Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2840/12.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/18/2025
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:TRANSPARÊNCIA FISCAL
ILISÃO DA PRESUNÇÃO
PROVA
Sumário:I- As sociedades transparentes são um caso de não sujeição a IRC quanto à obrigação principal (pagamento de imposto) e sujeição a IRC quanto às obrigações acessórias (deveres de cooperação).

II - O artigo 6.º, n.º 1 do CIRC deve ser interpretado no sentido de que contém uma presunção ilidível, por ser esta a única interpretação conforme com a lei fiscal e os princípios e direitos constitucionais que nenhum regime de tributação pode afrontar (artigos 73.º da LGT e 103.º da CRP).

III-O referido em II), não preclude, assim, a possibilidade de se demonstrar que o cômputo e a própria imputação da matéria coletável padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, mormente, que os rendimentos que lhes estão a ser imputados não estão corretamente determinados, seja por o valor se encontrar desfasado da realidade declarada, particularmente por se revelar inferior, seja por privação de deduções legais, seja por englobarem valores insuscetíveis de imputação pessoal, ou mesmo desconformidade com a sua própria participação no capital social.

IV - Não é de julgar ilidida a presunção estabelecida no citado normativo se os sócios apenas alegaram e provaram ter “deliberado a não distribuição dos lucros”.

V-O regime jurídico da transparência fiscal foi delineado e regulamentado de acordo com a liberdade de conformação política, tendo, nessa conformidade, sido criado um regime de tributação diferenciador, mas com inteira dignidade constitucional, norteado pela neutralidade, pela necessidade de combate à evasão fiscal, e pela eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

José ………….., e Patrícia ………….., interpuseram recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), e respetivos Juros Compensatórios (JC) respeitantes ao ano de 2011, no valor global de €68.547,67.

***


Os Recorrentes apresentaram as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

1a Nos termos do art. 640° do CPC, ex vi art. 2° do CPPT, os Recorrentes reclamam a inclusão na matéria de facto assente dos seguintes factos: a. A V…….. F……… & Associados - ……………., foi constituída em 2000 e presta desde então, através dos seus sócios e associados, serviços de advocacia (Doc. 2 junto à p i.; b. Na Assembleia-Geral da V………… F……….. & Associados - Sociedade ……….. de 31.03.2012, os sócios/a sociedade decidiram não proceder à distribuição dos lucros relativos ao exercício de 2011 (cfr. Doc. 4 junto à p.i); c. A Sociedade ………. de que os Impugnantes eram Sócios apresentava em 2011 capitais próprios negativos (cfr. Doc. 5 junto à p.i.); d. O lucro apurado do exercício de € 148.127,29 (lucro contabilístico) foi transferido para os resultados transitados da Sociedade, que à data eram negativos (cfr. Docs. 4 e 5 juntos à p.i.).

2a A Sentença recorrida, mantendo a liquidação impugnada, considera ser obrigatória a imputação dos lucros tributáveis da Sociedade no IRS dos Recorrentes/lmpugnantes, nos termos do regime da Transparência Fiscal, ainda que não tenha existido distribuição de lucros, tributando nessa sede, com aplicação das respectivas regras e escalões, como rendimento dos Impugnantes, quantias que os mesmos nunca receberam.

3ª Na verdade, para além de desadequado, in casu a aplicação do regime da Transparência fiscal é ilegal e inconstitucional: (a) por um lado, não resulta demonstrado que in casu esteja em risco (i) a neutralidade fiscal entre a tributação das pessoas singulares e a das pessoas coletivas, (ii) a dupla tributação económica dos lucros, e (iii) haja um perigo de evasão fiscal, mediante a criação de sociedades fictícias; (b) por outro lado, as Sociedades de Advogados são obrigatoriamente sociedades profissionais, para efeitos de IRC, já que apenas se admite a inclusão de profissionais advogados, pelo que se encontram obrigatoriamente submetidas ao regime da Transparência fiscal;

4ª A Sentença recorrida é estruturalmente nula por omissão de pronúncia (cfr. art. 615°, n° 1, d), e art. 608°, n° 2, do CPC, ex vi art. 2º do CPTT), pois não conheceu as específicas e concretas questões que os Recorrentes submeteram ao seu conhecimento nas Conclusões das suas Alegações de 14.12.2017;

5ª O regime da Transparência fiscal imposto às Sociedades de Advogados é um regime desatualizado e descontextualizado (a realidade configurada em 1988 não é a realidade deste século, das sociedades de advogados atuais e, em geral, do tecido e da dinâmica económica, empresarial e societária): as razões que determinaram em 1988 a grave perturbação que este regime vem trazer à ordem e à dogmática jurídicas do Direito dos impostos sobre o rendimento (os sócios pagam impostos sobre rendimentos que não auferiram; um contribuinte paga imposto sobre os rendimentos de outro contribuinte) já não se verificam neste século; este regime e as referidas perturbações que envolve não têm qualquer suporte material que possa justificar a sua aplicação em 2011 ou em 2018, tendo o legislador já optado (2015) pela tributação das sociedades de advogados de acordo com o regime fiscal previsto para as sociedades constituídas sob a forma comercial;

6a O art. 6°, n° 1, do CIRC, ao determinar que o rendimento coletável das sociedades de advogados seja tributado a título IRS aos seus sócios, ainda que não tenha havido distribuição de lucros, viola a Lei de autorização legislativa ao abrigo da qual esse Código foi aprovado, o que também determina a sua inconstitucionalidade orgânica;

7ª As inconstitucionalidades materiais do art. 6°, n° 1, do CIRC: (i) viola o princípio da proibição de tributação de rendimentos ficcionados, não auferidos, inexistentes para o sócio (o IRS é um imposto sobre rendimentos auferidos, pelo que pretender que o contribuinte pague IRS sobre rendimentos que não auferiu é, para além do mais, uma gritante e inadmissível deformação da própria genética deste imposto; (ii) viola o princípio da capacidade contributiva (como se deixou ilustrado/demonstrado no n° 2 destas Alegações, este regime determina, sempre, a obrigação de o sócio da sociedade pagar IRS por rendimentos que o mesmo não recebeu, sem atender por qualquer forma à capacidade contributiva do mesmo: esse sócio é obrigado a pagar esse imposto (por rendimentos obtidos pela sociedade e não distribuídos aos sócios) mesmo que não tenha quaisquer outros rendimentos; (iii) A violação do princípio da igualdade.

Na violação do princípio da igualdade podem autonomizar-se, pelo menos, dois tipos de relações a estabelecer: a. a relação entre as sociedades de advogados e as demais sociedades de profissionais liberais (médicos, de enfermagem, de arquitetos, veterinários, economistas, biólogos, engenheiros, etc.), podendo estas optar pelo regime da transparência fiscal ou pelo regime geral das sociedades comerciais, o que está vedado às sociedades de advogados; b. a relação entre as sociedades de advogados e as sociedades comerciais, pois os lucros destas sociedades comerciais é tributado às próprias sociedades à taxa de 23,5%, não suportando os sócios quaisquer impostos sobre esses lucros, e os lucros das sociedades de advogados são tributados aos sócios a uma taxa de 48%, independentemente da respetiva distribuição.

