Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1195/23.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:04/03/2025
Relator:CRISTINA COELHO DA SILVA
Descritores:IVA – REGIME DA MARGEM
Sumário:
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul



I – RELATÓRIO

A......., melhor identificado nos autos, deduziu impugnação judicial face ao indeferimento expresso da reclamação graciosa que apresentara contra os atos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, relativos aos quatro trimestres do ano de 2020 e o primeiro trimestre do ano 2021, no montante global de € 273.749,65.


*

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por sentença de 20 de Novembro de 2024 julgou a impugnação improcedente e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.



***

Inconformado com a decisão, veio o Impugnante apresentar o presente recuso, formulando as seguintes conclusões:

Conclusões

215. Em 24 de outubro de 2023 apresenta o ora recorrente petição de impugnação judicial relativa às liquidações de IVA e juros compensatórios associados, respeitantes ao exercício de 2020 e 2021 no valor de € 273 749,65

216. Arrola prova testemunhal idónea, uma funcionária e o Contabilista Certificado do impugnante e requer o depoimento de parte, nos termos do que dispõe o n.°1 do artigo 466.° do CPC, uma vez ter conhecimento direto e pessoal de todos os factos.

217. Em 15.11.2023. Despacha a Mma Juíza de Direito, no sentido de indicar a parte os factos sobre que iria depor, sendo que em 29 de novembro de 2023 dá o impugnante cumprimento ao douto Despacho da Mma Juíza.

218. A p. i. é composta por 161 artigos e Conclusões e a testemunha, Contabilista certificado, irá depor apenas sobre 17 artigos da p. i., ou seja, sobre factos que não podem ser provados apenas com recurso à prova documental, até por via daquela que foi a impugnação feita entre os artigos 89.° e 106.°, o mesmo sucedendo em relação ao depoimento de parte.

219. Pela referência 005808091 de 29.04.2024 é o ora recorrente notificado do despacho da Mma Juíza de 27.04.2024, que entende, que a produção de prova testemunhal se afigura desnecessária pelo que dispensa a mesma, despacho por via do qual se notificou ainda o M.P. nos termos do n.°1 do artigo 121º do CPPT, nada dizendo quanto ao requerido depoimento de parte, que se presume também terá sido dispensado.

220. No despacho que dispensa a prova testemunhal que ora se impugna, abriu-se vista ao M.P. nos termos do n.°1 do artigo 121.° do CPPT, sem que tenha sido emanada qualquer notificação nos termos do artigo 120.° n.°1 do CPPT.

221. Ainda que o impugnante nos artigos indicados, indicou pontos da petição inicial que encerram conclusões, matéria de direito ou factos já documentados, perspetivando o mesmo Despacho que, os documentos juntos aos autos e o processo administrativo permitem apurara todos os factos relevantes para a boa decisão da causa.

222. O ora recorrente indicou ao Tribunal na sequência de despacho para o efeito que as testemunhas arroladas, designadamente o contabilista certificado mas também a parte, deviam ser ouvidas quanto à matéria vertida nos artigos 89.° a 106.° da P.I.

223. Versam os artigos indicados sobre correcções aritméticas em sede de IVA, correcções das quais resultaram entendimentos antagónicos, falando-se aqui das diferentes posições tidas pela A.T. e pelo contabilista certificado e o próprio impugnante, sendo que para além de constarem na contabilidade documentos atinentes a estas operações, o documento só por si não foi suficiente para impedir que a correcção fosse levada a efeito.

224. Uma coisa são os resultados a que se chega outra é a realidade por via da qual a A.T. estatui esses resultados e essa se não tiver sido vivida, seja por testemunhas seja pela inspeção tributária, não se compreenderá na sua totalidade.

225. É justamente isso que se pretende demonstrar ao Tribunal, a veracidade de acontecimentos e factos alegados, pois podem as testemunhas versar sobre questões de facto contempladas na P.I., designadamente, a refutação feita pelo contabilista certificado e pelo próprio impugnante junto da inspecção tributária, aquando da acção inspectiva.

226. Desde logo ilegalidades aptas a ser explicadas pelo contabilista certificado do impugnante, designadamente as cometidas pela A.T. ao liquidar o "IVA por fora" nas vendas ao consumidor final quando o preço de venda das viaturas já incluía todos os impostos, mas também, os erros de quantificação do valor tributável e do "IVA corrigido" nas vendas identificadas no Anexo 118 do RIT.

227. Sendo que quanto ao Contabilista Certificado é aqui também parte indispensável na explicação dos resultados apresentados na P.I., designadamente nos artigos 104.° e 105.°.

228. O impugnante tem direito a refutar as correções estabelecidas pela A.T. também por via do conhecimento que os depoentes que apresenta detêm sobre os factos em tratamento, não sendo despiciendo, -em prol da melhor decisão possível-, que se ausculte o responsável da contabilidade, no sentido da compreensão do iter por este seguido, em contraponto ao diverso iter seguido pela A.T., e do qual resultou um apuramento que o impugnante contesta.

229. Para além do contabilista certificado o impugnante ora recorrente, evidentemente tem também um conhecimento de facto relevante, desde logo quanto a questões basilares nestes autos, relacionadas com as vendas e com o preço das viaturas e sua afixação.

230. Quanto à matéria vertida nos artigos 89 a 106 da P.I., arrolada como testemunha o Contabilista Certificado, são aqueles temas que interessam à defesa sejam esclarecidos, ademais porque versam sobre contabilidade e operações contabilísticas, factos não do conhecimento geral, porque são específicos e, exigem formação académica para a sua cabal explicitação.

231. Pelo que é crença do impugnante, que o teor do despacho ora recorrido consubstancia a violação do artigo 115.°, n.°1 do CPPT, para além da violação do artigo 120.°, n.°1 do CPPT, como se irá expender após a exposição de nulidade nos termos do artigo 615.°, n.°1, b) do C.P.C.

232. Não se conformando interpõe o impugnante recurso em 17.05.2024, nos termos da alínea d) do n.°2 do artigo 644.° do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 281.° do (CPPT).

233. Notificada a Fazenda Pública para efeitos do que dispõe o artigo 282.° do CPPT não se pronunciou.

234. Através da referência 005838242 de 27.06.2024 foi o recorrente notificado do Despacho de 27.05.2024 da Mma Juiza de Direito, que decide pela rejeição do recurso apresentado pelo impugnante.

235. Face á rejeição do recurso interposto, apresenta o impugnante reclamação, em 11.07.2024, nos termos do artigo 282.° n.°6 do CPPT e 643.° n.°1 do CPC.

236. Por Despacho da Mma Juíz de Direito de 08.10.2024 foi determinada a subida da reclamação ao Tribunal Central Administrativo Sul.

237. Proferida decisão Sumária em 18.11.2024 pelo TCA Sul, foi entendido pela Mma Juíza Desembargadora, que o Despacho em causa não podendo ser qualificado como Despacho de rejeição de meio de prova, o mesmo só pode ser impugnado no recurso que vier a ser interposto da dicisão final nos termos do n.°3 do artigo 691.° do CPC, deixando ainda expresso o seguinte:
"Assim, e tal como decidido no despacho reclamado, a decisão de que se pretende recorrer só é impugnável no recurso interposto da decisão final, sendo a decisão que vier a ser obtida nessa altura, ainda útil, pois caso seja dado provimento a esse recurso, será aberto um período de produção de prova face á constatação da existência de matéria de facto ainda controvertida, bem como será anulado o processado posteriormente a tal despacho".

Da eventual nulidade do despacho nos termos do artigo 615°, n.°1, b) C.P.C.

238. Em prol do princípio do inquisitório mas também em prol do princípio que professa a igualdade de armas entre as partes e sendo almejo do impugnante demonstrar a falta de assertividade das conclusões da A.T. também por via das suas testemunhas, -e neste caso, do conhecimento técnico contabilístico-, não deverá esta prerrogativa que assiste o recorrente ser vista como irrelevante, até pelo prejuízo patrimonial que as conclusões da acção inspectiva são aptas a causar.

239. Entende o recorrente que a fundamentação aposta pelo Tribunal a quo para dispensa da produção de prova testemunhal por desnecessária não revestirá a necessária suficiência para sustentar a decisão e nesse sentido, devem as testemunhas arroladas ser admitidas a depor, considerando que apenas são indicados 17 artigos da petição inicial de impugnação judicial, justamente aqueles que entendeu o impugnante deverem ser provados com recurso a prova testemunhal.

240. A fundamentação do Tribunal a quo para a dispensa de produção da prova testemunhal arrolada pelo impugnante, será insuficiente, desde logo porque não será assertiva salvo melhor opinião, a afirmação que expressa, "o Impugnante indicou pontos da petição inicial que encerram conclusões, matéria de direito ou factos já documentados."

241. Não é verdade que assim seja, observados os factos balizados entre os artigos 89.° a 106.° da P.I., admitindo-se que alguns possam conter matéria de direito, o que não invalida, porém, que outros que não a têm, não possam ser discutidos.

242. Mesmo um facto que possa estar virtualmente documentado, tal não significa de modo automático, que não existam explicações ou esclarecimentos passíveis de ser dados sobre certa realidade documental, aptos a infirmar presunções decorrentes dessa mesma prova documental.

243. Por outro turno, alude-se na P.I. a factos que foram apenas carreados pelo impugnante, nomeadamente o mérito quanto aos cálculos que fez na dilucidação da quantificação do valor tributável, acreditando-se, que a melhor sindicância judicial possível não se bastará com a análise dos documentos e respectivas presunções que integram o RIT.

244. O despacho em crise, normativamente, alude ao artigo 13.° do CPPT, mas a fundamentação atinente não tem que ver inequivocamente com um eventual desiderato de gestão processual, mas antes, com a figura do indeferimento da produção de prova testemunhal.

245. O artigo 113.° do CPPT não é elencado como também não foi por exemplo, o artigo 547.° do C.P.C., subjacente à adequação formal, pelo que o impugnante não deverá, salvo melhor opinião, ser prejudicado com a rejeição da prova testemunhal por si apresentada.

246. E quanto ao artigo 13.° do CPPT, vemos que a sua redacção assenta na positividade da acção do juiz, "...devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade.", e o que vemos neste caso, não é uma decisão de realização ou ordenamento de diligência, é exactamente o inverso, a rejeição de um meio de prova.

247. A fundamentação do Tribunal a quo terá ficado omissa no seu dever, pois ao abrigo de uma norma adstrita à gestão processual e que normativamente é de sentido positivo, ("devendo realizar"; ou "ordenar"), acaba a rejeitar um meio de prova, em violação do artigo 115.°, n.°1 do CPPT.

248. Crê-se que o despacho recorrido de 27 de abril de 2024 não contem os necessários pressupostos normativos nem a necessária fundamentação, de modo a vedar-se ao impugnante, a auscultação da prova testemunhal por si arrolada.

249. Está em causa uma impugnação judicial onde são discutidas liquidações no valor de 273 749, 65€, tendo as testemunhas sido arroladas com a P.I.

250. Nada existe de dilatório no natural exercício de um direito processual que o legislador previu a favor do impugnante, não tendo obviamente aquando dessa previsão, configurado a possibilidade de esse direito passar a ser facilmente excepcionado.

251. Falamos do direito à produção de prova por parte de quem impugna, razão porque nessa esteira se alude ao Ac. do TCA Norte, de 30/09/2021, no âmbito do Processo 01423/06.7BEVIS.

252. Expressa o citado aresto, "No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório, o que significa que o Juiz não só pode, como também deve realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade. Deste modo, tendo sido sugerida a realização de uma diligência, o Juiz só não a deve realizar se a considerar inútil ou dilatória em despacho devidamente fundamentado."

253.Invoca o ora recorrente a nulidade do despacho que dispensa a produção da prova testemunhal, apresentada pela impugnante, por omissão de especificação dos fundamentos de facto e de direito.

Da nulidade processual decorrente da omissão de notificação das partes para alegações escritas nos termos do artigo 120.°, n.° 1 CPPT

254. Assinala-se que o despacho recorrido encerrará também e salvo melhor opinião, uma outra nulidade derivada da omissão de notificação das partes nos termos do artigo 120.°, n.°1 do CPPT.

255. Entendeu por um lado a Mm° Juiz a quo, que não se justificava produção de prova testemunhal por alegadamente ter ao seu dispor todos os elementos necessários para a decisão, e por outro, terá entendido não caber no caso em apreço, a possibilidade de as partes alegarem por escrito, como aliás é norma.

256. De imediato decide o Tribunal a quo abrir vista ao M.P. nos termos do artigo 121.°, sem levar a cabo a iniciativa prevista no artigo 120.°, que no caso concreto, se imporia.

257. Impor-se-ia ao abrigo do princípio do inquisitório e também da igualdade de armas mas também, porque foi junta pelo impugnante documentação com relevo probatório, sobre a qual terá direito a alegar, falando-se aqui por exemplo dos mapas de apuramento de IVA juntos pelo ora recorrente, aquando da submissão de reclamação graciosa no dia 26 de setembro de 2022.

258. A junção probatória, salvo melhor opinião, não permitiria ou pelo menos não aconselharia, que o Tribunal a quo usasse de certa discricionariedade, pois neste caso ainda que tenha entendido desnecessário a notificação para alegações, o certo é que foi produzida prova.

259. Pode ler-se em Ac. TCA Norte de 13/01/2022, no âmbito do processo 02064/10.0BEPRT: "Tendo havido junção ao processo de documentos, com relevo probatório, impunha-se a notificação das partes para alegarem-cfr. artigo 120.° do CPPT."

260. Conclui o citado aresto, "A omissão de notificação das partes para alegações escritas, naquelas circunstâncias, porque susceptível de influir no exame e decisão da causa, constitui nulidade processual determinante da anulação dos posteriores termos do processo .”

261. Posição idêntica a do TCA Sul, vertida em Ac. de 16/02/2023, no âmbito do processo 2299/13.3BELRS, ao sustentar, "Após junção aos autos do processo administrativo, em regra, não poderá haver conhecimento imediato do pedido, tendo de passar-se à fase de alegações, mesmo que não haja outra prova a produzir, por imperativo do princípio do contraditório.”

262. Conclui o citado aresto: "A preterição da notificação para alegações escritas constitui nulidade processual, por ser um desvio ao formalismo processual prescrito na lei, que na situação dos autos tem potencialidade para influir na apreciação e decisão."

263. Verificado o teor do despacho do Tribunal a quo que sem fundamentação adequada viola o artigo 115.°, n° 1 do CPPT; verificada a inobservância da notificação nos termos do artigo 120.° do CPPT a qual é apta a constituir nulidade; observado o valor da causa; observado o interesse do impugnante, e observado o cuidado que teve na indicação concreta dos factos sobre os quais as testemunhas versariam, requer-se junto de V. Exas, possa ser concedido provimento à presente apelação, quanto aos apontados segmentos.

Da nulidade da sentença/Do facto provado em alínea K); R) e U)

264. Decorre da factualidade dada como provada nos factos ínsitos nas alíneas K), R) e U), que corresponde o facto provado em K) á transcrição do RIT- pág.12 a 21 da sentença recorrida, num total de 10 pág.

265. O Facto provado em R), corresponde á transcrição do projeto de decisão da reclamação graciosa num total de 5 pág.

266. E o facto provado em U), corresponde á transcrição da decisão de indeferimento da petição de reclamação graciosa, resultando justamente a evidencia não das liquidações reclamadas/impugnadas mas as liquidações relativas a 2018 e 2019, que a sentença recorrida entendeu não ter ocorrido erro suscetivel de contender com a substância da decisão ou que obste á compreensão e inteligibilidade - pág. 40 - 3.° parágrafo.

267. O mérito a atribuir à posição das partes também se avaliará por aquela que foi a sua bondade na litigância, o seu esforço na demonstração dos factos, a sua legítima convicção de uma razão.

268. Pese embora a sentença recorrida faça crer o contrário, houve todo um empenho do impugnante na prova de factos que contendiam com as conclusões formuladas no Relatório da Inspecção Tributária, nomeadamente por via de explicações exaustivamente dadas a funcionários da A.T., bem como junto do douto Tribunal, não obstante o julgador tenha acabado a decidir de modo diverso.

269. Tendo o douto julgador estatuído de modo diverso do propugnado pelo impugnante, exigia-se-lhe, assim se crê respeitosamente, que especificasse os factos, ao invés de sem qualquer distinção ou pronúncia crítica, plasmar grande parte do RIT no facto provado em alínea K) da decisão, dando-o como provado.

270. E nos factos provados em R) e U), o projeto de decisão da reclamação graciosa e a decisão de indeferimento da mesma reclamação.

271. Foram articuladas pelas partes posições diametralmente opostas, foi produzida prova que claramente contradiz conclusões estruturantes do RIT, e existem passagens do RIT que ou não foram sindicadas quanto à sua veracidade, ou traduzem opiniões e ideias subjectivas, que não podem valer como um facto único.

272. Por seu turno, a A.T. nunca teve que demonstrar nada por automaticamente e sem fundamento ter transferido o ónus para o aqui recorrente, mas acaba a ver o seu RIT dado como provado, sem que o Mm° Juiz a quo tenha procedido a especificações, que não está dispensado de especificar.

