Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:199/09.0BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:09/24/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:LICENCIAMENTO DE ATIVIDADES RUIDOSAS,
DIREITO AO REPOUSO E AO SOSSEGO,
RUÍDO EM ZONA HABITACIONAL,
CONDENAÇÃO À MEDIÇÃO DOS NÍVEIS DO RUÍDO,
RESPONSABILIDADE POR FACTO ILÍCITO,
RESPONSABILIDADE PELO SACRIFÍCIO.
Sumário:I. Não carece o Autor de falta de interesse processual em agir em ação administrativa fundada na tutela dos direitos ao sossego, ao repouso e à tranquilidade, integrados nos direitos de personalidade, previstos no artigo 70.º do CC, em relação às atividades ruidosas realizadas em Praça municipal, nas proximidades da sua residência.

II. A realização de atividades ruidosas em zonas habitacionais não é uma atividade livre, nem incondicionada, impondo a emissão do juízo da excecionalidade das circunstâncias e a consideração do valor da tranquilidade das populações.

III. Comprovando-se a emissão de diversas licenças especiais para a emissão do ruído em zona habitacional, de modo frequente, em especial no período do Verão, em julho e agosto, sem a formulação dos citados juízos próprios do foro administrativo, impõe-se condenar a Administração a condicionar a emissão dos referidos licenciamentos a tais juízos de excecionalidade e quanto à tranquilidade das populações, se para tanto necessário, mediante a realização de medições acústicas.

IV. A pretensão indemnizatória pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes das atividades ruidosas e da afetação dos direitos ao sossego, ao repouso e à tranquilidade, depende da verificação dos pressupostos do instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, seja considerando a responsabilidade civil por factos ilícitos, seja considerando a indemnização pelo sacrifício.

V. Faltando a verificação do requisito da ilicitude no primeiro caso e a falta de verificação do dano especial e anormal no segundo caso, não se encontram reunidos os pressupostos para a procedência do pedido.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Município de Loulé, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 29/11/2017, que no âmbito da ação administrativa instaurada por A.............., julgou a ação parcialmente procedente, condenando a Entidade Demandada a realizar medições acústicas para verificação da conformidade com os valores limites de exposição ao ruído, tendo por referência o edifício de habitação do Autor, sempre que emita licenças especiais de ruído para a realização de atividades ruidosas temporárias na Praça do Mar (festividades, divertimentos públicos e espetáculos ruidosos), absolvendo-a do demais peticionado.

O Autor, igualmente discordando da sentença, veio interpor recurso, na parte do decaimento no pedido de pagamento de uma indemnização pelos danos alegados em consequência do ruído e pelas despesas com a instauração da presente ação.


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Formula a Entidade Demandada, aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que ora se reproduzem:

A - À semelhança do entendimento perfilhado na Douta Sentença Recorrida, com ressalvo da revogação realizada pela Lei nº 75/2013, entende-se que o regime aplicável será o consagrado no Capitulo VII do Decreto Lei 210/2002, concretamente, o disposto nos seus artigos 29º a 34°.

B - Ora. face ao disposto no artigo 32º nº l. al. b), é inequívoco que a competência para a emissão da licença especial de ruído pertence ao Presidente do Câmara, não constituindo uma competência do Município, que enquanto autarquia local prossegue as suas atribuições através do exercício pelos respetivos órgãos das competências legalmente previstas (cfr. art. 3º da Lei 75/2013), pelo que a douta sentença viola o prescrito nesta disposição legal ao condenar o Município de Loulé, que, assinale-se, não detém competências para emitir a licença especial de ruído.

C - Acresce que, compulsadas as disposições legais supra transcritas, que correspondem ao Regime Legal vigente. dele não consta a previsão ou obrigação a cargo do Recorrente, Município de Loulé, de realização de medições acústicos sempre que seja emitida uma licença poro a realização de festividades, de divertimentos públicos e de espectáculos ruidosos nas vias públicas e demais lugares públicos nas proximidades de edifícios de habitação, sublinhando-se que estando prevista a possibilidade de suspensão imediata das actividades pelas autoridades policiais, tal medida afigura-se mais eficaz e ajustada.

D - Acresce que. o nº 5 do artigo 15º do RGR, aplicável por remissão expressa do artigo 32º, nº 1, al. c) do Dec. Lei 210/2002, dispõe que, 5 - A licença especial de ruído, quando emitida por um período superior a um mês, fica condicionada ao respeito nos receptores sensíveis do valor limite do indicador L (índice Aeq) do ruído ambiente exterior de 60 dB(A) no período do entardecer e de 55 dB(A) no período nocturno, pelo que. a contrário, no caso dos autos. uma vez que estamos perante licenças emitidas por curtos períodos. normalmente de um dia ou apenas algumas horas. não existe qualquer condicionamento quanto ao respeito nos receptores sensíveis dos limites aí prescritos.

E - Importa ainda considerar, que se o A. Recorrido não logrou provar que durante mais de 30 anos 1 desde que fixou residência no local, onde já eram realizados espetáculos há mais de 50 anos) os seus direitos tenham sido violados ou comprimidos, carece de interesse processual qualificado paro pedir a condenação do Recorrente para adaptar ou para se abster desta ou daquela conduta, concretamente, a realização de medições acústicas, sempre que emita uma licença especial de ruído.

F - Por outro lodo, em termos materiais. é notório o erro de julgamento de que enferma a douta sentença recorrida em condenar a Entidade Demandada, porquanto. antes. entendera já de forma expresso e inequívoco que, (...) o autor ao demonstrou que a entidade demandada tenha violado uma qualquer norma ou princípio jurídico, infringido uma qualquer regra de ordem técnica e de prudência comum ou incumprido um qualquer dever jurídico ou obrigação a que estivesse normativamente vinculada. (...)”.

Pede a revogação da sentença recorrida e que seja julgado improcedente o pedido de anulação do ato impugnado.


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Formula o Autor, aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que ora se reproduzem:

“1- Por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou na qualidade....

2 - Só existe, pois, contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão preciosamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados.

3 - Desde logo verifica-se que entre os factos provados, a fundamentação e a decisão existem contradições.

4 - Contradições essas que prejudica gravemente os interesses do ora recorrente e dadas como provadas pela douta sentença.

Ora,

5 - Quanto aos factos provados nos números 3 a 5 e 7 a 16 verifica-se que existe, da parte da sentença recorrida, contradição com a fundamentação e com as normas em vigor, nomeadamente com as normas constitucionais.

6 - Estamos perante violação de normas fundamentais com factos dados como provados.

7 - Ocorre insuficiência para a decisão da matéria de facto provada uma vez que dos factos vertidos na sentença recorrida, não faltam elementos necessários para que fosse formulado um juízo de condenação diferente dos termos em que o foi feito.

8 - Assim, verifica-se que a sentença recorrida decidiu contra jurisprudência vária em sentido contrário.

9 - Ora, como se vai aqui descrever, os referidos eventos na Praça do Mar produzem uma poluição sonora absolutamente inaceitável, que infringe grosseiramente o Regulamento Geral do Ruído e que prejudica gravemente a saúde do requerente e de seu agregado familiar.

10 - Durante o Euro 2004, a Câmara Municipal de Loulé, montou um palco gigante com 30 altifalantes a 5 metros de distância das janelas das habitações/residências sitas na Praça do Mar e funcionaram durante um mês (duração do Euro) com licença especial de ruído.

11 - O horário que constava no referido alvará junto como documento nº 5 aos autos era das 20,00 às 24,00.

12 - Sendo certo que, durante o período estival, emitiam e emitem ruído desde aa 16.00 até às 02H00 horas.

13- O barulho/ruído produzido pelos eventos tinha e tem origem (sobretudo) na música que aí é tocada e nas vozes e movimentos das pessoas.

14 - Ora, o ruído e vibrações produzidos, durante a noite, é de uma intensidade fortíssima, sendo que, a intensidade e a frequência são tais que, durante toda a noite, as fracções dos requerentes são invadidas pelo barulho produzido, e pelas trepidações produzidas pelo som emitido pelas supra referidas colunas do palco.

15 - As consequências desta poluição sonora nas condições de descanso do recorrente e do seu agregado familiar são óbvias.

16 - O recorrente e os membros do respectivo agregado familiar sentem dificuldades em adormecer bem como qualquer ser humano quando existe ruído fora do normal!

17 - Em suma, com a sua poluição sonora, a recorrida desrespeita de forma grosseira os limites máximos legais e perturbam gravemente o repouso do recorrente e respectivos agregados familiares, facto este provado pela sentença recorrida!

18 - E, claro, se não forem decretadas as medidas requeridas, sofrerão durante as suas noites de férias e fins de semana, danos à sua personalidade impossíveis de reparar.

19 - O artigo 70° do Código Civil prescreve a protecção dos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita, ou ameaça de ofensa, à sua personalidade física ou moral, permitindo ao ameaçado ou ofendido requerer, independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, as providências adequadas às circunstâncias do caso com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa j á cometida.

20 - Tutela-se, por esta via, direitos de personalidade essenciais, entendidos como direitos subjectivos absolutos cuja função é constituir o mínimo necessário e imprescindível ao conteúdo da personalidade e sem os quais os outros direitos subjectivos perderiam todo o interesse para o indivíduo

21 - Dentre os direitos de personalidade referem os autores, além de outros, os direitos à vida, à integridade física, à honra, à saúde, ao bom nome, à intimidade, à

22 - Vários estudos científicos demonstram, inequivocamente, que o ruído é um problema de saúde pública. Os seus efeitos mais frequentes traduzem-se em perturbações psicológicas ou fisiológicas associadas a reacções de stress e cansaço.

23 - A perturbação pelo ruído é uma das mais críticas, porque o silêncio faz- se necessário para o sono ocorrer na melhor qualidade, que garante as mais nobres funções, até há pouco tempo desconhecidas.

24 - Caso contrário, mesmo dormindo, o organismo começa a reagir gradualmente com o seu alerta, e o indivíduo tende a acordar.

25 - Evidentemente, não há quaisquer dúvidas de que o direito ao repouso e ao descanso, sobretudo no período noctumo, é manifestamente um direito de personalidade. Conforme se escreveu no Acórdão da Relação de Lisboa, de 27/0211997, «o local onde especialmente devem ser protegidos e reconhecidos tais direitos é precisamente no lar individual de cada um. O lar de cada um é o local de descanso, de repouso da extenuante jornada diária, onde se retemperam as forças necessárias desgastadas pela vivência no seio da comunidade».

26 - Acresce que, para o enquadramento jurídico da questão, se deverá atentar no disposto pela Lei de Bases do Ambiente, em especial no seu artigo 40°, nºs, 1 e 4:

27 - No topo da pirâmide dos vários dispositivos legais, estabelece, por último, a Constituição da República Portuguesa, que a integridade física e moral das pessoas é inviolável e que todos têm direito à protecção da saúde (artigos 25º, nº 1 e 64º, nº 1) e que todos têm direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado (art. 66°, nº 1)

28 - Mostra-se assim perfeitamente delineado no ordenamento jurídico português, um direito «à qualidade de vida», cujo conceito abrange tudo o que eliminando as tensões e stress, permite ao ser humano compensar o desgaste diário das sociedades modernas, nomeadamente: o repouso, a saúde, os tempos livres, o descanso semanal

29 - Por último, há que atentar, outrossim, no regime do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo D.L. nº 292/2000, de 14 de Novembro, que se pode sintetizar nos seguintes aspectos: Até ao dia 15 de Maio de 2001 - data da entrada em vigor da regulamentação sobre o ruído - o limite sonoro estava genericamente limitado entre os 55 dB e os 65 dB.

