Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1839/10.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/21/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:LOCAÇÃO FINANCEIRA
SUJEITO PASSIVO MISTO
CRITÉRIO DOS CONTRATOS EM CARTEIRA
PRO RATA
DIREITO À DEDUÇÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO SUBSTANCIAL
ERRO NOS PRESSUPOSTOS
NEUTRALIDADE
NULIDADE DA SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Sumário:I. Cumpre distinguir “fundamentação” de “aparência de fundamentação” da sentença, sendo esta a situação onde, apesar de ser indicada uma motivação da matéria de facto, na verdade ela contém ínsitas fórmulas vazias, que redundam numa verdadeira falta de fundamentação.

II.O vício de falta de fundamentação comporta quer uma dimensão apenas formal, quer uma dimensão substancial.

III.O método a adotar, para efeitos de cálculo do imposto a deduzir por sujeitos passivos mistos de IVA, deve ser aquele que garanta, o mais possível, a neutralidade.

IV.O princípio da neutralidade admite que a modalidade de cálculo do direito à dedução em casos de sujeitos passivos mistos seja aquela que permita a maior precisão possível.

V.Como tal, o método do pro rata de dedução não é o método de aplicação prevalente.

VI.Tendo a Impugnante, sujeito passivo de IVA misto, que leva a efeito operações de locação financeira mobiliária, adotado um critério de cálculo do IVA dedutível baseado nos contratos em carteira, para que a AT afaste tal critério tem de sustentar a sua posição.

VII.Para que o ónus da prova passe a caber ao sujeito passivo, em casos como o dos autos, é fundamental que a AT tenha, de forma sustentada, demonstrado a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua atuação.

VIII.Não tendo, de forma absoluta, sido demonstrado o motivo pelo qual o método de cálculo do IVA dedutível, baseado nos contratos em carteira, é de afastar, as liquidações estão viciadas na sua essência.

IX.A situação descrita em VIII. reflete uma falta de fundamentação substancial do ato, por falta de demonstração da motivação inerente à exclusão do critério adotado, e um erro nos pressupostos, por não estar cabalmente demonstrada a aplicação do disposto no art.º 23.º, n.º 4, do CIVA.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

I. RELATÓRIO

T……….. Crédito ……………… – Instituição ……………………, S.A. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 18.03.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e respetivos juros compensatórios, referentes a dezembro de 2007.

O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nas suas alegações, a Recorrente concluiu nos seguintes termos:

1.ª A douta sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IVA n.º …………784 e de juros compensatórios n.º …………..785, relativas ao período de dezembro de 2007 (07/12);

2.ª O Recorrente não se conforma com a sentença recorrida;

3.ª Desde logo, a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação, relativamente a todas as questões colocadas à sua apreciação, pois o Tribunal limita-se, com o devido respeito, a sintetizar a posição das partes, a transcrever as normas legais aplicáveis, a definir conceitos e a aderir à tese da Fazenda Pública, sem nunca justificar a sua decisão;

4.ª Esta falta de fundamentação colide frontalmente com o princípio constitucional do dever de fundamentação das decisões (cf. artigo 205.º da CRP), o que desde já se invoca para os devidos efeitos;

5.ª Por outro lado, a sentença recorrida incorre igualmente em nulidade por falta de valoração crítica da prova, na medida em que a prova testemunhal produzida nos autos não foi sequer relevada pelo Tribunal Recorrido;

6.ª Se o Tribunal entendeu que o depoimento da testemunha não foi convincente, ou que está ferido de ausência de genuinidade, então devia ter feito essa declaração na motivação da decisão, mas o que se constata é que nada consta acerca do depoimento da testemunha, o que leva a crer que o mesmo nem sequer foi valorado pelo tribunal;

7.ª Deste modo, considerando-se que do processo não constam todos os elementos probatórios que permitem a reapreciação da matéria de facto, bem como que a sentença é omissa em sede de probatório quanto aos factos essenciais (provados ou não provados) para a decisão da causa, impõe-se ao Tribunal ad quem, por força do disposto no artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, que ordene a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para fixação de um novo probatório;