273. O que muito se estranha e frontalmente se contesta, pois como se exporá junto de V. Exas, vários são os exemplos de factos dúbios ou improvados que emanam do RIT.

274. Chegado o momento de firmar os factos, o douto julgador fá-lo plasmando integralmente páginas do RIT no facto dado como provado na alínea K), pág.12 a 21 da sentença recorrida, num total de 10 páginas, procedimento censuravelmente simplista e que em nada contribui para um digno exercício da justiça, assim se crê respeitosamente.

275. E, nos factos provados nas alíneas R) e U), transcreve o projecto de decisão da reclamação graciosa e bem assim a decisão de indeferimento.

276. A páginas 30 da sentença recorrida, no capítulo consagrado á motivação da decisão da matéria de facto, expressa-se que a convicção do Tribunal para dar como provados os factos, fundou-se na análise critica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nos documentos juntos aos autos, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório, bem como a na posição expressa pelas partes.

277. Veja-se o que resulta do facto provado em alínea K) - "Em 19/01/2022 foi elaborado o relatório de inspeção Tributária (RIT) respeitante ás ações inspetivas mencionadas em E) e F) do qual resultaram correções, designadamente, em sede de IVA dos quatro trimestres do ano de 2020 e do primeiro trimestre de 2021, no montante global de € 227 707,62, extraindo-se do respetivo teor o seguinte:"

278. Segue-se neste mesmo facto provado a transcrição do RIT de pag.12 a 21 da sentença recorrida.

279. Comentando este fundamento aposto pelo Mm° julgador diz-se o seguinte: Nada de novo existe em afirmar que um RIT pode ser essencial para uma decisão; nada de novo existe em afirmar que as passagens do RIT fundamentam as correcções em sede de IVA a 2020 e 2021 e os consequentes atos de liquidação impugnados, e nada de substancial se traz, ao dizer-se que a análise dessas passagens pode ser relevante para a decisão.

280. A questão primordial é a de saber se estas razões ora transcritas e expressas pelo douto julgador de pág.12 a 21 da sentença recorrida, são aptas a justificar a inserção de um facto provado que integra 10 páginas da sentença recorrida, integralmente retirado do RIT.

281. O mesmo se passando relativamente ao facto provado em R) e U), onde são transcritos um projecto de decisão e uma decisão de indeferimento que integram mais sete páginas da sentença recorrida.

282. Ora a resposta, afigura-se-nos evidente: O douto julgador não poderia ter procedido como procedeu, mesmo que queiramos levar em conta, as razões que invoca. Pois tais razões não comportam o condão da subversão das regras atinentes à estipulação de facto.

283. O Tribunal a quo ao dar como provadas as páginas do RIT e decisões da propria AT, já evidenciadas, apenas dedicadas á prova do facto a que correspondem as alíneas já identificadas, corre flagrante risco de incorrer na parcialidade, pois está a ater-se ao conteúdo integral de páginas do RIT e decisões da AT, evidentemente repletas de factos e não com apenas um.

284. O Tribunal a quo não fez uma análise a todos os factos ínsitos naquelas páginas, o Tribunal a quo transcreveu o seu conteúdo. Se houve análise, o Tribunal a quo não deu a conhecer o seu iter analítico.

285. O Mmo Juiz a quo está a fazer da fundamentação da A.T a sua própria fundamentação, sem que uma vez mais, se perceba o "caminho" que o próprio julgador percorreu, para decidir contra o impugnante.

286. Os factos provados em K), R) e U), não cumprem os critérios legais, violando assim os direitos do impugnante, que quisesse impugnar esses fatos, ver-se-ia envolto em exigências hercúleas que o legislador não concebeu.

287. Os factos provados nas ditas alíneas, consubstanciarão sempre uma afirmação demasiado escassa e que inviabiliza o entendimento das razões, dos fundamentos e da lógica inerente ao pensamento do julgador para selecionar uns factos em detrimento de outros, ou mesmo para entender no caso concreto, se de facto o julgador a quo, entende que todo o teor daquelas páginas que reproduziu no texto da decisão, são verdadeiras.

288. Não é uma prática que deva ser avalizada assim crê junto de V. Exas, pois a natureza deste processo, e todo o expendido e demonstrado pelo impugnante, mereceriam salvo o devido respeito, um maior esforço por parte do julgador, de modo a tornar entendível o seu processo de decisão e a justiça que decidiu realizar no caso concreto.

289. Crê-se que esta conduta de transformar sem destrinça e sem critica, um RIT ou parte dele e decisões da AT, em facto provado, consubstancia o cometimento de uma nulidade, como a prevista no artigo 615.°, n.°1, b) do C.P.C.

290. Suscita-se posição vertida em Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, no âmbito do processo 00479/09.5BEPRT, datado de 28/01/2016, Relator Dr. Mário Rebelo que expressa a partir do ponto 8 do sumário: "A prática de verter nos factos provados o conteúdo do relatório da inspecção é uma prática censurável que não cumpre dever de selecção da matéria de facto que deve constar na sentença."

291. Acrescenta, "Processualmente é tão errado dar como reproduzidos documentos que constem do processo, como reproduzi-los integralmente sem indicar - discriminar, especificar-, os factos que esses documentos comprovam."

292. Acabando a concluir de forma taxativa, "Se o juiz entender que o relatório contém factos que uma vez provados relevam para a decisão (o que sucede na maioria das vezes), deverá cuidadosamente selecioná-los (e só os factos!) descriminando-os por alíneas ou números, refletindo deste modo o dever que a lei impõe às partes na dedução dos factos por artigos (art.° 147°/2; 552°/d CPC e 108º/1 do CPPT).

293. São trechos que contendem absolutamente com a prática levada a cabo no caso concreto, que de forma simplista e indiscriminada averbou como factos provados nas alíneas K), R) e U), RIT e decisões da AT, razão pela qual se suscita a nulidade da decisão.

Da motivação da matéria de facto

294. No que concerne á motivação da matéria de facto, diz a sentença recorrida que se fundou na análise critica de toda a prova produzida nos autos, designadamente documentos juntos aos autos, conforme referido em cada alínea do probatório, bem como na posição expressa pelas partes, tendo sido considerados os factos relevantes para a decisão dentro das várias soluções plausiveis das questões de direito- n.°2 do artigo 123 do CPPT e n.°s4 e 5 do artigo 607.° do CPC.

295. Em nenhuma das alíneas do probatório é feita qualquer referência a documentação apresentada pelo impugnante ora recorrente, designadamente, a que foi apresentada com a petição de reclamação graciosa.

296. Foram apresentados dois documentos deveras importantes, um relativo ao apuramento da matéria Tributável em sede de IRS, após correções ao valor da venda, do preço de custo e do IVA declarado e um segundo documento relativo ao apuramento da matéria tributável, sendo que qualquer deles, assim se crê, carece de esclarecimento do Contabilista Certificado, por forma a perceber o julgador que os dados ali constantes são reais e constam na contabilidade devidamente organizada.

297. A propósito de outro segmento, diz a sentença recorrida que a atuação da AT é norteada pelo principio do inquisitório - artigo 58.° da LGT- cabendo-lhe realizar todas as diligências necessárias á descoberta da verdade.

298. Tal decorre da alínea d) do n.°1 do artigo 63.° da LGT, resultando, que, em sede de inspeção, para apurar a situação tributária do contribuinte, deve a AT desenvolver todas as diligência necessárias, nomeadamente solicitando a colaboração de terceiros, perspetivando assim a sentença recorrida, que bem andou a AT em recolher informação junto de adquirentes das viaturas.

299. Não adotou o julgador idêntico comportamento, quanto á análise da documentação junta com a p.i. de reclamação graciosa, ou que tivesse desenvolvido todas as diligências necessárias no sentido de apurar se tinha andando bem a AT no que concerne ao apuramento da situação Tributária do ora recorrente.

300. Se está a AT vinculada ao principio da legalidade tributária e a sua atuação é norteada pelo principio do inquisitório cabendo-lhe todas as diligências necessárias á decoberta da verdade,

301. Se deve a AT desenvolver todas as diligência necessárias, nomeadamente solicitando a colaboração de terceiros, então também deve usar do mesmo comportamento quanto ao impugnante, não se limitando a descartar prova documental que espelha a realidade dos factos e a dispensar prova testemunhal e depoimento de parte sendo que ambos os meios de prova muito contribuiriam para uma mais justa decisão, assim se crê.

302. Resulta assim prejudicado o que diz a sentença recorrida quanto á motivação da matéria de facto se ter fundado na análise critica de toda a prova produzida nos autos, designadamente documentos juntos aos autos, conforme referido em cada alínea do probatório, bem como na posição expressa pelas partes.

Da motivação de Direito

303. Quanto a fundamentos de direito, aprecia em primeiro lugar a sentença recorrida a questão da falta de notificação prévia nos termos do que dispõe o artigo 49.° do RCPITA,

304. Diz que se pretende com a previsão da alínea b) do n.°1 do artigo 50.° do RCPITA, evitar que a notificação antecipada ao sujeito passivo introduza alguma perturbação numa investigação ou inquérito criminal,

305. Concluindo que, "a AT fez o que lhe cabia: verificou o requisito de que depende a dispensa ao abrigo da alínea b) do n.°1 do artigo 50.° do RCPITA, sendo a mesma legitima e fundada, não lhe cabendo os deveres cujo incumprimento o impugnante lhe imputa".

306. Não concorda o ora recorrente com a perspetiva da sentença recorrida, pois se pretendia evitar a IT, como diz a sentença recorrida, que a notificação antecipada ao sujeito passivo introduzisse alguma perturbação na investigação ou no inquérito, tal não foi demonstrado de forma alguma, desde logo, porque a primeira abordagem ao contribuinte, foi num estabelecimento comercial onde não existia qualquer documento/elemento contabilístico, do próprio contribuinte.

307. O que fez a IT, foi colocar á frente do contribuinte uma ordem de serviço para ser assinada, tal como acontece em sede de procedimento inspetivo em que é enviada a Carta Aviso, só que assinada a ordem de serviço uns dias depois

308. Nada foi pedido nem apreendido de elementos ou documentos contabilísticos pois esses estavam no gabinete de contabilidade nem tão pouco foi manifestada por parte dos inspetores, nesse dia ou em algum dos dias seguintes, intenção de lá se deslocarem, ficando por demonstrar a urgência em iniciar o procedimento inspetivo e o alegado risco de perturbação do inquérito, que justificou a falta de notificação prévia ao contribuinte.

309. A perspetiva da sentença recorrida de que pudesse ser introduzida alguma perturbação na investigação ou no inquérito é vaga, não se apresenta minimamente fundamentada, como naturalmente se impunha, nem se alcança o que pudesse ser levado a efeito pelo contribuinte que viesse a perturbar a investigação de que se fala, para mais tratando-se de um contribuinte em nome individual, cujo objeto social era a venda de automóveis.

310. O procedimento inspetivo inicia-se em 21.05.2021, o contribuinte não tinha ainda efetuado a entrega da declaração de rendimentos do ano de 2020, embora na presente impugnação se discuta a legalidade das liquidações de IVA emitidas decorrentes do mesmo procedimento. Com o procedimento em curso, a AT procede á emissão de uma declaração de rendimentos oficiosa em 16.12.2021, no valor de € 390 124,92, ou seja, sete meses após ter iniciado o procedimento inspetivo a esse mesmo exercício.

311. Por via de ter sido apresentada reclamação graciosa da liquidação oficiosa com a junção da declaração de rendimentos em resultado do apuro contabilístico, mediante a qual apura prejuízo fiscal, o resultado foi o arquivo da dita reclamação, a liquidação oficiosa, anulada e a AT emite em 9.04.2022 a liquidação que resulta das correções levadas a efeito em sede de IRS, no valor de € 84 358,76.

312. Notem V. Ex.-s que a declaração de rendimentos oficiosa apresentava valor de tributo apurado de € 390 124,92, a substituída pela contabilidade prejuízo fiscal e a impugnada o valor de € 84 358,76.

313. Fica bem patente, assim se crê, quem pretendeu incomodar ou perturbar o contribuinte, que no decorrer do procedimento inspetivo (sete meses depois) emite uma liquidação oficiosa no valor de € 390 124,92, quando o fim em vista de uma ação inspetiva é justamente apurar a real situação tributária do contribuinte, seja em sede de IRS ou em sede de IVA.

314. Entende o ora recorrente que houve preterição de formalidade legal em resultado da ausência de notificação da carta aviso nos termos do que dispõe o artigo 49 ° do RCPIT, sendo que no prazo que medeia entre a notificação da carta Aviso e o inicio do procedimento que ocorre com a assinatura de ordem de serviço, a única perturbação que podia causar o inspecionado á investigação, era proceder á entrega da declaração de rendimentos do ano inspecionado e IES.

315. A dispensa de realização de notificação prévia com enquadramento no previsto na alínea b) do n.°1 do artigo 50.° do RCPITA não é aceitável porque nenhum argumento foi apresentado pela AT e não tem a sentença recorrida de se substituir á IT, motivando a respeito da ausência de notificação antecipada ao sujeito passivo, poder introduzir perturbação na investigação ou no inquérito.

Da insegurança jurídica/dos procedimentos inspetivos sancionados pelo mesmo Superior Hierárquico

316. O procedimento inspetivo foi conduzido pelo mesmo inspetor tributário que levou a cabo ação inspetiva aos dois exercícios anteriores (2018 e 2019), no qual havia já manifestado entendimento oposto ao do Colega, agente inspetor responsável (da mesma Divisão) pelo procedimento inspetivo externo ao exercício de 2016 (primeiro ano de exercício de atividade do ora recorrente).

317. Suscita ainda o impugnante a respeito da insegurança jurídica, na medida em que entendimentos opostos de colegas da mesma Divisão e equipa, podem causar resultados nefastos na vida do contribuinte, pessoal e profissional, no inicio da sua atividade profissional, com consequências irreversiveis, sendo certo que o Superior Hierárquico tanto sanciona um como outro sem que tivesse ocorrido alguma alteração legislativa.

318. A esse respeito entendeu a sentença recorrida que, "se a AT conclui ter existido um erro no passado, cometido no seio de ação inspetiva, não pode perpetuá-lo, assim obriga o principio da legalidade previsto nos termos do artigo 55.° da LGT".

319. Discorda o ora recorrente, ademais porque não há legislação que obrigue a que agente inspetor responsável por determinado procedimento, tenha de ser o mesmo nos procedimentos seguintes determinados ao mesmo contribuinte, tanto assim, que o agente responsável pela ação inspetiva ao exercício de 2016 foi um (que entendeu apresentar-se a contabilidade correcta entendimento sancionado pelo Superior hierárquico) e, no procedimento seguinte, foi designado agente diferente, que, expressamente entendeu que o Colega anterior tinha feito tudo errado, entendimento que manteve nas ações anteriores e nas presentes aos exercícios de 2020 e 2021 que a sentença recorrida, a ver pelo transcrito no artigo anterior, corroborou.

320. A AT vinculada ao principio da legalidade tributária, não pode é á custa de tal principio, uma vez que admite ter havido erro cometido no seio da ação inspetiva ao ano de 2016, ignorar outros princípios a que também está vinculada, causando uma situação (prejuízo) irreparável na vida do ora recorrente a todos os níveis irreversível.

321. Depois de um Agente Inspector ter concluído um procedimento inspetivo externo ao exercício de 2016 (1.° ano de actividade do ora recorrente) sem correções, é determinado novo procedimento inspetivo externo aos exercícios de 2018 e 2019, sem que este ultimo exercício, de 2019, estivesse encerrado e, não suficiente é determinado novo procedimento inspetivo externo aos exercícios de 2020 e 2021, também, sem que este último, de 2021, estivesse encerrado.

322. As correcções levadas a efeito ao exercício de 2018 e 2019, cujas impugnações de momento não estão decididas tiveram consequências irreversiveis na vida pessoal e profissional do ora recorrente, face aos montantes absurdos corrigidos, pois tratava-se de um pequeno negócio de venda de automóveis com dois anos de existência, sutentado na segurança que lhe dera o Relatório de Inspeção Tributária do procedimento inspetivo a que foi sujeito logo no seu primeiro ano de actividade, ou seja 2016, Relatório este devidamente sancionado por Superior Hierárquico.

323. Sem recuperar do folego, é determinado novo procedimento inspectivo aos exercícios de 2020 e 2021, credenciando-se o mesmo inspetor tributário. Naturalmente que tendo o impugante suscitado posições antagónicas de cada um dos inspectores nas impugnações de 2018 e 2019, relativamente aquele que tinha sido o entendimento do agente que inspecionou 2016 e, sendo que não se apresentam decididas tais impugnações, entende o ora recorrente ter sido um erro credenciar o mesmo inspector para as ações inspetivas aos exercícios de 2020 e 2021.

324. Para mais quando sabia o Superior Hierárquico que tinha sancionado o RIT da ação inspetiva ao exercício de 2016, vindo depois a sancionar o RIT da ação inspetiva aos exercícios de 2018 e 2019, onde as conclusões são completamente opostas e posteriormente, ainda as de 2020 e 2021.