8a Para salvar esta inconstitucionalidade (interpretação conforme à Constituição), o art. 6°, n° 1, do CIRC teria que ser interpretado no sentido de estabelecer uma presunção ilidível de distribuição dos resultados da sociedade aos seus sócios: os sócios seriam tributados em sede de IRS pelos lucros da sociedade se não demonstrassem que esses lucros não lhes haviam sido distribuídos; caso contrário, se essa demonstração fosse feita, esses sócios não poderiam ser tributados por um rendimento que não tiveram. Assim, porque os Recorrentes ilidiram essa presunção (cfr. os factos b. e d. referidos na ia Conclusão), não podem ser obrigados a pagar um imposto sobre rendimentos (o IRS) por rendimentos que não auferiram.

9ª Assim, a interpretação e aplicação que a Administração Fiscal fez dos arts. 6.° do CIRC e 20° do CIRS no sentido que os lucros tributáveis de uma sociedade de advogados devem ser imputados e tributados, ao abrigo do regime da Transparência Fiscal, no IRS dos sócios dessa sociedade, ainda que não tenha existido distribuição de lucros (tributando-se como rendimento desses sócios, quantias que os mesmos nunca receberam) é inconstitucional por violar os arts. 1°, 2°.°, 13.°, 58.°, 61.°, n° 1, 103.°, n° 1, 104.°, n° 1, e 266.° da CRP.

10ª A tributação imposta aos Impugnantes pelo ato impugnado viola manifestamente os princípios/objetivos comunitários que resultam dos Tratados da União Europeia: (i) liberdade de circulação de trabalhadores; (ii) liberdade de estabelecimento; e (iii) liberdade de prestação de serviços, pois cria aos Impugnantes, Advogados, reais entraves à sua liberdade para exercer a sua atividade e para prestar os seus serviços a qualquer entidade da sua escolha e sob a forma que entendam adequada, integrando, ou não, a estrutura do respetivo capital.

11a Assim, a interpretação e aplicação que a Administração Fiscal fez dos arts. 6.° do CIRC e 20° do CIRS no sentido que os lucros tributáveis de uma sociedade de advogados devem ser imputados e tributados, ao abrigo do regime da Transparência Fiscal, no IRS dos sócios dessa sociedade, ainda que não tenha existido distribuição de lucros (tributando-se como rendimento desses sócios, quantias que os mesmos nunca receberam) viola ostensivamente, para além dos referidos princípios constitucionais, também os direitos e garantias fundamentais tutelados nos arts. 49°, 56° e 57° do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia e nos arts. 15°, 16° e 45° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

12ª Os “pecados capitais” do regime da Transparência Fiscal radicam nas seguintes razões: (a) tributam a mera existência dos Contribuintes ou a sua qualidade de sócios, pois imputam-lhe rendimentos que não são seus, mas sim da sociedade de que são sócios, desconsiderando, designadamente, a medida da sua contribuição para a obtenção de tais rendimentos; (b) tributam a totalidade daqueles rendimentos aos Contribuintes, independentemente de os mesmos lhes terem sido disponibilizados, desconsiderando, portanto, se foram realmente recebidos pelos Contribuintes e se, por isso, são rendimentos reais; (c) tributam a totalidade daqueles rendimentos aos Contribuintes, desconsiderando, de forma desigual, "a força económica real do contribuinte”, isto é, tributando mais do que apenas os recursos que lhe restam disponíveis, desatendendo aos custos que suportam na obtenção dos mesmos;

A tributação imposta pelo ato impugnado aos Contribuintes exige-lhes um esforço fiscal inadmissível, que o afasta da capacidade contributiva que lhes deveria ser assegurada, constituindo uma clara e inconstitucional discriminação dos Impugnantes, que assim têm que suportar uma carga fiscal desajustada à sua capacidade contributiva.


Nestes termos
Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a Sentença recorrida e ser declarado nulo ou anulado o ato de liquidação impugnado.”

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A RECORRIDA, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora,

decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
Dão-se por provados os seguintes factos:
A) J …………….. e mulher P ……………….. (ora impugnantes) são os únicos sócios da sociedade de Advogados Vieira Fonseca & Associados;
B) Em 31-05-2012 os impugnantes submeteram a declaração Modelo 3 de IRS, do exercício de 2011, tendo sido junto o Anexo D relativo à imputação de rendimentos da Categoria B, onde fizeram constar no Quadro 4, Campo 401 - Sociedades (Regime de Transparência Fiscal) – V……… F……….. & Associados de que são sócios únicos (fls 46v°, do pa);

C) Em 12-07-2012 foi emitida a liquidação n° ………847, com data limite de pagamento de 31-08-2012 (fl 42 e 43, do pa);

D) O imposto a que respeita a liquidação identificada em B) não foi pago no prazo legal, tendo sido instaurado o processo de execução fiscal n° ………….437;

E) Os impugnantes apresentaram reclamação graciosa da liquidação identificada em B).
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A motivação da matéria de facto assenta no seguinte:

“A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados, informação vinculativa e posição das partes não impugnados.”

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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, os Recorrentes não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS, e respetivos JC, respeitantes ao ano de 2011.

Ab initio, importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.°, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.°, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida padece de:

i. Nulidade por omissão de pronúncia na medida em que não apreciou todas as questões convocadas, mormente, a inconstitucionalidade do regime, limitando-se a aplicar, sem mais, o dito regime;
ii. Erro de julgamento de facto, na medida em que foi descurada matéria de facto relevante que se encontra suportada por prova documental idónea, e cujo aditamento importa realizar;

iii. Erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito na medida em que o artigo 6.° do CIRC padece de inúmeras inconstitucionalidades:
a. Inconstitucionalidade Orgânica:
-O artigo 6.° viola a Lei de Autorização Legislativa n° 106/88, de 17 de setembro;
b. Inconstitucionalidades Materiais:

- Viola o princípio da tributação de rendimentos ficcionados;

- Viola, igualmente, os princípios da capacidade contributiva e da igualdade;
iv. Pretere os princípios/objetivos comunitários que resultam dos Tratados da União Europeia; Liberdade de Trabalhadores, Liberdade de Estabelecimento e de Prestação de Serviços.

Apreciando.

Sem prejuízo do que fica exposto, importa como questão prévia aferir da admissibilidade dos documentos juntos aos autos mediante requerimentos apresentados a 14.03.2019, e 12 de junho de 2020, a fls. 249 a 254 e 259 e seguintes, da plataforma SITAF, respetivamente, um respeitante a um artigo intitulado "A fiscalidade dos Advogados - As intervenções e propostas da OA", do então Bastonário da Ordem dos Advogados, de janeiro/fevereiro de 2019, e um outro artigo intitulado "A Urgente Revisão da Fiscalidade das Sociedades de Advogados, Tendo em Conta o Atual Contexto Financeiro e Económico", do Presidente do Conselho Diretor da Associação de Sociedades de Advogados de Portugal - ASAP, Dr. José ……………...

