Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1847/09.8BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 09/30/2025 |
| Relator: | MARGARIDA REIS |
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL IRS 2001 CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO NOTIFICAÇÃO COM HORA CERTA INVALIDADE DA NOTIFICAÇÃO |
| Sumário: | A falta de notificação válida da liquidação dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação constitui, por força da lei, ilegalidade invalidante do ato de liquidação. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | I. Relatório A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2022-07-05 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial interposta por A… tendo por objeto ato de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º 113/08, interposto do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa dos atos de liquidação adicional de IRS n.º 2005 50004481261, e do ato de liquidação dos respetivos juros compensatórios, referentes a 2001, no montante global de EUR 64.718,05, vem dela interpor o presente recurso. O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: CONCLUSÕES: A. No caso em apreço, considerou o douto Tribunal que o Impugnante, ora recorrido, apenas foi notificado no dia 03.01.2006, aquando da expedição do ofício enviado por carta registada comunicando a realização da notificação da liquidação nos termos do artigo 240.º, n.º 3 do CPC, no dia 29.12.2005 e, que por esse motivo, a notificação da liquidação foi realizada após o termo do prazo de caducidade, que terminou a 31.12.2005. B. Salvo o devido respeito, por opinião contrária, a notificação com hora certa, tem-se por realizada na data da afixação da nota a que se refere o artigo 240.º n.º 3 do CPC, e não na data do envio ou da receção da carta exigida pelo artigo 241.º. C. Assim, deve ser entendido que, uma vez notificado o Impugnante, ora recorrido, no dia da afixação da certidão de notificação de hora certa, é essa a data em que se considera efetuada a notificação da liquidação (dia 29.12.2005), não se verificando assim a caducidade da liquidação. D. Atente-se, que no que concerne ao direito à notificação garantido pelo n.º 3 do artigo 268° da CRP, este encontra-se assegurado, uma vez que o Impugnante, ora recorrido, no caso dos autos teve conhecimento do ato, em tempo útil, tendo sido assegurados todos os formalismos legais, como consta dos factos provados, e tendo sido assegurados todos os meios de defesa constantes da lei. E. Por todo o exposto, o douto Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, por errónea aplicação da lei, mormente o disposto no artigo 240.º n.º 3 do CPC. Termina pedindo: Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente. *** A Recorrida não apresentou contra-alegações. *** A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Questões a decidir no recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT. Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por incorreta interpretação e aplicação ao caso do disposto art. 240.º n.º 3 do CPC, referente ao regime da citação com hora certa.
II. Fundamentação II.1. Fundamentação de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: IV. FUNDAMENTAÇÃO A. DE FACTO Compulsados os autos, analisada a prova documental e inquiridas as testemunhas, dão-se como provados, com interesse e bastantes para a decisão, os factos infra indicados: 1. Em 07/03/2001 foi celebrado o contrato promessa de compra e venda do prédio rústico sito em F…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Soure sob o número 7…, da freguesia de Soure, inscrito na matriz sob o artigo 2...., pelo preço de 67.500.000$00 (sessenta e sete milhões e quinhentos mil escudos) – cf. doc. 17 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido, e P.A.; 2. No referido contrato promessa constaram como 1º outorgante M…, advogado, na qualidade de procurador dos promitentes vendedores: Impugnante e mulher; A… e mulher; A… e mulher, e como 2º outorgante (promitente comprador) J… – cf. Ibidem; 3. Em 07/09/2001, foi celebrada a escritura pública relativa ao contrato definitivo de compra e venda do imóvel referido no ponto 1, tendo o imóvel sido vendido pelo preço de 340.000.000$00 (trezentos e quarenta milhões de escudos), pelos primeiros outorgantes ao segundo outorgante, em representação da sociedade “C...., Lda.”, da qual é sócio e único gerente – cf. doc. 18 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido e P.A.; 4. Manuel Sousa Domingues, advogado que interveio como procurador dos primeiros outorgantes nos contratos referidos nos pontos antecedentes, era também a pessoa que recebia e fazia os pagamentos atinentes a esses contratos, tendo outorgado a escritura pelo valor de 340.000.000$00 por tal ter sido combinado entre si e F...