325. Se o resultado de 2018 e 2019 criou uma situação irreversivel á vida do ora recorrentre, o de 2020 e 2021 não tem classificação, pois não existem vendedores de automóveis em Portugal que apurem nas suas contabilidades nos mesmos exercícios, tributo a pagar, na ordem de um milhão de euros, justamente o valor que a inspeção corrigiu ao ora recorrente.

326. Não suficiente, e embora os presentes autos versem sobre o IVA, emite ainda a inspeção tributária uma liquidação oficiosa para o IRS de 2020, no valor de € 390 124,91 cujo tributo apurado teve na base a correção levada a efeito no ano anterior, ainda não decidida pelo Tribunal, quando, como já se referiu, em momento anterior, corria um procedimento inspectivo iniciado, a 21 de Maio de 2021, destinado a apurar a real situação tributária do inspecionado.

327. A liquidação emitida em resultado das correções levadas a efeito pelo Inspetor Tributário ao exercício de 2020 em sede de IRS, apresenta o valor da liquidação de € 84 358,76, contudo, está em crer o ora recorrente que o inspetor em algum momento perspetivou uma correção que levasse a emitir uma liquidação no valor da oficiosa ou superior, pois de outra forma não se alcança o momento em que a mesma é emitida, sete meses após ter iniciado o procedimento inspetivo externo ao mesmo exercício (2020).

328. Decorrente da declaração de rendimentos apresentada para o mesmo exercício (2020), apurou a contabilidade prejuízo fiscal, sendo que para além de todos os elementos estarem na posse da AT, pois foi entregue a declaração de rendimentos e IES, todos os esclarecimentos que o Tribunal entendesse por convenientes estavam ao alcance do Contabilista Certificado.

329. A prova testemunhal foi dispensada pelo Tribunal a quo e a prova documental apresentada pelo impugnante desconsiderada, pese embora diga a sentença recorrida que a atuação da AT é norteada pelo principio do inquisitório (sublinhado nosso) - artigo 58.° da LGT- cabendo-lhe realizar todas as diligências necessárias á descoberta da verdade, principio que definitivamente, não observou a sentença recorrida

330. Conforme resulta demonstrado, a AT após a análise e controlo que efectuou aos elementos contabilísticos e documentais descritos na ação externa ao exercício de 2016, não menciona qualquer irregularidade no apuramento do IVA pelo regime especial de tributação dos bens em segunda mão, concluindo-se por isso, que o ora impugnante estava a proceder e a interpretar correctamente as regras de liquidação do IVA relativamente às viaturas adquiridas em países comunitários.

331. A informação prestada pela AT, em Janeiro de 2019, no âmbito do procedimento de inspeção externo ao exercício de 2016 e sancionada por despacho do senhor Diretor de Finanças de Santarém no relatório final de inspeção tributária constituiu a segurança jurídica necessária para que o ora recorrente mantivesse o comércio de viaturas usadas adquiridas a revendedores comunitários, mantivesse os fornecedores, mantivesse as condições de compra e a liquidação do IVA pelo regime da margem, sempre que os requisitos das faturas de aquisição fossem idênticos aos das faturas de 2016.

332. Sujeito a um procedimento inspectivo ao seu primeiro ano de atividade e na posse de um relatório que lhe transmitiu segurança sobre o modus operandi da sua actividade, questiona-se, que razões tinha o inspecionado ou mesmo experiência, para recorrer ao mecanismo do artigo 64.° do RCPITA de modo a que a AT conferisse eficácia vinculativa ao relatório de inspeção tributária de 2016?

333. Crê o ora recorrente que, não ter recorrido a esse mecanismo equivale a inexperiência, equivale justamente, a acreditar numa entidade superior que tendo observado o seu trabalho, a sua atividade pela primeira vez, lhe transmitiu confiança, nada tendo por isso a temer, muito menos fazer coisa diferente da que havia sido entendida como correcta, ou seja, esteve de boa fé para com a AT.

334. Ter recorrido ao mecanismo previsto no artigo 64.° do RCPITA de modo a conferir eficácia vinculativa ao relatório de inspeção, no entendimento do ora recorrente equivaleria a conhecer do alegado erro cometido pelo agente responsável pelo procedimento de 2016 e na verdade, não foi essa a perceção que teve, outrossim, depois de conhecer o relatório, ficou com a satisfação de que estava no bom caminho, tudo se apresentava em conformidade com a lei, apesar da sua imaturidade na atividade.

335. Determinado procedimento inspetivo externo ao exercício de 2018 e 2019, cuja responsabilidade é atribuída a um agente inspetor, que em termos de relatório final tem uma perspetiva discordante do colega da mesma Divisão, cujos relatórios foram sancionados pelo mesmo Superior Hierárquico que havia determinado o procedimento inspetivo externo ao aqui inspecionado, ao exercício de 2016,

336. Decidindo esse orgão, com competência para o efeito, encetar novo procedimento inspetivo externo ao mesmo inspecionado, in casu, aos exercícios de 2020 e 2021, de novo, por questões de segurança jurídica, não podia e não devia, credenciar o mesmo funcionário, que discorda da perspetiva do colega que concretizou o procedimento inspetivo externo ao exercício de 2016, sob pena de se entender que o fez tendenciosamente, pois de outra forma, credenciaria o inspetor tributário que havia sido responsável pelo procedimento inspetivo externo ao exercício de 2016.

337. As razões que levaram a diferentes perspetivas de opinião de dois agentes da mesma divisão, cujo superior hierárquico é o mesmo, estão a ser discutidas, não estão decididas, muito menos transitadas.

338. Se não há norma jurídica para requerer a nomeação de outro agente inspector, também não há para nomear o mesmo agente inspetor, pois bem sabemos que, decorrente de diversas situações são muitas vezes substituídos os agentes responsáveis, apenas por despacho do órgão que atribuíra a credenciação.

339. O que se impunha, desde logo por uma questão de demonstrar que o Estado é uma pessoa de bem que não frustra de modo infundado as expetativas legitimas dos cidadãos, dando assim cumprimento ao principio de igualdade das partes, seria, a credenciação de novo inspetor tributário, de forma a aferir de uma terceira perspetiva, ademais porque, ambos os relatórios foram sancionados pelo mesmo superior hierárquico, o que mal se compreende, pois ambos os procedimentos têm poucos meses de diferença um do outro, não se verificou qualquer alteração à lei que sustente as divergentes perspetivas dos inspetores que sem se perceber como, ambas merecem despacho de concordância do mesmo superior hierárquico.

340. Impunha ainda esclarecimento quanto ao facto de em dois momentos ter sido iniciado procedimento inspectivo a dois exercícios que não se mostravam encerrados (2019 e 2021). Não só foi omitida pronuncia pela AT como pela sentença recorrida, o que, constitui, situação bastante singular.

Da perspetiva da sentença recorrida quanto ás correcções levadas a efeito pela IT

341. Diz a sentença recorrida que a atuação da AT é norteada pelo principio do inquisitório - artigo 58.° da LGT- cabendo-lhe realizar todas as diligências necessárias á descoberta da verdade.

342. Tal decorre da alínea d) do n.°1 do artigo 63.° da LGT, resultando, que, em sede de inspeção, para apurar a situação tributária do contribuinte, deve a AT desenvolver todas as diligência necessárias, nomeadamente solicitando a colaboração de terceiros. Nesse sentido entendeu a sentença recorrida, que bem andou a AT em recolher informação junto de adquirentes das viaturas.

343. Não se conforma o ora recorrente com tal perspetiva, desde logo porque, ainda que fora de prazo, foi apresentada a declaração de rendimentos do exercício inspecionado e IES.

344. Apura a contabilidade prejuízo fiscal em contraposição com a liquidação impugnada em sede de IRS, proveniente do procedimento inspetivo que entende o ora recorrente padecer igualmente de ilegalidade.

345. Não ficou a valer na ordem jurídica o valor da liquidação oficiosa, no valor de € 390 124,91, tributo este apurado em resultado da liquidação anterior, também esta resultado das correcções levadas a efeito pela IT, que ainda se discutem e, portanto, até ao transito em julgado não se podem consideram definitivas, sendo certo que, para além do expendido, se decorria um procedimento inspetivo destinado a apurar a real situação tributária do contribuinte, sobrepunha-se o mesmo á emissão de uma liquidação oficiosa, para mais consubstanciada num procedimento inspetivo cuja ilegalidade ainda se discute

346. O que se pretende dizer, é que, na verdade, a contabilidade do ora recorrente é uma contabilidade organizada e pese embora estivesse o contribuinte em falta (que já não está) com a apresentação da declaração de rendimentos do exercício inspecionado (2020), não seria pela falta de apresentação da declaração de rendimentos, punida com coima, que a contabilidade deixa de oferecer credibilidade.

347. Se de facto não fosse possível apurar a matéria tributável pela via directa (porque a contabilidade não oferecia credibilidade e/ou apresentava irregularidades) tinha ao seu alcance a IT a possibilidade de recurso a métodos indiretos, mecanismo que não utilizou em nenhum dos procedimentos e embora se discuta no presente a legalidade dos métodos que adotou e perspetiva quanto ás correcções que concretizou, o certo é que apura a inspeção um tributo em sede de IRS de € 84 358,76, ou seja, sensivelmente inferior a cinco vezes o valor da liquidação oficiosa emitida, no decorrer de um procedimento inspectivo externo destinado a apurar a real situação tributária do ora recorrente.

348. Diz ainda a sentença recorrida que o impugnante alega que o RIT não esclarece como foi apurado o IVA, que não sendo pela margem, mas acrescido ao valor indicado no dito questionário, não levou em consideração que por imposição legal, o preço do veículo anunciado para venda tem IVA incluído, o que corresponde inteiramente á verdade - vide mapa de correções (anexo 118 do RIT) onde figuram oito veículos, a que a AT atribuiu o custo zero.

349. Refere a sentença recorrida que o impugnante juntou prova documental (sublinhado nosso) sendo que seis dos veículos foram adquiridos pelos valores expressos na coluna 2 do quadro e dois foram colocados no stand para venda em consignação com preços de venda fixados nos valores constantes da coluna 4 do mesmo quadro.

350. Corroborando da perspetiva do RIT, refere a sentença recorrida, quanto ás oito viaturas, que o impugnante não detinha nem apresentou documentos comprovativos dos custos, deconsidera em absoluto a prova documental que atesta no artigo anterior que foi junta pelo impugnante, concluindo que andou bem a AT em atribuir custo zero.

351. Não se conforma o ora recorrente ademais, porque, considerando a motivação apresentada em sede de petição inicial, quadros com cálculos absolutamente correctos, resulta claro que a sentença recorrida tão pouco se debruçou sobre os mesmos para uma correta análise o que equivale a falta de fundamentação e, ainda que tenha deixado expresso que se norteia a AT pelo principio do inquisitório - artigo 58.° da LGT- cabendo-lhe realizar todas as diligências necessárias á descoberta da verdade - não foi isso que aconteceu, pois tão pouco ouviu as testemunhas arroladas, o depoimento de parte, desconsiderou a prova documental apresentada pelo impugnante, ou seja, sem mais, corroborou na integra a posição vertida no RIT, dando-a como provada, em suma, não teve dúvidas mas uma ferrea convicção, a que deixou vertida na sentença recorrida.

352. Vejamos então o que motiva o ora recorrente em sua defesa no que concerne ás correções perpetradas, pois, ainda que distantes do valor da liquidação oficiosa emitida no decorrer de um procedimento inspetivo externo destinado a apurar a real situação tributária do contribuinte, ainda assim, não se mostra correctas, face ao prejuízo fiscal apurado pela contabilidade e muito menos, as correcções em sede de IVA a que acresce o valor das liquidações de juros compensatórios, cuja interpretação dos preceitos legais quanto á liquidação do tributo, de forma alguma se pode considerar correcta, para mais, quando, não tendo havido alteração legislativa o mesmo superior hierárquico sanciona (ratifica) entendimentos de agentes inspetores completamente antagónicos.

353. Quanto às aquisições feitas pelo ora recorrente em Portugal, a particulares, resultam as correções de respostas de particulares, a quem o agente inspetor enviou questionários para preencherem e posteriormente, devolverem ao Serviço de Inspeção Tributária.

354. Cada um respondeu o que entendeu, pois não há forma de aferir da veracidade das respostas podendo inclusive haver razões para influenciar um determinado tipo de resposta, ou porque a viatura não correspondeu às expectativas, ou porque avariou, ou porque encontrou posteriormente ao negócio viatura idêntica mais barata, ou porque simplesmente não simpatiza com a pessoa.

355. As conclusões retiradas no âmbito de um procedimento inspectivo não podem de forma alguma resultar de questionários feitos a terceiros, para mais quando esses terceiros são particulares, sem qualquer atividade que obrigue a comprar ou vender com fatura, não dispondo por isso a AT de elementos que lhe permitam apurar a veracidade das respostas obtidas através dos ditos questionários, cujo encargo de prova sobre si impendia.

356. Outra questão não esclarecida, desde logo no projeto e depois no RIT, designadamente, a forma como apura o agente responsável pelo procedimento, o tributo (IVA), que não sendo pela margem, mas acrescido ao valor indicado no questionário, não levou em consideração, que por imposição legal o preço do veículo é anunciado (IVA incluído).

Vejamos então

357. Entendeu a sentença recorrida quanto ás correções perpetradas em sede de RIT, tecer algumas considerações sobre a liquidação do IVA, defendendo que in casu, não é aplicável o conceito de preço e portanto não tem a AT de considerar um IVA "invisível" que o impugnante alega ter incluído no preço, entendimento que de resto se apresenta em consonância com o vertido no RIT.

358. Não se conforma com tal perspectiva, pois, caso contrário, mal se perceberia, a razão por que tem prosseguido com o seu intuito, ou seja, conseguir demonstrar ao Tribunal, no caso aos Venerandos Desembargadores, que, para além de todas as irregularidades no procedimento, que crê conseguir demonstrar, nas aquisições e vendas de veículos em segunda mão procede á liquidação do IVA, correctamente.

359. Sendo certo que mesmo admitindo possam ter existido algumas falhas, não passarão em definitivo, pelos valores que corrigiu a IT, através de interpretações que não se ajustam com preceitos legais, pois, a ver pela análise da contabilidade do ora recorrente no primeiro procedimento inspetivo a que foi sujeito, no seu primeiro ano de atividade e que de todas as formas foi sancionado pelo mesmo Superior Hierárquico que sancionou os RIT's de 2018 e 2019, 2020 e 2021, terá o presente recurso de proceder, assim se crê, sob pena de não poder ser considerada a AT uma pessoa de bem, para a mais quando não sofreu a lei qualquer alteração quanto ao segmento de liquidação do IVA na compra e venda de veículos em segunda mão

360. As correcções em sede de IVA no montante de 236.641,40 € encontram- se descritas e valorizadas no RIT:

« Quadro no original»

361. A IT procedeu a Correções com base nas vendas realizadas" no montante global de 225.610,28€, assim desdobradas por trimestre:

362. As correções de IVA baseadas nas vendas realizadas, subdividem-se em:

Correções de IVA nas vendas de veículos usados adquiridos em países comunitários, no valor de 173.948,48€; e

• Correções de IVA nas vendas de veículos adquiridos a particulares, as denominadas retomas, no valor de 51.568,30€.

363. O recorrente iniciou a actividade de comércio de viaturas automóveis usadas, adquiridas essencialmente em Estados membros da UE, nomeadamente França, Alemanha, Bélgica e Holanda em Novembro de 2015 convicto que todas as viaturas usadas adquiridas a sujeitos passivos revendedores intracomunitários estavam abrangidas pelo regime da margem aquando da sua revenda em território nacional - só desse modo tais operações serão rentáveis.

364. Em Janeiro de 2019, foi objecto de um procedimento de inspeção externo ao exercício de 2016 e, no Projeto de relatório notificado ao reclamante a Administração Tributária afirma o seguinte: "Da análise efectuada às faturas de aquisição das viaturas, verifica-se que cada uma delas cumpre os requisitos para aplicação do regime especial de tributação de bens em 2- mão, estipulado pelo Decreto Lei n° 199/96, de 18 de Outubro".

365. A informação prestada pela AT, em Janeiro de 2019, decorrente do procedimento de inspeção externo ao exercício de 2016 e sancionada por despacho do senhor Diretor de Finanças de Santarém em sede de relatório final de inspeção constituiu a segurança jurídica necessária para que o ora recorrente mantivesse a aquisição de viaturas usadas a revendedores comunitários, as condições de compra, de venda e a liquidação do IVA pelo regime da margem, sendo certo que os requisitos das faturas de aquisição foram idênticos aos das faturas de 2016.

366. Como provam os elementos contabilísticos da empresa, as faturas de 2020 e 2021 contêm os mesmos elementos informativos referentes à liquidação de IVA que contêm as faturas de aquisição das viaturas adquiridas em 2016, pois, os fornecedores são os mesmos.

367. Para o ora recorrente fez sentido ter interpretado a legislação mencionada nas faturas de aquisição de 2020/2021 tal como a AT a interpretou no RIT do ora recorrente em Janeiro de 2019 e, consequentemente, tenha liquidado o IVA pelo regime da margem nestes dois exercícios.