Advogam, neste âmbito e em termos superveniência, que a junção destes documentos/artigos apenas tiveram lugar nesta data, uma vez que só foram elaborados/divulgados em data ulterior à entrega das respetivas alegações de recurso.

Vejamos, então.

Importa começar por referir que em fase de recurso, a lei processual civil, concretamente o artigo 425.° e bem assim o normativo 651.° do CPC, somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, e apenas quando não tenha sido possível a respetiva apresentação em momento anterior (artigo 425.°, n°1, do CPC) ou quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1a Instância (artigo 651.°, n°.1, do CPC);

O STA, por Acórdão proferido em Recurso de Revista (1) julgou que "são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.° do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.a instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em ia instância". (destaque nosso).

Sendo certo que, a verificação das circunstâncias supra identificadas têm, necessariamente, como pressuposto basilar que os factos documentados sejam pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, da circunstância dos documentos cuja junção se pretende visarem a prova dos fundamentos da ação e/ou da defesa e, bem assim da circunstância de o juiz se encontrar vinculado a ordenar o desentranhamento do processo dos que sejam impertinentes ou desnecessários (2).

Mais importa ter presente, neste particular, que o advérbio “apenas”, utilizado no artigo 651.°, n° 1, do CPC significa, tão-só, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1a Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. É entendimento unânime jurisprudencial que deve ser recusada a junção de documentos que visem a prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a demonstração, sendo certo que não pode servir de pretexto da junção a mera surpresa quanto ao resultado (3) 3.

In casu, quanto aos documentos cuja junção se requereu, devem os mesmos ser recusados, desde logo porque nem, tão-pouco, foram apresentados com as alegações de recurso, mas em momento ulterior.

De todo o modo e não obstante o exposto, sempre se dirá que nos encontramos perante documentos que em nada relevam para a presente lide.

Concluindo, dada a sua impertinência, os aludidos documentos não podem ser admitidos, decretando-se o seu desentranhamento e restituição aos Recorrentes, com a consequente condenação em custas pelo incidente anómalo a que deu causa, nos termos do artigo 527.° do CPC e 7.0 n.° 4 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) ao que se procederá no dispositivo da presente decisão.


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Analisemos, ora, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia.

Os Recorrentes alegam que o Tribunal a quo não apreciou as questões arguidas nas alegações datadas de 14 de dezembro de 2017, incorrendo, assim, em nulidade por omissão de pronúncia.

Densificam, neste âmbito, que as questões a apreciar não têm que ver com os termos da aplicação do regime da Transparência Fiscal prescrito no artigo 6.° do CIRC nas liquidações que se impugnam -não se discute aqui se era devido mais ou menos imposto- o que está aqui em causa é o próprio regime da Transparência Fiscal, a sua inconstitucionalidade e a violação do Direito da União Europeia.

Concluem, assim, que tendo o Tribunal a quo se limitado a aplicar o regime jurídico sem abordar o essencial da causa de pedir recursiva, ou seja, a inconstitucionalidade desse mesmo regime, incorre, efetivamente, em nulidade por omissão de pronúncia.


Vejamos, então.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.°, n°1, do CPPT, que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do n° 1, do artigo 615.° do CPC, que a decisão é nula, quando "o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento".

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.°, n° 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS "[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão" (4).

Vejamos, então.

Atentando nas causas de pedir, nos vícios concretamente arguidos, não se vislumbra qualquer omissão de pronúncia, na medida em que a decisão recorrida elencou todas as questões decidendas e dirimiu-as ainda que em sentido contrário ao seu entendimento.

Note-se, neste concreto particular, que o Tribunal a quo analisou o regime jurídico da transparência fiscal, sua ratio e parâmetros de atuação, e concreta inconstitucionalidade à luz do caso vertente conforme se constata com clareza do teor da decisão recorrida, dela se extratando, no que para os autos releva, designadamente, o seguinte:
"Não têm razão, os impugnantes, quando afirmam que a aplicação do referido regime, quando como acontece, in casu, não haja distribuição de dividendos, contraria os princípios constitucionais da igualdade e da segurança tributária ou da protecção da confiança e ainda o princípio da capacidade contributiva.

Como se referiu supra a própria ratio do regime da transparência fiscal: alcançar a neutralidade fiscal; combater a evasão fiscal e eliminar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios."

Adensando, depois, que "[n]o que respeita ao princípio da capacidade contributiva, compreenda-se que o rendimento a tributar, através deste regime da transparência fiscal, já se encontra revelado através de uma capacidade contributiva que se manifesta através da matéria coletável em IRC, na esfera da própria sociedade, ainda que o lucro correspondente não tenha sido distribuído entre os sócios."

Sendo que no concreto domínio da violação do Direito Comunitário, responde assertiva e negativamente à questão, dizendo, neste conspecto, que "[n]ão tem aqui lugar a pretensa violação dos art°s 45o, 49o e 56o do Tratado da EU, que tratam da liberdade de circulação, liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços. Na verdade não existe nenhuma norma ou princípio de direito comunitário que imponha aos Estados-Membros tratamento fiscal igualitário entre sociedade de advogados residentes em Portugal e sociedades de advogados residentes noutro país da EU onde não vigore o regime de transparência fiscal.”

Ora, tendo presente que ''[s]ó pode ocorrer nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.(5) ", resulta manifesto que, in casu, inexiste a arguida nulidade da decisão, podendo, quando muito, existir erro de julgamento.

E por assim ser, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, improcede a arguida nulidade por omissão de pronúncia.

Prosseguindo.


Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se os Recorrentes cumpriram os requisitos consignados no artigo 640.° do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

"1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.° 2 do artigo 636.°."

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1a. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (6).

Ora, mediante interpretação conjugada das alegações de recurso com as respetivas conclusões, encontram-se in casu preenchidos os respetivos pressupostos, na medida em que os Recorrentes requerem o aditamento de quatro factos cuja roupagem identificam, indicando, outrossim, o respetivo meio probatório, corporizando, no seu entendimento, ainda que de forma sumária, os motivos pelos quais se reputa de relevo esse aditamento por complementação.

Face ao exposto, conclui-se que se encontram reunidos os respetivos pressupostos legais, importando, assim, aferir da sua concreta relevância.

Vejamos, então.

Os Recorrentes pretendem o aditamento dos seguintes factos, os quais no seu entender revestem relevo para efeitos de demonstração das arguidas inconstitucionalidades e desconformidades com o Direito Europeu.

i. A V……. F………. & Associados - Sociedade …………, foi constituída em 2000 e presta desde então, através dos seus sócios e associados, serviços de advocacia (Doc. 2 junto à p i.)

ii. Na Assembleia-Geral da V……….F………. & Associados - Sociedade de …………de 31.03.2012, os sócios/a sociedade decidiram não proceder à distribuição dos lucros relativos ao exercício de 2011 (cfr.