– cf. docs. 17 e 18 juntos com a p.i. e depoimentos das duas testemunhas; 5. Na declaração de IRS modelo 3 referente a 2001, o Impugnante não declarou os ganhos com o negócio mencionado no ponto anterior – cf. P.A.; 6. Essa declaração deu origem à liquidação de IRS n.º 4600243554, com valor a reembolsar no montante de € 5.952,40 – cf. P.A.; 7. O valor acordado entre as partes para a compra e venda referida no ponto 3 foi sempre o de 57.500.000$00, apesar de terem combinado que na escritura constaria outro valor, e que posteriormente seria realizada uma “escritura de retificação” – cf. depoimento da 1ª testemunha; 8. Em 11/10/2002, a sociedade C...., Lda. intentou no tribunal judicial de Soure uma ação declarativa de condenação (que correu termos sob o n.º 390/2002) contra o Impugnante e mulher, A… e mulher, M… e Herança Líquida e Indivisa, aberta por óbito de F…, e M…, cumulando diversos pedidos, o primeiro dos quais de anulação do contrato de compra e venda a que se refere o ponto 3 – cf. fls. 108 e ss. do P.A.; 9. Em 05/04/2005, no âmbito da ação ordinária referida no ponto anterior, foi lavrada a seguinte ata de audiência de julgamento: “(….) Transação 1º A Autora e os Réus consideram válido e eficaz entre as partes contraentes o negócio jurídico de compra e venda consubstanciado na escritura de fls. 10 a 13 dos autos [a escritura a que se refere o ponto 2 supra], reduzindo o preço da mesma em 10.000.000$00, isto é, para o valor de 57.500.000$00 (…). SENTENÇA Por ser válida, objetiva e subjetivamente, estando em causa direitos incluídos na livre disponibilidade das partes, sendo estas titulares da relação controvertida, homologo por sentença a transação exarada em ata, a qual se dá aqui por integrada, ficando as partes vinculadas ao seu cumprimento nos seus precisos termos (…)” - cf. fls. 217 e 218 do P.A.; 10. Na sequência de ter constatado que o Impugnante não declarou os ganhos com a venda do imóvel a que se referem os pontos 1 e 3, a AT encetou um procedimento de fiscalização externa ao Impugnante, em cumprimento da ordem de serviço n.º 202/05, de 19/05/2005 – cf. fl. 156 do P.A.; 11. No âmbito desse procedimento inspetivo, a AT remeteu ao Impugnante o seguinte ofício:
12. Em resultado do procedimento inspetivo referido no ponto anterior, a AT elaborou o seguinte projeto de relatório, remetido ao Impugnante por ofício datado de 26/10/2005: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) 13. Em 08/11/2005, o Impugnante exerceu o respetivo direito de audição no âmbito do procedimento inspetivo, invocando o seguinte: “(…) (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) 14. Por ofício datado de 16/11/2005, foi o Impugnante notificado do relatório final do procedimento inspetivo, o qual tem a seguinte redação: “(…) (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) 15. Nessa sequência, foi emitida oficiosamente a liquidação de IRS n.º 2005 5334481261, de 23/12/2005, e liquidação dos respetivos juros compensatórios, no valor global de € 64.718,05 – cf. P.A.; 16. Desde o dia 25/12/2005 até ao final do ano 2005, o Impugnante não esteve na morada Av. R..., n.º 50, 3º direito, 1700-000 Lisboa – cf. depoimento da 1ª testemunha; 17. Em 28/12/2005, a AT emitiu a seguinte “certidão marcando hora certa”: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) 18. Em 29/12/2005, a AT emitiu a seguinte “certidão de verificação de hora certa”: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) 19. Na mesma data (29/12/2005), a AT emitiu a seguinte “Nota de notificação”: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) 20. Em 30/12/2005 foi celebrada a “escritura de retificação” da escritura a que se refere o ponto 3, da mesma constando o seguinte: “[…] pelos outorgantes foi dito: […] que retificam a mencionada escritura, no sentido de passar a constar que os primeiros outorgantes venderam à sociedade representada pelo preço de duzentos e oitenta e seis mil oitocentos e oito euros e setenta e nove cêntimos o referido prédio […]” – cf. doc. n.º 11 junto com a p.i.; 21. A AT remeteu ao Impugnante o seguinte ofício, por correio registado em 03/01/2006, com o código de registo R0352480787PT: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) 22. Em 10/02/2006, o Impugnante apresentou reclamação graciosa do ato de liquidação referido no ponto 15 (ora impugnado) – cf. P.A.; 23. Em 24/02/2006 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3107200601009648, para cobrança coerciva da dívida resultante da falta de pagamento da liquidação referida no ponto 15 (ora impugnada), tendo o mesmo sido suspenso em 18/05/2006 na sequência de prestação de garantia bancária (n.