368. Considera o ora recorrente que no apuramento do IVA em 2020 e 2021 se devem aplicar as regras que, em Janeiro 2019 foram aceites pela AT como corretas, pois, nos termos do n° 4 do artigo 3° do Decreto-Lei n° 199/96, de 18 de Outubro, a opção de tributação pelo regime da margem "deverá ser mantida durante um período de, pelo menos dois anos civis completos" e de acordo com este diploma, a opção pelo regime da margem tem por finalidade eliminar ou atenuar a dupla tributação ocasionada pela reentrada no circuito económico de bens que já tinham sido definitivamente tributados, isto é, rentabilizar estas operações.

369. Se por absurdo se entender, que as faturas de aquisição das viaturas emitidas pelos fornecedores comunitários em 2020 e 2021 (que são exatamente os mesmos), não preenchem os requisitos para apurar o IVA pela margem, o que com o devido respeito não se admite, sempre haveria de analisar

As ilegalidades cometidas pela Administração Tributária ao liquidar o "IVA por fora" nas vendas ao consumidor final, quando o preço de venda das viaturas inclui todos os impostos e, por esse facto, o IVA corrigido não pode ser repercutido aos clientes nos termos do disposto no n° 1 do artigo 37° do CIVA;

• Os erros de quantificação do valor tributável e do "IVA corrigido" nas vendas identificadas no Anexo 118 do RIT.

370. Ao liquidar o "IVA por fora" nas vendas identificadas no ponto" III.4.3.1 - correções com base nas vendas realizadas", a Administração Tributária violou o disposto no artigo 1° do Decreto-Lei n° 138/90, de 26 de Abril, aplicável por força do disposto no n° 2 do artigo 11° da LGT.

371. A forma e a obrigatoriedade de afixação do preço de venda dos bens colocados no mercado à disposição do consumidor final são reguladas pelo DL 138/90, de 26 de Abril, com as alterações introduzidas pelo DL 162/99, de 13 de Maio, que no seu artigo 1° estabelece:

2. Todos os bens destinados à venda a retalho devem exibir o respectivo preço de venda ao consumidor.

6. O preço de venda e o preço da unidade de medida, seja qual for o suporte utilizado para os indicar, referem-se ao preço total expresso em moeda portuguesa, devendo incluir todas as taxas, de modo que o consumidor possa conhecer o montante exacto que tem a pagar. (sublinhado nosso)

372. A Autoridade da Segurança Alimentar e Economia (ASAE), com competências de fiscalização dos preços de venda e noutros domínios, no seu site esclarece o que se entende por preço de venda, "Entende- se por preço de venda, o preço total expresso em moeda com curso legal em Portugal, devendo incluir todos os impostos, taxas e outros encargos que nele sejam repercutidos, de modo que o consumidor possa conhecer o montante exato que tem a pagar.’’

373. Face ao que dispõe o artigo 1° do Decreto-Lei n°138/90, de 26/4 e bem assim esclarecimentos da ASAE conclui-se que os preços de venda das viaturas colocadas no mercado à disposição do consumidor final incluem os respectivos impostos.

374. E, se os preços de venda das viaturas colocadas no mercado à disposição dos consumidores finais incluem os respectivos impostos, então, por força do disposto nos n°s 1 e 2 do artigo 11° da LGT o IVA incluído nos preços de venda, terá de ser "Liquidado por dentro" através da fórmula IVA = (PV / 1,23) x 23%, isto é, aplicando a taxa de 23% ao valor tributável que, nestes casos, é o "preço de venda líquido de IVA" (PV/1,23).

375. Tendo o recorrente liquidado o IVA nestas operações pelo regime da margem, o "IVA em falta" terá de ser apurado pela diferença entre o "IVA liquidado por dentro" e o "IVA declarado", através da fórmula "IVA em falta" = (PV / 1,23) x 23% - IVA declarado.

376. Com base os elementos do RIT, ponto III.4.3.1 - Correção com base nas vendas realizadas, elaborou o ora recorrente o quadro que nos permite sintetizar por período de tributação:
7. O preço de venda corrigido pela AT (PV/RIT)
8. O IVA liquidado pela empresa
9. As correções de IVA efetuadas pela AT (Correção IVA/RIT)
10. O IVA a liquidar na transações efetuadas (PV/1,23*0,23)
11. O IVA em falta = (Pv/1,23*0,23)- IVA liquidado
12. O IVA corrigido em excesso = Correção IVA/RIT - IVA em falta

377. Apura os seguintes dados para os períodos de 2020 e 2021 em análise:

« Quadro no original»

378. As correções ao IVA efetuadas pela IT no RIT são muito superiores ao IVA em falta em cada período de tributação, originando "IVA corrigido em excesso" no exercício de 2020 no montante de 41.415,68€, e "IVA corrigido em excesso" no montante de 1.651,47€ no exercício de 2021.

Da indicação de atos de liquidação de IVA e juros associados de 2018 e 2019 na decisão da reclamação graciosa onde se discutem as liquidações de 2020 e 2021

379. Sobre a invocada nulidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por não fazer a dita decisão menção ás liquidações reclamadas (2020 e 2021), mas ás liquidações de 2018 e 2019, pronunciou-se a sentença recorrida dizendo, que não ocorre erro suscetivel de contender com a substância da decisão ou que obste á compreensão e inteligibilidade.

380. Não se conforma o ora recorrente. A decisão é nula na medida em que foram reclamadas liquidações de IVA e juros compensatórios associados dos exercícios de 2020 e 2021 e a decisão notificada diz evidencia e identifica as liquidações de IVA e juros compensatórios associados dos exercícios de 2018 e 2019.

381. O facto provado em U) pela sentença recorrida, assim o demonstra, a AT indicou no ato decisório liquidações que não correspondem ás reclamadas e nesse sentido haverá o acto decisório de ser declarado nulo com as legais consequências, na medida em que respeita a outros atos de liquidação que não os reclamados

Da falta de indicação no ato de notificação das correcções em sede de IVA

382. Suscita o ora recorrente a anulação do ato de notificação dado que não faz menção ás correções em sede de IVA, ou seja, que não foram incluídas no oficio.

383. A este respeito diz a sentença recorrida, que de facto não constam tais correcções em sede de IVA no dito oficio que notifica as correções.

384. Ainda assim, estando perante uma preterição de formalidade legal esta degrada-se em não essencial uma vez que apesar de não constar do próprio texto do oficio a menção ás correcções de IVA, o RIT foi notificado, tendo sido transmitida toda a informação relativa ás correções do IVA.

385. Não se conforma o ora recorrente, face aos fins que visa o ato de notificação até porque o Rit é notificado através do oficio que não faz menção ás correcções do IVA

386. Em sede de reclamação graciosa indica a AT no ato decisório identificando cada uma das liquidações (imposto e juros), liquidações que não correspondem ás reclamadas. A sentença recorrida pronuncia-se dizendo, que não ocorre erro suscetivel de contender com a substância da decisão ou que obste á compreensão e inteligibilidade, como se a substância não fosse o próprio ato de liquidação reclamado que apresenta um determinado valor

387. Quanto a não ter constado do acto de notificação as correções em sede de IVA, admite a sentença recorrida estar perante uma preterição de formalidade contudo, esta degrada-se em não essencial uma vez que apesar de não constar do próprio texto do oficio a menção ás correcções de IVA, o RIT foi notificado.

388. São muitas s desvalorizações feitas pela sentença recorrida, que não podem ser aceitess pelo Tribunal ad quem, assim se crê.

Da falta de fundamentação da reclamação graciosa

389. Quanto á alegada falta de fundamentação da decisão de reclamação graciosa por ser notória a ausência de pronuncia sobre motivação aduzida, diz a sentença recorrida, que os Serviços se pronunciaram sobre todas as questões.

390. Não é verdade. Desde logo porque identifica atos de liquidação que não correspondem ás liquidações reclamadas, o que contende com a fundamentação do ato decisório.

391. Se a própria AT critica na sua informação de 21 de junho de 2023, a alusão que faz a reclamante ao que foi decidido quanto ao exercício de 2016 em comparação com a perspetiva vertida no procedimento de 2018 e 2019,

392. Ter identificado no ato decisório da reclamação graciosa liquidações que não foram reclamadas já é admissível e não devia ter sido desconsiderado pela sentença recorrida ao ponto de dizer que os Serviços se pronunciaram sobre todas as questões, não podem haver dois pesos e duas medidas.

393. Não andou bem a sentença recorrida ao decidir como decidiu, deixando expresso que a AT está vinculada ao principio do inquisitório, cabendo-lhe realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes e in casu, impedir o recorrente do direito que lhe assiste ao uso de qualquer meio de prova, testemunhal ou documental, deixando expresso a mesma sentença recorrida:

394. Que, "(...) os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, para além de princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado"

395. Quanto á falta de segurança jurídica, diz a sentença recorrida: "Num estado de Direito como é o estado português, é imperativo que o estado se comporte como pessoa de bem e que não frustre de modo infundado as expetativas legitimas dos cidadãos, menos ainda as expectativas que assentem na própria lei".

396. Perante o que transcreve a sentença recorrida seja a respeito da segurança jurídica seja a respeito de comportar o Estado como pessoa de bem não se alcança o sentido do que resulta expresso na sentença recorrida - pág. 26 " a AT conclui ter existido um erro no passado, cometido no seio de ação inspetiva, não pode é perpétuá-lo (...)"

Termos em que nos melhores de Direito se requer a V. Ex. seja o presente recurso admitido por estar em tempo, concedendo a Douta decisão do Tribunal ad quem provimento ao mesmo por provado, revogando assim a sentença produzida pelo Tribunal a quo, substituindo-a por outra, determinando a anulação das liquidações impugnadas, face a toda a motimação aduzida”.

***

A Recorrida, Fazenda Pública, devidamente notificada, não apresentou contra-alegações.

***

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para a efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

***

Foram colhidos os vistos legais.

***




DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO



Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto na redação do DL n.º 303/2007, de 24/08, ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.

Analisadas as conclusões de recurso as questões a conhecer são as de saber se ocorreu:
- Nulidade do despacho que indeferiu a prova testemunhal designadamente porque violou o princípio do inquisitório e da igualdade de armas;
- Nulidade do processo decorrente da falta de notificação para alegações escritas;
- Nulidade da sentença decorrente de erro na fixação da matéria de facto e falta de análise critica da prova;
- Erro de julgamento de Direito por, no procedimento inspetivo, terem sido violados os arts. 49º e 50º do RCPITA;
- Erro de julgamento de Direito por ter sido violado o princípio da Igualdade em face da existência de entendimentos distintos da AT em face dos mesmos factos;
- Erro de julgamento de Direito decorrente da não utilização de métodos indiretos de tributação;
- Erro de julgamento de Direito por o relatório inspetivo se ter socorrido de elementos na posse de terceiros que não a Recorrente;
- Erro de julgamento de Direito por a decisão da reclamação graciosa não se encontrar devidamente fundamentada;
- Erro de julgamento de Direito por a decisão da reclamação graciosa padecer de nulidade;
- Erro de julgamento de Direito por a liquidação padecer de vício de violação de lei em virtude de ser aplicável o regime da margem na venda de viatura usadas.



***

II – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
“Com relevância para a decisão da causa e de acordo com a prova documental junta aos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzida, consideram-se provados os seguintes factos:

A) O Impugnante foi alvo de ações inspetivas aos anos de 2016, 2018 e 2019 - facto não controvertido.

B) Na sequência da ação inspetiva ao ano de 2016, não foram detetadas irregularidades relativas à aquisição de viaturas e ao enquadramento dessas operações no Regime Especial de Tributação de Bens em 2ª Mão - facto não controvertido.

C) Encontra-se a correr termos contra o Impugnante no DIAP de Santarém - Secção de Ourém, o processo de inquérito n.°151/21.8T9ENT, estando em causa a investigação de factos suscetíveis de integrar o crime de fraude fiscal qualificada - cf. documento com a ref. n.°5762240 nos autos.

D) Em 2020 e 2021, o Impugnante encontrava-se enquadrado no regime normal de IVA, com periodicidade trimestral e exercia, como atividade principal o comércio de veículos automóveis ligeiros, e, como atividades secundárias, o comércio de outros veículos automóveis, de artigos em segunda mão, serviços de financiamento, seguros e fundos de pensões - cf. fls. 8 do RIT, constante de fls. 56 e ss. do documento com a ref. n.°5660006 nos autos.

E) Ao abrigo da ordem de serviço n.°OI202100404, emitida em 10/05/2021, o Impugnante foi alvo de ação inspetiva externa de âmbito parcial, incidente sobre o IVA do ano 2020 - cf. fls. 51 do documento com a ref. n.° 5791482 nos autos.

F) Ao abrigo da ordem de serviço n.°OI202100405, emitida em 10/05/2021, o Impugnante foi alvo de ação inspetiva externa de âmbito parcial, incidente sobre o IVA do ano 2021 - cf. fls. 53 do documento com a ref. n.° 5791482 nos autos.

G) Foram designados os inspetores M....... e P....... para levar a cabo as ações inspetivas mencionadas nas duas alíneas que antecedem - cf. fls. 51 e 53 do documento com a ref. n.°5791482 nos autos.

H) Em 14/05/2021, foi, pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Santarém, proferido despacho de concordância com informação prestada pelo inspetor P......., relativa à dispensa de notificação prévia às ações inspetivas mencionadas em E) e F), extraindo-se da mesma o seguinte:
“Nos termos da alínea b) do n.°1 do artigo 50. do RCPITA, não há lugar a notificação prévia do procedimento de inspeção quando o fundamento do procedimento for participação ou denúncia efetuada nos termos legais e estas contiverem indícios de fraude fiscal. O presente procedimento foi aberto na sequência do processo de inquérito n.°151/21.8T9ENT, no qual é evidenciada a eventual prática de ilícitos criminais fiscais em sede de IRS e IVA, dos anos de 2020 e 2021, pelo não procedemos ao envio das cartas aviso relativas às OI202100404 e 01202100405"

- cf. fls. 59-60 do documento com a ref. n.° 5791482 nos autos.

I) Com as ordens de serviço mencionadas em E) e F), foi junta "Carta-Aviso," contendo no seu teor o âmbito e extensão da inspeção, e um "Folheto informativo”, com o objetivo de dar a conhecer ao Impugnante os seus direitos e obrigações perante a ação inspetiva - cf. fls. 58 e 56 do documento com a ref. n.° 5791482 nos autos.

J) O Impugnante recusou assinar as ordens de serviço mencionadas em E) e F), tendo sido, quando a mesma foi apresentada, elaborado manuscrito com a data 21/05/2021, com assinaturas nas quais se lê "P.......", "M......." e "D.......", no qual se pode ler o seguinte:
"Hoje pelas 11:30h, na presença do sujeito passivo encontrando-me eu Paulo Henriques da Silva e as testemunhas, com o objetivo de iniciar o procedimento externo credenciado pela OI202100404, o mesmo recusou-se a assinar, pelo que nos termos do n.°4 do artigo 51.° do RCPITA, fica notificado do início do procedimento nesta data tendo sido entregue cópia da ordem de serviço (...)"

- cf. fls. 52 e 54 do documento com a ref. n.° 5659906 nos autos.

K) Em 19/01/2022, foi elaborado o relatório de inspeção tributária ("RIT") respeitante às ações inspetivas mencionadas em E) e F), do qual resultaram correções, designadamente, em sede de IVA dos quatro trimestres do ano 2020 e do primeiro trimestre do ano 2021, no montante global de €227.707,61, extraindo-se do respetivo teor o seguinte:
"Parecer do Chefe de Equipa (...)
Os valores propostos são os seguintes:
(...)
Em sede de IVA

« Quadro no original»
Pelas infrações verificadas indiciadoras da prática de crime fiscal, foi elaborado o respetivo auto de notícia a remeter ao Serviço de Investigação Criminal Fiscal e pelas infrações verificas não suscetíveis de serem consideradas crime fiscal, foram elaborados os respetivos autos de notícia por contraordenação.
Para promoção das competentes liquidações adicionais, foram elaborados os respetivos documentos de correção.
(…)
Regista-se que em todos os atos realizados por estes Serviços de Inspeção Tributária na apresentação ao contribuinte da natureza, teor e abrangência das presentes Ordens de Serviço, pelo contribuinte foi assumido uma posição de recusa de assinatura relativamente aos atos praticados, facto que foi devidamente comprovado por testemunhas presentes, situação que não obstou a que, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), fossem prestadas as devidas explicações registando-se ainda que todo o expediente foi simultaneamente documentado, com correspondente entrega de cópias ao Contribuinte, sempre compostas pelos apropriados anexos, que para os efeitos as recebeu.

Nos termos do previsto na alínea b) do n.° 1 do artigo 50.° do RCPITA e atenta a dispensa de realização de notificação prévia, nesta mesma data de 21/05/2021, procedeu-se à entrega ao contribuinte do anexo a que se refere o n°3 do artigo 49.° do RCPITA, designadamente do folheto informativo contendo os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos.
(…)

Ambas as credenciais para a presente ação inspetiva foram abertas no âmbito de instrução de processos de inquérito, para averiguação de eventuais crimes de fraude fiscal.
(…)
1.4.2. Em sede de IVA: imposto em falta

« Quadro no original»

II. 3.1. Atividade exercida

No período temporal aqui em análise, constatou-se que o contribuinte exercia a atividade comercial de venda de viaturas automóveis usadas, fazendo recurso, para exposições dos bens comercializados de um edifício sito na localidade de Fátima (...)