Doc. 4 junto à p.i);

iii. A Sociedade de Advogados de que os Impugnantes eram Sócios apresentava em 2011 capitais próprios negativos (cfr. Doc. 5 junto à pi.);

iv. O lucro apurado do exercício de € 148.127,29 (lucro contabilístico) foi transferido para os resultados transitados da Sociedade, que à data eram negativos (cfr. Docs. 4 e 5 juntos à p.i.).

Não obstante, como referido, se entenda que foram cumpridos os requisitos legais para efeitos da impugnação da matéria de facto, ajuizamos que os factos supra expendidos não carecem de ser aditados ao probatório, na medida em que, por um lado, comportam realidade de facto não controvertida, e por outro lado, em ordem ao dissídio vertente não revestem relevo para a presente lide. Com efeito, para efeitos da concreta aferição da conformidade constitucional e do direito europeu com o regime de transparência fiscal em contenda, em nada se afiguram relevantes para o recurso em apreciação.

Conforme analisaremos em sede própria, atenta a regulamentação do regime jurídico da transparência fiscal, a ratio legis e a forma de determinação da matéria coletável, é perfeitamente irrelevante, nesse âmbito, aquilatar da concreta distribuição dos lucros no exercício visado. Note-se que, in casu, não foi arguida nenhuma ilegalidade quanto ao seu quantum, nada sendo aduzido quanto a um eventual erro de apuramento dimanante dos concretos resultados apurados, mas sim a dinâmica decorrente do próprio regime, e a forma como o mesmo, alegadamente, impacta na relação jurídico tributária dos Impugnantes, ora Recorrentes.


Face ao exposto, improcede o requerido aditamento da matéria de facto.

Prosseguindo.

Analisemos, ora, o erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Os Recorrentes advogam, desde logo, que o artigo 6.°, n° 1, do CIRC, ao determinar que o rendimento coletável das sociedades de advogados seja tributado a título IRS aos seus sócios, independentemente de não ter havido distribuição de lucros, viola a Lei de autorização legislativa ao abrigo da qual esse Código foi aprovado, determinando, assim, a sua inconstitucionalidade orgânica.

Mais sufragam a existência de inconstitucionalidades materiais por violação do princípio da proibição de tributação de rendimentos ficcionados -não auferidos, inexistentes para o sócio.

Adensando, neste âmbito, que tal inconstitucionalidade só poderia ser ultrapassada se o visado normativo fosse interpretado no sentido de estabelecer uma presunção ilidível de distribuição dos resultados da sociedade aos seus sócios. Ou seja, demonstrando que os lucros não tinham sido distribuídos aos sócios, não poderiam os mesmos ser tributados por um rendimento que não tiveram.

Convocam, igualmente, a preterição do princípio da capacidade contributiva porquanto este regime determina sempre a obrigação de o sócio da sociedade pagar IRS por rendimentos que o mesmo não recebeu, sem atender por qualquer forma à capacidade contributiva do mesmo. Com efeito, o sócio é sempre obrigado a pagar o imposto por rendimentos obtidos pela sociedade e não distribuídos aos sócios e mesmo que não tenha quaisquer outros rendimentos.

Advogam, in fine, a violação do princípio da igualdade, autonomizando essa preterição em duas vertentes relacionadas com o tipo de relações, por um lado, a relação entre as sociedades de advogados e as demais sociedades de profissionais liberais as quais podem optar pelo regime da transparência fiscal ou pelo regime geral das sociedades comerciais, opção que está vedada às sociedades de advogados.

E por outro lado, a relação entre as sociedades de advogados e as sociedades comerciais, quando os lucros destas sociedades comerciais são tributados às próprias sociedades à taxa de 23,5%, não suportando, assim, os sócios quaisquer impostos sobre esses lucros, em contraposição com o que sucede com os lucros das sociedades de advogados os quais são tributados aos sócios a uma taxa de 48%, e independentemente da respetiva distribuição.

Concluem, a final, com a violação dos princípios/objetivos comunitários que resultam dos Tratados da União Europeia: (i) liberdade de circulação de trabalhadores; (ii) liberdade de estabelecimento; e (iii) liberdade de prestação de serviços, pois cria aos Recorrentes, Advogados, reais entraves à sua liberdade para exercer a sua atividade e para prestar os seus serviços a qualquer entidade da sua escolha e sob a forma que entendam adequada, integrando, ou não, a estrutura do respetivo capital.

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece dos vícios que lhe são assacados.

Comecemos, então, por convocar o regime jurídico que para os autos releva, traçando os inerentes considerandos de direito reputados de relevo e com concatenação com o regime da transparência fiscal.

De relevar, ab initio, que à data da prática dos factos tributários as sociedades profissionais de advogados, se encontravam subordinadas ao Regime Jurídico das Sociedades de Advogados, plasmado no Decreto-Lei n° 229/2004, de 10 de dezembro, atualmente, revogado pelo Decreto-Lei n° 145/2015, de 09 de setembro, e pelo Estatuto da Ordem dos Advogados.

Sendo que as relações societárias são determinadas em ordem ao preceituado no Código das Sociedades Comerciais (CSC), optando-se pela constituição de sociedade em nome coletivo, ou com base no regime das sociedades civis.

No domínio tributário, e em ordem ao consignado no artigo 6.°, n°4, do CIRC, resulta que as sociedades de profissionais, quando constituídas por sócios que exerçam profissões constantes da lista anexa ao Código do IRS (CIRS) -na qual todos os sócios -pessoas singulares- sejam profissionais dessa atividade- as mesmas subsumem-se no regime de tributação de transparência fiscal.

Com efeito, preceituava, à data, o artigo 6.° do CIRC que:

"1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros (...)

b) Sociedades de profissionais;

3 - A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do ato constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.

4 - Para efeitos do disposto no n° 1, considera-se:

a) Sociedade de profissionais - a sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que alude o artigo 151° do Código do IRS, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade (...)"


Mais consignando o artigo 20.° do CIRS, sob a epígrafe de "imputação especial" que:
"1 - Constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no artigo 6° do Código do IRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efetuada nos termos e condições dele constantes ou, quando superior, as importâncias que, a título de adiantamento por conta de lucros, tenham sido pagas ou colocadas à disposição durante o ano em causa.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respetivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B.

3 - Constitui rendimento dos sócios que sejam pessoas singulares o resultante da imputação efetivada nos termos e condições do artigo 60° do Código do IRC, aplicando-se para o efeito, com as necessárias adaptações, o regime aí estabelecido.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respetivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B, nos casos em que a participação social esteja afeta a uma atividade empresarial e profissional, ou na categoria E, nos demais casos."

Por seu turno, na lista anexa com a Tabela de atividades do artigo 151.° do CIRS, o exercício da advocacia encontra-se previsto no ponto 6 "juristas e solicitadores", sob a menção "6010 Advogados".