30 - A partir desta data, o diploma citado veio reduzir em 10 dB estes limites, passando a distinguir entre áreas vocacionadas para uso habitacional, as chamadas "zonas sensíveis" e áreas afectas a outro tipo de utilizações, como as actividades de comércio e serviços, designadas pela lei ''zonas mistas'1

31 - O Regulamento estende a sua aplicabilidade a ruídos de vizinhança e às actividades ruidosas, quer sejam de natureza permanente quer temporária, quando exista a susceptibilidade de serem incómodas para outros condóminos do prédio ou prédios vizinhos ou, na generalidade, perturbadoras do sossego e bem estar dos cidadãos:

32 - Assim, face à factualidade descrita pela sentença recorrida, dever-se-á concluir, necessariamente, que o recorrente foi e é ofendido no seu direito de personalidade, designadamente no seu direito ao repouso e a uma vida de qualidade e sadia, ofensa essa que, de forma directa e sem margem para dúvidas, resulta da actividade dos eventos produzidos na "Praça do Mar" e ruído por eles produzido.

33 - Cumpre frisar, que não é decisivo afirmar-se que é necessário efectuarem-se medições acústicas para se aferir os valores de ruído destes eventos para saber se violaram ou não violaram o disposto no art. 8°, nº 3, do D.L. nº 292/2000.

34 - O que releva é que tal ruido, efectivamente, perturba o repouso e o sono do recorrente.

35 - Na interpretação do preceito legal supra citado, a propósito da colisão entre um direito de personalidade e um outro direito que não de personalidade, devem prevalecer, em princípio, os bens ou valores pessoais aos bens ou valores patrimoniais, tal como se decidiu, por exemplo, no Acórdão do S.T.J., de 13/03/1997.

36 - Ou seja, na aferição dos interesses em presença, o prato da balança, atenta a premência e urgência da situação, tenderá a inclinar-se para o lado do recorrente.

37 - Com todas estas situações a saúde do recorrente tem vindo a deteriorar-se conforme se comprova pelo documento que se junta (doe nº 1)

38 - No caso concreto, o recorrente alegou e provou factos demonstrativos do seu direito ao sono e repouso na casa de morada de família e direito a opor-se à violação desse seu direito.

39 - Ora, estando provado que o recorrente utiliza o prédio como sua habitação e casa de morada de família, é evidente, que por inerente a tal uso e fruição, goza do direito ao descanso, tranquilidade e sono normal, o direito ao repouso naquela sua habitação.

40 - Ora, e como está também provado pela sentença recorrida que a Praça do Mar produz ruído, há que concluir que tal ruído acarreta um prejuízo essencial, substancial para a utilização normal da casa de habitação do recorrente. tal ruído atinge directamente o uso e fruição que o recorrente faze do imóvel, pondo em causa a finalidade do prédio onde tem a sua habitação, impedindo-o de desfrutar, naquela sua residência, do repouso necessário e indispensável à sua integridade física.

41 - Assim, dúvidas não há que ao recorrente assiste o direito à saúde, ao repouso, ao sono normal, direitos integrados no direito à vida, direito de personalidade, protegido pelo art. 70° do C.C., direito este que está a ser violado pela recorrida.

42 - O ruído provocado pela actividade da CML causam incomodidade ao direito ao repouso do recorrente e seu agregado familiar, independentemente do interesse público ...

43 - Por outro lado, há que entrar em linha de conta, na solução deste "interesse público", os direitos do recorrente.

44 - Finalmente, convém referir que no local objecto dos presentes autos “Praça do Mar”. zona residencial, desde o dia 02 de Julho 2010, dia do 1º Espectáculo, até dia 18 de Setembro de 2010, realizaram-se 40 espectáculos/eventos (conforme documento junto aos autos)

45 - De acordo com a elaboração da doutrina e da jurisprudência há o erro notório na apreciação da prova quando do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resulte por demais evidente conclusão contrária àquela a que o tribunal chegou.

46 - A Câmara tem as suas competências, existe interesse público o que não se pode verificar são violações a Leis Fundamentais.

47 - Verifica-se a violação de direitos fundamentais e constitucionalmente consagrados pela Câmara Municipal de Loulé.

48- Verifica-se contradição de facto e de direito na sentença recorrida.

49 - Nas presentes alegações, indicam-se os vícios da sentença recorrida que importa examinar no objecto do presente recurso.

50 - Neste sentido, com a sentença ora recorrida fez a Mmª Juiz a quo incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos carreados para os autos.

51 - Verifica-se a violação de direitos fundamentais e constitucionalmente consagrados pela Câmara Municipal de Loulé.

52 - A poluição sonora, afecta 40% dos europeus, e em Portugal não obstante a Lei ordenar a organização de mapas de ruído, os Municípios não os fazem, tal como é o caso do de Loulé que não tem.

53 - Aí, pode-se ler que vários Tribunais encontram-se sensibilizados para esta questão bem como cada vez mais as Câmaras e Municípios.

54 - Razão pela qual, deve o presente recurso ter provimento.”.

Pede a procedência do recurso.


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O Autor, ora Recorrido, notificado, apresentou contra-alegações ao recurso interposto pela Entidade Demandada, em que reproduziu a alegação a as conclusões que havia formulado no âmbito do recurso por si interposto, nada mais aduzindo.

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A Entidade Demandada, na qualidade de Recorrida, não contra-alegou o recurso interposto pelo Autor.

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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido do provimento de ambos os recursos.

No respeitante ao recurso interposto pelo Autor defende que o Autor fez prova da produção dos danos, mas não da sua quantificação, pelo que, o Tribunal a quo deveria ter condenado a Entidade Demandada ao pagamento de uma indemnização, a liquidar em execução de sentença.

No que concerne ao recurso interposto pela Entidade Demandada, sustenta que o mesmo deve ser provido, pelas razões nele invocadas.

Não obstante, sustenta que tal não significa que o Município, que atribuiu as licenças no âmbito do ruído, não esteja obrigado a fiscalizar os horários e os limites estabelecidos nas licenças, embora entenda que a condenação se apresente inócua para a conduta que já resulta do regime legal.


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O processo vai com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo o objeto de cada um dos recursos delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, nos termos que ora se invocam.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, às seguintes, em relação a cada um dos recursos:

A. Recurso da Entidade Demandada

1. Erro de julgamento de direito quanto à condenação da medição dos níveis de ruído, por o artigo 15.º, n.º 5 do RGR, por remissão do artigo 32.º, n.º 1, c) do D.L. n.º 310/2002, de 18/12, não condicionar as licenças emitidas por curtos períodos ao respeito nos recetores sensíveis dos limites prescritos, nem o Autor provar que os seus direitos foram violados, incorrendo em violação dos artigos 32.º, n.º 1, a) e c) do D.L. n.º 310/2002, de 18/12 e 16.º, n.º 3, c) da Lei n.º 75/2013, de 12/09.

B. Recurso do Autor

1. Contradição entre os factos provados, a fundamentação e a decisão;

2. Erro na apreciação da prova, existindo a violação dos direitos fundamentais à saúde, ao repouso e ao sono normal, integrados no direito à vida, protegidos pelos direitos de personalidade, previstos no artigo 70.º do CC.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

a) O autor é dono do prédio urbano composto por edifício destinado a habitação e logradouro, sito na Rua ………., n.º ….., freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º ……., da referida freguesia, e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo …… (cfr. documento n.º 1 da petição inicial);

b) O autor adquiriu o referido prédio por doação efectuada em 26 de Abril de 1975 e registada em 14 de Julho de 2008 (cfr. documento n.º 1 da petição inicial e documento junto com a petição inicial aperfeiçoada apresentada em 3 de Junho de 2014, registada no SITAF com o n.º …….);

c) O autor reside neste prédio juntamente com a sua mulher e a sua filha, o qual constitui a sua casa de morada de família;

d) Este prédio está situado junto da Praça do Mar, em Quarteira;

e) A Praça do Mar é uma zona essencialmente residencial;

f) Há pelo menos 50 anos que a Praça do Mar (antes conhecida como Esplanada de Quarteira ou Esplanada de Turismo de Quarteira) é utilizada para a realização de bailes, festividades, eventos culturais, recreativos e desportivos, constituindo um ponto de encontro para a população residente e ocasional, e assim continuou após a requalificação urbana do espaço;

g) Desde 2004 até à presente data, com especial incidência na época de Verão, a Praça do Mar tem sido utilizada para a realização de eventos e nela têm sido instalados palcos para esse efeito (cfr. documentos n.ºs 2 a 4 da petição inicial);

h) Durante o Campeonato Europeu de Futebol, em Junho de 2004, foram transmitidos em directo os jogos de futebol, através de ecrãs instalados na Praça do Mar, e realizados eventos musicais (cfr. documento n.º 8 da petição inicial);

i) Em 14 de Junho de 2004, por deliberação da Câmara Municipal de Loulé, foi concedida uma licença especial de ruído, com o objecto “Animação de Rua – Verão 2004”, com localização em Quarteira, com início em 1 de Julho e termo em 31 de Agosto de 2004, entre as 20 horas e as 24 horas (cfr. documento n.º 5 da petição inicial);

j) Desde 2004, têm sido realizados na Praça do Mar, com carácter esporádico e disperso ao longo do ano, eventos, espectáculos e festividades que produzem ruído, que incluem habitualmente, entre os demais:

- Passagem do Ano (organizado pela Câmara Municipal de Loulé);

- Carnaval;

- Comemorações do 25 de Abril;

- Comemorações do Dia da Cidade de Quarteira (organizado pela Junta de Freguesia de Quarteira);