Da análise da contabilidade, e após consulta de toda a sua documentação de suporte, foi verificado que as declarações periódicas de IVA (DPs) entregues se encontram em conformidade e em respeito com os valores constantes da contabilidade.

III.1. Diligências realizadas
(...)
Apesar de solicitados, e das insistências realizadas, não foram apresentados os seguintes documentos; inventários, mapas de depreciação e amortização, mapas de tributação autónoma, saf-t's da faturação e extratos das contas bancárias associadas à atividade do contribuinte.
(...)

III.1.2. Notificação para regularização da contabilidade
Da consulta e análise de toda a documentação facultada, constatou-se que, além da já relatada falta de apresentação de documentação que foi solicitada, existiam faltas de documentos contabilísticos ou de contabilização, designadamente:
a) Ausência de contabilização de faturas;
b) Falta de apresentação de faturas e ausências de comunicação através do programa e-fatura;
c) Atrasos na execução da contabilidade, com falta de apuramento do resultado líquido do período fiscal.

Realça-se que, atendo a ordem sequencial das faturas, foi detetada a omissão de comunicação, apresentação e contabilização das seguintes faturas relativamente ao ano de 2020:

- Série FR: faturas n°s. 50 a 64 e 66 a 73;

- Série FA: fatura n.°3.

(...)

Atentos estes factos, foi o contribuinte (...) formalmente notificado para, no prazo de trinta dias, proceder à regularização da contabilidade (anexo 4), procedimento que até ao momento o contribuinte não demonstrou ter efetuado.

(...)

Constou-se ainda que pelo contribuinte não foi entregue, como lhe competia, a declaração anual de rendimentos relativamente ao ano 2020.

Perante esta omissão (...) foi realizada uma notificação ao contribuinte (...) não obstante (...) pelo contribuinte não foi até ao momento entregue a sua declaração periódica de rendimentos relativa ao ano de 2020.

III.1.4. Esclarecimentos solicitados ao contribuinte
Da consulta e análise realizada à documentação disponibilizada e das informações extraídas das bases de dados ao dispor da AT bem como de todos os restantes elementos e informações paralelamente recolhidas, suscitaram-se operações comerciais realizadas pelo contribuinte que, carecendo de melhor enquadramento, motivaram a notificação realizada através do oficio 1639 remetido por correio registado com AR em 2021/07/23m documento onde se solicitaram esclarecimentos e envio de elementos justificativos sobre:

I. (…);

II. Operações comerciais de intermediação realizadas com diversos veículos automóveis identificados.

Sendo, relativamente a esta segunda matéria, especificamente requerido as seguintes informações:

a) Confirmação se os veículos indicados foram comercializados no âmbito da atividade comercial exercida;

b) Identificação da respetiva fatura emitida;

c) Indicação das datas e dos valores envolvidos.

Salientando-se que, no âmbito das medidas de precaução e segurança impostas pela pandemia Covid-19, e não se mostrando possível agendar data para reunião com o contribuinte, apesar das várias tentativas infrutíferas realizadas para o efeito, foi efetuada a notificação por via postal, ato a que, no entanto, o contribuinte não apresentou a sua resposta, considerando-se assim, para todos os efeitos legais, que o mesmo se encontra em falta, envolvendo-se nestas carências a prestação dos devidos esclarecimentos bem como de comprovada ausência da exibição da competente documentação.

III. 1.5. Informações solicitadas a terceiros
Na ausência de colaboração por parte do Contribuinte, que em momento algum se dispôs a prestar esclarecimentos ou informações sobre a sua efetiva atividade comercial, foi realizada circularização com diversos adquirentes de viaturas automóveis que se encontravam em aparente relação com os negócios de vendas de automóveis usados por parte de A......., designadamente com o envio de notificações através de ofícios remetidos por carta registada, com AR, procedimento de que resultaram informações, consistentes em declarações com anexação de documentos de prova que, conforme melhor abaixo exposto neste relatório, melhor esclarecem sobre a atividade comercial exercida pelo contribuinte, as quais refletem negócios e rendimentos por aquele omitidos, e que até contrariam documentação emitida pelo Contribuinte A........
Foram igualmente solicitadas informações a outras entidades com conexão à atividade do contribuinte, designadamente operadoras financeiras concedentes de créditos, centro de inspeções automóveis, empresa de serviços de transporte de viaturas, serviços alfandegários e ainda efetuadas consultas nos registos automóveis em base de dados disponível nas aplicações da AT.

III.2. Análise da contabilidade
Como já relatado, a contabilidade do Contribuinte que foi apresentada aos serviços de inspeção revela omissões e atrasos na sua execução, encontrando-se mesmo incompleta ou inacabada.
Com efeito, verificam-se inclusivamente a inexistência de lançamentos de contabilização relativos ao encerramento anual, carência que, consequentemente, implica a falta de apuramento do resultado líquido do ano fiscal de 2020.
No entanto, dos documentos contabilísticos facultados, designadamente dos extratos de contas e do balancete antes de apuramento, são possíveis extrair os seguintes valores:
(…)

« Quadro no original»
(…)

III.2.1.1. Apuramento do CMVMC
Através da consulta dos documentos contabilísticos do contribuinte que foram disponibilizados, verifica-se que foi ali realizada uma contabilização separada em contas de vendas, com evidências de valores que permitem perceber uma distinção dos montantes a considerar como custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC) como melhor se pode verificar no seguinte quadro:

« Quadro no original»


Efetivamente, se em subconta 7111 - Intermediação financeira, são realizadas contabilizações de rendimentos relativos a comissões e valores recebidos pela angariação de negócios para sociedades financeiras responsáveis pelos empréstimos concedidos aos adquirentes das viaturas.
Na subconta 7112 - Venda viaturas isentas abrigo n.°4 art. 3° CIVA, constata-se que o contribuinte contabiliza o rédito por si considerado pela emissão unicamente da fatura FR 2020/65, que se anexa, em documento composto por cópia da fatura, mapa de trabalho de apuramento de valores e impressão da contabilização realizada, que constitui o anexo 8, documento que faz parte integrante do presente relatório.
Conforme se retira do teor daquele mapa de trabalho de apuramento de valores apresentado, complementado com os documentos que compõem o anexo 9, é possível apurar os seguintes valores de CMVMC das viaturas:

“(texto integral no original; imagem)”

Perante estes factos, é possível afirmar que associados aos rendimentos contabilizados pelo contribuinte em subconta 7112 - venda viaturas isentas abrigo n.°4 art. 3.° CIVA estão inequivocamente os CMVMC que aqui foi demonstrado serem quantificados exatamente no montante total de 178.968,00 €.

Já a subconta 7114 - venda viaturas em 2ª mão (valor da compra), verificou-se que pelo contribuinte era utilizada para contabilizar o valor de rendimentos faturados que correspondia aos efetivos valores de compra, ou seja, os montantes aqui considerados correspondiam aos CMVMC.

Esta prática era adotada pelo Contribuinte com o intuito de diferenciar o valor de compra da margem de lucro obtida em cada negócio, procedimento que lhe permitiria diferenciar a base tributável para aplicação do regime especial de IVA da margem de lucro. De acordo com o previsto no Regime Especiais de Tributação dos dos Bens em Segunda Mão (RETBSM), aprovado pelo DL 199/96, de 18/10, além de outros requisitos, existe a obrigação de escrituração em registo especial, designadamente de modo a evidenciar os elementos que permitam concluir a verificação das condições previstas no artigo 3.°, dos elementos determinantes do valor tributável referidos no artigo 4.° e respeitar uma constituição de registos exigido pelo artigo 6.° deste regime especial de tributação.

Esta mesma constatação se retira da contabilização realizada nas restantes viaturas vendidas, em que o Contribuinte distribui o montante dos rendimentos em subcontas diferentes, registando em subconta 7114 os montantes suportados peia aquisição de cada viatura, e em subconta 7117 a importância considerada como lucro obtido individualmente em cada venda faturada.

Resulta assim que o valor constante do saldo da subconta 7114 de 700.681,73 € corresponde integralmente a CMVMC, interpretação inclusivamente retirada da designação atribuída a esta rubrica contabilística "Venda viaturas em 2.a mão (VALOR DA COMPRA), situação que se considera inclusivamente provada, verificação que pode ser consultada nas demonstrações individuais apresentadas aquando da abordagem das faturas emitidas pelo Contribuinte, que individualmente serão posteriormente apreciadas para eventuais efeitos de proposta de correção e constituindo tópico próprio neste relatório.

Complementarmente, o Contribuinte regista em subconta 7117 - Valor acrescentado venda viatura 2ª mão, os montantes por si efetivamente considerados como a diferença entre o montante de venda (com exclusão do IVA declarado) e o CMVMC, sempre atendendo individualmente a cada venda contabilizada e pelos valores que o próprio reconhece.

Perante estes factos, que são sustentados em valores demonstrados e até reconhecidos pelo contribuinte, emergem os montantes que efetivamente permitem determinar os Custos da Matérias Vendidas e das Matérias Consumidas que não foram, pela contabilidade do Contribuinte, apresentados, mas que, conforme aqui demonstrado e devidamente justificado, se consideram para efeitos tributários, e em particular no âmbito do presente procedimento inspetivo relativo ao ano de 2020, do contribuinte A....... e ao abrigo da 01202100404, serão os seguintes:


« Quadro no original»


(…)
III.2.2. Valores contabilizados/ Valores declarados em sede de IVA
O contribuinte A......., encontra-se registado, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral, verificando-se que, pelo mesmo fora, no âmbito de abrangência do presente procedimento, apresentados os seguintes valores nas respetivas declarações periódicas de IVA (DP's):


« Quadro no original»



111.3. Factos constatados
Tendo sido realizada circularização com algumas entidades comercialmente de Contribuinte, designadamente financeiras, transportadoras, centros informações alfandegárias e de registo automóvel ao dispor da AT, foram identificadas referências a viaturas omitidas em faturação ou inventários de A........
Desta forma, para reunião de informações sobre as vendas de viaturas realizadas pelo Contribuinte, foi solicitado colaboração a um universo de adquirentes previamente identificado.
De todo o trabalho realizado ficou implícita uma quase total ausência de tratamento dado às viaturas que foram entregues pelos adquirentes de veículos ao Contribuinte, as vulgarmente designadas de retomas.
Esta omissão detetada manifestou-se quer ao nível documental quer ao nível contabilístico.
Esta situação consubstanciou-se em vendas comprovadamente realizadas pelo contribuinte que não deram origem à competente fatura, sendo ainda detetados casos em que, pese embora tivesse sido emitida fatura, os respetivos adquirentes vieram afirmar, com apresentação de argumentos e prova substancial, que o valor faturado, independentemente do meio de pagamento utilizado, era inferior ao da transmissão realizada.

Atendendo ao facto de o Contribuinte não ter, no desenrolar da presente ação, apresentado relações dos seus inventários nem respondido ao pedido de esclarecimentos que lhe foi oportunamente endereçado, foram levados em consideração documentos anteriormente por aquele facultados à AT, ainda que no âmbito de outros procedimentos inspetivos, designadamente relação dos inventários do contribuinte em 2019/12/31 (ANEXO 10), e-mail remetido com esclarecimentos prestado pelo contribuinte em 2020/05/15 (anexo 11), em que são admitidas vendas realizadas já em 2020.
(…)

111.4. Correções propostas
III.4.1. Fundamentação para as correções fiscais propostas
Foi assim verificado que A......., no âmbito do exercício da sua
atividade de vendas de veículos automóveis, utilizava contas bancárias tituladas
por terceiros onde eram creditados os valores de algumas das vendas que realizava.
Mais foi constatado que pelo contribuinte eram frequente e intencionalmente realizadas transferências do registo de propriedade de viaturas automóveis por si adquiridas para a titularidade de terceiros, que com ele compactuavam, processo que em concreto apenas visava camuflar os valores e negócios efetivamente realizados, ficando as viaturas independentemente dos registos averbados ao completo dispor de A....... que com esta atuação procurava retirar aqueles bens da esfera empresarial, prática que executava com claro intuito de se imiscuir à responsabilidade de pagamento dos respetivos impostos, designadamente IRS e IVA.
Por outro lado, do trabalho realizado, foi possível apurar que A....... nem sempre emitia as faturas pelas vendas efetivamente realizadas, como lhe competia.
De acordo com o informado por alguns dos adquirentes de veículos automóveis alvo de pedido de colaboração, foi ainda constatado que, não obstante se verificar a emissão de fatura pelo contribuinte, que aquele documento, emitido por hábito no último dia de cada mês independentemente da data da transação, não era entregue ao respetivo adquirente, confirmando-se mesmo pelas afirmações de alguns destes que o valor constante das faturas era por vezes inferior aos da venda realizada, sendo individualmente e por casa um destes adquirentes junto documentos comprovativos deste procedimento adotado, informações que, quando associadas com documentação considerada como prova apropriada e suficiente, releva para efeitos de proposta de correções.
(…)
Face a esta situação, que se manifestou numa ausência intencional de colaboração por parte da entidade inspecionada, não restou à administração fiscal outra medida do que procurar obter informações esclarecimentos e meios de prova, junto dos respetivos adquirentes de viaturas previamente identificadas com a atividade empresarial do contribuinte, procedimento que procuraria assim apurar informações junto destes terceiros, o que foi realizado através de circularização efetuada ao abrigo da boa colaboração, nos termos do previsto no n.°4 do artigo 59.° da LGT e no artigo 9.° do RCPITA.
(…)
III.4.2.2. Direito à utilização do regime especial de IVA da margem
Decorreu da documentação consultada que A......., no âmbito do seu normal exercício da atividade de venda de veículos automóveis, procedia à aquisição de viaturas usadas em outros estados-membros da União Europeia para posterior revenda no mercado nacional.
Da observação da documentação relativa à compra destas viaturas constata-se que se tratam de AICB realizadas com isenção de IVA (...)
No entanto, e verificado individualmente cada venda realizada com a devida análise da fatura emitida e da contabilização realizada, verifica-se que o contribuinte, aquando das transmissões realizadas destas mesmas viaturas, recorre à aplicação em sede de IVA do RETBSM, isto é, aplicava imposto pelos que vulgarmente no ramo automóvel se designa como regime da margem de lucro.
(...)
Resulta da análise das faturas de aquisição dos bens que não se verifica nenhuma das condições impostas (...) designadamente:
- os bens são adquiridos em estados membros da União Europeia mas sempre a outros sujeitos passivos de imposto;
- os transmitente dos bens não beneficiavam de qualquer isenção de IVA (...)
- os bens não foram adquiridos com uso de regime da margem.
(…)
Desta forma, não sendo aplicáveis às AICB realizadas pelo contribuinte qualquer uma destas situações anteriormente referidas e estando todas as transações de veículos que foram observadas sujeitas a imposto em Portugal, resta o enquadramento no regime norma do IVA, soiução que devia ter sido adotada pelo contribuinte.

III.4.3.1.
(…)
Atentos estas divergências individualmente assinaladas nas vendas declaradas e na contabilização realizadas pelo contribuinte, foi elaborado um mapa (anexo 118) onde se expõem os valores de correção, apresentando os respetivos cálculos.

« Quadro no original»

(…)
III.6. Conclusões
(…)
III.6.2. Em sede de IVA

« Quadro no original»


- cf. RIT, constante dos documentos com a ref. nº5791555 e 5791561 nos autos.

L) No âmbito do RIT mencionado na alínea que antecede, os serviços efetuaram as correções com base nas vendas realizadas analisando cada transmissão de veículo, cada fatura emitida em razão dessa transmissão e consideraram o IVA liquidado em cada fatura, e concluindo que a essas transmissões não é aplicável o regime da margem, multiplicaram pela taxa de 23% a base tributária constante da contabilidade do Impugnante, subtraindo o IVA já liquidado - cf. RIT (ponto III.4.3.1.), constante dos documentos com a ref. nº 5791555 e 5791561 nos autos.

M) Em 24/01/2022, foi, pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Santarém, proferido despacho em concordância com o parecer do Chefe de Equipa dos Serviços de Inspeção Tributária, confirmando as correções propostas no RIT mencionado na alínea que antecede - cf. fls. 36 do documento com a ref. n.º5791555.

N) Pelo ofício n.°114, de 02/02/2022, foi levado ao conhecimento do Impugnante o teor do RIT mencionado em K), extraindo-se do respetivo teor o seguinte:

«Texto no original»

- cf. fls. 32 do documento com ref. nº5791679 nos autos.

O) Em 07/04/2022, na sequência das correções efetuadas no RIT, foram emitidas, em nome do Impugnante, as seguintes liquidações:
- liquidação n.°….. 10, no montante de € 49.687,12, respeitante ao IVA, 1° trimestre de 2020, e respetivos juros compensatórios, no montante de € 1.980,47;
- liquidação n.°….. 44, no montante de € 39.459,96, respeitante ao IVA, 2° trimestre de 2020, e respetivos juros compensatórios, no montante de € 2.205,43;
- liquidação n.° …….94, no montante de €74.169,69, respeitante ao IVA, 3° trimestre de 2020, e respetivos juros compensatórios, no montante de € 2.828,85;
- liquidação nº ……15, no montante de € 91.452,59, respeitante ao IVA, 4.° trimestre de 2020, e respetivos juros compensatórios, no montante de € 2.799,72; e,
- liquidação n° …..83, no montante de € 8.933,79, respeitante ao IVA, 1.° trimestre de 2021, e respetivos juros compensatórios, no montante de € 232,03 - cf. fls. 79-98 do documento com ref. nº 5791679 nos autos.