O que, desde logo, implica que a matéria coletável apurada não está sujeita a IRC, sendo imputada aos sócios na proporção da sua quota, se outro critério não for definido no contrato de sociedade, para ser tributado em sede de IRS, como Categoria B, juntamente com os restantes rendimentos destes.

"Tal como consta do n°1 do artigo 6.° do CIRC, para as sociedades transparentes, o resultado a imputar aos sócios será a matéria coletável determinada nos termos do CIRC: é imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades, com sede ou direção efetiva em território português. Assim, relativamente a estas, somente os valores positivos serão imputados. Os prejuízos serão imputados e forma indireta por meio da sua dedução, no âmbito da sociedade, aos lucros tributáveis nos exercícios seguintes (7)."

Com efeito, como doutrinado por Saldanha Sanches, as sociedades transparentes são um caso de não sujeição a IRC quanto à obrigação principal (pagamento de imposto) e sujeição a IRC quanto às obrigações acessórias (deveres de cooperação) (8).

Sendo certo que, há, desde logo, que estabelecer a concreta distinção entre as quantias pagas por conta de, ou como, lucros, de quaisquer remunerações pagas aos sócios que estejam a exercer funções de gerência/administração, e isto porque, nesta última situação, demonstrando-se a sua realidade e natureza remuneratória, as mesmas serão tributadas enquanto Categoria A (artigo 2.°, n°3, alínea a), do CIRS) (9).

No concernente à definição legal das sociedades de profissionais constante do atual artigo 6.° do CIRC (anterior artigo 5.° do CIRC) doutrinava Rui Morais (10) que ''[p]arece ainda resultar da lei que todos os sócios têm que exercer (ainda que não em exclusivo) actividade profissional na sociedade (o que afasta a existência de sócios cuja contribuição seja apenas de capital)", e no concreto particular da regra de imputação constante do n° 3 do citado normativo esclarecia "[a] obrigação de imputação existe independentemente de qualquer distribuição efectiva o que, reconheça-se, pode originar dificuldades aos sujeitos passivos (sócios) que podem ter de pagar imposto por um rendimento que não receberam, p. ex. por a maioria, em assembleia geral, ter decidido não haver lugar a qualquer distribuição de lucros (ou uma distribuição em montante inferior ao necessário para o pagamento do imposto)".

Sendo, igualmente, de convocar o entendimento de Magalhães Correia (11), o qual afirmava, neste conspecto que: "[a] redacção deste preceito é pouco feliz, pois a referência ao acto constitutivo, que é o contrato de sociedade, não permite responder satisfatoriamente a um conjunto de situações relevantes. (...) A compreensão do artigo 5°, n° 3, do Código do IRC passa, em nossa opinião, pela correcta percepção da incidência prática do princípio da capacidade contributiva, que é normalmente encarado, até pelo legislador constituinte, como um ponto de vista fundamental na decisão dos problemas financeiros. Na verdade, dentre os vários argumentos favoráveis ao sistema de transparência fiscal avulta o de que ele permite, em regra, substituir o imposto proporcional sobre sociedades pelo imposto sobre pessoas singulares, melhor adaptado à capacidade contributiva dos sócios. Ora, como se sabe, esta capacidade contributiva dos sócios varia na razão directa dos lucros a que tenham direito.Neste aspecto reside a essência do problema, como, aliás, o legislador teve exacta percepção ao afirmar, no relatório preambular ao Código do IRC, que o regime de transparência é "caracterizado pela imputação aos sócios da parte do lucro que lhes corresponder, independentemente da sua distribuição. Pena é que uma razão normativa de meridiana clareza tenha sido deficientemente expressa na lei: o artigo 5°, n° 3, do Código do IRC, ao estabelecer que a imputação é feita "nos termos que resultarem do acto constitutivo", pretendia afinal significar que essa atribuição é feita aos sócios consoante a sua participação nos lucros, apurada através do acto constitutivo ou de outro elemento probatório."

Ora, uma vez concretizado o respetivo regime normativo e inerentes considerandos de direito, atentemos, então, se assiste razão aos Recorrentes.

No atinente à alegada inconstitucionalidade orgânica, importa evidenciar, desde já, que a mesma não se encontra devida e suficientemente substanciada, não se percecionando, tão-pouco, a desconformidade e sua extensão com a Lei de autorização legislativa.

Sem embargo, sempre se dirá que não se vislumbra a aduzida inconstitucionalidade, bastando para o efeito ter presente o próprio teor da Lei de Autorização Legislativa, e cotejar inclusive com o preâmbulo do CIRC, e com o próprio regime jurídico supra expendido.

Com efeito, o item três do aludido preâmbulo esclarece, desde logo, que:

"A designação conferida a este imposto - imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas - dá, desde logo, uma ideia sobre o respetivo âmbito de aplicação pessoal. O IRC incide sobre todas as pessoas coletivas de direito público ou privado com sede ou direção efetiva em território português. O ponto de partida para a definição da incidência subjetiva foi, assim, o atributo da personalidade jurídica.

No entanto, sujeitaram-se igualmente a IRC entidades com sede ou direção efetiva em território português que, embora desprovidas de personalidade jurídica, obtêm rendimentos que não se encontram sujeitos a pessoas singulares ou coletivas que as integram. Deste modo, consideram-se passíveis de imposto determinados entes de facto, quando razões de ordem técnica ou outras tornem particularmente difícil uma tributação individualizada, evitando-se que a existência de tributação ou o imposto aplicável fiquem dependentes da regularidade do processo de formação dos entes coletivos.

Aplica-se ainda o IRC às entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede ou direção efetiva em território português, mas nele obtenham rendimentos, desde que não se encontrem sujeitas a IRS - o que igualmente impede a existência de soluções de vazio legal relativamente a entidades não residentes que obtenham rendimentos em Portugal.

Importa ainda sublinhar que, com objetivos de neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação da denominada dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios, se adotam em relação a certas sociedades um regime de transparência fiscal. O mesmo carateriza-se pela imputação aos sócios da parte do lucro que lhes corresponder, independentemente da sua distribuição.

Este regime é igualmente aplicável aos agrupamentos complementares de empresas e aos agrupamentos europeus de interesse económico."

Ora, do supra expendido é por demais evidente que o regime da transparência fiscal que se caracteriza pela imputação aos sócios da parte do lucro que lhes corresponder, independentemente da sua distribuição, não padece da invocada inconstitucionalidade orgânica, estando, aliás, em sintonia com o consignado na aludida Lei de autorização legislativa e com os objetivos traçados e delineados para este regime jurídico, a saber: neutralidade, combate à evasão fiscal, e eliminação da denominada dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios. Em nada podendo, portanto, relevar o aduzido em 3).

Atenhamo-nos, ora, sobre a arguida inconstitucionalidade material atinente à consagração de presunções inilidíveis.

