Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1469/08.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/06/2025
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA (NÃO)
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DL 48051
NÃO PROVA DA ILICITUDE E DOS DANOS
Sumário:
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul
(Subsecção Comum)

I. RELATÓRIO

.... (Autora) intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa) contra o Município de Lisboa (Réu), a presente acção administrativa, sob a forma e processo ordinário, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual derivada da destruição, através dos seus funcionários ou por si contratados, de vários livros por si identificados, pedindo que o Réu seja condenado a:
a) Pagar à demandante o montante de €21.189,08 a título de indemnização por danos patrimoniais;
b) Pagar €5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;
c) Pagar a quantia de €25.139,41 a título de lucros cessantes ou danos emergentes;
d) Acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento.

No decorrer dos autos, foi admitida a intervenção acessória da empresa .... .
Em 14 de Junho de 2017, o TAC de Lisboa, proferiu sentença julgando a acção totalmente improcedente.
Inconformada a Autora, ora Recorrente, interpôs o presente recurso, terminando as Alegações com a formulação das seguintes conclusões (que se transcrevem ipsis verbis):
“A) É inequívoco que os factos essenciais invocados pela A. na P.I. são os atinentes a responsabilidade civil extracontratual do R.;
B) Bem como a aplicação aos factos do Regime a que se refere o Decreto-Lei n.° 40051;
C) O Regime abrage os actos ou omissões integrados na função administrativa do Estado e demais pessoas colectivas públicas, entre os quais o R., no domínio da gestão;
D) A ilicitude imputada pela A aos actos e omissões do R. e dos seus trabalhadores implica assumpção por este de responsabilidades;
E) Essa responsabilidade assenta no facto de a A. e a Associação terem no seu espólio e nas suas instalações sita à r. .... em Lisboa, utilização que era paga ao R, 15.000 (quinze mil) livros;
F) Esses livros foram inequivocamente transportados pelo Exercito português para as instalações da R. .... , como resulta da prova produzida em juízo; å
G) Onde se encontravam, como resulta da prova produzida em juízo;
H) Depois, foram transportados, como resulta d aprova produzida em juízo da interpretação a que o Tribunal estava vinculado a fazer, pelo R. e seus trabalhadores; e
I) Esse transporte foi efectuado como entulho;
J) Em face do exposto, a prova produzida deve ser renovada;
K) Bem como deve ser deferida a junção do Doc. 01 e confrontada Testemunha Susana Silvestre com tal documento;
L) A instrução processual não quis saber das ilegalidades no âmbito das actividades administrativas do R.;
M) As quais infringiram o dever de decisão, quer em face dos requerimentos da A, quer perante as intervenções desta documentadas em Actas do R.;
N) A ignorância e/ou o desconhecimento do R. e dos seus trabalhadores deveria ter sido valorada conta o R., nos termos legais aplicáveis;
O) O Regime estabelece critérios específicos para a actividade do R. e ðàrà as suas condutas e omissões, as quais abrangem os seus trabalhadores;
P) Sendo que o R. agiu com culpa, foi negligente e esquivou-se ao cumprimento de regras inerentes à sua actividade, como seja a demissão/omissão de decidir;
Q) A decisão recorrida está eivada de ambiguidades, omissões, obscuridades;
R) Contém, ainda, em matéria de prova contradições insanáveis
S) A sentença recorrida padece de vícios e ilegalidades de natureza processual e na recolha e apreciação da prova produzida, desvirtuando o seu sentido, omitindo fundamentação;
T) A sentença recorrida errou na formação da sua convicção, a qual não se encontra, sequer, fundamentada, evidenciando violação de lei.
Razão pela qual se considera que a sentença recorrida recorrida tem vícios e, por esse motivo, se impõe a interposição de recurso jurisdicional.
Deverá assim, respeitosamente, e com o douto suprimento de V.s. Exas. ser renovada, em sede de segunda instância, a prova, na parte requerida nas presentes alegações;
E, em sequência e em face do exposto,
Deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida”.
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O Réu, ora Recorrido, nas suas Contra-alegações concluiu que “não merece qualquer censura a decisão em crise, devendo ser mantida na ordem jurídica”.
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O DMMP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), não emitiu pronúncia.
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Com dispensa de vistos, mas envio prévio do projecto de acórdão, vem o processo submetido à conferência para decisão.

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I.1- DO OBJECTO DO RECURSO / DAS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Em conformidade com os artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Das conclusões da Recorrente extrai-se que, no essencial, importa aferir:
- das nulidades da sentença;
- da reapreciação /impugnação do julgamento da matéria de facto;
- do erro de julgamento de Direito.

Previamente, há que apreciar e decidir quanto à admissibilidade do documento junto com as alegações recursivas.