P) A liquidações mencionadas na alínea que antecede foram entregues no Via CTT do Impugnante em 12/04/2022 - cf. fls. 79-98 do documento com a ref. n.°5791679 nos autos.

Q) Em 27/09/2022, o Impugnante apresentou requerimento de reclamação graciosa das liquidações mencionadas na alínea que antecede, com fundamento na ilegalidade da falta de notificação prévia à inspeção, na necessidade de a AT esclarecer a diferença de entendimento da inspeção efetuada sobre o ano 2016 para as que foram efetuadas aos anos de 2018 a 2021, na necessidade de a AT esclarecer como apurou o IVA - cf. fls. 33-53 do documento com ref. n.° 5791679 nos autos.

R) Em 29/06/2023, foi, pelo Chefe de Divisão de Justiça da Direção de Finanças de Santarém, proferido despacho no projeto de indeferimento da reclamação mencionada na alínea que antecede, cujo procedimento correu termos sob o n.°…………….776, em concordância com o teor da informação dos serviços de cujo teor se extrai o seguinte:

"Assunto: Reclama liquidações de IVA de 2020 e de 2021 PRG 2127202204002776 (…)

II - OBJETO DA RECLAMAÇÃO

« Quadro no original»

IV. 2.2 Do enquadramento da dispensa de notificação prévia na alínea b) do n.° 1 do artigo 50° do RCPITA

Da mesma forma que o fez no exercício do direito de audição em sede de Projeto de Relatório Inspetivo, vem o ora reclamante, no que a esta matéria concerne, ou seja, sobre a dispensa de notificação prévia (carta aviso), alegar nos itens 12 e 13 da petição:
"Visto o apontado fundamento, impunha-se que indicasse a IT o autor da participação ou denuncia uma vez efetuada nos termos legais, bem como os indícios constantes da mesma, de fraude fiscal.
Notificado do Relatório de Inspeção Tributária, não foi prestado o adequado esclarecimento."

Tal conclusão é falsa, como a seguir se demonstrará.

De facto, no contraditório ao exercício do direito de audição informou o Sr. Inspetor Tributário:
"Nos pontos 8° a 12°, o Contribuinte apresenta enquadramento legal sobre a dispensa de notificação prévia, nos termos do previsto na alínea b) do n.°1 do artigo 50.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA).
De acordo com informação elaborada em 2021.05.14, sobre a qual recaiu parecer da chefe de equipa e que foi devidamente sancionada pelo superior hierárquico competente, foi determinada a dispensa da notificação prévia ao Contribuinte, tudo em conformidade com o legalmente previsto na alínea b) do n.°1 do artigo 50.° do RCPITA.
Reforça-se que, como já exposto no projeto de relatório, não obstante não ter sido enviada a carta aviso a que alude o artigo 49° do RCPITA, o anexo a que se refere o n° 3 deste mesmo artigo, designadamente o folheto informativo contendo os direitos, deveres e garantias dos Sujeitos Passivos foi entregue ao Contribuinte, de acordo com o determinado no n.°2 do artigo 50.° do RCPITA, no momento da apresentação das ordens de serviço.
Quanto ao Direito aludido pelo Contribuinte de ter conhecimento do autor da participação ou da denúncia, bem como os indícios constantes da mesma, de fraude fiscal, importa considerar o exposto no artigo 70° da Lei Geral Tributária, e em particular no n° 3 deste referido artigo, em que é determinado que "O contribuinte tem direito a conhecer o teor e autoria das denúncias dolosas não confirmadas sobre a sua situação tributária".
Ora pressupõe aquele normativo os seguintes requisitos cumulativos:
1- A ocorrência de uma denúncia que despolete um procedimento de inspeção tributária;
2- Que tal denúncia tenha caráter doloso;
3- Que a denúncia não se revele como confirmada.
Sem prejuízo de posterior e mais apurada informação sobre a pretensão de direito de informação ora formulada, remete-se desde já para a origem do próprio procedimento inspetivo, consubstanciada no processo de inquérito com o NUIPC 151/21.8T9ENT, que se encontra a correr os seus termos nos Serviços do Ministério Público - Procuradoria da República da Comarca de Santarém, Departamento de Investigação e Ação Penal - Secção de Ourém."

Pelo que se conclui:
(i) É falso o alegado no item 13 da petição;
(ii) Bem sabe e está perfeitamente consciente o reclamante das razões que levaram os serviços inspetivos a dispensarem a notificação prévia por carta aviso;
(iii) Encontra-se legalmente fundamentado o procedimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT);
(iv) As alegações do reclamante, são vazias de qualquer fundamento legal.
IV.2.3 Dos exercícios inspecionados (2020 e 2021)
10°
Pese embora o facto de o objeto desta reclamação serem as liquidações oficiosas de IVA dos anos de 2020 e primeiro trimestre de 2021, emitidas na sequência da já identificada ação inspetiva externa, vem o reclamante chamar à colação as ações inspetivas aos anos de 2016,2018 e 2019.
11°
Este procedimento por parte do reclamante resulta do facto de na inspeção aos exercícios de 2018 e 2019, os serviços verificarem que na ação inspetiva ao exercício de 2016, incorreram em erro na qualificação e quantificação da matéria tributável, e, portanto, não reúne, ao contrario do que tinham considerado na ação ao ano de 2016, no âmbito da sua atividade de comércio de veículos automóveis com o CAE 45110, os pressupostos que lhe permitam a liquidação do IVA pelo regime especial de tributação de bens em segunda mão (RETBSM).
12°
Nos processos de contencioso administrativo subjacentes à ação inspetiva dos exercícios de 2018 e 2019 que intentou, de que já foi devidamente notificado das respetivas decisões, a saber:
(i) Reclamação graciosa …………….170, o com o objeto IRS do ano 2018;
(ii) Recurso hierárquico …………..065, indeferimento da reclamação ………….0170;
(iii) Reclamação graciosa .…………196, com o objeto IVA dos anos 2018 e 2019;
(iv) Recurso hierárquico 2…………..041, indeferimento da reclamação 2127202104000196;
13°
A AT já se pronunciou sobre essa factualidade, de que se transcreve (como exemplo) um excerto da informação que sustenta o despacho de indeferimento do Subdiretor Geral do IVA de 09-08-2022, exarado no recurso hierárquico número ………….041:
"41. Quanto às razões de segurança jurídica invocadas, para legitimar a aplicação da tributação em IVA segundo o "regime da margem", em consonância com interpretações efetuadas em inspeções a anos anteriores (2016), parecem- nos ser desprovidas de base legal.
42.Com efeito, os SIT não poderiam agir noutro sentido, não obstante o erro de interpretação da lei na ação inspetiva antecedente, a AT exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários, à luz do disposto no artigo 55.° da LGT.
43. Por outro lado, a pretendida vinculação da interpretação dos factos inspecionados em 2018 e 2019, aos resultados da inspeção efetuada ao ano de 2016, tem que ser analisada à luz do artigo 64.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA).
44. A eficácia vinculativa do relatório - a que alude a alínea a) do n.° 1, do referido artigo 64.°, prevê que os sujeitos passivos por razões de certeza e segurança, podem solicitar ao Diretor Geral da AT que sancione as conclusões do relatório de inspeção relativas aos factos averiguados, no prazo de 30 dias após a sua notificação (n.°2), indicando as matérias sobre as quais pretende que recaia o sancionamento.
45. No caso sob apreço, o Recorrente não trouxe qualquer prova de ter solicitado, no prazo estabelecido para o efeito, o sancionamento das conclusões do RIT de 2016 e estando os SIT obrigados ao cumprimento escrupuloso do estipulado na lei, não se encontra vinculado a anteriores interpretações ou a outros trabalhos realizados, devendo apenas e tão só, apreciar, à luz das leis fiscais, a situação tributária de cada contribuinte.
46. Demonstrando a AT, que o Recorrente não reúne os pressupostos legais para aplicação do RETBSM, este fundamento deve improceder."
14°
Donde, tendo em conta que neste processo o objeto é o IVA do ano de 2020 e primeiro trimestre de 2021, remetemos o contraditório destas alegações para o que foi decidido nos processos administrativos anteriormente identificados.
15°
De igual modo, remetemos para o RIT, uma vez que, estas alegações já tinham objeto de apreciação no contraditório ao exercício do direito de audição, em sede de projeto de relatório e, é nosso entendimento que devemos acompanhar o que aí se apurou e concluiu.
16°
Aliás, não podemos deixar de realçar que na presente petição de reclamação graciosa ao exercício de 2020, as alegações focam-se na sua maioria, em alegadas desconformidades legais nas inspeções tributárias aos exercícios de 2018 e 2019.
17°
Porém, tendo a AT proferido o seu entendimento nos procedimentos citados, somos do parecer, ser despiciendo efetuar mais considerações.
IV.2.4 Das correções perpetradas
18°
Neste capítulo apenas registamos que as alegações constantes nos itens 34 a 42, são precisamente as mesmas que o reclamante efetuou no exercício do direito de audição em sede de projeto de relatório (itens 33 a 41), as quais já foram objeto de análise e respetivo contraditório, pelo que, remetemos para o Relatório de Inspeção Tributária (RIT).
IV.2.5 Dos factos
19°
Nos itens 43 a 56 da petição, vem o reclamante, mais uma vez, chamar à colação a ação inspetiva aos anos 2016, 2018 e 2019, conforme referimos no articulado 11° da presente informação.
20°
Atendendo a que, já efetuamos o competente contraditório, entendemos não proferir mais nenhuma consideração, remetendo para a informação que antecede.
IV.2.6 Do direito
IV.2.6.1 Da notificação do RIT
21°
No que concerne à notificação do RIT, constata-se que efetivamente no ofício número 114 de 02-02-2022 não consta o valor do IVA apurado no âmbito da ação inspetiva.
22°
Contudo, é nosso entendimento que tal facto, só por si, não é suscetível de conduzir à anulabilidade da notificação, como protagonizado pelo reclamante.
23°
De facto, no RIT que foi enviado ao mandatário do reclamante estão descritas todas as correções efetuadas, bem como, o apuramento do respetivo imposto.
24°
Donde, o reclamante tomou conhecimento e apreendeu o percurso legal efetuado pela AT, o que ficou claramente demonstrado no teor da presente petição de reclamação graciosa.
25°
Nestes termos, ficou regularizada aquela desconformidade formal.
IV.2.6.2 Do apuramento do imposto (IVA) em falta
26°
Além de voltar a referir-se à ação inspetiva ao ano de 2016 para sustentar a falta de liquidação de IVA nas vendas de veículos usados que efetuou, vem o reclamante alegar que:
"Ao liquidar o "IVA por fora" nas vendas identificadas no ponto "111.4.3.1 - correções com base nas vendas realizadas", a Administração Tributária violou o disposto no artigo 1° do Decreto-Lei n° 138/90, de 26 de Abril, aplicável por força do disposto no n°2 do artigo 11° da LGT."
27°
Porém, conforme se pode colher do teor do RIT, as correções aplicadas foram calculadas caso a caso, apresentando-se como prova e em cada situação corrigida, fatura de aquisição, fatura de venda, comprovativo de contabilização, tendo já sido demonstrado que nestes referidos casos não havia condições para aplicação do regime especial de IVA da margem.
28°
Ao contrário do que o reclamante quer fazer crer, não existe qualquer ilegalidade cometida pela AT, sendo que o cálculo do IVA apenas se fez com base nos valores de bases tributárias que o próprio reconheceu na sua contabilidade.
29°
Não foi realizado um apuramento de "IVA por fora", sendo o critério utilizado de valorar os montantes reconhecidos pelo reclamante como respeitante a cada viatura, designadamente onde era descrito o preço de aquisição e o valor do rendimento acrescido, e corrigir a taxa do IVA incidente pelo modo correto ao valor base da viatura em cada venda realizada e que se encontrava totalmente contabilizado em subcontas de proveitos (subcontas 711).
30°
Desta forma, foi reposto o valor de IVA que o reclamante deveria ter repercutido aos respetivos clientes em cada venda efetuada.
31°
Não existe assim qualquer erro na quantificação, como vem aqui aludir o reclamante, que apenas tenta deturpar a realidade dos negócios realizados, tentando arranjar outro modo de ser tributado, que lhe será mais vantajoso.
32°
Aliás, como muito bem sabe o reclamante, a confirmar-se a sua tese, significaria que não só, não obteria qualquer lucro com a venda das viaturas, como inclusivamente, resultaria em prejuízo, uma vez que, venderia abaixo dos custos de aquisição.
33°
Tal factualidade foi claramente demonstrada na reclamação graciosa referente às liquidações oficiosas dos anos 2018 e 2019, sendo esta a razão pela qual o reclamante optou por não se referir ao pagamento do ISV na presente reclamação, como o tinha feito no anterior processo, não obstante a similitude do método de cálculo da inspeção tributária ser em tudo idêntico.
V- CONCLUSÃO/PROPOSTA
34°
Face ao exposto, propõe - se o indeferimento do pedido, devendo as liquidações reclamadas manterem-se na ordem jurídica com as legais consequências. (…)

- cf. fls. 54-62 do documento com a ref. nº5791679 nos autos.

S) Pelo ofício n.°480-A, de 29/06/2023, foi levado ao conhecimento do Impugnante o projeto de decisão mencionado na alínea que antecede, convidando-o a pronunciar-se - cf. fls. 64 do documento com a ref. nº5791679 nos autos.

T) O Impugnante pronunciou-se sobre o projeto de decisão mencionado na alínea que antecede - cf. fls. 68-69 do documento com a ref. n.° 5791679 nos autos.

U) Em 19/07/2023, foi, pelo Chefe de Divisão de Justiça da Direção de Finanças de Santarém, proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa mencionada em Q), em concordância com o teor da informação dos serviços de cujo teor se extrai o seguinte:

“Assunto: Reclama liquidações de IVA de 2020 e de 2021 PRG .............776
Processo de Reclamação Graciosa n.°................776
I- IDENTIFICAÇÃO DO RECLAMANTE
Nome: A.......
(…)
II - OBJETO DA RECLAMAÇÃO

« Quadro no original»

(…)
III. ALEGAÇÕES - EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUDIÇÃO

Na sequência da notificação do projeto de despacho de 29 de junho de 2023, efetuada pelo ofício número 480-A de 29/06/2023, efetuada pelo ofício número 480-A de 29/06/2023, (...) vem o reclamante exercer o direito de audição nos seguintes termos:

(...)
"1. Em 26 de Setembro de 2022, apresentou o contribuinte supra identificado petição de Reclamação Graciosa, mediante a qual pretende a legalidade dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios associados aos exercícios de 2020 e 2021, liquidações que aqui dá por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos.
(...)
IV- INFORMAÇÃO/PARECER
1° Vem o reclamante exercer o direito de audição, alegando omissão de pronúncia por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), face às questões que suscitou em sede da petição inicial da presente reclamação graciosa.
2° Ora, conforme se pode colher do teor da informação de 21 de junho de 2023, é falsa alegação.
3° Porém, à míngua de outras e, não obstante o contraditório efetuado pela AT, tanto em sede de relatório de inspeção tributária como na presente reclamação, o reclamante insiste neste tipo de alegações.
4° Bem sabe o reclamante que não lhe assiste qualquer razão, pelo que, limita-se a afirmar que mantém a sua posição, sem que apresente uma única razão válida para esse efeito e ignorando a fundamentação levada a cabo pelos serviços da AT.
5° Prova do que afirmamos, é o que se verifica no que concerne ao facto do reclamante, para fundamentar a sua tese, ignorar na petição inicial o valor do ISV, ao invés do que o fez em procedimentos anteriores.
6° Recordamos que a tese que defendia, com a legal inclusão legal do valor do ISV, resultaria na obtenção de prejuízo.
7° Pelo que, quando confrontado com a incongruência da tese plasmada nas petições anteriores, não alcançou outra alegação que não fosse a ausência de contraditório.
8° Pelo que se remete para a informação de 21 de junho de 2023, que sustenta o projeto de despacho de 29 de junho de 2023, uma vez que, em bom rigor, nada existe para contraditar.
9° Em suma, é nosso entendimento que o ato tributário reclamado não padece de qualquer ilegalidade, designadamente de omissão de pronúncia, donde, dever o pedido ser totalmente indeferido.
IV. CONCLUSÃO

10.°

Considerando:

i. A informação que antecede;
ii. ii) A informação de 21 de junho de 2023 que sustenta o projeto de despacho de 29 de junho de 2023;
iii. Que não se verifica qualquer omissão de pronúncia;
iv. Que inexistem quaisquer elementos que provem a ilegalidade do projeto de despacho de 29 de junho de 2023;
v. Que não se verifica preterição de formalidades legais no procedimento que possam ferir de anulabilidade/nulidade o ato tributário,

(…)

Propõe-se que se mantenha o indeferimento do pedido, nos mesmos termos da informação de 21 de junho de 2023"

- cf. fls. 70-75 do documento com a ref. nº5791679 nos autos.