Neste âmbito, importa dizer que inversamente ao propugnado pelos Recorrentes a letra da lei é clara e não obstante estabeleça, perentoriamente, que a imputação da matéria coletável aos sócios da sociedade sujeita ao regime de transparência, tem de ser feita de acordo com o regime decorrente do citado artigo 6.° do CIRC, sendo, assim, irrelevante, a concreta distribuição efetiva de lucros, fê-lo de forma consciente e deliberada, porquanto não pretendeu deixar a imputação da matéria coletável na disponibilidade dos sócios, sendo que tal imputação só pode ocorrer de acordo com as regras estabelecidas no pacto constitutivo da sociedade, ou, na ausência delas ou de outros elementos, em partes iguais.

De relevar, neste concreto particular, que o supra aludido não permite inferir a existência de um regime que consagre presunções de juris et de jure, em clara preterição com o consignado no artigo 73.° da LGT. E isto porque, tal regulamentação não preclude a possibilidade de se demonstrar que o cômputo e a própria imputação da matéria coletável padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, mormente, que os rendimentos que lhes estão a ser imputados não estão corretamente determinados, seja por o valor se encontrar desfasado da realidade declarada, particularmente por se revelar inferior, seja por privação de deduções legais, seja por englobarem valores insuscetíveis de imputação pessoal, ou mesmo desconformidade com a sua própria participação no capital social.

Com efeito, o regime consagrado no n.° 1 do artigo 6.° do CIRC permite prova em contrário, sendo que essa interpretação é, de resto, a única conforme a lei fiscal, mormente, com o já citado artigo 73.° da LGT e com o princípio da tributação do rendimento real consignado no artigo 103.° da CRP.

Neste concreto particular, chama-se à colação o doutrinado por este Tribunal, no processo n° 2087/13.7, com data de 13 de maio de 2021, em processo em tudo similar ao dos autos, e no qual se afirmou, neste âmbito, designadamente, o seguinte:


"Ora, mesmo considerando que a «a imputação não se confunde com a distribuição de lucros» - estes podem não ser distribuídos, ou podem ser distribuídos em quantia inferior - (daí que a imputação de rendimentos deva efectuar-se no ano a que respeitam e não no ano seguinte - (...), afigura-se-nos que, tendo em atenção o princípio da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva e do objectivo constitucional da «repartição justa dos rendimentos e riqueza» (cfr. n° 1 do art. 103o da CRP), aquela imputação de matéria colectável «nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais» se há-de reconduzir, ainda assim, a uma ficção legal, rectius, a uma presunção legal que, face ao disposto no art. 73° da LGT (que afasta expressamente, no domínio das normas de incidência tributária, a possibilidade de existência de presunções inilidíveis) deverá ter-se por ilidível, sendo que, para os efeitos previstos nesse art. 73° e no art. 64° do CPPT, deve entender-se, igualmente, (...) — que a referência a normas de incidência é utilizada na acepção lata (as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação») e não apenas na acepção mais restrita (normas que indicam o sujeito passivo e a definição da matéria colectável, sem abranger a sua determinação).
(...) as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão «presume-se» ou semelhante, mas «também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva», quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores, afigura-se-nos que, no caso, sendo o rendimento colectável de IRS «o que resulta do englobamento das várias categorias auferidos em cada ano» (art. 22° do CIRS), também aqui é de concluir (como o dito autor conclui para vários casos que exemplifica em sede de IRS e de IRC) que «... as normas que ficcionam valores para efeitos de determinar a medida dos rendimentos contêm presunções implícitas, já que não se pode aceitar, à face do princípio constitucional da igualdade, que se queiram tributar rendimentos inexistentes; por isso, as ficções de valores de matéria tributável foram introduzidas na lei no pressuposto de que correspondem à realidade os valores determinados por via de presunção. // Em situações deste tipo, está-se perante a aplicação de presunções contidas em normas de incidência objectiva (conceito em que se englobam as normas sobre determinação da matéria tributável de natureza substantiva, como é jurisprudência assente do TC), pelo que os interessados podem ilidi-las, ao abrigo do disposto no art. 73° da LGT, e fazer uso do procedimento de ilisão de presunções previsto neste art. 64° do CPPT; é admissível ilidir as presunções implícitas porque o que se pretende «sempre» é tributar rendimentos reais e não inexistentes e é por esta razão, de se querer «sempre» tributar valores reais, que o art. 73° da LGT permite «sempre» ilidir presunções".

Sendo, igualmente, de relevar que a fundamentação jurídica supra expendida foi objeto de Revista junto do STA, tendo o aludido entendimento sido secundado e validado mediante Acórdão prolatado a 04.06.2025, conforme se dá nota e se transcreve infra na parte que para os autos releva:

''É evidente da letra que o legislador optou e quis optar (pelas razões que supra se deixaram identificadas) por consagrar um regime de tributação especial, traduzido na desconsideração da personalidade jurídica do próprio ente colectivo e presumindo que os rendimentos sujeitos a imposto decorrentes da actividade por aquela desenvolvida fossem imputados pessoalmente aos sócios que passam a ser os sujeitos diretos dos rendimentos por aquela obtidos, isto é, os sujeitos passivos do imposto.
3.2.14. Neste contexto, de expressa estipulação de que «É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direcção efectiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros fácil se revela concluir que, como bem se decidiu no acórdão recorrido, e constitui jurisprudência reiterada, que o julgamento de direito realizado não enferma do erro de interpretação e aplicação que lhe vem imputado pelos Recorrentes.
3.2.15. Note-se, de resto, que sendo os sócios a quem a matéria colectável é imputada, quem detém o poder de deliberar sobre a não distribuição dos lucros, atribuir-se valor, para efeitos de aplicação do regime de transparência fiscal, a uma deliberação dos próprios nesse sentido, seria criar uma via muito simples de defraudar o regime especial que se quis consagrar e comprometer de todo os fins que com ele se visaram alcançar. Comprometendo, outrossim, a tributação, uma vez que, concomitantemente com a imputação, se estabeleceu a não tributação do ente colectivo, o que significa que os rendimentos obtidos pela sociedade profssional nem seriam tributados nos termos do IRC nem nos termos do IRS.
3.2.16. Diga-se, por fim, que não significa o que vimos expondo que também nós, contrariamente ao que admitimos, estamos a reconhecer que o n.° 1 do artigo 6.° do CIRC consagra uma presunção e, a final, a concluir que essa presunção é inilidível. Nem, por outro lado, que esta interpretação viola o princípio da capacidade contributiva ou da igualdade.
3.2.17. Quanto à ilisão da presunção, porque ele deve ser interpretada - face ao regime estabelecido - como uma ilisão dos rendimentos tributáveis. Ou seja, o que o artigo 6.°, n.° 1 do CIRC admite, bem, é que os sujeitos passivos possam alegar e provar que os rendimentos que lhes estão a ser imputados a título pessoal, por via da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, não estão correctamente determinados, por o valor não corresponder à realidade, por ser inferior, designadamente por não lhes ter sido permitido efectuar deduções a que julgam ter direito, nela estarem englobados valores relativos a tributações autónomas que o legislador exclui da imputação pessoal aos sócios ou não ser o valor que lhes deva ser imputável atenta a sua participação no capital social. Devendo, nestas situações, recorrer ao procedimento especifico previsto no artigo 64.° do CPPT. Ou seja, a elisão da presunção centra-se na determinação do quantitativo e não na imputação, a qual, como se disse já, e se constata da letra ( e do espírito) da lei, constitui uma pedra angular do regime, uma opção do legislador e não um facto sujeito a infirmação."