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II – Fundamentação
II. 1 - De facto:

Na decisão recorrida foi fixada a seguinte factualidade que se reproduz, na íntegra:
A) .... (ou Autora) é autora de vários livros (fls 14, dos autos);
B) Em 5 de Janeiro de 1988 entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Associação Cívico-Cultural “Não há Droga Sim à Vida” foi celebrado o Protocolo de fls 116 e 117, dos autos, através do qual a edilidade cedeu à Associação as instalações sitas na Rua de .... , em Lisboa, destinando-as à sua actividade, pagando a contrapartida monetária de 6.000$00,
C) Dá-se por reproduzido o telegrama junto como fls 16, cuja data é imperceptível, com origem “Luanda” onde se encontram os seguintes dizeres “cadernos aritmética aprovados. Oficialmente para todo o ultramar pelo Ministério. Coordenação interterritorial. Seguem notícias. Brito”.
D) Consta do documento de fls 12, sem qualquer timbre a assinatura ilegível, datado de 25 de Junho de 1975, o seguinte:
“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”


E) .... apresentou à Autora o orçamento nº 281/90, datado de 30 de Dezembro de 1990, referente a (fls 48, dos autos):
F) .... apresentou à Autora o orçamento nº 282/90, datado de 30 de Dezembro de 1990, referente a (fls. 50 dos autos):


G) .... apresentou à Autora o orçamento nº 283/90, datado de 30 de Dezembro de 1990, referente a (fls 49, dos autos):




H) .... apresentou à Autora o orçamento nº 284/90, datado de 30 de Dezembro de 1990, referente a (fls 51, dos autos):




I) .... apresentou à Autora o orçamento nº 288/90, datado de 30 de Dezembro de 1990, referente a (fls 53, dos autos):

J) .... apresentou à Autora o orçamento nº 289/90, datado de 30 de Dezembro de 1990, referente a (fls 52, dos autos):


K) .... apresentou à Autora o orçamento nº 290/90, datado de 30 de Dezembro de 1990, referente a (fls 54, dos autos):
L) Em 3 de Março de 1995 o Exército Português – Manutenção Militar informou .... (fls 18, dos autos):

M) O Réu promoveu obras no imóvel sito na Rua de .... , através da empreitada com o nº 14/DCEOD/DOM/2002, adjudicada à empresa .... , as quais tiveram lugar entre Maio e Outubro de 2002, constituindo na reparação da cobertura do edifício, com substituição das telhas e da madeira, pintura das fachadas e da caixa da escada e reparação das varandas situadas na fachada a tardoz;

N) Para ter acesso às varandas da fachada a tardoz foi solicitado o acesso em vários pisos, incluindo o 2º andar dtº que se encontrava ocupado com a Associação, uma vez que ninguém habitualmente permanecia durante as horas de trabalho, tendo sido fornecida a chave;

O) A 19 de Maio de 2002 ocorreu um incêndio na Rua .... nº 82 (Serração), tendo sido elaborado Relatório de ocorrência, junto a fls 121 e 122, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;

P) Com data de 21 de Março de 2003 foi elaborada a seguinte relação:

“(texto integral no original; imagem)”

Q) Em 21 de Maio de 2003 pelo oficial de diligência é prestada a seguintes informação (fls 21, dos autos):
“(texto integral no original; imagem)”

R) Em 27 de Maio de 2003, .... , em representação da Associação “Não à Droga Sim à Vida” recebeu uma chave das instalações da Avª .... (fls 22, dos autos);

S) Em 2 de Julho de 2003 .... deu conhecimento .... do seguinte (fls 20, dos autos):

“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”

T) Em 7 de Novembro de 2003 a Autora enviou carta ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, junta como fls 24, onde consta, nomeadamente:

.... , autora dos livros destruídos, com o despejo do recheio da casa onde funcionava a Associação Cívico-Cultural “Não à Droga Sim à Vida” e mãe da funcionária jardineira efectiva, .... .... , que em 7 de Agosto de 2000, .... formalizou um pedido de habitação e que recentemente em reunião de Câmara discuti esse assunto da casa e livros destruídos.

Vem pedir audiência junto de Vª Exª com a presença do .... (ilegível) e Sr. Dr. .... , no sentido de reconhecermos esta situação acima exposta. (…).

U) A Associação “Não há Droga sim à Vida” passou a ter a sua sede na Avª .... , em Lisboa;

V) Em 4 de Agosto de 2004 a Autora endereçou ao Presidente da CML, .... carta, junta como fls 23, que se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais, onde consta, nomeadamente:

“Autora dos livros destruídos pelas mudanças efectuadas pela Câmara, da casa nº 66, 2º dtº, Rua .... , onde funcionava a Associação Cívico-Cultural “Não à Droga Sim à Vida”, da qual sou associada, venho à presença de V. Exª para lhe solicitar o cumprimento da promessa do Dr. .... ao Dr. .... , Vice Presidente da referida associação, a atribuição de um fogo municipal pequeno, disponível no Bairro .... , requerido em tempos pela minha filha (…), vossa funcionária. A compensação deve-se ao prejuízo da perca de milhares de livros nas mudanças da responsabilidade de V. Exas e à qual sou alheia. Esta situação é um Processo que se arrasta há cerca de dois anos (…)”.