- Festa do Pescador – Os Petiscos do Pescador (três dias), com espectáculos de variedades (organizado pela Q…….. - Associação dos Armadores Pescadores de Quarteira);

k) Desde 2004, têm sido realizados na Praça do Mar, na época de Verão, em especial nos meses de Julho e Agosto, com carácter frequente, eventos, espectáculos e festividades que produzem ruído, normalmente ligados ao teatro, à música ligeira e à dança (cfr. documento n.º 15 da petição inicial);

l) Para a realização dos eventos, espectáculos e festividades referidas nas alíneas j) e k), quando não promovidos pela própria, a Câmara Municipal de Loulé tem emitido licenças especiais de ruído (cfr. documentos requisitados pelo tribunal, juntos com o ofício registado no SITAF com o n.º 139852, de 25.08.2016);

m) Desde 2004, em Julho e Agosto, são realizadas na Praça do Mar sessões de fitness (zumba, ginástica ou aeróbica), acompanhadas com música, a partir das 9 horas e 30 minutos (cfr. documento n.º 16 da petição inicial);

n) Os eventos acima referidos produzem ruído que se ouve na residência do autor e que o incomoda, a si e ao seu agregado familiar;

o) O ruído provocado tem afectado e perturbado o descanso, o repouso, o sono e a tranquilidade do autor, da sua mulher e da sua filha, prejudicando a sua saúde e o seu bem-estar;

p) A realização destes eventos ruidosos provoca ansiedade e sentimento de revolta no autor;

q) Em Junho de 2004, o autor apresentou uma reclamação dirigida à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve sobre o ruído produzido pelos eventos que estavam a ter lugar na Praça do Mar (cfr. documentos n.ºs 10 e 11 da petição inicial);

r) Em Junho de 2005, o autor apresentou uma reclamação dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de Loulé sobre o ruído produzido pelos eventos que estavam a ter lugar na Praça do Mar (cfr. documento n.º 12 da petição inicial);

s) Em Julho de 2004, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve dirigiu um ofício ao Presidente da Câmara Municipal de Loulé, com o assunto «Ruído provocado por espectáculos na Praça do Mar, em Quarteira-Loulé», do qual consta, entre o mais, o seguinte:

«(…)

A realização de espectáculos carece sempre de licença especial de ruído, a ser emitida por esse Município, de acordo com o artº 9º do Regime Legal sobre a Poluição Sonora [(RLPS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 292/2000, de 14 de Novembro, e alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 76/2002, de 26 de Março, 259/2002, de 23 de Novembro, e 293/2993, de 19 de Novembro]. Esta deve mencionar, entre outras condicionantes, a indicação de medidas de prevenção e de redução do ruído provocado, e se for emitida por um prazo superior a 30 dias tem ainda como condicionante o cumprimento dos limites sonoros fixados no n.º 3 do artigo 4.º e no n.º 3 do artigo 8.º do RLPS. Porém, tendo em consideração que a actividade está autorizada, a circunstância da mesma ser exercida no exterior junto a habitações, resulta que um espectáculo com música ao vivo gera níveis sonoros muito superiores àquele que constitui o limite máximo para zonas mistas em período nocturno. De igual modo, a emergência da intensidade sonora resultante de um espectáculo daquele tipo sobre o ruído residual é em muito superior às emergências estabelecidas pelo n.º 3 do artigo 8.º do RLPS. Ou seja, pese embora a circunstância da actividade em causa se encontrar licenciada e obrigada ao cumprimento dos limites sonoros ficados no RLPS, não é esse cumprimento viável.

Considera esta Comissão de Coordenação que a imposição de regras de funcionamento no âmbito das licenças especiais de ruído deverá pressupor a possibilidade de as fiscalizar, sem o que aquela imposição poderá não ter qualquer eficácia. De todo o modo, reitera-se que na situação em análise não haveria qualquer hipótese de cumprimento dos limites sonoros dada a natureza dos eventos e do local da sua realização.

(…)»

(cfr. documento n.º 11 da petição inicial e documento junto com o requerimento do autor registado no SITAF com o n.º 106671, de 26.05.2014);

t) O autor teve despesas com o seguinte:

(i) Custos das deslocações a Loulé para a obtenção de documentos necessários para a propositura desta acção;

(ii) Pagamento de certidões;

(iii) Pagamento de honorários da mandatária.

2.2. Factos não provados

Não se julgam provados, porém, os seguintes factos:

1) O ruído produzido pelos eventos que se realizam na Praça do Mar ultrapassa os limites máximos fixados por lei;

2) A saúde da mulher do autor agravou-se desde Julho de 2008 por causa do ruído provocado pelos eventos realizados na Praça do Mar;

3) A Câmara Municipal de Loulé quer fazer da Praça do Mar uma zona fixa de eventos sonoros;

4) Foram apresentadas junto da Câmara Municipal de Loulé e da Junta de Freguesia reclamações por parte de outros residentes.

2.3. Para a formação da convicção do tribunal quanto à matéria de facto acima enunciada, que foi alegada pelas partes ou tida em consideração por dela ser instrumental ou complementar e por haver resultado da instrução da causa, foram decisivas, para além das posições que as partes definiram em relação à mesma nos respectivos articulados, os documentos acima discriminados, os depoimentos das testemunhas e as declarações prestadas pelo próprio autor na audiência final.

Consideram-se admitidos por acordo os factos que se encontram vertidos nas alíneas d), e), f), g), h), j) e t) – este último, apenas na parte em que vem minimamente consubstanciado, ainda que não quantificado (cfr. artigo 113.º da petição inicial, sem que lhe possa aproveitar a petição inicial aperfeiçoada apresentada em 29 de Junho de 2009, por haver sido anulada) - por terem sido alegados pelo autor e não terem sido impugnados pela entidade demandada (cfr. artigo 490.º, n.º 2, do Código de Processo Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, vigente à data em que foi apresentada a contestação).

São, de resto, notórios os factos fixados nas alíneas e), f), g), j) e k) (cfr. artigo 514.º, n.º 1, do mesmo Código, a que actualmente corresponde o artigo 412.º, n.º 1, do actual Código de Processo Civil): com efeito, é do conhecimento geral das pessoas normalmente informadas do espaço geográfico em questão que a Praça do Mar é tradicionalmente utilizada para a instalação de palcos e para a realização de eventos, espectáculos e festividades, e que nela têm habitualmente lugar os eventos a que aludem as alíneas j) e k), os quais, durante os meses de Verão, em Julho de Agosto, apesar de não se realizarem diariamente, têm um carácter frequente e continuado, integrando, grande parte deles, o programa de animação recreativo e cultural promovido e publicitado pela Câmara Municipal de Loulé, que serve, aliás, como fonte de atracção turística do território.

Foram igualmente decisivas, para o julgamento destes factos e daquele que se encontra fixado na alínea m), as declarações prestadas pelo autor e os depoimentos das testemunhas por ele arroladas, e concretamente de M.............., mulher do autor, e de N.............., M.............., A.............. e A.............., todos eles residentes permanentes ou ocasionais nas proximidades da Praça do Mar, as quais, todas elas, de forma credível e fidedigna, atestaram a veracidade dos mesmos, corroborada, aliás, pelos depoimentos das próprias testemunhas oferecidas pela entidade demandada, H.............., (antigo) Vereador da Câmara Municipal de Loulé, C.............., adjunto do Presidente desta mesma Câmara Municipal, e T............., Presidente da Junta de Freguesia de Quarteira.

Considerou-se, de resto, provada a matéria vertida nas alíneas c) e n) a p) com base nas declarações prestadas pelo autor e no depoimento da sua mulher, M.............., os quais, ainda que de forma empolgada e intensa, revelando revolta e indignação, confirmaram, de forma credível, os incómodos e perturbações causadas pelo ruído produzido pelos eventos no seu bem-estar e na qualidade do seu sono e no seu descanso e repouso.

A matéria fixada nas alíneas a), b), i), l), q), r) e s) resulta, por sua vez, dos documentos que em relação a cada uma delas foram especificamente referenciados.

Considerou o tribunal, porém, como não provados os factos acima enunciados nos pontos 1) a 4), por não ter sido feita prova bastante que convencesse o tribunal da sua veracidade, pelas partes às quais cabia o respectivo ónus.

Com efeito, não foi feita prova alguma, com um mínimo de credibilidade, que tenha convencido o tribunal que o ruído produzido pelos eventos que se realizam na Praça do Mar ultrapassa, efectivamente, os limites máximos fixados por lei – ou, no que ao caso importa, que a sua edificação em concreto tenha estado exposta a ruído com níveis superiores a tais limites (cfr. artigos 4.º, n.º 3, 8.º, n.º 3, e 9.º, n.º 5, do Regulamento Geral do Ruído de 200 e artigos 11.º, n.º 3, e 15.º, n.º 5, do Regulamento Geral do Ruído de 2007): o autor limitou-se a juntar “medições acústicas” feitas particularmente através de uma aplicação (“InstaDecibel”) instalada num aparelho (supõe-se que smartphone) não certificado para o efeito e que, não tendo sido realizadas por uma entidade acreditada, nem tendo cumprido os requisitos técnicos exigidos, não podem, obviamente, ser consideradas válidas e fidedignas em juízo.

Quanto ao ponto 2), a prova produzida não permite concluir que o estado clínico da autora se tenha agravado, a partir de Julho de 2008, por causa do ruído produzido pelos eventos que têm lugar na Praça do Mar: o relatório clínico apresentado com a petição inicial como documento n.º 22 da petição inicial - solicitado nas vésperas da propositura da presente acção - comprova apenas que a mulher do autor “refere” que esse agravamento da sua situação clínica (sintomatologia depressiva e ansiosa) é causado por uma “acumulação de vários problemas”, incluindo – apenas porque a mulher do autor assim o “refere” também - um excesso de ruído na via pública devido aos frequentes espectáculos que se realizam junto da sua residência.

Não foi, por fim, feita prova alguma pelo autor quanto aos factos a que se referem os pontos 3) e 4).

De resto, não existem quaisquer outros factos que, por serem relevantes à luz de alguma das soluções plausíveis das questões de direito a decidir, careçam de ser julgados como provados ou não provados.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada na sentença ora recorrida, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos de ambos os recursos jurisdicionais.

A. Recurso da Entidade Demandada

Erro de julgamento de direito quanto à condenação da medição dos níveis de ruído, por o artigo 15.º, n.º 5 do RGR, por remissão do artigo 32.º, n.º 1, c) do D.L. n.º 310/2002, de 18/12, não condicionar as licenças emitidas por curtos períodos ao respeito nos recetores sensíveis dos limites prescritos, nem o Autor provar que os seus direitos foram violados, incorrendo em violação dos artigos 32.º, n.º 1, a) e c) do D.L. n.º 310/2002, de 18/12 e 16.º, n.º 3, c) da Lei n.º 75/2013, de 12/09

Vem a Entidade Demandada recorrer da sentença recorrida, na parte em que condenou o Município de Loulé a realizar medições acústicas para verificação dos limites de ruído.

Concorda com o enquadramento legal da matéria, por ser aplicável o artigo 31.º, n.º 3 do Regulamento Geral do Ruído (RGR), que remete para a aplicação do D.L. n.º 310/2002, de 18/12.

Porém, sustenta que a competência para o licenciamento foi alterada, prevendo a Lei n.º 75/2013, de 12/09, no seu artigo 16.º, n.º 3, c), que compete à junta de freguesia o licenciamento das atividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes.

Por isso, sustenta que nos termos do artigo 29.º, n.º 2 do D.L. n.º 310/2002, as festas não carecem de licença, mas de uma participação prévia ao presidente da Câmara.

Invoca que as condições ou condicionamentos consagrados são unicamente os previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 32.º do D.L. n.º 310/2002, os quais não prevêem a obrigação a cargo do Recorrente de realização de medições acústicas sempre que seja emitida uma licença para a realização de festividades ou espetáculos nas vias públicas de mais lugares públicos nas proximidades de edifícios de habitação.

Além de que, também do disposto no artigo 15.º do RGR não se encontra consagrada essa obrigação sempre que seja licenciada uma atividade ruidosa temporária ou seja emitida uma licença especial de ruído.