8.ª Caso não se entenda que a sentença recorrida incorre em nulidade por falta de valoração crítica da prova – no que não se concede, mas por cautela de patrocínio se equaciona – só se pode então concluir que, pelo menos, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento da matéria de facto;

9.ª Com efeito, a sentença não deu como provados factos que o deveriam ter sido com base na produção de prova testemunhal;

10.ª Assim, e para os devidos efeitos, não pode o Recorrente deixar de impugnar os pontos do probatório da sentença recorrida, por manifesta insuficiência, na medida em que, concomitantemente com os factos ali descritos, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:

A) Todas as atividades do Impugnante dão origem à celebração e manutenção de contratos/operações, cujos custos (ditos comuns), os quais não são passíveis de afetação direta a cada um dos contratos/operações, sendo incorridos independentemente de se tratar da celebração de contratos sujeitos a IVA ou de contratos isentos, ou do “volume de proveitos” por si gerado [cf. minutos 00:04:59 a 00:05:13, 00:06:48 a 00:06:55, 00:07:25 a 00:08:39 e 00:09:36 a 00:10:02 do registo áudio do depoimento];

B) A escolha do apuramento do pro-rata com base no critério dos contratos em carteira ficou a dever-se ao facto de ser nestes contratos que assenta a atividade da Impugnante [cf. minutos 00:04:59 a 00:05:13 e 00:06:48 a 00:06:55 do registo áudio do depoimento];

C) A adoção do método do pro rata geral provoca uma distorção na dedução do IVA, atento o facto de o valor das operações poder divergir significativamente de uma operação para outra, mantendo-se inalterados os custos suportados para a respetiva realização [cf. minutos 00:05:14 a 00:06:45 do registo áudio do depoimento];

D) O volume de negócios (i.e., o valor dos bens objeto de leasing) não faz aumentar ou diminuir os recursos utilizados, mas sim a celebração de contratos, se em maior ou menor quantidade [cf. minutos 00:08:40 a 00:09:35 do registo áudio do depoimento];

E) A experiência do sector revela que a generalidade das instituições financeiras adota procedimento idêntico ao do Impugnante [cf. minutos 00:03:25 e 00:10:02 a 00:10:12 do registo áudio do depoimento];

F) Os serviços de inspeção tributária nunca pediram elementos para confrontar ambos os critérios, o por si imposto do volume de negócios, e o adotado pelo contribuinte, de molde a poder ou não concluir que um criaria mais ou menos distorções de tributação que o outro [cf. minutos 11:44 a 14:13 do registo áudio do depoimento].

11.ª Os factos invocados deveriam, para todos os efeitos, ter sido relevados na matéria de facto assente na decisão sub judice, atenta a manifesta relevância dos mesmos para a boa decisão da causa; a sua relevação e ponderação teria conduzido a uma decisão distinta da que foi proferida pelo Tribunal a quo;

12.ª O Recorrente entende que a sentença recorrida incorre também em erro de julgamento de direito quanto aos vários vícios invocados na impugnação judicial;

13.ª Caso não se entenda que, quanto a todos os vícios invocados, o tribunal incorre em nulidade por falta de fundamentação, só se poderá então, pelo menos, concluir que o mesmo incorre em erro de julgamento;

14.ª No que respeito ao invocado vício de falta de fundamentação do ato tributário, o mesmo tem-se por verificado, porquanto a administração tributária determina o afastamento do critério de pro-ratização específico utilizado pelo Recorrente, em afirmações genéricas e meramente conclusivas, sem qualquer particularização quanto à falta de objetividade do mesmo, descrevendo, de forma sucinta e abstrata, os serviços associados a cada uma das diferentes áreas de atividade do Impugnante, concluindo, de per se, pela falta de objetividade do critério de dedução adotado dos contratos em carteira, sem aduzirem quaisquer razões de facto para esse efeito, nem são conhecidas as razões de facto e de direito por detrás do apuramento efetuado pela administração tributária;