W) Com data de 1 de Julho de 2004 a Autora enviou ao Presidente da Câmara de Lisboa – .... carta, junta a fls 123, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta, nomeadamente:
“.... , autora dos livros destruídos com o despejo efectuado pela Câmara Municipal, do recheio da casa, onde funcionava a Associação “Não há Droga sim à Vida”, da qual é associada sendo mãe da funcionária jardineira efectiva de nome .... .... , propôs o Sr. .... .... , em reunião com V. Exª a cedência de uma habitação para a referida funcionária, dando assim por resolvido o problema do prejuízo dos livros, causados pela Câmara.

Com a ausência do mencionado Dr. .... , Vice Presidente da Associação tomou a exponente o cargo de prosseguimento deste assunto. Assim algumas cartas escreveu a V. Exª sem que obtivesse qualquer resposta, provavelmente por desconhece-las:

Uma datada de 7/11/03

Outra datada de 19/02/04 registada com aviso de recepção

Outra datada de 16/03/04

Outra datada de 30/04/04

(…).

X) Em 7 de Agosto de 2004 a Autora dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa – .... , carta, junta como fls 124, dos autos, que se dá por reproduzida onde consta, nomeadamente:

“.... , … autora dos livros destruídos pelas mudanças efectuadas pela Câmara, da casa nº 66, 2º dtº, Rua .... , onde funcionava a Associação Cívico-Cultural “Não à Droga Sim à Vida” da qual sou associada, venho à presença de V. Exª para lhe solicitar o cumprimento da promessa do Dr. .... a atribuição de um fogo municipal, pequeno, disponível no Bairro .... , requerido em tempos pela minha filha …, vossa funcionária.

A compensação deve-se ao prejuízo da perca de milhares de livros nas mudanças da responsabilidade de V. Exªs e à qual sou alheia. Esta situação é um processo que se arrasta há cerca de dois anos …”

Y) Conforme Acta nº 107, da CML, de 5 de Janeiro de 2005, a Drª .... solicitou ao Presidente da CML “pedindo que se concretize a atribuição do fogo no .... como compensação do prejuízo dos livros de que era proprietária, cumprindo-se o acordado com o Dr. .... ” (fls 27 a 29, dos autos);

Z) Conforme acta nº 119, da CML de 27 de Abril de 2005 .... veio à reunião de Câmara perguntar ao Sr. Presidente “quando é que poderia receber para que se resolvesse o problema da indemnização de livros destruídos e de atribuição de uma casa para uma funcionária, na sequência das obras e mudanças ordenadas pela Câmara na casa onde se encontrava instalada a Associação cívico-Cultural “Não à Droga Sim à Vida” (fls 32 34, dos autos);
AA) Conforme Acta nº 125, da CML de 29 de Junho de 2005, .... veio em reunião de Câmara “reiterar o seu problema relacionado com a indemnização pela destruição dos livros da Associação que se situava no prédio onde estava o Sindicato dos Trabalhadores da Câmara, que ocorrera aquando da transferência daqueles por ordem da Câmara” (fls 36 a 38, dos autos);

BB) Conforme acta nº 130, da CML, de 7 de Setembro de 2005, em reunião de Câmara “veio reiterar o pedido de pagamento de uma indemnização relativamente a livros que se tinham extraviado (fls 40 a 43, dos autos);

CC) Em 11 de Setembro de 2005 a Autora dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal de lisboa, carta, junta como fls 45 e 46, dos autos, que se dá por reproduzida e onde consta, nomeadamente:

(…).
3º Permita-me, então, Sr. Presidente, que esclareça:
Os referidos livros didácticos estão registados no registo de Propriedade Literária, científica e artística e declarados na Sociedade Portuguesa de autores.
Por motivos imperiosos, já referidos no Processo, foram levados para a Associação cívico-cultural “Não à Droga Sim à Vida”, instalações alegadas pela Câmara, sito na Rua .... , …, …., Lisboa, transportados para lá, pela M.M. do Exército (…).
4º Após terem sido conferidos (…) foram cedidos aos Palopes a custos mínimos, com perspectiva de Novas edições, aguardavam assim a saída para o fim em vista.
Entretanto, no princípio da Presidência do Sr. Dr. .... , e após a sua deslocação às instalações da Associação são feitas algumas obras e de seguida retirado o recheio para outras instalações, sob ordem da Câmara no 2º semestre de 2002.
O Sr. Dr. .... , Vice-presidente da Associação, desloca-se à Câmara a dar conhecimento dos danos causados e os mesmos foram verificados, daí a proposta de acordo (casa e livros) no 1º semestre de 2003. Isto porque a filha da autora dos livros como funcionária da Câmara tinha referido um prejuízo. Aceite o acordo entre Vice Presidente da Associação e Presidente da Câmara restava a reunião com os Sr.s Directores .... e .... , que não cheou a fazer-se devido ao Dr. .... ter falecido, por isso, pouco antes foi ditada a carta que escreveu a 3/11/2003, a signatária.
5º Pelo que passa a própria a tratar do assunto junto da Câmara, a partir e no decurso de 2004, com o Sr. .... , assessor de V. Exª (…). Embora não tivesse progredido com as … reuniões ia falando pelo menos no direito à indemnização dos livros.
(…).
DD) Em 19 de Setembro de 2005 o Dr. .... dirigiu ao Presidente da CML carta registada com o conteúdo seguinte (fls 25, dos autos):

“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”
(…).

EE) Em 2 de Fevereiro de 2006 a Autora instaurou acção contra o Município de Lisboa com o mesmo fundamento, destes autos, que correu termos na 15ª Vara Cível, 1ª Secção, do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, que foi autuada sob o nº 902/06.0TVLSB, no âmbito do qual foi julgada procedente a excepção de incompetência em razão da matéria do Tribunal;

FF) Em 6 de Fevereiro de 2006 ocorreu uma reunião na CML, com representantes do Município, a Autora, o Advogado desta .... e amigos desta (inquirição das testemunhas);

GG) No âmbito da acção identificada no ponto EE) a CML foi citada por via da citação datada de 13-02-2006;

HH) O aviso de recepção da citação foi assinado a 14-02-2006;

II) Em 17-03-2006 foi entregue a contestação;

JJ) A sentença declarando oficiosamente a incompetência material do Tribunal transitou em julgado, a 23-01-2008;

KK) Da sentença referida no ponto anterior foi interposto recurso que viria a ser rejeitado por intempestivo, por despacho de 20-02-2008;

LL) Do despacho referido no ponto anterior foi apresentada reclamação para o Tribunal da Relação que a indeferiu em 20-05-2008, que transitou em julgado a 09-06-2008.

MM) Dá-se por inteiramente reproduzido o horário da docente .... para o ano lectivo 2001/2002, onde consta, designadamente, que o período de aulas se concentra no período da tarde e no mês de Maio a Autora faltou por conta do período de férias nos dias 3, 18 e 22, de Maio de 2002;

NN) O Réu não tinha conhecimento de que no interior das instalações da Rua de S. Lázaro se encontravam 15.000 livros (inquirição das testemunhas);

OO) A presente acção deu entrada a 30-06-2008;

PP) A Chamada foi citada em 2010.”

II.2 FACTOS NÃO PROVADOS

“Não se provou:

1) Que a solicitação do Governo de Angola a Autora tivesse elaborado e editado livros didáctico/pedagógicos;

2) Que os livros guardados ou depositados em 1995 sejam os mesmos que se elencam no artº 3, da pi;

3) Que os livros fizessem parte de uma edição de 1995, no seguimento de uma encomenda efectuada pelo Governo de Angola em 1990;

4) O valor dos livros;

5) O acordo entre a Autora e a Associação sobre o depósito dos livros nas instalações desta e condições;

6) Não ter a CML previamente possibilitado ou impossibilitado à Associação ou à Autora a transferência dos livros para outro local;

7) Que trabalhadores da CML não tivessem tido cuidado na preservação de livros;

8) Que em consequência de água sobre os livros originasse a destruição de alguns deles;

9) Que os serviços do Réu tivessem retirado os livros das instalações da Associação e colocado no contentor do lixo para a sua destruição:

10) Que os livros em bom estado de conservação houvessem sido transportados em carros do Réu quer para as novas instalações da Associação, na Avª .... , em Lisboa, quer para armazém do Réu

11) Que o Major .... tenha em 2003 providenciado junto do Réu para que fosse obtida uma solução extrajudicial;

12) Que o então Presidente da CML tenha aceitado indemnizar a Autora;

13) Da estimação da Autora pelos livros e ou angústia após a sua destruição;

14) Que a A tivesse insónia por depois de estar convencida de que iria ser indemnizada, se ver desapossada dos livros e ver negado o direito à indemnização, desconforto,

15) As preocupações e perturbação do equilíbrio psíquico da Autora, com reflexo no seu descanso, em consequência da perda dos livros e da negação à indemnização ou um agravamento desse estado pela demora do processo no Tribunal Cível;

16) Da inviabilidade da possibilidade de uma reedição de acordo com o projectado com a venda dos livros a preços normais de mercado ao Governo de Angola;

17) O preço da reedição dos livros.”