Defende que, extraindo-se do artigo 15.º, n.º 5 do RGR certos condicionamentos para licenças especiais de ruído emitidas por período superior a um mês, quando estejam em causa curtos períodos de um dia ou apenas algumas horas, não existe qualquer condicionamento.

Mais alega que o ora Recorrido não conseguiu provar que os seus direitos tenham sido violados ou comprimidos, carecendo de interesse processual qualificado para pedir a condenação da Entidade Demandada.

Vejamos.

Nos termos que decorrem da alegação recursiva da Recorrente e suas respetivas conclusões, o presente recurso incide exclusivamente sobre a matéria de direito, por não ser impugnada a matéria de facto, sendo dirigido o erro de julgamento de direito contra a sentença recorrida.

Nesse sentido, será com base na concreta factualidade julgada provada e não provada que tem de recair a aplicação dos normativos de direito.

Em primeiro lugar, no tocante à alegada falta de interesse processual qualificado do Autor, ora Recorrente, carece o Recorrente em absoluto de razão, porquanto além de estar em causa um pressuposto processual cuja apreciação foi ultrapassada na fase de saneamento da causa, não mais podendo ser invocada e apreciada matéria de exceção dilatória, a factualidade que se encontra demonstrada nos autos comprova a realidade inversa da alegada pelo Recorrente, quanto o de o Autor, ora Recorrido, não só ter legitimidade, como ter interesse processual para instaurar a presente ação.

Nos termos das alíneas a) e d) dos factos assentes, o Autor é proprietário do prédio destinado a habitação sito na Rua…………., n.º ….., em Quarteira, junto à Praça do Mar, em Quarteira, o que lhe confere o interesse processual para vir demandar o ora Recorrente, nos exatos termos em que o fez, no âmbito de ação destinada à tutela do direito ao sossego, ao repouso, ao sono e à tranquilidade, em consequência da alegada violação dos níveis de ruído, em zona essencialmente residencial – como resulta da alínea e) dos factos provados –, em consequência dos atos praticados pela Entidade Demandada, com vista, quer a fazer cessar tais atividades ruidosas, quer a ser indemnizado pelos danos que alega ter sofrido.

Por conseguinte, carece o ora Recorrente de razão ao sustentar tal questão no presente recurso.

Em segundo lugar, em relação à competência legal para a prática dos atos de licenciamento das atividades ruidosas importa considerar o disposto no artigo 3.º, e) da Lei n.º Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, que estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico.

Segundo tal preceito (artigo 3.º, e) da Lei n.º Lei n.º 75/2013) são revogados, o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 156/2004, de 30 de junho, 9/2007, de 17 de janeiro, 114/2008, de 1 de julho, 48/2011, de 1 de abril, e 204/2012, de 29 de agosto, na parte em que refere as alíneas b), c) e f) do artigo 1.º do mesmo diploma, bem como as suas subsequentes disposições relativas à titularidade da competência para o licenciamento das atividades de venda ambulante de lotarias, de arrumador de automóveis e atividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes.

Em consonância, segundo o artigo 16.º, n.º 3, c) da referida Lei n.º 75/2013, compete à junta de freguesia o licenciamento das atividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes.

Acresce o disposto no artigo 29.º, n.º 2 do D.L. n.º 310/2002, de 18/12, o qual prevê, em relação às festas que não careçam de licenciamento municipal, nos termos do número anterior, que deve ser feita uma participação prévia ao presidente da câmara.

Assim, considerando, por um lado, o regime legal traçado e, por outro, os factos que resultam demonstrados em juízo nas alíneas i) e l) do julgamento da matéria de facto, no sentido de a Câmara Municipal de Loulé ter emitido uma licença especial de ruído, em Quarteira, no período entre 01/07 e 31/08 de 2004, entre as 20H00 e as 24H00, assim como, quando não promovidas pela própria Câmara Municipal de Loulé, a mesma tem emitido licenças especiais de ruído, não é de imputar qualquer erro de julgamento à sentença recorrida, não incorrendo na violação das disposições do artigo 3.º, e) da Lei n.º Lei n.º 75/2013, de 12/09, nem do disposto no seu artigo 16.º, n.º 3, c).

Nem tão pouco se encontra demonstrado que as licenças emitidas respeitem unicamente a atividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes, por existirem outras atividades ruidosas.

Em terceiro lugar, no que respeita ao erro de julgamento de direito importa analisar o acerto da decisão recorrida no que respeita à condenação da Entidade Demandada à realização de medições dos níveis de ruído, para verificação da sua conformidade com os valores limites de exposição ao ruído, considerando a natureza dos direitos que carecem de ser protegidos.

O que exige dilucidar a concreta matéria de facto que foi dada como provada na sentença recorrida.

Como decorre do teor da alínea f) do julgamento da matéria de facto, há mais de 50 anos que se realizam na Praça do Mar, junto à residência do Autor, diverso tipo de eventos e espetáculos musicais, constituindo um ponto de encontro para a população residente e ocasional.

Desde 2004 até à presente data, com especial incidência no período de Verão, a Praça do Mar tem sido utilizada para a realização de eventos e nela têm sido instalados palcos para esse efeito, como a transmissão em direto dos jogos de futebol do Campeonato Europeu de Futebol, em junho de 2004, através da instalação de ecrãs na Praça do Mar (vide alíneas g) e h) do probatório).

Também em junho de 2004 foi concedida uma licença especial de ruído, tendo por objeto a animação de rua, com início em 01/07/2004 e termo em 31/08/2004, entre as 20H00 e as 24H00 (alínea i) dos factos assentes).

Além de, desde 2004, serem realizados na Praça do Mar eventos, espetáculos e festividades, com caráter esporádico e disperso ao longo do ano, que produzem ruído, que incluem, habitualmente, a passagem do ano, o Carnaval, as comemorações do 25 de Abril, as comemorações do Dia da Cidade de Quarteira, a festa do Pescador, com espetáculos de variedades (três dias) (alínea j) do probatório).

Encontra-se provado que, desde 2004, têm sido realizados na Praça do Mar, na época de Verão, em especial nos meses de julho e agosto, com caráter frequente, eventos, espetáculos e festividades que produzem ruído, normalmente ligados ao teatro, à música ligeira e à dança (alínea k) dos factos assentes).

Para a realização dos eventos, espetáculos e festividades referidas nas alíneas j) e k), quando não promovidos pela própria Câmara Municipal de Loulé, a mesma tem emitido licenças especiais de ruído.

Além de que, desde 2004, em julho e agosto, são realizadas na Praça do Mar sessões de fitness (zumba, ginástica ou aeróbica), acompanhadas com música, a partir das 9H30.

Todos os citados eventos produzem ruído que se ouve na residência do Autor e que o incomoda, a si e ao seu agregado familiar, sendo esse ruído a causa da afetação e perturbação do descanso, do repouso, do sono e da tranquilidade do Autor, da sua mulher e da sua filha, prejudicando a sua saúde e o seu bem-estar (alíneas n) e o) do julgamento da matéria de facto).

A realização destes eventos ruidosos provoca ainda ansiedade e sentimento de revolta no Autor.

O que justifica que em junho de 2004, o Autor tenha apresentado uma reclamação dirigida à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve sobre o ruído produzido pelos eventos que estavam a ter lugar na Praça do Mar e que em junho de 2005, tenha apresentado uma reclamação dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de Loulé sobre o ruído produzido pelos eventos que estavam a ter lugar na Praça do Mar (alíneas q) e r) do probatório).

Por outro lado, resultou como facto não provado que o ruído produzido pelos vários eventos que se realizam na Praça do Mar ultrapassa os limites máximos fixados por lei, assim como que a saúde da esposa do Autor se tenha agravado desde julho de 2008 por causa do ruído provocado pelo ruído.

Considerando a concreta matéria de facto julgada provada e não provada, importa analisar do alegado erro de julgamento de direito da sentença recorrida.

Nos termos em que o Autor instaurou a presente ação administrativa, a mesma visa a condenação da Entidade Demandada à adoção e à abstenção de comportamentos e das condutas necessárias para a cessação das fontes de ruído que causam incomodidade ao Autor e ao seu agregado familiar, concretamente, os eventos e espetáculos musicais que se realizam há mais de 50 anos na Praça do Mar, junto à residência do Autor, e cuja frequência e intensidade se tem vindo a agravar nos últimos anos.

A presente ação vem fundada na violação dos direitos ao sossego, ao repouso, ao descanso, ao sono e à tranquilidade, os quais, integrando os direitos de personalidade, tutelados pelo artigo 70.º do Código Civil, constituem uma emanação do direito à integridade moral e física e moral das pessoas e do direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado, e à qualidade de vida, os quais se integram, através destes, no direito à saúde, cuja natureza é análoga à dos direitos fundamentais – artigos 25.º, 64.º e 66.º da CRP, artigo 22.º da Lei n.º 11/87, de 07/04 (Lei de Bases do Ambiente) e artigo 11.º da Lei 19/2014, de 14/04 (novas bases da política de ambiente).

À luz dos citados normativos, constitui tarefa fundamental do Estado e das autarquias locais, nos termos da Constituição e da Lei de Bases do Ambiente, a prevenção do ruído e o controlo da poluição sonora, visando a salvaguarda da saúde humana, o ambiente, a qualidade de vida e o bem-estar das populações.

É o próprio Estado que reconhece que o ruído, como estímulo sonoro sem conteúdo informativo para o auditor, que lhe é desagradável ou que o traumatiza, constitui um dos principais fatores de degradação da qualidade de vida e, como tal, representa um elemento importante a considerar no contexto da saúde ambiental e ocupacional das populações (cfr. preâmbulos do D.L. n.º 251/87, de 24/06, do D.L n.º 292/2000, de 14/11 e do D.L. n.º 9/2007, de 17/01).

No entanto, considerando a natureza dos direitos de personalidade invocados, não basta ao Autor invocar a sua titularidade, tendo de demonstrar ser titular de um direito subjetivo público ou de um interesse protegido por normas de direito administrativo, ou seja, de uma situação jurídica subjetiva diretamente decorrente de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, que o legitimem a exigir da Entidade Demandada o cumprimento de um dever (correlativo desse direito) ou uma atuação conforme com a norma protetiva desse interesse.

Atendendo ao período temporal abrangido na presente ação, os espetáculos, diversões, manifestações desportivas, feiras e mercados realizados, estavam sujeitos ao regime legal da poluição sonora que resultava do Regulamento Geral do Ruído (RGR), aprovado pelo D.L. n.º 292/2000, de 14/11 (com as alterações introduzidas pelo D.L. n.º 259/2002, de 23/11), a que sucedeu o regime de prevenção e controlo da poluição sonora estabelecido pelo Regulamento Geral do Ruído (doravante, RGR), aprovado pelo D.L. n.º 9/2007, de 17/01 (retificado pela Declaração de Retificação n.º 18/2007, de 16/03 e alterado pelo D.L. n.º 278/2007, de 01/08), que revogou o anteriormente vigente [artigo 1.º, n.º 2, e) do RGR de 2000 e artigo 2.º, n.º 1, f), do RGR de 2007].