º 06/132/37375, do Banco BPI) pelo Impugnante, em 12/05/2006, no valor de € 83.039,60 – cf. doc. 27 junto com a p.i.; 24. Em 16/10/2007, a reclamação graciosa foi indeferida, após exercício do direito de audição prévia pelo Impugnante, por remissão para informação com o seguinte conteúdo essencial: “(…) (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) 25. Em 30/11/2007, o Impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o qual, após exercício do direito de audição prévia, foi indeferido por despacho de 29/05/2009, por remissão para a informação com o seguinte conteúdo essencial: “(….) (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) Inexistem factos não provados com interesse para a decisão. * Motivação da matéria de facto Conforme especificado nos diversos pontos do probatório, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base na conjugação dos documentos constantes dos autos, não impugnados (cf. artigo 374.º e 376.º do Código Civil), e relativamente aos quais não existem razões para duvidar da respetiva veracidade, bem como na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, na parte em que foi possível obter a sua admissão por acordo (cf. artigo 574º, nº 2, 1ª parte, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2º, al. e) do CPPT), conjugada com a prova testemunhal produzida (cf. artigo 396.º do Código Civil). A 1ª testemunha, M…, prima direita do Impugnante, referiu que os laços familiares não a impediam de dizer a verdade. Tem conhecimento direto dos factos pois juntamente com o Impugnante era proprietária do imóvel cuja venda deu origem às mais-valias que levaram à liquidação oficiosa em crise nestes autos. A 2ª testemunha, M…, advogado, interveio como procurador dos primeiros outorgantes nos contratos a que se referem os pontos 1 e 3 do probatório, sendo também a pessoa que recebia e fazia os pagamentos atinentes a esses contratos. Ambas as testemunhas prestaram depoimentos isentos e demonstraram ter conhecimento direto relativamente aos factos sobre que depuseram. * II.2. Fundamentação de Direito A Recorrente sustenta que a sentença incorreu em erro de julgamento de direito ao entender que o Recorrido apenas foi notificado em 3 de janeiro de 2006, com a expedição do ofício remetido por carta registada a comunicar a realização da notificação da liquidação, nos termos do artigo 240.º, n.º 3, do CPC. Tal interpretação levou à conclusão de que o direito à liquidação caducara em 31 de dezembro de 2005. Contudo, defende a Recorrente que essa interpretação é incorreta, porquanto, de acordo com o n.º 3 do artigo 240.º do CPC, a notificação se considera efetuada na data da afixação da nota a que essa norma se refere, e não na data do envio ou da receção da carta prevista no artigo 241.º do mesmo Código. Ora, e salvo o devido respeito, a alegação da Recorrente assenta numa incorreta interpretação do julgado. Se não, vejamos. Na apreciação da caducidade do direito à liquidação, o Tribunal de primeira instância apresentou a seguinte fundamentação, que se transcreve infra: (…) Da alegada caducidade do direito à liquidação de caducidade, o artigo 92.º do CIRS então vigente remetia diretamente para os artigos 45.º e 46.º da LGT. Nos termos do artigo 45º LGT, o prazo de caducidade nos impostos periódicos conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, pelo que, in casu, tal prazo começou a correr em 01/01/2002 e terminou em 31/12/2005. No que tange a notificações em matéria de IRS, dispunha o artigo 149.º do respetivo código, na versão vigente à data: “1 - As notificações por via postal devem ser feitas no domicílio fiscal do notificando ou do seu representante. 2 - As notificações a que se refere o artigo 66.º, quando por via postal, devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção. 3 - As restantes notificações devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil. 4 - Não sendo conhecido o domicílio fiscal do notificando, as notificações podem ser feitas por edital afixado no serviço de finanças da área da sua última residência. 5 - Em tudo o mais, aplicam-se as regras estabelecidas no Código de Procedimento e de Processo Tributário.” Ora, estando em causa uma notificação a que se reporta o artigo 66º do CIRS, a mesma deve ser efetuada por meio de carta registada com aviso de receção, por força do artigo 149.