***
A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não existem outros factos alegados relevantes para a decisão, em face das possíveis soluções de direito, que importe referir como provados ou não provados.”.


*

Sustentou a matéria de facto fixada do seguinte modo:

MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A decisão da matéria de facto fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nos documentos juntos aos autos, conforme referido em cada alínea do probatório, bem como na posição expressa pelas partes, tendo sido considerados os factos relevantes para a decisão dentro das várias soluções plausíveis das questões de direito [nos termos conjugados do n.°2 do artigo 123.° do CPPT e dos n.°s 4 e 5 do artigo 607.° do CPC, este último preceito aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT]..


***
III . Do Direito

Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria foi julgada improcedente a impugnação judicial deduzida pelo apelante, relativamente às liquidações adicionais de IVA dos quatro trimestres de 2020 e primeiro trimestre de 2021, tendo aquele Tribunal julgado improcedente a impugnação por ter considerado que não era aplicável o regime da margem previsto para a venda de bens em segunda mão.
Dissente, vem o recorrente invocar a nulidade do despacho que dispensou a inquirição das testemunhas, nulidades processuais e da sentença, bem como vários erros de julgamento de Direito, todos acima enumerados.
Comecemos a nossa análise pela apreciação das alegadas nulidades, quer do despacho que dispensou a produção de prova testemunhal, quer a nulidade processual decorrente da não notificação para alegações finais, passando, por fim, às nulidades da decisão.
Começa o apelante por alegar que o Tribunal a quo dispensou a prova testemunhal que havia arrolado e que essa falta deu origem a uma errónea fixação da matéria de facto acarretando o inerente deficit instrutório e a nulidade da sentença sob escrutínio.
A avaliação da necessidade da produção de prova testemunhal depende de uma apreciação a cargo do Juiz do Tribunal a quo, necessariamente casuística. Nessa apreciação o Juiz deverá ponderar, num primeiro momento se essa produção de prova é legalmente admitida, em face das normas que regulamentam a admissibilidade desse meio de prova e, num segundo momento, aquilatar da necessidade e relevância em face do alegado pelas partes e do objeto do litígio, tendo sempre como fito as várias soluções de Direito plausíveis. Decorre do aqui exposto que a sua dispensa só é possível quando a aludida produção de prova for inútil ou desnecessária. Isto mesmo é o que decorre da leitura do preceituado no artigo 13º, nº 1 do CPPT, onde é afirmado que: “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.”
Efetuado este breve enquadramento legal, cumpre baixar ao caso dos autos e verificar se, no caso concreto, a factualidade indicada pelo Apelante, em sede própria, era passível dessa prova, se a mesma era relevante para uma decisão de mérito de acordo com as várias soluções de Direito plausíveis, bem como se a mesma não se encontrava já documentalmente comprovada, acarretando o seu incumprimento deficit instrutório com a competente anulação do despacho e, consequentemente, da decisão recorrida por deficit intrutório.
Vejamos, então.
Sustenta o Recorrente que independentemente da prova documental produzida esta carecia de explicações a serem dadas pelo próprio impugnante e pelo seu contabilista, designadamente em face da divergência de entendimento ocorrida no seio da AT que, sem a prova testemunhal que pretendia produzir, não ficavam claras, nomeadamente quanto aos argumentos esgrimidos perante a AT aquando da ação inspetiva.
Mais acresce que os esclarecimentos do contabilista certificado seriam imprescindíveis para a prova do alegado nos seus artigos 104º e 105º do libelo inicial, bem como sobre as vendas e com o preço das viaturas e sua afixação. Argui, também, que se trata de temas complexos relacionados com a contabilidade e a forma como a mesma foi elaborada, circunstâncias que não são do conhecimento geral e que exigem especiais habilitações académicas para os compreender e explicar.
Apreciemos.
In casu, o Apelante, na sua petição inicial, arrolou duas testemunhas e requereu depoimento de parte. Aquando da notificação para indicar a que factos pretendia ouvir a parte, indicou não apenas os factos a que pretendia ouvir o depoente, como também os factos sobre os quais pretendia ver inquiridas as testemunhas arroladas, tendo indicado os artigos 89º a 106º do seu libelo inicial.
Ora, escalpelizando os artigos da petição inicial supra mencionados, verificamos que nenhuma censura merece a decisão do Tribunal a quo.
Senão vejamos.
Os artigos 89º a 91º limitam-se a indicar as correções efetuadas pela AT, transcrevendo parte do relatório inspetivo. Ora, os factos dali constantes já se encontravam documentalmente comprovados, constam do probatório, mais concretamente da alínea k), pelo que nenhuma valia poderia revestir o depoimento das testemunhas ou da parte.
Já o artigo 92º esclarece qual a atividade do apelante e menciona a existência duma anterior inspeção levada a efeito e as conclusões da mesma no que respeita ao entendimento que aí foi acolhido quanto à venda de viaturas usadas e o regime do IVA aplicável. Ora, não apenas esses factos nunca foram controvertidos como também constam do probatório fixado pelo Tribunal a quo, concretamente das alíneas A), B) e D), pelo que mais uma vez o depoimento das testemunhas carecia de relevância.
Por outro lado, os artigos 93º a 98º do libelo inicial mais não são do que conclusões que resultam dos factos anteriormente descritos, pelo que não constituindo acontecimentos da vida real nunca poderiam constar do acervo probatório a fixar pelo Tribunal. Aliás, nos artigos 96º a 98º apenas se encontra expressa, resumidamente, a opinião do impugnante sobre o enquadramento jurídico que deveria ser efetuado em sede de IVA, invocando-se que o ato de liquidação se encontra ferido de vício de violação de lei, donde, mais uma vez, não encontramos aqui acontecimentos da vida real que possam integrar o acervo probatório.
Prosseguindo.
Relativamente aos artigos 99º a 103º, neles apenas encontramos transcrições de normas jurídicas, bem como as conclusões e consequências da aplicação das mesmas ao caso concreto, na opinião do recorrente.
O mesmo se verifica com os artigos 104º a 106 da petição inicial, onde o recorrente compara os valores apurados pela AT com aqueles que, na sua opinião, poderiam ter sido apurados.
Assim, verificamos que nenhum dos artigos indicados pelo aqui recorrente para constituírem objeto de audição das testemunhas careciam de qualquer prova, numas situações por não serem factos controvertidos ou já se encontrarem provados documentalmente, noutras porque nem sequer são factos (acontecimentos da vida real), limitando-se a encerra a opinião do apelante face às liquidações.
Finalmente refira-se que como se retira do acima explanado e contrariamente ao invocado pelo recorrente, também nenhum deles carecia de qualquer explicação por parte de uma testemunha com conhecimentos técnicos específicos, designadamente na área da contabilidade.
Concluímos, deste modo, que o despacho que dispensou a inquirição das testemunhas e o depoimento de parte, ao ter encontrado amparo exatamente na circunstância de os artigos do libelo inicial indicados “(…) encerram conclusões, matéria de direito ou factos já documentados” nenhuma censura merece, dele não tendo resultado qualquer deficit instrutório, pelo que o recurso está condenado ao insucesso nesta parte.
Sustenta ainda o apelante que com a dispensa da audiência de inquirição de testemunhas foram violados os princípios do inquisitório e da igualdade de armas.
O princípio do inquisitório que encontra consagração legal não apenas no artigo 99º, nº 1 da LGT, mas também no artigo 13º do CPPT, constitui um princípio estruturante do ordenamento jurídico português e visa conceder ao juiz o poder de ordenar todas as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade material.
Acontece, porém, que no caso concreto, por tudo o que já foi afirmado acima, não se entende, salvo o respeito por opinião diversa, que a dispensa da inquirição das testemunhas possa ter constituído uma violação a este princípio.
Acresce, ainda, como melhor vermos aquando nos debruçarmos sobre os invocados erros de julgamento de Direito, a questão aqui em dissidio possui uma natureza vincadamente jurídica e, não sendo colocado em causa pela AT, no âmbito do seu relatório inspetivo, que o recorrente procedeu à liquidação do IVA “por dentro” do preço, a questão de saber como o impugnante apurou o IVA a entregar nos cofres do Estado, não constituindo uma questão controvertida, também não poderá originar uma violação do aludido princípio, pela natureza das coisas.
Igualmente no que respeita à alegada violação do princípio da igualdade das partes. Bem sabemos que nos encontramos perante outro dos princípios estruturantes do nosso ordenamento processual civil e tributário, mas, também não se vislumbra como o mesmo possa ter sido violado pela aludida dispensa de inquirição das testemunhas arroladas. Na verdade, em face da matéria a que as testemunhas e a parte foram indicadas, como decorre da análise acima efetuada, nada dos eventuais depoimentos poderiam influenciar a matéria de facto apurada pelo Tribunal a quo, pelo que o presente salvatério está, também aqui, votado ao insucesso.
Avançando.
Advoga ainda o apelante que ocorre uma nulidade processual decorrente da falta de notificação das partes para apresentarem as suas alegações escritas, nos termos do disposto no artigo 120º do CPPT.
Ampara a sua alegação em jurisprudência quer deste Tribunal, quer do TCA Norte, a qual pugna pela necessidade de notificação das partes para alegações escritas, após a junção do processo instrutor e antes da remessa dos autos ao Ministério Público.
Mas sem razão.
Senão vejamos.
O Código de Procedimento e Processo Tributário foi alvo de alterações operadas pela Lei nº 118/2019, de 17/09, das quais resultaram a alteração do artigo 120º, passando o mesmo a possuir a seguinte redação:
1 - Quando tenha sido produzida prova que não conste do processo administrativo, ou quando o tribunal o entenda necessário, ordena a notificação das partes para apresentarem alegações escritas, por prazo simultâneo, a fixar entre 10 a 30 dias.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a faculdade de as partes prescindirem do prazo para alegações.”
De acordo com o artigo 13º da Lei mencionada, esta alteração aplica-se apenas aos processos iniciados após a entrada em vigor do diploma que ocorreu em 17/11/2019 (sessenta dias após a publicação – art. 14º).
Significa isto que as alegações escritas apenas passaram a ser obrigatórias quando nos autos de impugnação tenha sido produzida prova que não constasse já do processo instrutor. Ou seja, com a entrada em vigor desta nova redação do artigo 120º do CPPT, tendo como fito uma maior agilização do processo de impugnação judicial, as alegações escritas deixaram de ser a regra, passando a estar na discricionariedade do juiz, nos casos em que não seja produzida outra prova que não a que já constava do processo administrativo instrutor, conceder ou não prazo para as partes alegarem.
Na verdade, sempre que não era produzida prova testemunhal ou junta prova documental pelas partes no âmbito do processo de impugnação judicial, dizia a experiência, que as alegações, as mais das vezes, mais não eram do que uma reprodução do que era afirmado na petição inicial e na contestação, nada trazendo de novo aos autos, limitando-se a ser um outro factor de demora da decisão.
Ora, o que importa agora aferir é se ao caso dos autos deverá ser aplicada a nova redação conferida ao artigo 120º do CPPT.
A petição inicial que está na origem nos presentes autos, foi remetida via SITAF, no dia 24/10/2023, ou seja, já em plena vigência do diploma aludido. À mesma não foram juntos pelo impugnante quaisquer elementos de prova adicionais, tendo este se limitado a arrolar testemunhas e a peticionar o depoimento de parte. Os documentos juntos com a p.i. eram apenas uma cópia dos que já haviam sido juntos com a reclamação graciosa, pelo que não se pode afirmar que tenham sido juntos elementos de prova adicional.
A inquirição das testemunhas foi dispensada pelo Tribunal a quo, e bem como vimos acima, pelo que não foi nestes autos produzida qualquer prova adicional para além da que constava do processo administrativo instrutor. Assim sendo, a notificação para as partes apresentarem alegações a que se reporta o artigo 120º do CPPT, ficava na discricionariedade do juiz titular, no âmbito dos seus poderes de adequação processual (art. 547º do CPC), como mencionámos acima.
Para sustentar a nulidade, o apelante menciona que havia sido junta aos autos prova relevante, designadamente os mapas de apuramento de IVA que havia junto ao processo de reclamação graciosa.
Ora, esses mapas encontram-se juntos ao processo administrativo instrutor, pelo que não se encontram abrangidos pela exceção do preceito em apreciação.
Acresce que, todos os arestos mencionados foram proferidos no âmbito da aplicação da anterior redação do preceito, pelo que nenhuma relevância possuem na resolução do caso sub judice.
Concluímos, deste modo, que nenhuma nulidade processual ocorreu no caso dos presentes autos pelo que o salvatério terá de naufragar, também nesta parte.
Prosseguindo.
Sustenta ainda o recorrente que a sentença é nula por erro na fixação da matéria de facto e falta de análise critica da prova.
Argui o apelante que a transcrição do relatório inspectivo, do projeto de despacho, bem como do despacho que indeferiu a reclamação graciosa (alíneas K, R e U do probatório), torna a especificação da matéria de facto uma atividade não fundamentada e desprovida de qualquer análise critica dos documentos transcritos, conducente à nulidade da sentença. Mais afirma que “Foram articuladas pelas partes posições diametralmente opostas, foi produzida prova que claramente contradiz conclusões estruturantes do RIT, e existem passagens do RIT que ou não foram sindicadas quanto à sua veracidade, ou traduzem opiniões e ideias subjectivas, que não podem valer como um facto único.
Mais aduz que “no capítulo consagrado á motivação da decisão da matéria de facto, expressa-se que a convicção do Tribunal para dar como provados os factos, fundou-se na análise critica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nos documentos juntos aos autos, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório, bem como a na posição expressa pelas partes.”
Desde já se adianta que não lhe assiste razão.
No que respeita à transcrição de partes do relatório inspetivo, bem como do projeto de decisão da reclamação graciosa ou da decisão final da mesma, nenhuma censura merece por parte deste Tribunal. Na verdade, as informações oficiais quando fundamentadas fazem fé, conforme determina o artigo 76º, nº 1 da Lei Geral Tributária, bem como o artigo 115º, nº 2 do CPPT, pelo que a sua transcrição nas partes relevantes para a decisão nada possui de criticável, quer no que respeita ao relatório inspetivo, quer no que respeita às demais peças elaboradas pela AT onde esta aprecia pretensões dos contribuintes (neste mesmo sentido podemos ver o Acórdão deste TCA Sul, de 02/03/2023 no âmbito do processo nº 590/14.0BELRA). Acresce que esta transcrição torna mais clara ao destinatário médio, colocado na posição do impugnante, as razões que sustentam o ato tributário impugnado, sem prejuízo, naturalmente, do direito ao contraditório por parte do impugnante que pode alegar e provar factos contrários aos que constam dos documentos transcritos.
Demais, no caso concreto, o apelante suscitava em sede impugnatória a falta de fundamentação da decisão da reclamação graciosa, pelo que se impunha transcrever o ato, por forma a verificar se a mesma ocorria.
Consequentemente, não se verifica a arguida nulidade da sentença recorrida com este fundamento.

Passemos agora à análise do vício de nulidade da decisão por falta de apreciação critica da prova que o apelante assaca à decisão recorrida.

A falta de fundamentação de facto decorrente da falta de apreciação crítica da prova produzida, nos termos do disposto nos artigos 123.º, n.º 2 e 125.º, ambos do CPPT e dos artigos 154.º e 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT determina a nulidade da sentença.