Nos termos de ambos os citados RGR, tais eventos – espetáculos, festas ou outros divertimentos, manifestações desportivas, feiras e mercados – integram-se no conceito de «actividades ruidosas temporárias», enquanto atividades que, não constituindo um ato isolado, têm carácter não permanente e que produzem ruído nocivo ou incomodativo para quem habita ou permanece em locais onde se fazem sentir os efeitos dessa fonte de ruído [cfr. artigo 3.º, n.º 3, b), do RGR de 2000 e artigo 3.º, b) e d), do RGR de 2007].

Nos termos neles previstos, compete, ainda que não exclusivamente, às autarquias locais, no quadro das suas atribuições e das competências dos respetivos órgãos, promover as medidas de caráter administrativo e técnico adequadas à prevenção e controlo da poluição sonora, nos limites da lei e no respeito do interesse público e dos direitos dos cidadãos e tomar as medidas adequadas para o controlo e minimização dos incómodos causados pelo ruído resultante de quaisquer atividades, incluindo as que ocorram sob a sua responsabilidade ou orientação [cfr. artigo 2.º, n.ºs 1 e 3, do RGR de 2000 e artigo 4.º, n.ºs 1 e 3, do RGR de 2007].

Também compete aos municípios, ainda que não exclusivamente, no âmbito das suas atribuições e competências, designadamente quando tenha emitido licenças especiais de ruído, a fiscalização do cumprimento das normas previstas no RGR e, sendo o caso, a adoção de medidas cautelares, o processamento das contraordenações e a aplicação das coimas e sanções acessórias em matéria de atividades ruidosas temporárias [cfr. artigos 19.º, n.º 1, e 24.º, n.º 1, do RGR de 2000 e artigos 26.º, d), 27.º, 28.º, n.º 1, a), b) e c), e 30.º, n.º 2, do RGR de 2007].

Do mesmo modo, ambos os RGR estabelecem a proibição do exercício de atividades ruidosas temporárias na proximidade de edifícios de habitação: aos sábados, domingos e feriados; e nos dias úteis, entre as 18H00 e as 7H00 no RGR de 2000, e entre as 20H00 e as 8H00 no RGR de 2007 [cfr. artigo 9.º, n.ºs 1 e 3 do RGR de 2000 e artigo 14.º do RGR de 2007].

Acrescentava, porém, o RGR na sua redação de 2002, especificamente, que a realização de espetáculos de diversão, feiras, mercados ou manifestações desportivas na proximidade de edifícios de habitação era interdita em qualquer dia ou hora (cfr. artigo 9.º, n.º 3).

No entanto, ambos os regimes salvaguardaram a possibilidade de autorização do exercício destas atividades ruidosas temporárias na proximidade de habitações e designadamente, destes eventos às horas sujeitas a interdição, em que por regra não seria admissível qualquer fonte de ruído nocivo ou incomodativo, em «casos excepcionais» [expressão introduzida pelo RGR de 2007] e «devidamente justificados», mediante emissão de licença especial de ruído a conceder pelo respetivo município [cfr. artigo 9.º, n.ºs 2 e 3, do RGR de 2000 e artigo 15.º, n.º 1, do RGR de 2007].

Tratando-se, porém, do exercício de uma atividade ruidosa temporária na proximidade de edifícios de habitação promovida pelo município, ela não carecerá de licença especial de ruído, à luz do RGR de 2007, apesar de ficar sujeita aos valores limites fixados no n.º 5 do artigo 15.º deste diploma, ou seja, condicionada ao respeito nos recetores sensíveis – no caso concreto, no edifício habitacional do Autor [artigo 3.º, alínea q)] - do valor limite do indicador LAeq do ruído ambiente exterior de 60 dB(A) no período do entardecer e de 55 dB(A) no período noturno [cfr. artigo 15.º, n.º 7, a), do RGR de 2007].

Extrai-se ainda do quadro legal aplicável, nos termos do artigo 31.º, n.º 3, do RGR de 2007, que os espetáculos de natureza desportiva e os divertimentos públicos nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre se realizam nos termos do disposto no D.L. n.º 310/2002, de 18/12 (alterado pelo D.L. n.º 9/2007, de 17/01), sendo este que regula, especificamente, o regime jurídico do licenciamento do exercício e da fiscalização pelas câmaras municipais de atividades diversas anteriormente cometidas aos governos civis, entre as quais a realização de espetáculos desportivos e de divertimentos públicos nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre [artigo 1.º, f)].

Nos termos do artigo 30.º, n.º 1, do D.L. n.º 310/2002, de 18/12, sob a epígrafe «espectáculos e actividades ruidosas», as bandas de música, grupos filarmónicos, tunas e outros agrupamentos musicais não podem atuar nas vias e demais lugares públicos dos aglomerados urbanos entre as 0 e as 9 horas.

Segundo o n.º 2 do citado artigo 30.º do D.L. n.º 310/2002, o funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projetem sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários, só poderá ocorrer entre as 9 e as 22 horas e mediante a autorização referida no artigo 32.º.

Nos termos do n.º 3 deste artigo 30.º, o funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projetem sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários, fica ainda sujeito às seguintes restrições:

a) Só pode ser consentido por ocasião de festas tradicionais, espetáculos ao ar livre ou em outros casos análogos devidamente justificados;

b) Cumprimento dos limites estabelecidos no n.º 5 do artigo 15.º do RGR, quando a licença é concedida por período superior a um mês (sendo que, na redação inicial, se proibia apenas as emissões desproporcionalmente ruidosas que não cumprissem os limites estabelecidos no Regulamento Geral do Ruído).

Determinava, por seu turno, o artigo 32.º, regulando os «condicionamentos» a que ficam sujeitos estas atividades ruidosas temporárias, na sua redação inicial, no n.º 1, que a realização de festividades, de divertimentos públicos e de espetáculos ruidosos nas vias e demais lugares públicos só pode ser permitida nas proximidades de edifícios de habitação, escolares e hospitalares ou similares, bem como de estabelecimentos hoteleiros e meios complementares de alojamento, desde que respeitando os limites fixados no regime aplicável ao ruído.

Prescrevia, no n.º 2, que quando circunstâncias excecionais o justificassem, podia o presidente da câmara permitir o funcionamento ou o exercício contínuo dos espetáculos ou atividades ruidosas proibidas nas proximidades de edifícios de habitação, mediante a atribuição de uma licença especial de ruído.

Determina na redação atual o artigo 32.º, n.º 1, que sem prejuízo do disposto no n.º 2 (que proíbe o funcionamento ou o exercício contínuo dos espetáculos ou atividades ruidosas nas vias públicas e demais lugares públicos na proximidade de edifícios hospitalares ou similares ou na de edifícios escolares durante o respetivo horário de funcionamento), a realização de festividades, de divertimentos públicos e de espetáculos ruidosos nas vias públicas e demais lugares públicos nas proximidades de edifícios de habitação só é permitida quando, cumulativamente:

a) Circunstâncias excecionais o justifiquem;

b) Seja emitida, pelo presidente da câmara municipal, licença especial de ruído;

c) Respeite o disposto no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, quando a licença é concedida por período superior a um mês.

Destas licenças especiais de ruído devem, de qualquer forma, constar a referência ao seu objeto, a fixação dos respetivos limites horários e as demais condições julgadas necessárias para preservar a tranquilidade das populações.

Assim, estando em causa festividades, divertimentos públicos e espetáculos ruidosos, as normas do D.L. n.º 310/2002, de 18/12, carecem de ser conjugadas com as normas do Regulamento Geral do Ruído aplicável.

Considerando a situação concreta do presente litígio, na Praça do Mar, em Quarteira, por ser um lugar público nas proximidades de edifícios de habitação, mostram-se aplicáveis as seguintes vinculações, nos termos vertidos na sentença recorrida:

1.ª) É proibida, por regra, a realização de festividades, divertimentos públicos e espectáculos ruidosos, em qualquer dia e em qualquer hora (artigo 9.º, n.º 3, do Regulamento Geral do Ruído de 2000 e artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, que prevalece sobre a restrição horária prevista no artigo 14.º do Regulamento Geral do Ruído de 2007);

2.ª) A realização destas actividades pode, porém, ser autorizada excepcionalmente por meio de licença especial de ruído, a emitir nos termos do Regulamento Geral do Ruído, em casos («excepcionais» e) devidamente justificados (artigo 32.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, artigo 9.º, n.º 3, do Regulamento Geral do Ruído e artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído de 2007);

3.ª) Compete à câmara municipal a fiscalização do cumprimento das normas previstas no Regulamento Geral do Ruído, a aplicação de medidas cautelares, o processamento das contra-ordenações e a aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria de actividades ruidosas temporárias [cfr. artigos 26.º, alínea d), 27.º, 28.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 30.º, n.º 2, do Regulamento Geral do Ruído de 2007].”.

O Autor pretende que o Município demandado seja condenado:

a) A abster-se de realizar eventos musicais ruidosos na Praça do Mar aos sábados, domingos e feriados e nos dias úteis entre as 20 horas e as 8 horas (admitindo porém, algo contraditoriamente, como “tolerável”, a sua realização num fim-de-semana por mês à noite, “desde que não ultrapasse os valores de ruído legalmente previstos”);

b) A (fazer) cessar as sessões de zumba e ginástica musical que têm lugar, na Praça do Mar, a partir das 9 horas da manhã, durante os meses de Julho e Agosto (“uma vez que o ruído ultrapassa o legalmente permitido”);

c) A abster-se de emitir licenças especiais de ruído temporário para a realização de eventos na Praça do Mar;

d) A realizar medições acústicas para verificação do cumprimento dos valores limites de exposição ao ruído, sempre que tenham lugar actividades ruidosas temporárias na Praça do Mar.”.

Como decidido na sentença ora recorrida, “ficou provado que o município demandado, desde, pelo menos, 2004, tem promovido e autorizado (mediante a emissão de licenças especiais de ruído) a realização de eventos ruidosos na Praça do Mar, em Quarteira, e nomeadamente de espectáculos, diversões, manifestações desportivas, feiras e mercados.

E sabe-se que estas actividades ruidosas, que são meramente temporárias (e não permanentes), apesar de serem esporádicas e se dispersarem ao longo do resto do ano, têm um carácter frequente e reiterado durante o período de Verão, principalmente nos meses de Julho e Agosto [cfr. alíneas j) e k) dos factos provados].

Ficou ainda provado que estes eventos produzem um ruído incomodativo para o autor e para o seu agregado familiar, na casa que lhe serve de habitação, onde se fazem sentir os efeitos dessa fonte de ruído, perturbando o seu sono, descanso e repouso e, nessa medida, a sua saúde e o seu bem-estar [cfr. alíneas m) e o) dos factos provados].

Ora, a entidade demandada está (e estava) sujeita à regra geral que proíbe a realização de festividades, divertimentos públicos e espectáculos ruidosos na Praça do Mar, em qualquer dia e em qualquer hora, por se tratar de um lugar público nas proximidades de edifícios de habitação (artigo 9.º, n.º 3, do Regulamento Geral do Ruído de 2000 e artigo 32.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, que não estabelece qualquer regime de permissão horária).