15.ª O mesmo sucedeu num acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 09.03.2017, proferido no âmbito do processo n.º 20005/16.9BCLSB, e o Tribunal concluiu pela falta de fundamentação do ato;

16.ª No que respeita à invocada violação dos princípios da igualdade e da tutela da confiança, a mesma também tem-se por verificada;

17.ª Conforme depôs a testemunha inquirida nos autos, a experiência do setor demonstra que a generalidade das instituições financeiras adota procedimento idêntico ao do Recorrente;

18.ª Foi, aliás, neste sentido que o mencionado Ofício n.º 30.108 veio esclarecer as regras para determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as atividades de Leasing ou de Aluguer de Longa Duração, determinando a aplicação imperativa do método da afetação real nas situações em que sejam exercidas, em simultâneo, atividades financeiras e operações de leasing e de “ALD”, ficando nestes casos afastada a possibilidade de utilização do método do pro rata geral;

19.ª Assim, negando a administração tributária ao Recorrente a possibilidade de utilização do critério específico afetação dos inputs comuns às atividades por si desenvolvidas quando, não só de forma reiterada e sistemática o tem aceite à generalidade dos contribuintes, mas também o considera na própria doutrina administrativa como sendo o que mais se aproxima da neutralidade desejada, a sua atuação é manifestamente violadora da lei, por colidir com o princípio constitucional da igualdade, vertido no artigo 266.º, n.º 1 da CRP, e o princípio da proteção da confiança ínsito no Estado de Direito, constitucionalmente consagrado no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, o que desde já se invoca para os devidos efeitos;

20.ª Acresce que a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias, nos termos do artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT, sendo que a violação da vinculação de orientação genérica invalida igualmente o ato tributário praticado, viciando-o de anulabilidade, como refere LOPES DE SOUSA (cf. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. I, 2006, p. 439);

21.ª Também no que respeita à invocada falta de pressupostos para a aplicação do pro rata geral em detrimento do pro rata específico adotado pelo Recorrente, a sentença incorreu em erro de julgamento de direito, conforme se passa a evidenciar;

22.ª Em primeiro lugar, a administração tributária não demonstrou que o procedimento adotado pelo ora Recorrente provocava distorções significativas na tributação, e só provando isso poderia ter operado uma substituição de método;

23.ª Ainda assim, o Recorrente logrou provar que o método por si adotado é inclusivamente o mais adequado face ao caso concreto;

24.ª JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO e MARIA ODETE OLIVEIRA (op.loc.cit) referem-se expressamente à admissibilidade de critérios que operam com o número de transações realizadas ou de contratos celebrados;

25.ª No recente Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo n.º C-153/17, de 18 de outubro de 2018 (caso Volkswagen), o Tribunal veio salientar que a análise a efetuar não pode estar desligada da verificação em concreto das circunstâncias do caso, de molde a saber qual o elemento que determina uma utilização mais predominante dos inputs mistos (considerando 54);

26.ª Nesse sentido vai também o próprio Ofício n.º 30.018 da AT;

27.ª Conforme resultou provado nos autos, designadamente através da inquirição da testemunha Nuno …………………………….., a adoção pelo Impugnante, ora Recorrente, do critério de proratização do IVA suportado nos custos comuns dos contratos em carteira foi motivada pelo facto de este critério refletir com maior rigor, coerência e elevado grau de realidade, a proporção das operações ativas que conferem o direito à dedução;

28.ª Efetivamente, conforme corroborou a testemunha inquirida, há um inquestionável nexo entre a manutenção dos contratos em carteira e a incorrência de fornecimentos e serviços externos, quer por a imputação direta ao sector de atividade isento ou tributado ser mais difícil de concretizar na manutenção dos contratos, quer por o custo e o tempo médio de preparação e manutenção de um contrato ser independente da sua natureza tributada ou não em sede de IVA, do rendimento por si gerado e da atividade a que respeita;

