016, por referência ao n.º 1 e 7 do artigo 156.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, enviando Mapa Resumo dos Ciclos Avaliativos e Pontos Atribuídos;


Após a exposição dirigida pelo Recorrente/Autor à Demandada/Recorrida sobre a antecedente comunicação, a Demandada respondeu remetendo-lhe, em 22.05.2018, a comunicação da qual, no essencial, se extrai:





É este o ato que o Autor/Recorrente não aceitou e veio impugnar, com a instauração da Ação Administrativa, em 04.05.2020, no TAF de Beja (cfr Pontos A, B, C, D, E e F da matéria fáctica assente).


Atenta a factualidade evidenciada, importa verificar se os pressupostos tendentes à declaração de caducidade do direito, declarada em 1ª Instância, estarão preenchidos, em função do prescrito no artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).


Decorre dos autos, como já referido, que as irregularidades apontadas pelo Recorrente/Autor ao ato administrativo – violação das disposições normativas contidas na Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro e Lei n.º 66B/2007, de 28 de dezembro e falta de fundamentação - conduzem à imputação de vício de violação de lei e vício de forma ao ato em causa.


Citando Carlos Alberto Fernandes Cadilha, afirmamos que “A forma de invalidade que poderá afetar o ato administrativo, e que implica que o pedido do processo impugnatório tenha em vista obter, em alternativa, a anulação ou a declaração de nulidade, depende da qualificação jurídica do vício que lhe seja imputável” (in Contencioso Administrativo, 2.ª Edição, Almedina pag.39) No nosso ordenamento jurídico a nulidade constitui uma exceção destinada às situações mais graves, sendo o regime regra a anulabilidade.


Como dispõe o artigo 161.º do CPA “são nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade” e, nomeadamente, os que enfermem dos vícios identificados no n. º2, deste normativo.


Nos termos do artigo 163.º do CPA são anuláveis “os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios jurídicos ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”, aqui se incluindo os atos feridos de: “(…) b) vícios de forma ou de procedimento; c) de violação de lei por erro nos pressupostos de facto ou nos pressupostos de direito;(…).”


Neste seguimento, afirmam Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/J. Pacheco de Amorim, que: "A sanção geral da invalidade do ato ferido de ilegalidade - ou seja, o ato desconforme com o ordenamento jurídico, por ofensa ou dos princípios gerais de direito ou de normas jurídicas escritas constitucionais, internacionais, comunitárias, legais ou regulamentares (omitindo-se referência paralela às normas consuetudinárias, por não serem consideradas generalizadamente fontes formais de direito administrativo) ou, ainda, por ofensa de vinculações derivadas de ato jurídico ou contrato administrativo anterior - é a da anulabilidade" (cfr. Código do Procedimento Administrativo Comentado, 1ª ed. p. 656),.


Decorre dos autos e da matéria fáctica assente que ao ato impugnado são assacados os vícios de violação de lei e vício de forma incluídos no artigo 163.º do CPA.


Ora, sendo tais vícios, como referido, suscetíveis de levar à anulação do ato em causa importa apurar se está verificado o pressuposto processual da impugnação de atos administrativos relativo à tempestividade.


O prazo para impugnação de um ato administrativo anulável é de três meses conforme estabelece o Artigo 58.º, n.º 1, al. b), do CPTA.


Constitui facto assente nos presentes autos que o Recorrente na data de 30.01.2009 tomou conhecimento, da sua transição, em 01.01.2009, para a situação de trabalhador com Contrato de Trabalho em Funções Públicas por tempo indeterminado e para a categoria de assistente profissional; o ato administrativo impugnado tem data de 22.05.2018.


Assim, quando o Autor intentou a presente ação, em 04.05.2020, já há muito tempo que tinha caducado o direito de a intentar, nos termos do artigo 58°, n° 2, alínea b), do CPTA.


Como sumariou o Acórdão do STA, de 22/04/2015, no Proc.º n.º 061/15, “(...) II – Caducou o direito de impugnar um ato, aparentemente consolidado há anos, se os vícios que lhe foram atribuídos não eram potencialmente fatores da sua nulidade”


O Recorrente não cuidou atempadamente do exercício do seu direito de impugnação de atos anuláveis, intentando a ação em 04.05.2020, fê-lo muito tempo depois de esgotado o prazo para o efeito, o que determinou, assim, a sua intempestividade, como reconheceu o Tribunal a quo.


Não merece, assim, censura a decisão recorrida, a qual aqui se confirmará.


IV- Decisão

Nestes termos, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo -Subsecção Social- deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.


Custas a suportar pelo Recorrente


Lisboa, 20 de novembro de 2025


Maria Julieta França (Relatora)


Ilda Maria Pimenta Coco (1.º Adjunta).


Rui Fernando Belfo Pereira (2.º Adjunto)