O artigo 123º, nº 2 do CPPT e o art. 607º, nº 4 do CPC estabelecem um comando ao juiz no sentido de este ter de fundamentar as suas decisão, seja de facto, seja de Direito, preceituando o último normativo mencionado que:
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
Por outro lado, estabelece o artigo 125º do CPPT que a sentença é nula quando o juiz não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, à semelhança do que vem preceituado no artigo 615º do CPC.
Como bem sabemos as causas de nulidade da sentença não incluem o erro de julgamento, seja ele de facto ou de Direito (neste sentido, entre muitos outros, o acórdão STJ, de 9.4.2019, Procº nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1., in www.dgsi.pt). Deste modo, podemos afirmar que as nulidades das sentenças mais não são do que vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal. Estamos perante vícios de formação ou atividade que afetam a regularidade do silogismo judiciário da própria decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito. Já, pelo contrário, o erro de julgamento (error in judicando) que resulta duma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error júris), de forma que o decidido esteja em desconformidade com a lei.
Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos. Já quando na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional comete um erro de atividade. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afetam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade.
Podemos, deste modo, afirmar que as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 125º do CPPT visam o erro na construção do silogismo judiciário, nunca estando subjacente às mesmas quaisquer razões de fundo, essas sim, que conduziriam a erro de julgamento.
Concluindo, o erro de julgamento, a injustiça da decisão e a não conformidade da mesma com o direito aplicável, não constituem nulidades da sentença, mas sim erros de julgamento (neste sentido podemos ver Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686).
Em consequência, as nulidades das sentenças ditam a sua anulação, já as suas ilegalidades conduzem à revogação das mesmas (ex vi acórdão STJ de 17/10/2017, tirado no procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.).
Importa ainda mencionar que “[a] análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão, pois é através dela que os fundamentos e razões de ciência são exteriorizados e explicitados. A análise da prova visa, deste modo, evidenciar o modo como o tribunal valorou a prova e as razões pelas quais decidiu de determinada maneira (dando um certo facto como provado e outro como não provado ou considerando determinando elemento probatório mais relevante ou credível em detrimento de outro. // A análise crítica da prova de cada decisão deve (…) ser elaborada pelo tribunal por forma a que, através da mera leitura da mesma, qualquer pessoa (aqui se incluindo as partes, os respectivos mandatários ou os juízes do tribunal superior a julgar o recurso) possa retirar quais os concretos meios de prova em que o tribunal se baseou para considerar determinado facto como provado (ou não provado) e a razão pela qual os mesmos foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. // (…) // Também por via da análise crítica da prova procura-se atingir um outro objectivo do dever de fundamentação: por um lado, o convencimento das partes quanto à bondade da decisão tomada pelo tribunal, através da explicitação das razões que levaram o tribunal a decidir daquele modo e não do outro, não se logrando o convencimento, pretende-se que as partes que discordam da decisão tomada e respectivos fundamentos possam contrapor os seus próprios argumentos e justificar as razões da sua discordância na fase de recurso, o que só será possível através da explicitação, por parte do tribunal, dos fundamentos por si atendidos” (cfr. Ac. TCA Sul de 02/03/2023 no proc. nº 590/14.0BELRA).
No caso dos autos o Tribunal a quo fixou os factos que considerou relevantes para a decisão, quer no que toca aos factos provados, quer dos não provados, tendo indicado, no que respeita aos factos provados, em cada uma das alíneas do probatório, os meios de prova que sustentam o seu entendimento.

Para além disso, o discurso fundamentador da decisão da matéria de facto recorrida é o seguinte:

A decisão da matéria de facto fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nos documentos juntos aos autos, conforme referido em cada alínea do probatório, bem como na posição expressa pelas partes, tendo sido considerados os factos relevantes para a decisão dentro das várias soluções plausíveis das questões de direito [nos termos conjugados do n.°2 do artigo 123.° do CPPT e dos n.°s 4 e 5 do artigo 607.° do CPC, este último preceito aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT].

Significa isto que o Tribunal a quo, embora de forma sucinta, mas clara, explicita as razões que sustentam o processo cognitivo e valorativo que suporta a decisão da matéria de facto, pelo que o presente recurso está, também aqui, votado ao insucesso.

Passemos agora à apreciação dos erros de julgamento de Direito assacados pelo recorrente à sentença recorrida.
Por uma questão de apreciação lógica, comecemos por analisar o erro de julgamento de Direito que vem assacado à decisão recorrida, relativo à apreciação do vício de violação de lei decorrente da não aplicação do regime da margem de lucro. Na verdade, o dissidio principal nestes autos centra-se na questão de saber se no caso de venda de viatura usadas, o IVA deve ser calculado “por dentro do preço” ou, como defende a AT, “por fora do preço”.
A AT detetou existir omissão de faturação relativamente a alguns veículos automóveis, bem como que na faturação emitida, o IVA era calculado de acordo com o regime da margem de lucro nos veículos adquiridos noutros Estados-Membros da UE. Em face disto, optou por corrigir as liquidações de IVA relativamente a todos os veículos, sem recurso ao método da margem de lucro, considerando que o IVA deveria ser calculado por fora do preço.
O apelante sustenta que lhe deve ser aplicado o IVA sobre a margem de lucro.
O Tribunal a quo pugnou pelo entendimento sustentado pela AT, tendo julgado a impugnação improcedente.
Que dizer?
Sobre esta questão já se pronunciou o TJUE, em diversos acórdãos, defendendo que o sistema do IVA tem como único propósito onerar o consumidor final e que o valor tributável do IVA a cobrar pelas Autoridades Fiscais, não pode ser superior à contraprestação efetivamente paga pelo consumidor final. Esta posição vai no sentido pugnado pelo recorrente de que o IVA deverá ser calculado “por dentro” e não “por fora” como sustenta a AT no seu relatório inspetivo.
Efetivamente, no acórdão de 22/11/2018, proferido no Processo C-295/17, o TJUE afirmou o seguinte:
55 Por outro lado, dado que o sistema do IVA tem como objetivo onerar unicamente o consumidor final, o valor tributável do IVA a cobrar pelas autoridades fiscais não pode ser superior à contraprestação efetivamente paga pelo consumidor final, sobre a qual foi calculado o IVA que recai em definitivo sobre esse consumidor (v., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 1996, Elida Gibbs, C 317/94, EU:C:1996:400, n.º 19).
56 Por isso, há que acrescentar, para todos os efeitos úteis e como a advogada geral salientou no n.º 55 das suas conclusões, que, se for necessário, caberá às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.º da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente.
Igualmente, no aresto de 15/04/2021, proferido no Processo n.º C-846/19, o TJUE afirmou:
93 No que respeita, por outro lado, à hipótese, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de o prestador ter realizado prestações de serviços sem cobrança do IVA de que era devedor, e de não estar em condições de recuperar junto de quem pagou essas prestações o IVA posteriormente exigido pela administração tributária, há que considerar, se essa hipótese se concretizar, que as remunerações recebidas a esse título pelo prestador de serviços incluem já o IVA devido, pelo que a cobrança do IVA é compatível com o princípio de base da Diretiva IVA segundo o qual o sistema do IVA tem como objetivo onerar unicamente o consumidor final (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2013, Tulicã e Plavoºin, C 249/12 e C 250/12, EU:C:2013:722, n.ºs 34, 42 e 43).”
Também no seu acórdão de 01/07/2021, proferido no Processo n.º C-521/19 (onde se discutia a mesma questão, mas numa situação em que a Administração detetou operações ocultas sujeitas a IVA e não faturadas), o TJUE decidiu aplicar esse regime mesmo nos casos de fraude, tendo declarado:
A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, nomeadamente os seus artigos 73º e 78º, lidos à luz do princípio da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), deve ser interpretada no sentido de que, quando os sujeitos passivos do IVA, por meio de fraude, não indicaram a existência da operação à Administração Tributária, não emitiram fatura nem incluíram os rendimentos gerados por ocasião desta operação numa declaração a título de impostos diretos, deve considerarse que a reconstituição, no âmbito da inspeção de tal declaração, dos montantes pagos e recebidos durante a operação em causa levada a cabo pela Administração Tributária em causa é um preço que já inclui o IVA, a menos que, nos termos do direito nacional, os sujeitos passivos tenham a possibilidade de fazer repercutir e deduzir ulteriormente o IVA em causa, não obstante a fraude.
Finalmente, refira-se que no recente acórdão de 5/02/2024, no processo nº C-377/23 [Sancra], no âmbito dum processo de reenvio prejudicial efetuado pelo STA, no processo nº 0599/18.5BEALM, aquele Alto Tribunal afirmou que:
“Quando um sujeito passivo de IVA tenha erradamente feito constar das faturas que emitiu aos consumidores finais uma taxa de IVA de zero, embora fosse aplicável uma taxa superior, deve não obstante considerar-se que o preço ou o montante indicado nessas faturas é um preço que já inclui IVA, a menos que, nos termos do direito nacional, o sujeito passivo tenha a possibilidade de repercutir nos consumidores finais e de recuperar junto destes últimos o IVA correspondente à aplicação da taxa retificada.”
Ampara esta sua conclusão do seguinte modo:
8 DC exerce uma atividade económica que consiste na venda aos consumidores finais de veículos automóveis em segunda mão. Considerando que as vendas desses veículos estavam sujeitas ao regime de IVA específico aplicável aos bens em segunda mão, DC fez constar das faturas dessas vendas as menções «Artigo 16.°, n.° 6 [Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA)]» ou «Regime da margem — Bens em segunda mão», bem como a taxa de IVA de «0 %».
9 No âmbito do procedimento inspetivo, a Autoridade Tributária entendeu que as operações efetuadas por DC deveriam ter sido consideradas no regime geral do IVA na medida em que eram relativas a meios de transporte «novos», na aceção do artigo 2.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2006/112. Por conseguinte, corrigiu o IVA em falta fazendo acrescer ao valor constante das faturas de venda emitidas por DC aos consumidores finais uma taxa de IVA de 23 %.
10 DC impugnou estas correções de IVA resultantes do procedimento inspetivo no Tribunal Central Administrativo Sul (Portugal). Tendo sido negado provimento ao seu recurso por Acórdão de 10 de novembro de 2022, DC interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio.
11 O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que a questão objeto do litígio no processo principal diz apenas respeito à determinação do rendimento coletável em sede de IVA. A este respeito, DC sustenta que a taxa deve ser calculada tendo em consideração o preço de venda mencionado na fatura e não, como entendeu a Autoridade Tributária, como um preço sem IVA a que este deve acrescer, mas como um preço que já inclui o IVA. Especifica que não tem mais a possibilidade de repercutir o IVA nos consumidores finais, pela falta de um mecanismo de regularização do IVA que assim o permita fazer. Daqui DC conclui que o método aplicado pela Autoridade Tributária implicaria acrescer ao valor declarado da venda que consta da fatura o valor do IVA, em violação dos artigos 73.° e 78.° da Diretiva 2006/112, bem como do princípio da neutralidade fiscal, conforme interpretados pelo Tribunal de Justiça.
12 O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade do método utilizado pela Autoridade Tributária com o direito da União. O órgão jurisdicional de reenvio observa que se pode deduzir facilmente dos acórdãos do Tribunal de Justiça que o sistema do IVA tem como objetivo onerar unicamente o consumidor final e que o valor tributável do IVA a cobrar pelas autoridades fiscais não pode ser superior à contraprestação efetivamente paga pelo consumidor final. Como DC alega, esses acórdãos militam a favor de um cálculo do IVA baseado num preço de venda que já inclui este imposto.
13 No entanto, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o presente processo diferencia-se dos processos que foram objeto da jurisprudência do Tribunal de Justiça, caracterizados pela falta de menção de IVA nas faturas ou pela inexistência de fatura, uma vez que, no caso em apreço, DC fez constar das faturas, como resulta do n.° 8 do presente despacho, as menções «Artigo 16.°, n.° 6 CIVA» ou «Regime da margem — Bens em segunda mão», e, quanto ao IVA, a taxa de «0 %», e a Autoridade Tributária considerou como não provado que «as faturas não t[inham] no preço de venda cobrado ao consumidor final IVA incluído».
14 Nestas circunstâncias, o Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«Tendo em conta os contornos particulares do caso, em face do disposto nos artigos 73.° e 78.° da Diretiva [2006/112], e do princípio da neutralidade fiscal, é conforme ao direito da União, considerar-se que o preço/valor constante das faturas já inclui o IVA, ou deverá antes considerar-se que se trata de um valor ao qual deve acrescer o IVA?»
(…)
A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, no Acórdão de 7 de novembro de 2013, Tulicã e Plavoºin (C-249/12 e C-250/12, EU:C:2013:722):
«33 Em conformidade com a norma geral enunciada no artigo 73.° da [Diretiva 2006/112], o valor tributável numa entrega de um bem ou numa prestação de um serviço, efetuadas a título oneroso, é constituído pela contraprestação realmente recebida para esse efeito pelo sujeito passivo. [...]
34 Essa regra deve ser aplicada em conformidade com o princípio de base da referida diretiva, que reside no facto de o sistema do IVA ter como objetivo onerar unicamente o consumidor final [...].
35 Ora, quando um contrato de compra e venda tiver sido celebrado sem menção do IVA, na hipótese de o fornecedor, segundo o direito nacional, não poder recuperar junto do adquirente o IVA posteriormente exigido pela [Autoridade Tributária], considerar que a totalidade do preço, sem dedução do IVA, constitui a base a que o IVA se aplica teria a consequência de o IVA onerar esse fornecedor e colidir, portanto, com o princípio de que o IVA é um imposto sobre o consumo, que deve ser suportado pelo consumidor final.
36 Essa tomada em consideração colidiria, por outro lado, com a regra segundo a qual a [Autoridade Tributária] não poderá cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo sujeito passivo [...].
37 Em contrapartida, isso não sucederia se o fornecedor tivesse, segundo o direito nacional, a possibilidade de adicionar ao preço estipulado um suplemento correspondente ao imposto aplicável à operação e de o recuperar junto do adquirente do bem.
[...]
43 [Assim,] a Diretiva [2006/112], nomeadamente os seus artigos 73.° e 78.°, deve ser interpretada no sentido de que, quando o preço de um bem tenha sido determinado pelas partes sem menção do IVA e o fornecedor do referido bem seja o devedor do IVA devido sobre a operação tributada, e caso o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o IVA reclamado pela [Autoridade Tributária], se deve considerar que o preço convencionado já inclui o IVA.»
21 Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, no Acórdão de 1 de julho de 2021, Tribunal Económico Administrativo Regional de Galicia (C-521/19, EU:C:2021:527):
«39 [A] Diretiva 2006/112, nomeadamente os seus artigos 73.° e 78.°, lidos à luz do princípio da neutralidade do IVA, deve ser interpretada no sentido de que, quando os sujeitos passivos do IVA, por meio de fraude, não indicaram a existência da operação à [Autoridade] Tributária, não emitiram fatura nem incluíram os rendimentos gerados por ocasião desta operação numa declaração a título de impostos diretos, deve considerar-se que a reconstituição, no âmbito da inspeção de tal declaração, dos montantes pagos e recebidos durante a operação em causa levada a cabo pela [Autoridade] Tributária em causa é um preço que já inclui o IVA, a menos que, nos termos do direito nacional, os sujeitos passivos tenham a possibilidade de fazer repercutir e deduzir ulteriormente o IVA em causa, não obstante a fraude.»
22 Resulta nomeadamente desta jurisprudência, por um lado, que o IVA tem como objetivo onerar unicamente o consumidor final e, por outro, que a Autoridade Tributária não pode cobrar a título do IVA um montante superior ao recebido pelo sujeito passivo. Estes princípios não podem ser afastados pelo facto de constar das faturas em causa uma taxa de IVA de zero, que DC considerava ser aplicável no caso em apreço. Por um lado, com efeito, a aplicação desta taxa permite que o sujeito passivo deduza o imposto a montante e, por outro, não põe em causa o facto de o IVA ter sido efetivamente aplicado aos consumidores finais.
23 Daqui decorre que, em circunstâncias como as do litígio no processo principal, em que o IVA foi cobrado nas faturas emitidas aos consumidores finais, mas a uma taxa declarada incorreta pela Autoridade Tributária, no caso em apreço uma taxa de zero, o IVA resultante da aplicação da taxa normal deve ser calculado deduzindo do preço de venda faturado o montante de IVA devido ao Tesouro Público, desde que, segundo o direito nacional, o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar essa taxa junto do adquirente do bem.
24 [Conforme retificado por Despacho de 8 de abril de 2024] Nestas condições, há que responder à questão submetida que o artigo 73.° da Diretiva 2006/112, lido em conjugação com o artigo 78.°, alínea a), e o artigo 2.°, n.° 2, alínea b), desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que, quando um sujeito passivo de IVA tenha erradamente feito constar das faturas que emitiu aos consumidores finais uma taxa de IVA de zero, embora fosse aplicável uma taxa superior, deve não obstante considerar-se que o preço ou o montante indicado nessas faturas é um preço que já inclui IVA, a menos que, nos termos do direito nacional, o sujeito passivo tenha a possibilidade de repercutir nos consumidores finais e de recuperar junto destes últimos o IVA correspondente à aplicação da taxa retificada.
No caso que aqui nos ocupa a AT considerou, quer nas situações em que não havia sido emitida fatura de venda dos veículos automóveis, quer nas situações em que essa fatura havia sido emitida pelo recorrente, mas com o IVA apurado de acordo com o regime da margem de lucro e, por isso, por dentro do preço, que a liquidação do aludido imposto deveria ter sido efetuada por fora do preço de venda e, nessa conformidade, procedeu às liquidações adicionais aqui em dissidio.
O Tribunal a quo considerar estar a razão do lado da Autoridade Tributária.
Acontece, porém, na esteira da jurisprudência do TJUE supra transcrita que nas situações em que já não seja possível ao contribuinte repercutir o IVA devido no consumidor final, e mesmo que se considere que o imposto não poderia ter sido apurado com base no regime da margem de lucro, no caso de bens em segunda mão, sempre terá de se aceitar que o mesmo seja calculado “por dentro do preço”.
Tal entendimento, como aliás já foi decidido pelo STA no Aresto mencionado acima, conduz à procedência do presente recurso com a consequente revogação da decisão recorrida por assim não ter entendido.
Em face da procedência do recurso com base no erro de julgamento invocado, julga-se prejudicado o conhecimento dos demais erros assacados à decisão.


*
CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao seu total provimento, as custas são da responsabilidade da Recorrida embora sem taxa de justiça nesta instância uma vez que não contra-alegou. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].

***




III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul julgar procedente o presente recurso revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, julgar procedente a impugnação judicial, anulando-se as liquidações impugnadas.


Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias.

Lisboa, 3 de Abril de 2025.

Cristina Coelho da Silva (Relatora)

Ângela Cerdeira

Patrícia Manuel Pires