29.ª De facto, atendendo a que todas as atividades do Impugnante, ora Recorrente, dão origem à celebração e manutenção de contratos/operações, cujos custos (ditos comuns), que não são passíveis de afetação direta a cada um dos contratos/operações, são incorridos independentemente de se tratar da celebração de contratos sujeitos a IVA ou de contratos isentos, ou do “volume de proveitos” por si gerado, o critério dos contratos em carteira afigura-se como o mais objetivo e racional [cf. minutos 00:04:59 a 00:05:13, 00:06:48 a 00:06:55, 00:07:25 a 00:08:39 e 00:09:36 a 00:10:02 do registo áudio do depoimento], ou seja, não provoca distorção na dedução do IVA [cf. minutos 00:03:28 a 00:03:41 e 00:06:47 a 00:06:55 do registo áudio do depoimento];

30.ª Ao invés, a adoção do método do pro rata geral provoca uma distorção na dedução do IVA, atento o facto de o valor das operações poder divergir significativamente de uma operação para outra, mantendo-se inalterados os custos suportados para a respetiva realização [cf. minutos 00:05:14 a 00:06:45 do registo áudio do depoimento];

31.ª As palavras da testemunha inquirida são até bastante ilustrativas: “ (…) por exemplo o contrato de um automóvel de baixa gama versus um contrato de um automóvel de alta gama, dão os dois exatamente o mesmo trabalho (…) e às vezes até acontece um contrato de mais baixa gama implicar mais custos, porque depois os clientes, tendo mais dificuldades financeiras, deixam de pagar, depois temos que gastar dinheiro em contencioso (…).” [cf. minutos 08:03 a 08:40 do registo áudio do depoimento];

32.ª A testemunha refere-se ainda à situação de um leasing imobiliário, cujo valor do contrato (volume de negócio) é muito superior ao de um leasing mobiliário, mas muito menos frequente, razão pela qual, o critério do volume de negócios, mais uma vez, desvirtuaria por completo a real afetação dos custos comuns [cf. minuto 08:40 a 09:35 do registo áudio do depoimento];

33.ª Assim, não é o volume de negócios (i.e., o valor dos bens objeto de leasing) que faz aumentar ou diminuir os recursos utilizados, mas obviamente que a celebração de contratos, se em maior ou menor quantidade, essa sim influencia os recursos utilizados [cf. minutos 00:08:40 a 00:09:35 do registo áudio do depoimento];

34.ª O critério do volume de negócios alheia-se da especificidade da atividade da Recorrente e da irrelevância da incorrência dos custos comuns em função da tributação dos contratos em sede de IVA, bem como do valor a estes subjacente [cf. minutos 00:08:00 a 00:08:39 e 00:09:30 a 00:09:35 do registo áudio do depoimento] sendo este o motivo que permite perceber a divergência da percentagem de dedução apurada pela Recorrente e a apurada pela Autoridade Tributária, uma vez que a maior realização de proveitos numa atividade não tributada, não implica a sua equivalência no número de contratos em carteira e dos custos comuns incorridos para esse efeito [cf. minutos 00:05:14 a 00:06:55 do registo áudio do depoimento];

35.ª Como vimos supra, os Serviços de Inspeção Tributária limitaram-se a descrever, de forma sucinta e abstrata, os serviços associados a cada uma das diferentes áreas de atividade da Recorrente, concluindo, de per se, pela falta de objetividade do critério de dedução adotado dos contratos em carteira, algo também assinalado pela testemunha inquirida [cf. minutos 00:12:27 a 00:12:40 do registo áudio do depoimento], sem demonstrarem, como se lhes impunha, em que medida a intensidade do consumo de bens e serviços adquiridos comuns a estas atividades é diferenciada e, em que termos tal fator coloca em causa, de forma impreterível e absoluta, a objetividade do critério de dedução utilizado [cf. minutos 00:11:45 a 00:12:15 do registo áudio do depoimento];