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II.2 De Direito






Cumpre apreciar e decidir conforme delimitado em I.1.




Ø Da admissibilidade do documento junto com as Alegações de recurso

Antes de entrarmos na apreciação do mérito do recurso importa tomar posição quanto ao documento junto em sede de Alegações pela Recorrente (1 fotocópia contendo 4 fotos).
Nos termos previstos no artigo 651.º, n.º 1, do CPC, as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.° do mesmo Código, nos termos dos quais são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento (art. 425º), ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância (art. 651º, nº 1).
A Recorrente nada diz de concreto quanto a estes requisitos, sendo certo que não se vislumbra em que medida a sentença objecto de recurso criou a necessidade de junção daquele documento.
Na verdade, a principal motivação da Recorrente para a sua junção parece residir em que, em sede de reapreciação da prova por este Tribunal ad quem uma das testemunhas, Susana Silvestre, seja confrontada com o mesmo.
Sucede que tal pedido fora antes formulado pela ora Recorrente, em sede de audiência de julgamento, no dia 03.04.2017, onde requereu:
“Considerando que face ao depoimento da testemunha Susana Silvestre, que se revela essencial para a revelação da realidade factual, respeitando a forma como os livros que são objecto do pedido formulado pela Autora, se encontravam embalados nas instalações da Rua .... , nº 66 – 2º em Lisboa, requer-se que esta testemunha seja confrontada com um conjunto de 4 imagens que só na presente data se pode localizar a fim de que se venha a confirmar se é este o local onde fez a contagem dos referidos livros e se são estes os sacos onde estes estavam embalados (…)

Sobre o qual foi proferido, na mesma diligência, o seguinte despacho:
"indefere-se a junção do referido documento, nos termos do disposto no artigo 423° C.P.C., e ainda considerando que o mesmo documento são fotocópias de fotografias, não se descortinando em que data e hora foi o mesmî produzido, e não se descortina o que se encontra dentro dos sacos".

Tal despacho de não admissão de meio de prova não foi impugnado pela Recorrente, através de recurso autónomo, nos termos do artigo 644º, nº 2, alínea d) do CPC, pelo que o mesmo transitou em julgado, não sendo a presente instância recursiva a adequada a afastar o assim decidido.
Em face do que deve ser indeferida a junção peticionada, desentranhado dos autos e devolvido o referido documento, por legalmente inadmissível, à Recorrente que, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 443º do CPC e no nº 1 do artigo 27º do RCP, deve ser condenada pelo incidente em multa, que se fixa em 1 UC.
Pelo que não se admite a sua junção, ordenando-se, a final, o seu desentranhamento.
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Ø Das nulidades da sentença

A Recorrente nas suas conclusões refere que “A decisão recorrida está eivada de ambiguidades, omissões, obscuridades” [conclusão Q)]; que omite fundamentação [conclusão S)], o que consubstanciaria as nulidades da sentença a que aludem, respectivamente, as alíneas c) e b) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
Todavia, carece este Tribunal de Apelação do mínimo de concretização e especificação de modo a aferir se tais nulidades ocorreriam. A sua alegação de forma vaga e genérica, como foi invocada, é ineficaz para tal efeito.
Em todo o caso, perscrutando a sentença recorrida, como adiante se fará, nenhuma nulidade será de lhe imputar mostrando-se que a mesma se encontra devidamente fundamentada de facto e de Direito, sem contradições ou ambiguidades.
Refere, ainda, a Recorrente que a sentença teria omitido “factos essenciais” que invocara na p.i. (conclusão A), mas sem os identificar. Bem como que a sentença recorrida teria deixado de conhecer sobre a violação de deveres e obrigações por parte do Recorrido/Réu.
Sucede que, a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, só opera quando o Tribunal não aborda as questões centrais que integram o pedido e a causa de pedir, e não pela circunstância de não responder a todos os argumentos da parte. A omissão de pronúncia só é relevante se o Tribunal não se pronuncia sobre questões que eram essenciais para a decisão do mérito da causa, enquanto pilares do pedido e da causa de pedir. Ou seja, o Tribunal não tem o dever de responder a todos e quaisquer argumentos das partes, mas apenas o de sindicar o fundamental do “thema decidendum”.
Ora, a sentença recorrida conheceu de todas as questões, não tendo, todavia, acolhido a tese da Recorrente/Autora.
Termos em que não se vislumbra qualquer nulidade.

Ø Da reapreciação /impugnação da matéria de facto:

A Recorrente, para além da junção do aludido documento, pretende a renovação da prova ao abrigo do artigo 662º, nºs 1 e nº 2, alínea a) do CÐÑ. Como aí se estabelece, o Tribunal de recurso deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Por outro lado, deve ainda mesmo oficiosamente, " Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento" - alínea a) do n° 2.
Ora, ao longo das conclusões recursivas, a Recorrente não põe em causa a credibilidade de qualquer depoente, nomeadamente da testemunha Susana Silvestre. Em todo o caso, o documento a confrontar com esta testemunha, além de não ser superveniente, foi já indeferida a sua junção, sem impugnação, pelo Tribunal a quo.