Face ao exposto, e aderindo à fundamentação jurídica a qual, naturalmente, se acolhe improcede a aduzida inconstitucionalidade.

Atenhamo-nos, ora, na arguida violação dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade tributária, ressalvando-se, desde já, que os mesmos não procedem.

Senão vejamos.

O princípio da capacidade contributiva, na sua dimensão de igualdade, concretamente da sua vertente material, tem sido objeto de profusa análise por parte do Tribunal Constitucional cuja caracterização se pode resumir do modo seguinte, convocando, para o efeito, o discurso fundamentador constante no Acórdão n.° 590/2015, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

"[...]
O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.° da Constituição), encontra concretização "na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (...); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos" (TEIXEIRA RIBEIRO,
Lições de Finanças Públicas, 5.a edição, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: "Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)" (Direito Fiscal, 7A edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva "de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto" (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).
Assim o tem afirmado o Tribunal Constitucional, de que é exemplo o Acórdão n.° 84/2003:
"O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de "uniformidade" - o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério - preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos - dos "impostos fiscais" mais precisamente - se deverá fazer segundo a capacidade económica ou "capacidade de gastar" (...) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). (...) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a "capacidade contributiva" continua a ser um critério básico da nossa "Constituição fiscal" sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103° e 104° da CRP (...)".
Este Tribunal tem, todavia, salientado que o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.° 711/2006, «é claro que o "princípio da capacidade contributiva" tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (...) - como proibição do arbítrio».

Em suma, na síntese do Acórdão n.° 695/2014, "o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (...)".

Sendo, igualmente, de relevar que "[à] luz do princípio da capacidade contributiva, o termo de comparação a mobilizar para o juízo de igualdade há de extrair-se da concretização legislativa da capacidade contributiva que com cada tributo se visa atingir, conquanto se reconheça à(s) norma(s) interposta(s) a necessária conformidade com o mesmo princípio (v. Casalta Nabais, José, O Dever Fundamental de Pagar Impostos - Contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo, (3.a Reimpr.), Almedina, Coimbra, 2012, p.444)", conforme é doutrinado no Acórdão do Tribunal Constitucional, prolatado no âmbito do processo n° 475/2020, de 01 de outubro de 2020.

Logo, e transpondo o supra exposto para o caso vertente, não se vislumbra, de todo, que a expressa consagração do regime jurídico da transparência fiscal com a amplitude e delimitação que vimos analisando consagre qualquer violação do princípio da capacidade contributiva o qual, como visto, exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade.
Ademais, há que sublinhar que situações idênticas à dos Recorrentes serão tratadas da mesma forma.

E por assim ser, não se vislumbra a advogada desigualdade, quer na vertente formal, quer na sua dimensão material, sendo que as duas vertentes em que é desdobrado in casu o princípio da igualdade não permite, de todo, lograr o almejado provimento.


Aliás, este foi, justamente, o entendimento que foi sancionado no Acórdão do STA já citado e que vimos acompanhando, dele se extratando, designadamente, que:

"É nítido que é a doutrina da desconsideração (da personalidade colectiva) que está na base da consagração do regime de transparência fiscal do artigo 6.° do CIRC e, ao ser um meio de garantia do credor tributário, denota-nos que o legislador considera que os rendimentos societários são resultado do intuito personae que caracteriza a actividade»10. «A particularidade da transparência fiscal [reside em que] a matéria colectável é determinada nos termos do CIRC e, em seguida, imputada aos sócios, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante sejam pessoas singulares ou colectivas. Assim, a dupla tributação económica deixa de acontecer, na medida em que a situação de um rendimento ser tributado num determinado momento em sede de IRC, a título de lucro e, noutro momento, em sede de IRS, a título de dividendos, já não se verifica. Ao imputar-se todo o rendimento da sociedade aos sócios por uma só vez e, a nesse nível ser tributado, deixa de ter lugar qualquer tributação do rendimento como rendimento da sociedade». Mais se refere que «esta imputação conduz também à prevenção da evasão fiscal mediante a não distribuição de lucros ou a constituição de reservas, pelo que a desconsideração da personalidade jurídica destas entidades é, nestes termos, uma medida fiscal antiabuso»
Por outras palavras, o regime de transparência fiscal em causa nos autos tem em vista garantir a tributação do rendimento real de cada sócio da sociedade de advogados, percebido no contexto do exercício da sua actividade profissional, cujo travejamento supõe o recurso à forma jurídica societária. Por esta via assegura-se a tributação da capacidade tributária efectiva, dado que o imposto incide apenas sobre o rendimento obtido por cada sócio, nos termos que resultam do pacto societário, afastando-se qualquer tratamento discriminatório em relação aos advogados que exercem a profissão sem recorrer à forma societária e assegura-se o direito à ilisão da presunção, caso o interessado assim pretende demonstrar perante a AT que o rendimento que integra a sua esfera jurídica é diverso do que lhe foi imputado (artigo 64.° do CPPT)."
Juízo de entendimento que foi mais uma vez sancionado pelo STA no âmbito do qual se discorreu, de forma clara e que se acolhe que:
O legislador, no uso da sua liberdade de conformação política, pode estabelecer regimes de tributação diferenciadores desde que essa distinção esteja suficientemente legitimidade pela prossecução e realização de outros valores, por razões de equidade, praticabilidade e eficiência ou com vista à prossecução de quaisquer objectivos a que se reconheça dignidade constitucional.
3.2.19. No caso, é o que sucede. O regime foi consagrado para prevenir a evasão fiscal, tendo ficado estatuído um regime que obstava a que se verificasse uma situação de dupla tributação (excluindo de IRC o ente colectivo) e limitando a imputação aos sócios à sua participação nos lucros, apurada através do acto constitutivo ou de outro elemento probatório. Em suma, os rendimentos que lhe estão a ser imputados são os rendimentos a que efectivamente tem direito e a que podem livremente aceder, se assim o entenderem, bastando para tanto que não deliberem a não distribuição dos lucros. Rendimentos que, por via do capita social que detém, são efectivamente seus.
3.2.20. Quanto ao princípio da igualdade, recuperamos, aqui, o que ficou dito no acórdão n.° 48/2020, do Tribunal Constitucional, proferido a 16 de Janeiro de 2020 3(acórdão em que estava também em causa o regime consagrado no artigo 6.°, n.° 1 do CIRC, jurisprudência que, ainda que directamente dirigido à limitação de deduções, é nesta parte inteiramente transponível):Acórdão inteiramente disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200048.html «(...) Ainda que se desse por demonstrado que do regime que compreende a norma que constitui objeto do presente recurso resulta uma diferenciação in pejus dos sócios a que são imputados os rendimentos de uma entidade transparente (nos termos previstos no artigo 6.° do CIRC), sempre se imporia reconhecer que essa diferenciação não merece censura constitucional com fundamento no princípio da igualdade.
Assim é, quer porque a aplicação desse regime decorre da opção dos próprios sujeitos passivos de exercer a sua atividade profissional através de uma sociedade de advogados, quer porque o facto de essa opção ter sido tomada é um termo adicional atendível - para além da capacidade contributiva - na comparação entre o grupo-alvo e o par comparativo. Como se referiu, o regime em causa nos presentes autos caracteriza-se pela desconsideração da personalidade das sociedades de profissionais, tornando-as transparentes na medida em que deixam de ser tributadas em IRC (salvo no que respeita às tributações autónomas - v. o artigo 12.0 do CIRC). No entanto, os rendimentos que são imputados aos sócios não deixam de ser obtidos através da sociedade, com todos os custos e vantagens que essa opção implica no modo como é exercida a atividade profissional. É no contexto da sociedade que se manifesta e recorta a capacidade contributiva que com o imposto se visa atingir. Ora, a lei pode bem atribuir relevância a este facto.».