º, n.º 2 daquele Código, supra transcrito. Ainda com relevância em matéria de notificações, dispunha o artigo 38.º, nº 1 do CPPT que “As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.” Mais dispunha tal normativo que “As notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário” (nº 5) e que “às notificações pessoais aplicam-se as regras sobre a citação pessoal” (nº 6). Da conjugação destas normas decorre que a utilização da expressão “obrigatoriamente” no referido n.º 1 do artigo 38.º do CPPT não afasta a possibilidade de recurso à notificação pessoal sempre que a autoridade que procede à notificação assim o entenda (cf. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, volume I, Áreas Editora, 6ª edição, 2011, p. 374). Destarte, podia a AT, ao abrigo do poder discricionário conferido pelo artigo 38.º, n.º 5 do CPPT, determinar, como determinou, que a notificação da liquidação adicional de IRS fosse efetuada por contacto pessoal, por funcionário, que mandatou para o efeito. Nada de ilegal existe, pois, nesta decisão. Resta agora saber se a notificação foi efetuada em observância dos formalismos legais. Ora, por força do artigo 38.º, n.º 6 do CPPT, quanto às formalidades a cumprir rege o CPC, concretamente as suas regras em matéria de citação. Com efeito, a AT deslocou-se à residência fiscal do Impugnante no dia 28/12/2005 e, não tendo encontrado o notificando, ora Impugnante, no seu domicílio, nem um terceiro que pudesse receber a notificação, afixou aviso com indicação de hora certa para proceder à diligência de notificação, concretamente, no dia seguinte, 29/12/2005 (cf. ponto 17 do probatório). Adotando este procedimento a AT cumpriu o disposto no artigo 240.º, n.º 1, in fine, do CPC. No dia marcado, à hora certa, a AT regressou à mesma morada e não encontrou o Impugnante, nem um terceiro, tendo, então, ali fixado uma “nota de notificação” (cf. pontos 18 e 19 do probatório). E o Impugnante não nega, antes confirma, que nos dias 28/12/2005 e 29/12/2005 não se encontrava na morada sita na Avenida R..., n.º 50, 3.º direito, Lisboa, na qual a AT intentou notificá-lo da liquidação em crise. Está, aliás, tal facto provado nos autos (cf. ponto 16 do probatório). Todavia, prescreve o n.º 3 do artigo 240.º do CPC que “[n]ão sendo possível obter a colaboração de terceiros, a citação é feita mediante afixação, no local mais adequado e na presença de duas testemunhas, da nota de citação, com indicação dos elementos referidos no artigo 235.º, declarando-se que o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do citando na secretaria judicial.” (sublinhado nosso). Sucede que da “certidão de verificação de hora certa” não consta a menção a quaisquer testemunhas, e, aliás, o espaço destinado à assinatura de duas testemunhas está em branco (cf. ponto 18 do probatório). É, pois, evidente que a AT não observou o disposto no artigo 240.º, n.º 3 do CPC, os termos do qual a notificação devia ter sido feita mediante afixação, no local mais adequado e na presença de duas testemunhas, da nota de citação. Assim sendo, afigura-se inelutável que a notificação pessoal não foi realizada de acordo com o formalismo legalmente exigido, o que determina a nulidade da notificação nos termos do disposto no artigo 198.º, n.º 1, do CPC na redação vigente. Ora, resulta das regras gerais de direito que sendo nula, a citação não produziu efeitos. Mas ainda que a lei não determinasse especificamente a nulidade da notificação, por força do artigo 36.º, n.º 1 do CPPT, o ato de liquidação nunca produziria efeitos em relação ao Impugnante, pois que não foi validamente notificado. Isto mesmo constitui jurisprudência assente dos tribunais superiores, de que é o exemplo o acórdão do STA de 31/01/2012, prolatado no processo n.º 0674/11, em cujo sumário pode ler-se o seguinte: “Resultando da certidão lavrada pelo funcionário encarregado da notificação que, na hora marcada para realizar a diligência, este, não encontrando o notificando, não se assegurou da impossibilidade de proceder à notificação em terceira pessoa, nem assegurou a presença de duas testemunhas na subsequente afixação da nota de notificação, é de concluir que não foi cumprido todo o formalismo que a lei prevê para esse efeito, o que determina a invalidade da notificação e a sua insusceptibilidade de produzir efeitos relativamente ao notificando” (cf., ainda, o acórdão do STA de 04/11/2009, proferido no processo n.