Acresce que, os artigos 636º, n.º 2, 640º e 662º do CPC, impõem à parte recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Tal como preceituado no artigo 640º do CPC e cujo ónus da parte se traduz no seguinte:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636 º”.

Compulsadas as conclusões do Recurso nenhuma dessas exigências foi cumprida pela Recorrente.
Desde logo, identificado quais os factos que foram incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo, ou de que modo o depoimento da testemunha Susana Silvestre alteraria a factualidade relevante para a decisão supra transcrita.
Na verdade, embora ao longo das Alegações se revele a discordância da Recorrente, com a decisão recorrida, e faça referência a alguns meios probatórios, o que parece indiciar que discorda do juízo probatório realizado pelo Tribunal Recorrido, o certo é que não concretiza qualquer facto concreto que pretenda ver julgado de forma diversa, nem realiza qualquer articulação entre qualquer dos referidos concretos factos e os meios probatórios a que faz referência.
O que vem a traduzir-se numa pretensão de reapreciação global e genérica da prova valorada em 1ª instância, reportada a toda a decisão, o que não se ajusta ao previsto pelo legislador.
Assim, não obstante, se possa compreender a discordância da aqui Recorrente com o decidido, a verdade é que o texto da lei cotejado com as conclusões de recurso mostra que o julgamento de matéria de facto não vem impugnado de forma a permitir a sua alteração por este Tribunal, quer por falta de identificação de quais os factos erroneamente julgados, quer por não indicação de quais os concretos meios de prova, que, em seu entender, impunham solução diversa.
Na verdade, o que a Recorrente pretende é a repetição do depoimento da testemunha Susana Silvestre, a confrontar com as tais “fotografias”, o que foi indeferido pelo Tribunal a quo, conforme atrás exposto e que se encontra assente nos presentes autos.
Em bom rigor, o Recorrente, mais do que questionar a materialidade fáctica fixada, vem predominantemente pôr em causa o alegado desacerto das ilações que o tribunal extraiu relativamente a essa matéria.
Pelo exposto e com base nas razões antecedentes, se impõe rejeitar o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto.

Ø Do erro de Direito

Assenta a Recorrente a sua divergência quanto ao decidido pelo Tribunal a quo, porque entende que, ao contrário do decidido, se verificam os pressupostos legais de que depende o pedido indemnizatório.

Com a presente acção pretende a Recorrente/Autora que o Recorrido/Réu seja condenado no pagamento de €51.329,49 a título de danos patrimoniais, não patrimoniais e lucros cessantes sofridos em consequência da destruição ou perda de livros que estavam depositados no imóvel municipal, sito na Rua de .... , em Lisboa, que fora cedido pelo Recorrido à Associação Cívico-Cultural “Não à Droga Sim à Vida”, para aí exercer a sua actividade.

Sucede que, como se alude na sentença recorrida “ reportando-nos à alegação da A, que os livros que diz terem desaparecido e que correspondem à lista elaborada em 2001, somente enunciativa e numérica, levada aos factos assentes em P) os quais seriam os que tinham sido transportados, pelo exército português em 1995 (decorridos que foram 6 anos ainda existiam) desapareceram decorridos que foram 8 anos, quando havia conversações “credíveis” com o Governo de Angola, desde 1994, coloca-nos em dúvida até a existência do facto, ou seja, a existência dos livros nas instalações da Associação, ainda em 2003, ou pelo menos que os livros transportados em 1995 são os mesmos a que se refere a lista elaborada em 2001”.

Prosseguiu a sentença recorrida:

“Para apreciação do caso sub judice assume especial relevância os artigos 2º, 4º e 6º do Decreto – Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, aqui aplicável, dado que o factos se reportam a 2003.

Estabelece o artº 2º que “o Estado e as demais pessoas colectivas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destas ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.

Em termos semelhante ao regime civilístico, também o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas no domínio dos actos de gestão pública pressupõe a ocorrência dos seguintes requisitos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. Por conseguinte, basta a falta de um destes pressupostos para que a acção improceda.

O artº 6º define o que seja a acto ilícito ao dispor: “Para efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as regras legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.

“Em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado a ilicitude juridicamente relevante é a que resulta da violação de normas legais ou regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, bem como decorre da ofensa a regras de ordem técnica e de prudência comum, pelo que nesta sede rege um conceito de ilicitude mais amplo que o consagrado na lei civil – cfr. artigo 6º do Decreto – Lei nº 48051, de 21.11.67” (ver a título de exemplo os acórdãos do TCAS em 15 de Dezembro de 2010 (Proc. nº 5125/09) e em 7 de Abril de 2011 (Proc. nº 2749/07).