Mas pode (e podia) autorizar (e logo, promover) excepcionalmente a realização destes eventos, por meio de licença especial de ruído a emitir nos termos do Regulamento Geral do Ruído, ainda que apenas quando as circunstâncias lhe permitam (ou permitissem) concluir estar na presença de casos «excepcionais» e «devidamente justificados».

Com efeito, o artigo 32.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro e o artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído de 2007 (bem como, anteriormente, o artigo 9.º, n.º 3, do Regulamento Geral do Ruído de 2002) conferem ao órgão municipal competência para autorizar – e nessa medida, para promover – a realização destes eventos ruidosos (espectáculos de diversão, feiras, mercados ou manifestações desportivas), ainda que na proximidade de edifícios de habitação, apesar de condicionarem o seu exercício à verificação dos pressupostos da hipótese normativa – concretamente, a existência de «circunstâncias excepcionais» que o justifiquem – e de exigirem a necessária licença especial de ruído e o cumprimento dos valores limite fixados no Regulamento Geral do Ruído estabelecidos no artigo º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, quando a licença é concedida por período superior a um mês.

Ora, esta hipótese normativa utiliza um conceito impreciso - «circunstâncias excepcionais [que] o justifiquem» (ou, paralelamente, «casos excepcionais e devidamente justificados») – cujo preenchimento cabe (e cabia) exclusivamente ao órgão municipal competente para a emitir a licença especial de ruído, exigindo dele, como julgamos, a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, em ordem à realização do interesse público vertido nas normas em causa, finalisticamente ordenadas à prevenção e controlo da poluição sonoro e à salvaguarda da saúde humana e o bem- estar das populações.

O preenchimento dos pressupostos desta previsão normativa requer, pois, a integração casuística deste conceito indeterminado, apenas possível nas circunstâncias de cada caso concreto, que apela a um juízo próprio do órgão administrativo decisor que, não se bastando com critérios de interpretação jurídica, de natureza técnica ou conhecimentos da experiência comum, o remete para espaços de decisão e de liberdade de apreciação administrativa, que lhe permitirão aferir se os motivos invocados se subsumem (ou não), por se tratarem de «circunstâncias excepcionais» e situações «devidamente justificadas», naquela hipótese normativa e se justificam, excepcionalmente, a realização destes eventos ou a concessão da licença especial de ruído requerida.

E este juízo de avaliação sobre a relevância e a adequação dos motivos invocados e das circunstâncias do caso concreto ao escopo da norma pressupõe o uso da margem de livre apreciação administrativa (que doutrinalmente pode ser englobada no conceito unitário e amplo de discricionariedade como espaço de decisão da responsabilidade da Administração, decorrente de uma indeterminação legal – cfr., sobre o assunto, José Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, Almedina, 2006), limitada apenas, no caso, pelo carácter necessariamente «excepcional» das circunstâncias em causa e pela obrigação de não se prejudicarem ou alterarem significativamente os objectivos subjacentes à regra geral da qual resulta a proibição da realização destes eventos enquanto fonte de ruído susceptível de causar incomodidade.

É, de qualquer forma, ao órgão municipal competente, e apenas a ele, que caberá apreciar e decidir, dentro da sua margem de livre apreciação, se o caso concreto se integra ou não neste conceito indeterminado – «circunstâncias excepcionais [que] justifiquem a realização do evento» – ainda que esteja obrigado a actuar com respeito pelos princípios da igualdade, imparcialidade, proporcionalidade, justiça e boa fé.

Não pode, pois, o tribunal proceder ao reexame da situação ou apreciar se, em cada caso, se verificaram ou não, ou se se verificarão ou não, tais «circunstâncias excepcionais»: cabe-lhe apenas a fiscalização da legalidade da actuação da entidade demandada em causa, sem que, porém, possa definir ou limitar os termos em que deverá ter lugar a aplicação e a integração deste conceito indeterminado, e menos ainda para futuro, como afinal pretende o autor.

Com efeito, no respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos, no exercício da função jurisdicional, julgam apenas do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação (artigo 111.º da Constituição da República Portuguesa e 3.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Deste modo, não tendo sido alegada, ou pelo menos suficientemente consubstanciada, a violação de qualquer dos princípios jurídicos fundamentais a que a Administração está vinculada, nem tendo sido invocada a existência de um erro manifesto de apreciação quanto ao preenchimento dos pressupostos da norma que autoriza o exercício destas actividades ruidosas temporárias, em termos de subsunção da situação concreta no dito conceito indeterminado, não se pode concluir que a actuação da entidade demandada, ao promover ou autorizar a realização dos eventos que tiveram lugar desde 2004, seja ilegal ou ilícita.

Não ficou, pois, demonstrado que a entidade demandada, ao promover e autorizar a realização desses eventos, tenha violado qualquer das normas e princípios jurídicos (de direito administrativo) aplicáveis.

Aliás, mesmo sabendo que esses eventos ruidosos tiveram lugar de forma frequente e reiterada nos meses de Julho e Agosto, não pode ainda assim concluir-se estarem excluídos da previsão da norma, quando é o próprio legislador que admite a emissão de licença especial de ruído por um período (contínuo) superior a um mês [cfr. artigo 32.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, e artigo 15.º, n.º 5, do Regulamento Geral do Ruído].

É certo que o autor provou que o ruído produzido pelos eventos em causa o incomoda a si e aos demais membros do seu agregado familiar, perturbando o seu descanso, o repouso, o sono e a tranquilidade e, nessa medida, a sua saúde e bem-estar. Mas não comprovou que o ruído produzido por tais eventos tenha, efectivamente, excedido os valores limites fixados no Regulamento Geral do Ruído ou nas próprias licenças especiais de ruído.

De qualquer forma, se o legislador atribuiu à entidade demandada o poder de decidir no caso concreto e individual se estão ou não reunidos os pressupostos (excepcionais) que admitem a realização destes eventos (isto é, se se trata ou não de um «caso excepcional e devidamente justificado»), não pode o tribunal impedi-la de exercer esta competência, intimando-a a abster-se em absoluto de promover ou de emitir licenças especiais de ruído para a realização dos mesmos.

E nessa medida, não pode o tribunal impor, como inicialmente pretendia o autor, que o município demandado se abstenha de utilizar a Praça do Mar para a “prática de todos os eventos ruidosos em que sejam utilizadas aparelhagens sonoras” ou, como depois melhor concretizou, que se abstenha de promover eventos musicais ruidosos nesse local em determinados dias ou horários, ou de emitir licenças especiais de ruído para os mesmos.

Como igualmente não pode intimá-lo a cessar ou fazer cessar as sessões de zumba e ginástica musical que têm lugar, na Praça do Mar, a partir das 9 horas da manhã, durante os meses de Julho e Agosto, quando, aliás, se desconhece, por não ter sido alegado nem demonstrado, qual seja a entidade que promove tais sessões.

Pode, sim e apenas, condená-lo a exercer as competências que lhe estão conferidas na lei em matéria de fiscalização do cumprimento do Regulamento Geral do Ruído [cfr. artigos 26.º, alínea d), 27.º, 28.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 30.º, n.º 2, do Regulamento Geral do Ruído de 2007].

E nessa medida, pode condená-lo a realizar medições acústicas para verificação do cumprimento dos valores limites de exposição ao ruído, sempre que promova ou emita licenças especiais de ruído para a realização destas actividades ruidosas temporárias na Praça do Mar, cumprindo o disposto no artigo 11.º, n.º 4, do Regulamento Geral do Ruído de 2007, junto do edifício habitacional do autor - que integra o conceito de «receptor sensível» à luz da alínea q) do artigo 3.º do Regulamento Geral do Ruído de 2007 - para efeitos de avaliação do grau de incomodidade e de verificação de conformidade dos valores fixados no Regulamento Geral do Ruído ou nas eventuais licenças especiais de ruído que venham a ser emitidas.”.

A decisão ora recorrida não enferma do erro de julgamento de direito invocado pelo Recorrente, pelo que, é de manter.

Como decorre do quadro legal aplicável, previsto no D.L. n.º 310/2002, de 18/12, os arraiais, romarias, bailes, provas desportivas e outros divertimentos públicos organizados nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre, como as bandas de música, grupos filarmónicos, tunas e outros agrupamentos musicais, não podem atuar nas vias e demais lugares públicos dos aglomerados urbanos entre as 0 e as 9 horas (artigo 30.º, n.º 1).

Especificamente no tocante “Espectáculos e actividades ruidosas”, o funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projetem sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários, só poderá ocorrer entre as 9 e as 22 horas e mediante a autorização referida no artigo 32.º (artigo 30.º, n.º 2), ficando sujeito às seguintes restrições, previstas no artigo 30.º, n.º 2:

a) Só pode ser consentido por ocasião de festas tradicionais, espectáculos ao ar livre ou em outros casos análogos devidamente justificados;

b) Cumprimento dos limites estabelecidos no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, quando a licença é concedida por período superior a um mês.

No que se refere aos demais “Condicionamentos”, nos termos previstos no artigo 32.º do citado D.L. n.º 310/2002, de 18/12:

1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a realização de festividades, de divertimentos públicos e de espectáculos ruidosos nas vias públicas e demais lugares públicos nas proximidades de edifícios de habitação, escolares durante o horário de funcionamento, hospitalares ou similares, bem como estabelecimentos hoteleiros e meios complementares de alojamento só é permitida quando, cumulativamente:

a) Circunstâncias excepcionais o justifiquem;

b) Seja emitida, pelo presidente da câmara municipal, licença especial de ruído;

c) Respeite o disposto no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, quando a licença é concedida por período superior a um mês.

2 - Não é permitido o funcionamento ou o exercício contínuo dos espectáculos ou actividades ruidosas nas vias públicas e demais lugares públicos na proximidade de edifícios hospitalares ou similares ou na de edifícios escolares durante o respectivo horário de funcionamento.

3 - Das licenças emitidas nos termos do presente capítulo deve constar a referência ao seu objecto, a fixação dos respectivos limites horários e as demais condições julgadas necessárias para preservar a tranquilidade das populações.”.

Considerando que no caso do presente litígio está em causa a emissão de múltiplas atividades ruidosas junto a habitações, as quais são frequentes e habituais, sobretudo no período do verão, quer no período diurno, quer no período noturno, será de recusar que se verifique o âmbito da norma que prevê uma atividade ruidosa meramente esporádica ou pontual, sem carater de continuidade ou de repetição.

Nos termos do artigo 32.º, n.º 1 do D.L. n.º 310/2002, de 18/12, a realização de festividades, de divertimentos públicos e de espetáculos ruidosos nas vias públicas e demais lugares públicos nas proximidades de edifícios de habitação, só é permitida quando, cumulativamente: a) Circunstâncias excecionais o justifiquem; b) Seja emitida, pelo presidente da câmara municipal, licença especial de ruído; c) Respeite o disposto no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, quando a licença é concedida por período superior a um mês”, não decorrendo do julgamento da matéria de facto que a Entidade Demandada tenha emitido qualquer juízo sobre a excecionalidade das circunstâncias.