º 676/09). Quanto a saber se a notificação da liquidação impugnada foi efetuada ainda dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação, conforme supra referido, o termo deste prazo ocorreu no dia 31/12/2005. E apenas no dia 03/01/2006 a AT expediu um ofício enviado por carta registada comunicando ao Impugnante que havia sido realizada a notificação da liquidação nos termos do artigo 240.º, n.º 3 do CPC no dia 29/12/2005 (cf. ponto 21 do probatório). Ora, tendo o ofício sido remetido no dia 03/01/2006, foi-o já depois de exaurido o prazo de caducidade do direito à liquidação, pelo que, por maioria de razão, a notificação da liquidação terá ocorrido também após o termo desse prazo. Resulta, pois, manifesto que a notificação da liquidação foi realizada após o termo daquele prazo de caducidade, o que, por força do disposto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT, determina a ilegalidade invalidade da liquidação, a qual é, consequentemente, anulável, nos termos do artigo 135.º do CPA na redação anterior, ex vi do artigo 2.º, al. d) do CPPT. Quanto à peticionada anulação da liquidação de juros compensatórios, importa considerar que estes são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido” (cf. artigo 35.º, n.º 1 da LGT). Ora, tendo-se concluído que a liquidação de IRS em crise é anulável por ter sido notificada após o prazo de caducidade do direito à liquidação, necessariamente, a conclusão a extrair, por decorrência lógica, é a de que não se encontram preenchidos os pressupostos fácticos em que assenta a liquidação de juros compensatórios. Se assim é, a liquidação dos juros compensatórios é também ilegal, por inerência e dependência da liquidação de IRS, na qual os juros compensatórios se incluem, e, por conseguinte, deve a mesma ser anulada. Termos em que o pedido anulatório será julgado procedente, e, sendo a liquidação adicional de IRS e a liquidação dos respetivos juros compensatórios anuladas, impende sobre a AT o dever de reconstituir a situação que existiria se não tivessem sido praticados os referidos atos. (…) Ora, como resulta claramente da fundamentação da sentença transcrita, e contrariamente ao alegado pela Recorrente, o Tribunal não baseou a sua decisão no entendimento de que a notificação apenas se considera efetuada com a expedição do ofício enviado por carta registada, nos termos do artigo 240.º, n.º 3, do CPC. Antes, fundamentou-a na invalidade da notificação com hora certa tentada, por não terem sido observadas as formalidades legalmente exigidas, designadamente o facto de a afixação da nota de citação não ter sido realizada na presença de duas testemunhas, como impunha a redação então vigente do referido preceito. Donde, e porque a notificação foi inválida, concluiu-se na sentença pela verificação da caducidade do direito à liquidação, ocorrida, entretanto no dia 31 de dezembro de 2005, atendendo a que em causa estava uma liquidação de IRS de 2001, e, nessa sequência, pela invalidade da própria liquidação, determinando-se a respetiva anulação. Com efeito, a referência à data de expedição do ofício mais não é do que um obiter dictum, um “dito de passagem”, que não releva para a sustentação da sentença, e com a qual se pretendeu apenas evidenciar que, ainda que se entendesse que a notificação se consumava com a expedição, esta teria ocorrido já depois de verificada a caducidade da liquidação. Esclarecido que está o fundamento da decisão, há que concluir que nada há que censurar à sentença, que fez uma correta interpretação e aplicação ao caso das normas convocadas. Acresce que a decisão se revela em plena sintonia com a jurisprudência dos tribunais superiores, que, de resto, invoca, designadamente com a jurisprudência assente neste Tribunal Central Administrativo Sul no sentido de que a falta de notificação da liquidação dentro do respetivo prazo de caducidade constitui ilegalidade invalidante do ato de liquidação (cf. neste sentido, designadamente, os Acórdãos deste TCAS proferidos em 2020-12-16, no proc. 914/07.7BEALM, em 2021-01-28, no proc. 101/08.7BEFUN e em 2021-04-29, no proc. 35/09.8BESNT, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado integralmente improcedente. *** Atento o decaimento do Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT. *** Conclusão: Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva: A falta de notificação válida da liquidação dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação constitui, por força da lei, ilegalidade invalidante do ato de liquidação. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso. Custas pela Recorrente. Lisboa, 30 de setembro de 2025 - Margarida Reis (relatora) – Vital Lopes – Rui A. S. Ferreira. |