Sendo aqui a questão fulcral a saber se, perante as circunstâncias concretas, os funcionários e agentes do R violaram alguma norma legal ou os princípios gerais aplicáveis ou infringiram regras de ordem técnica e de prudência comum que deviam ser tidas em consideração.

No caso inexiste qualquer norma legal ou regulamentar ou até principio geral aqui aplicável que obrigasse o R a guardar ou transportar qualquer livro da A, desconhecendo-se no caso a que título e em que circunstâncias se encontravam “depositados”, na Associação os referidos livros e se esta se tinha obrigado a guardar e preservar.

Contudo, em face do teor do artº6º do Decreto – Lei nº 48051, a ilicitude pode decorrer da violação das regras de prudência comum que devam ser tidas em consideração.

No caso sub judice, como ficou bem evidenciado nos factos não provados, não provou “que os funcionários do R. tivessem conhecimento sequer da existência dos livros no interior das instalações que haviam sido cedidas à Associação para aí exercer a sua actividade e, que em, principio não incluía o depósito de livros de terceiro. Não se observando razão específica para manter uma guarda desses mesmo livros, por parte do R que, eventualmente haja sido assumida pela Associação e não se sabe em que condições ou porque período.

No caso sub judice, ficou até provado que o R desconhecia que, no interior das instalações cedidas à Associação, estivessem 15 mil livros, nunca os tendo visto e que os mesmos pertenciam á Autora.

O que significa que o R não tinha o dever de guardar os livros, não sendo sequer seu depositário e sempre o risco do seu perecimento ou desaparecimento seria imputável à A, atento que e ao que tudo indica nunca ter transferido a sua guarda, sequer para a Associação, já que não a responsabilizou, demandando-a.

Aliás questiona-se que considerando a A que tinha guardadas nas instalações da Associação 15 mil livros e, sabendo que aquelas instalações haviam sido reivindicadas pelo R e, portanto a Associação teria de sair do local, porque não providenciou pela sua retirada (sempre aqui seria de aplicar o artº 570º do CC, caso houvesse obrigação de indemnizar)?

É certo que a formulação de juízos de valor sobre a prudência de determinada conduta, activa ou omissiva da entidade pública, não pode ser desligada do circunstancialismo factual envolvente, pois só este permitirá ajuizar sobre aquilo que seria, em concreto, exigível ou prudente, permitindo o circunstancialismo descrito na matéria factual, concluir que não houve qualquer violação de regras de prudência comum, maxime de um dever de guardar ou de transportar os livros, ou até de avisar para retirar os livros das instalações e, por esta via também não podemos concluir pela ilicitude do comportamento do R.

Para além do pressuposto da ilicitude que, no caso não se mostra preenchido, também não se encontram preenchidos os demais pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito: culpa, dano e respectivo nexo de causalidade.

No que respeita à culpa diz-nos o artº 4º do DL nº 48051, que “a culpa dos titulares dos órgãos ou agentes é apreciada nos termos do artigo 487º do Código Civil”.

Atento os factos provados e não provados é de referir que a conduta ilícita, integrada pelo desaparecimento dos livros, não é passível de ser imputada, a título de censura ético-jurídica, ao R (e muito menos à Chamada).

Ficou ainda claramente por preencher o requisito do nexo de causalidade entre o facto - o desaparecimento dos livros - e os danos peticionados:

- o valor de €21.189,08, dos livros “desaparecidos” correspondente ao valor apresentado para venda ao Governo de Angola;

- o valor de €5.000,00 correspondente às insónias, agravamento do estado psicológico subsequente à decisão do Tribunal Cível de Lisboa;

- o valor de €25.139,41 para reedição de novos livros.

Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 563º do Código Civil “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”

Para ALMEIDA COSTA in “DIREITO DAS OBRIGAÇÕES”, 3ª Ed., 1979, pag. 318, a ideia fulcral da teoria da causalidade adequada é a seguinte: “ Considera-se causa de um prejuízo a condição que, em abstracto, se mostra adequada a produzi-lo.”

Esta ideia é igualmente perfilhada por GALVÃO TELLES, DIREITO DAS OBRIGAÇÕES, 5ª Ed.., pag. 380, ao afirmar que só é de considerar “como causa jurídica do prejuízo a condição que, pela sua natureza e em face das circunstâncias do caso se mostre apropriado para o gerar”.

Atento os factos controvertidos e que se mantêm nessa situação, sem que se tivesse feito qualquer prova dos mesmos, não é possível concluir que os danos ocorreram e muito menos que se estabeleceu o nexo causal entre o facto e os danos aqui peticionados.

Não se tendo provados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, não pode julgar-se procedente a acção e condenar-se no pedido, e por esta via igualmente a Chamada não pode ser responsabilizada.