Acresce que segundo o disposto no artigo 32.º, n.º 3 do D.L. n.º 310/2002, de 18/12, das licenças emitidas deve constar a referência ao seu objeto, a fixação dos respetivos limites horários e as demais condições julgadas necessárias para preservar a tranquilidade das populações, não podendo a tranquilidade das populações deixar de ser um valor a tutelar no ato de licenciamento.

Por conseguinte, aferindo-se que a Entidade Demandada não formulou qualquer juízo acerca da excecionalidade das circunstâncias, que justifique a emissão das várias licenças especiais de ruído que têm sido emitidas para a Praça do Mar, que segundo demonstrado em juízo, é um local essencialmente residencial, nem que, mesmo após a apresentação de reclamação pelo Autor, foi ponderado o valor e o direito à preservação da tranquilidade das populações residentes, sendo realizados eventos ruidosos com caráter frequente, em especial nos meses de julho e agosto, impõe-se que dê pontual cumprimento às prescrições legais aplicáveis, acautelando os direitos de personalidade do Autor e da sua família, na vertente do direito ao repouso, ao sossego e à tranquilidade.

Nestes termos, será de manter a sentença recorrida, na parte em que condena a Entidade Demandada a preservar o direito ao sossego e à tranquilidade do Autor e da sua família, nos termos e com as vinculações que ora se prescrevem, isto é, que aquando a emissão de cada licença especial de ruído, seja ponderado e emitido um juízo não apenas sobre a excecionalidade das circunstâncias, mas também sobre o direito à tranquilidade das populações.

Ao contrário do que parece entender a Entidade Demandada, a lei não prevê a realização de atividades ruidosas nas proximidades de zonas habitacionais de forma livre e incondicionada, pelo que, não obstante o condicionamento previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 32.º do D.L. n.º 310/2002, de 18/12, não ser aplicável às licenças especiais de ruído concedidas por período igual ou inferior a um mês – como será o caso das várias licenças emitidas pelo Município de Loulé, sobretudo nos meses de julho e de agosto de cada ano, que terão duração inferior a um mês –, não deixam de ser aplicáveis outros condicionamentos legais, que impõem a tutela do valor ao sossego e à tranquilidade em certas zonas, como as destinadas a habitação.

Os direitos de personalidade, ao sossego e à tranquilidade, não podem deixar de ser acautelados no contexto da emissão de licenças especiais de ruído, considerando as múltiplas limitações e condicionamentos legais previstos que, em princípio e salvo a existência de circunstâncias excecionais e devidamente ponderosas, vedam as atividades ruidosa em zona habitacional.

Por isso, apenas no caso de ser formulado um juízo do foro administrativo atinente à excecionalidade das circunstâncias, será de admitir atividades ruidosas em zonas habitacionais.

O que não foi feito, ao longo dos anos, pelo Município de Loulé, o qual, segundo a factualidade provada em juízo, tem emitido variadas licenças especiais de ruído desde 2004 até, pelo menos, 2017 (data da sentença recorrida), pelo menos nos meses de julho e de agosto, com caráter frequente, sem adotar quaisquer medidas ou pautar a sua atuação licenciadora à luz do parâmetro normativo de vinculação legal, que impõe que sejam adotadas as “condições julgadas necessárias para preservar a tranquilidade das populações.”, nos termos do artigo 32.º, n.º 3 do D.L. n.º 310/2002, de 18/12.

Nestes termos, com as vinculações ora explanadas, será de julgar improcedente, por não provado, o erro de julgamento de direito dirigido contra a sentença recorrida, sendo de manter a condenação da Entidade Demandada a pautar a sua atuação em respeito pelas prescrições legais, que condicionam a emissão da licença especial de ruído à emissão de um juízo de excecionalidade das circunstâncias e à preservação da tranquilidade das populações, em particular, do Autor e sua família, se para tanto necessário, à realização da medição dos níveis de ruído tendo por referência a residência do Autor.

Pelo que, improcedem, por não provados, os fundamentos do recurso invocados pelo Recorrente.


*

O que implica que seja de negar provimento ao recurso interposto pelo Entidade Demandada.

B. Recurso do Autor

1. Contradição entre os factos provados, a fundamentação e a decisão

Discordando da sentença recorrida, o Autor veio também interpor recurso jurisdicional, na parte do seu respetivo decaimento, invocando existir contradição entre os factos dados como provados, a fundamentação e a decisão.

Alega que quanto aos factos provados em 3 a 5 e 7 a 16 existe contradição com a fundamentação e com as normas aplicáveis.

Vejamos.

De acordo com a alegação recursiva e as respetivas conclusões elaboradas pelo Recorrente, não vem invocada a nulidade decisória da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1 do CPC, não sendo alegada a nulidade da sentença, nem indicada a citada disposição legal pertinente, limitando-se o Recorrente a entender existir uma contradição entre a fundamentação da sentença e entre esta e a decisão proferida.

No entanto, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º do CPC, constituindo fundamento da nulidade da sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, importa analisar se assiste razão ao ora Recorrente.

O que decorre da alegação do Recorrente consiste na sua discordância quanto ao modo em que o Tribunal a quo procedeu à valoração da matéria de facto provada, entendendo que os factos provados devem conduzir a julgamento diferente, de condenação da Entidade Demandada no pedido ao pagamento de uma indemnização pelos danos causados.

Considerando o fundamento do recurso, não está em causa apurar se o Recorrente tem ou não razão quanto à pretensão indemnizatória formulada, mas antes indagar da alegada contradição.

Compulsando a sentença recorrida dela decorre a apreciação da pretensão deduzida pelo Autor à luz do instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos do Município de Loulé.

Decidiu-se que por não ter ficado provada a violação de qualquer norma ou princípio jurídico, não pode proceder a pretensão indemnizatória, em face do juízo de não prova da ilicitude.

Tal deriva de ter sido julgado como facto não provado no ponto 1), que o ruído produzido pelos eventos realizados na Praça do Mar tenha ultrapassado os limites máximos fixados na lei.

Tal julgamento não enferma de qualquer contradição, não se podendo entender que o juiz tenha fundamentado de facto a sua decisão e tenha fundamentado de direito em sentido oposto ou divergente, nem sequer que exista uma oposição entre a fundamentação de direito e a decisão que foi proferida.

Independentemente do acerto ou não do julgamento a respeito da pretensão indemnizatória, não existe qualquer oposição entre o julgamento da matéria de facto provada e não provada, nem entre o julgamento de facto e o julgamento de direito, nem entre a fundamentação e o dispositivo da sentença recorrida.

Por isso, o teor da sentença recorrida não permite afirmar que o juiz a quo tenha incorrido em contradição, em termos que enfermem a sentença recorrida de nulidade decisória.

No demais, a existir erro de julgamento, o mesmo dirá respeito ao erro de julgamento de direito da questão decidenda, nos termos em que igualmente se mostra alegado como fundamento do recurso pelo Autor, ora Recorrente, que infra se apreciará.

Termos em que, será de julgar improcedente, por não provado, o fundamento do recurso.

2. Erro na apreciação da prova, existindo a violação dos direitos fundamentais à saúde, ao repouso e ao sono normal, integrados no direito à vida, protegidos pelos direitos de personalidade, previstos no artigo 70.º do CC

No demais, defende o Autor que da factualidade provada não faltam elementos para que fosse formulado um juízo de condenação nos termos peticionados e que dos factos 10 a 16 do julgamento de facto extrai-se a existência de uma poluição sonora absolutamente inaceitável, que infringe grosseiramente o Regulamento Geral do Ruído e que prejudica gravemente a saúde do Autor.

Sustenta que em face da factualidade dada como provada deve concluir-se que o Recorrente foi ofendido no seu direito de personalidade, na vertente do direito ao repouso e a uma vida de qualidade e sadia, não sendo decisivo efetuarem-se medições acústicas para saber se os valores do ruído violaram ou não o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do D.L. n.º 292/2000, pois o que releva é que o ruído produzido perturba o repouso e o sono do Recorrente.

Por isso, entende existir um erro notório na apreciação da prova, porque de acordo com o texto da decisão recorrida ou conjugado com as regras de experiência comum, se chega à conclusão contrária a que o tribunal chegou.

Entende existir a violação dos direitos fundamentais.

Vejamos.

Nos termos da alegação recursiva do Recorrente, é entendido que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito no tocante à apreciação da prova, não existindo falta de elementos para que a Entidade Demandada seja condenada ao pagamento da indemnização peticionada, por danos patrimoniais e não patrimoniais, em consequência dos direitos ao repouso, ao sossego e à tranquilidade, integrados nos direitos de personalidade tutelados pelo artigo 70.º do CC.

A sentença recorrida decidiu pela falta de demonstração do requisito da ilicitude, aduzindo a seguinte fundamentação de direito:

Invoca, para tanto, como interpretamos, que a entidade demandada, com o seu comportamento (ou “a sua poluição sonora”), agiu ilícita e culposamente e que, por essa razão, deve ser condenada a indemnizá-lo pelos danos que alegadamente sofreu – e que liquidou em € 34.150,00 no petitório da petição inicial aperfeiçoada que apresentou em 3 de Junho de 2014, mas sem qualquer alegação fáctica (sem que a liquidação na primeira petição inicial aperfeiçoada apresentada em 29 de Junho de 2009 possa ser aproveitada, por esta peça processual ter sido anulada) - e outros danos ou prejuízos “que possam ser consequentes da presente acção”, cuja liquidação relegou para momento posterior.

Ora, atendendo à data a que respeitam os factos alegadamente integradores da responsabilidade civil que o autor pretende efectivar - que se consubstanciam, como extraímos da sua alegação, na realização (montagem dos palcos) e na autorização para a realização de eventos ruidosos na Praça do Mar - deve aplicar-se-lhes, à luz da regra do artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil (conjugado com os artigos 5.º e 6.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro), o regime que estava instituído pelo Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967.

Este diploma estabelece, como princípio geral, que o Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício (artigo 2.º, n.º 1).

E para efeitos do mesmo, como se prescreve no seu artigo 6.º, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.

Neste caso, porém, o autor não demonstrou que a entidade demandada tenha violado uma qualquer norma ou princípio jurídico, infringido uma qualquer regra de ordem técnica e de prudência comum ou incumprido um qualquer dever jurídico ou obrigação a que estivesse normativamente vinculada.

O autor não tem, note-se, um direito à não realização de eventos ruidosos na Praça do Mar, nem beneficia de uma qualquer disposição legal de direito administrativo que impeça em absoluto a realização desses mesmos eventos na Praça do Mar, os quais podem realizar-se no local, ainda que apenas quando «circunstâncias excepcionais o justifiquem» (o que, caso a caso, cabe ao órgão municipal competente apreciar).

Podia, pois, a entidade demandada autorizar, mediante a emissão de licenças especiais de ruído, a realização de espectáculos ruidosos na proximidade do edifício de habitação do autor, desde que reunidos os pressupostos legalmente previstos, que o autor não demonstrou não se verificarem no caso concreto.