E por assim ser, e sem necessidade de quaisquer dilucidações adicionais, há que concluir no sentido da improcedência das aduzidas inconstitucionalidades, não se verificando, assim, qualquer infração aos artigos 1.°, 2°.°, 13.°, 58.°, 61.°, n° 1, 103.°, n° 1, 104.°, n° 1, e 266° da CRP.

Subsiste, ora, por analisar a arguição atinente à violação dos princípios/objetivos comunitários que resultam dos Tratados da União Europeia, mormente, liberdade de circulação de trabalhadores, liberdade de estabelecimento e liberdade de prestação de serviços.

E cuja resposta mais uma vez propugnamos no sentido negativo, desde logo, porque à semelhança do já evidenciado anteriormente não foi suficientemente densificada tal preterição, sendo certo que, de todo o modo, não se constata, nem resulta minimamente demonstrado que tal regime jurídico crie aos Impugnantes, ora Recorrentes, reais entraves à sua liberdade para exercer a sua atividade e para prestar os seus serviços a qualquer entidade da sua escolha e sob a forma que entendam adequada, integrando, ou não, a estrutura do respetivo capital.

Encontramo-nos perante um regime jurídico delineado e regulamentado, como visto, de acordo com a liberdade de conformação política, tendo, nessa conformidade, sido criado um regime de tributação diferenciador, mas com inteira dignidade constitucional, norteado, como já evidenciado e ora se reitera, pela neutralidade, pela necessidade de combate à evasão fiscal, e pela eliminação da denominada dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios.

Este foi, igualmente, o sentido vertido no aludido Acórdão do TCAS, no qual, foi expresso que: " [a] este propósito, cumpre referir que a liquidação impugnada resulta da aplicação do regime de transparência fiscal a uma sociedade com sede em território nacional, integrada por sócios, sujeitos passivos de IRS em Portugal, pelo que a situação dos autos não corporiza qualquer conexão com o Direito Europeu. Também não se detecta, nem é invocada qualquer ofensa do parâmetro de Direito Europeia das liberdades fundamentais em referência. O regime fiscal em apreço é aplicado, de forma uniforme, a qualquer sujeito passivo residente em Portugal, que obtenha rendimentos no âmbito do exercício da actividade de advocacia, no quadro da forma societária. Pelo que não existe, nem foi concretizada pelos impugnantes, a invocada preterição dos referidos princípios de direito europeu."

Juízo de entendimento que foi objeto de inteira anuência na Revista que foi submetido junto do STA e na qual se conclui que: “no que respeita aos direitos e garantias fundamentais tutelados nos arts. 49o, 56o e 57o do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) nos arts. 15o, 16o e 45o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE), que o regime ou a interpretação e aplicação que dele fazemos, para além de tais violações nem sequer terem sido suficientemente densificadas pelos Recorrentes, não se logra que os mesmos fiquem minimamente afectados pelas razões que supra deixámos consignadas e que aqui se reiteram."

Daqui resulta, portanto, que a alegada deliberação dos sócios de não distribuição dos lucros não tem, nem pode ter, o alcance visado pelos Recorrentes, sendo que esta interpretação não viola o regime legalmente instituído, nem os princípios da capacidade e igualdade constitucionalmente consagrados, nem quaisquer direitos e princípios consagrados no TFUE ou a CDFUE.

Uma última nota para evidenciar que carece de qualquer materialidade o aduzido nas suas alegações quanto ao artigo 213.°, n.° 5, do Estatuto das Ordem dos Advogados, na medida em que o mesmo não implicou a revogação do regime de transparência fiscal a que estão sujeitas as sociedades de advogados, previsto no artigo 6.°, n°1, alínea b), do CIRC.

Face a todo o exposto, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais improcede na íntegra o presente recurso.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL em:

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e manter a decisão recorrida, com todas as legais consequências.

Condenar os Recorrentes nas custas do incidente reportado à junção indevida de documentos em sede de instância recursória e nesta instância, fixando-se, quanto àquele primeiro, a taxa de justiça em 1(uma) UC.

Registe. Notifique.

Lisboa, 18 de setembro de 2025
(P
atrícia Manuel Pires)
(Rui A. S. Ferreira)
(SARA LOUREIRO-em substituição)


(1) Cfr. Acórdão de 27-5-2015, proferido no processo n.° 570/14; Vide, igualmente, o Acórdão do TCA Sul proferido no processo n° 07915/14, de 08 de junho de 2017.
(2) Vide José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3°., Tomo I, 2a. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4a. Edição, 2017, pág.229 e seg.
(3) Cfr. Acórdão do TCA Sul, proferido no processo n° 312/17.4 BEBJA, de 25 de janeiro de 2018; Vide Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2a. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.230
(4) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
(5) In Acórdão do STA, proferido no processo n° 01109/12, de 07.11.2012.
(6) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3°., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo n° 6505/13, de 2 de julho de 2013.
(7) Micaela Andreia Monteiro Lopes, A Transparência Fiscal, Contributo para a compreensão do artigo 6.° do CIRC, Vida Económica, março 2018, pp. 125 e 126.
(8) Cfr. Saldanha Sanches « Sociedades Transparentes: alguns problemas no seu regime », Fisco n° 17, página 36.
(9) Vide José Guilherme Xavier de Basto, IRS Incidência Real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 61 e 62.
(10) Sobre o IRS, 2a ed., Almedina, 2008, pp 210, 214 e 215.
(11) A Transparência Fiscal das Sociedades de Profissionais, in Fisco, n° 7, abril 1989, pp. 3/8.