E, atendo à falta de preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do estado fica por conhecer qualquer outra questão”.

Do supra transposto facilmente se conclui que a sentença recorrida enfrentou e alcançou a questão central alegada pela Recorrente/Autora, ou seja, a de saber se esta detinha o direito a ser indemnizada pelo Recorrido/Réu pelos alegados danos por si sofridos.

Porém, sem a credibilidade e o resultado por esta pretendido.

Como se impõe confirmar.

Desde logo, porquanto em sede do presente recurso não afastou a Recorrente o juízo formulado pelo Tribunal a quo relativamente aos factos não provados, nomeadamente, de que não ficou demostrado:

2) Que os livros guardados ou depositados em 1995 sejam os mesmos que se elencam no artº 3, da pi;

3) Que os livros fizessem parte de uma edição de 1995, no seguimento de uma encomenda efectuada pelo Governo de Angola em 1990;

4) O valor dos livros;

5) O acordo entre a Autora e a Associação sobre o depósito dos livros nas instalações desta e condições;

6) Não ter a CML previamente possibilitado ou impossibilitado à Associação ou à Autora a transferência dos livros para outro local;

7) Que trabalhadores da CML não tivessem tido cuidado na preservação de livros;

8) Que em consequência de água sobre os livros originasse a destruição de alguns deles;

9) Que os serviços do Réu tivessem retirado os livros das instalações da Associação e colocado no contentor do lixo para a sua destruição:

10) Que os livros em bom estado de conservação houvessem sido transportados em carros do Réu quer para as novas instalações da Associação, na Avª .... , em Lisboa, quer para armazém do Réu

(….)

12) Que o então Presidente da CML tenha aceitado indemnizar a Autora;

(…)

16) Da inviabilidade da possibilidade de uma reedição de acordo com o projectado com a venda dos livros a preços normais de mercado ao Governo de Angola;

17) O preço da reedição dos livros.”

Donde, perante a falta de prova de factos que consubstanciassem a alegada violação por parte do Recorrido, dos seus funcionários ou contratados, de qualquer dever de cuidado ou intenção de destruir quaisquer bens (livros) da Recorrente;
Demonstrado que “O Réu não tinha conhecimento de que no interior das instalações da Rua de S. Lázaro se encontravam 15.000 livros(facto NN) do probatório);
Nem tendo sido possível, perante a prova produzida, identificá-los ou saber onde se encontravam em 2003.
Assim, inexiste qualquer elemento, perante a prova produzida, ou fundamento legal que imponha ao Réu/Recorrido ou os seus funcionários a obrigação de saber o que se encontrava, propriedade da Recorrente, nas instalações da Rua de .... , aquando da tomada de posse em 2002 ou com a realização das obras no mesmo edifício.
A única asserção a retirar é de que falece, pois, a premissa da Recorrente de que, por culpa do Recorrido /Réu foram destruídos ou perdidos os seus 15.000 livros, que estariam depositados no imóvel municipal, sito na Rua de .... , em Lisboa, que fora por este cedido à Associação Cívico-Cultural “Não à Droga Sim à Vida”, para aí exercer a sua actividade.
Em sede de conclusões (M), veio a Recorrente invocar que o Recorrido teria infringido o dever de decisão, em face dos requerimentos e intervenções da interessada.
Sucede que tal omissão do dever de decisão não consta da causa de pedir da petição inicial – nem identifica qual o requerimento em concreto -, tendo antes sido descritas as iniciativas e as diligências por si realizadas, com vista a encontrar uma solução (acordo) extrajudicial, tal como lhe teria sido transmitido pelo então Presidente da Câmara, não havendo acordo apenas quanto ao montante e forma de pagamento (vide art. 21º, a 27º da p.i.).
Todavia, não foi feita prova de tal acordo (vide ponto 12 dos factos não provados).
Neste conspecto, é inevitável o desfecho da presente acção indemnizatória por falta de verificação dos pressupostos legais, nomeadamente a ilicitude, dano e nexo de causalidade, previstos nos artigos 2º, 4º e 6º, do Decreto-Lei 48051, tal como assertivamente entendeu o Tribunal a quo.
Pelo exposto, será de negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida, como se decidirá a final.

*

III. Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em:

i) indeferir a admissão de documento apresentado com as alegações de recurso e, em consequência, determinar o seu desentranhamento;

ii) rejeitar o recurso de impugnação da matéria de facto;

iii) negar provimento ao Recurso, mantendo-se a decisão proferida em 1ª instância.

Custas do recurso pela Recorrente (cf. arts. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA), bem como do incidente de desentranhamento do documento que se fixa em 1 UC.

Registe e notifique.

Lisboa, 06 de Novembro de 2025


Ana Cristina Lameira, Relatora
Joana Costa e Nora
Marta Cavaleira