Como igualmente podia ela própria promover estes eventos, desde que cumpridos os valores limites de ruído fixados, que o autor também não comprovou terem sido violados.

E nessa medida, não pode concluir-se que a entidade demandada tenha actuado ilicitamente, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro.

Falta, pois, o pressuposto da ilicitude, que é cumulativo com os demais de que depende a responsabilidade civil que o autor pretende efectivar.

Pode, por conseguinte, concluir-se, sem necessidade de mais indagações, que a entidade demandada não está obrigada a indemnizar ou a reparar os danos que o autor possa ter sofrido em consequência do ruído produzido pelos eventos que têm tido lugar na Praça do Mar, nem a ressarci-lo de despesas conexas com a instauração da presente acção.”.

Considerando a concreta matéria de facto que se dá como provada e como não provada, não pode ser outra a decisão a proferir.

Formulando o Autor o pedido de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, apenas enquadra de direito a sua pretensão nos artigos 496.º, 562.º e 569.º, do CC, nada mais aduzindo no respeitante ao enquadramento de direito da sua pretensão.

Em rigor, o Autor nem sequer invoca fundar a pretensão indemnizatória no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Município de Loulé, não invocando a aplicação do regime legal previsto no D.L. n.º 48051, de 21/11/1967, que aprova a responsabilidade civil extracontratual da Administração, nem o regime legal que o sucedeu, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, que aprova o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (RRCEE).

Consequentemente, quer a petição inicial apresentada, quer o articulado de aperfeiçoamento apresentado, são totalmente omissos quanto a enquadrar a pretensão indemnizatória na responsabilidade civil por factos ilícitos, segundo o artigo 2.º do D.L. n.º 48.051 e o artigo 7.º do RRCEE ou segundo a indemnização pelo sacrifício, nos termos do artigo 9.º do D.L. n.º 48.051 e o artigo 16.º do RRCEE, não sendo alegados os factos essenciais à procedência do pedido no respeitante aos pressupostos da responsabilidade civil, do facto, da ilicitude e do dano.

Pretendendo o Autor ser indemnizado pela imputação de factos ilícitos cometidos pelo Município de Loulé era necessária a alegação dos factos consubstanciadores da ilicitude, mediante a sua concretização factual.

A matéria de facto que consta do probatório comprova que desde 2004 são realizadas atividades ruidosas na Praça do Mar, mas segundo uma alegação genérica e pouco concretizada, que não permite ajuizar acerca do pressuposto da ilicitude.

Além de ter sido julgado não provado que o ruído produzido na Praça do Mar ultrapasse os limites máximos fixados por lei, enquanto facto relevante para a verificação do requisito da ilicitude, no respeitante ao requisito do dano, o mesmo não pode alegado de forma genérica, sem ser alicerçado em factos relativos às atividades produtoras de ruído, que se refira às datas das suas ocorrências e aos períodos abrangidos, de forma a se poder concluir as exatas circunstâncias da produção do dano.

Acresce que, embora se possa admitir que a não prova da ultrapassagem dos níveis de ruído legalmente previstos não impossibilite, só por si, a verificação do requisito da ilicitude da atuação administrativa, a demais matéria de facto julgada provada não contempla factos suficientes que permitam formular tal juízo a respeito do pressuposto da ilicitude.

Não basta que se dê como provada a realização de eventos ruidosos na Praça do Mar e que os mesmos sejam produtores de ruído que se repercutem na afetação do direito ao sossego, ao descanso e à tranquilidade do autor e da sua família, se não são concretizadas as datas e as durações de tais eventos ruidosos, nem se comprova que a Administração tenha violado qualquer norma ou princípio jurídicos.

A Administração não pode ser condenada em termos gerais ou genéricos, mas apenas mediante a prova da prática de factos ilícitos e culposos, causadores de danos.

A factualidade constante do probatório não assume a exigência de concretude necessária quer ao juízo de verificação, quer do facto ilícito, quer do dano.

Senão vejamos, considerando cada um dos factos dados como provados nas varias alíneas do probatório.

Nas alíneas f) e g) é dado como provado que há pelo menos 50 anos, mas com especial incidência, desde 2004, a Praça do Mar tem sido utilizada para a realização de eventos culturais, recreativos, desportivos, festividades, bailes, em especial no período de verão, sendo instalados palcos, o que só por si não permite fundar o direito à indemnização.

Na alínea h) provou-se que em junho de 2004 foram transmitidos em direto os jogos de futebol, através de écrans instalados na Praça do Mar, mas sem indicação dos seus respetivos horários, nem sobre a intensidade do ruído produzido, por rigorosamente nada ser aduzido, nem sequer se conduziu ao ajuntamento de pessoas, nem em que termos ou com que duração, por nada ser aduzido.

Na alínea i) foi dada como provada a emissão de uma licença especial de ruído, no período entre 01/07 e 31/08, sendo, por isso, superior a 30 dias, mas sem que se dê como provado se tal licença foi emitida apenas a favor de uma entidade, nem que não tenham sido respeitados os limites do ruído aplicáveis.

Na alínea j) é dada como provada a realização de certos eventos, com caráter esporádico e disperso ao longo do ano, sem que se desses eventos se possa formular um juízo contrário à sua excecionalidade, nem tão pouco quanto ao nível de ruído produzido.

No tocante à alínea k), dela se extrai a realização de eventos ruidosos com caráter frequente, mas sem qualquer concretização quanto às datas, períodos do dia ou horas abrangidas, nem quanto à intensidade do ruído.

Do mesmo modo que a factualidade julgada provada na alínea m) permite a formulação do juízo de ilicitude ou acerca da produção do dano, por a realização de sessões de fitness, no período da manhã, sem indicação da sua duração, nem quanto à intensidade do ruído produzido, permitir fundar, sem mais o direito à indemnização.

Mesmo a factualidade constante das alíneas n) e o), permitindo dar como provado o pressuposto do dano no caso de a indemnização ser fundada na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, é totalmente insuficiente para a demonstração do mesmo pressuposto do dano no caso de o Autor pretender fundar o direito à indemnização na responsabilidade pelo sacrifício, por desses factos não se poder extrair a produção de um qualquer dano especial e anormal na esfera jurídica do Autor e da sua família.

Assim, no caso da responsabilidade por factos ilícitos falta o requisito da ilicitude e no caso da indemnização pelo sacrifício, falta o requisito do dano especial e anormal.

Por conseguinte, não resultado provado o dano especial e anormal, a pretensão indemnizatória apenas poderia ser fundada na responsabilidade civil por factos ilícitos, que exige a demonstração do requisito da atuação ilícita da Entidade Demandada, que não se pode dar como provada em face da factualidade dada como provada e não provada.

O Autor pretende ser indemnizado pelos danos causados pelo ruído causado pelos eventos realizados na Praça do Mar, mas não logrou apresentar uma petição inicial suficientemente concretizadora dos factos essenciais à procedência do pedido, nem logrou proceder à sua demonstração, do mesmo modo que não concretizou no plano do direito a pretensão deduzida.

Daí ter existido a apresentação de um segundo articulado, o qual, viabilizando a admissibilidade da ação, por a petição inicial não ser inepta, ainda assim não dá inteira satisfação em matéria de alegação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da Entidade Demandada, cujo ónus, além do da prova, recai sobre o Autor, com reflexos sobre o juízo de procedência do pedido.

O Autor não concretiza factualmente os eventos ruidosos realizados, quer quanto às suas datas, períodos de duração (em período diurno ou noturno e qual o número de horas), nem ao impacto das atividades realizadas em termos do ruído produzido.

Por conseguinte, é insuficiente que se dê como provada a afetação do direito ao repouso, ao sossego e à tranquilidade do Autor e da sua família (dano), se não são concretizados os eventos ou atividades que causaram tais danos (facto ilícito).

Assim, não basta a demonstração dos factos vertidos nas alíneas n) e o) do julgamento da matéria de facto provada, se tais danos não assumem reflexo na factualidade provada em termos que permitam dar por verificado o requisito da ilicitude.

Como decidido, não está vedada a realização de eventos ruidosos na Praça do Mar, nem o Autor é titular de qualquer direito subjetivo a que tais eventos não se realizem.

Cabia ao Autor alegar e demonstrar os factos concretizadores dos pressupostos do direito à indemnização, o que não logrou fazer.

Nestes termos, não incorre a sentença recorrida no erro de julgamento de direito que se mostra invocado, não tendo incorrido no erro na valoração dos factos e das provas, nem em errada apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil, faltando os pressupostos, que são de verificação cumulativa, quer dos institutos da responsabilidade civil por factos ilícitos, quer da indemnização pelo sacrifício.

Pelo que, será de julgar improcedente, por não provado, o fundamento do recurso.


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O que acarreta que deva ser julgado improcedente, por não provado o recurso interposto pelo Autor.

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Termos em que, em face do todo que antecede, será de negar provimento a ambos os recursos, por não provados os seus fundamentos e em manter a sentença recorrida, embora com uma fundamentação não inteiramente coincidente e segundo as prescrições ora determinadas.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Não carece o Autor de falta de interesse processual em agir em ação administrativa fundada na tutela dos direitos ao sossego, ao repouso e à tranquilidade, integrados nos direitos de personalidade, previstos no artigo 70.º do CC, em relação às atividades ruidosas realizadas em Praça municipal, nas proximidades da sua residência.

II. A realização de atividades ruidosas em zonas habitacionais não é uma atividade livre, nem incondicionada, impondo a emissão do juízo da excecionalidade das circunstâncias e a consideração do valor da tranquilidade das populações.

III. Comprovando-se a emissão de diversas licenças especiais para a emissão do ruído em zona habitacional, de modo frequente, em especial no período do Verão, em julho e agosto, sem a formulação dos citados juízos próprios do foro administrativo, impõe-se condenar a Administração a condicionar a emissão dos referidos licenciamentos a tais juízos de excecionalidade e quanto à tranquilidade das populações, se para tanto necessário, mediante a realização de medições acústicas.

IV. A pretensão indemnizatória pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes das atividades ruidosas e da afetação dos direitos ao sossego, ao repouso e à tranquilidade, depende da verificação dos pressupostos do instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, seja considerando a responsabilidade civil por factos ilícitos, seja considerando a indemnização pelo sacrifício.

V. Faltando a verificação do requisito da ilicitude no primeiro caso e a falta de verificação do dano especial e anormal no segundo caso, não se encontram reunidos os pressupostos para a procedência do pedido.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento a ambos os recursos, por não provados os seus fundamentos e em manter a sentença recorrida, embora com diferente fundamentação, condenando o Município de Loulé a condicionar a emissão de licença especial de ruído em eventos na Praça do Mar, em Quarteira, à formulação do juízo de excecionalidade das circunstâncias e à preservação da tranquilidade do Autor, se para tanto, através da realização de medições acústicas para verificação dos níveis do ruído e, no demais, manter a absolvição da Entidade Demandada quanto ao demais peticionado.

Custas pelos Recorrentes, em partes iguais.

Registe e notifique.

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, a Relatora atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores PEDRO MARQUES e ALDA NUNES - têm voto de conformidade.


(Ana Celeste Carvalho)


(Pedro Marques)


(Alda Nunes)