36.ª Aliás, os serviços de inspeção tributária nunca sequer pediram elementos para confrontar ambos os critérios, o por si imposto do volume de negócios, e o adotado pelo contribuinte, de molde a poder ou não concluir que um criaria mais ou menos distorções de tributação que o outro [cf. minutos 11:44 a 14:13 do registo áudio do depoimento];

37.ª Importa ainda referir que o entendimento dos Serviços de Inspeção Tributária é, também, incompatível com a prática da generalidade das instituições financeiras a operar neste sector de atividade, as quais, de acordo com a experiência da testemunha inquirida, adotam procedimento idêntico [cf. minutos 00:03:25 e 00:10:02 a 00:10:12 do registo áudio do depoimento] e foi aliás, neste sentido, que o mencionado Ofício n.º 30.018 veio esclarecer as regras para determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as atividades de Leasing ou de Aluguer de Longa Duração, como vimos supra;

38.ª Assim, em face do exposto, importa, pois, concluir que o critério utilizado pelo Recorrente, atendendo ao tipo de custos associados às atividades desenvolvidas, independentemente do valor das operações subjacentes, é um critério objetivo que permite determinar o grau de utilização dos bens/serviços, ou seja, que não provoca distorções na dedução do IVA. Já o critério proposto pela administração tributária, alheia-se da especificidade da atividade do Recorrente e da irrelevância da incorrência dos custos comuns em função da tributação dos contratos em sede de IVA, bem como do valor a estes subjacente;

39.ª Na verdade, se atentarmos no critério utilizado pelo Recorrente, decorre inequivocamente que o peso dos contratos em carteira é exatamente maior na atividade tributada, como melhor se evidencia no quadro infra:





40.ª Esta circunstância equivale a dizer que o critério aplicado pelos serviços da administração tributária, é, em face da atividade desenvolvida pelo Recorrente, um critério “cego” para efeitos de imputação dos custos comuns, não atendendo ao destino das despesas, no caso, intrinsecamente relacionado com os contratos em carteira, e provocando, por isso, distorções na dedução do IVA com a consequente violação do princípio da neutralidade;

41.ª Pelo que, em face de todo o exposto, importa concluir que a correção promovida pela administração tributária na determinação da percentagem definitiva do IVA a deduzir das despesas comuns, sem ponderação e justificação da exclusão do critério aplicado pelo Recorrente, in casu o mais adequado para efeitos de apuramento daquela percentagem de dedução, viola os princípios do direito à dedução e da neutralidade, pelo que o ato tributário sub judice não pode deixar de ser, também com este fundamento, anulado por manifesta ilegalidade, devendo revogar-se a sentença recorrida;

42.ª Caso assim não se entenda e estando em causa uma questão de interpretação de Direito Comunitário derivado que assume relevância para o presente litígio, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao Tribunal de Justiça da União Europeia competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito Comunitário, ao abrigo do disposto no artigo 234.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia. A questão a interpretar pelo Tribunal de Justiça da União Europeia é a seguinte:

O n.º 2 do artigo 173.º da Sexta Diretiva opõe-se a uma norma de direito interno que confira, tal como aí previsto, em alternativa ao método do pro rata geral, a utilização de possibilidades alternativas de afetação real com base em chaves de repartição específicas para efeitos de determinação da medida de dedução nos gastos comuns, mas permita que o critério de imputação das despesas utilizado ao abrigo de tal faculdade pelo sujeito passivo seja corrigido pela administração tributária, com a aplicação do método do pro rata geral, sem demonstração que o método usado pelo sujeito passivo cria distorções na determinação do grau de utilização dos bens e serviços comuns?”.

43.ª Também no que respeita ao invocado vício de ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, o mesmo tem-se por verificado, pois o que motiva a liquidação adicional em crise é somente a divergência de critérios entre a Autoridade Tributária e o Recorrente para efeitos de aplicação do método de dedução pro-rata do IVA suportado nas despesas gerais às atividades por si desenvolvidas;

44.ª A opção por um critério de proratização distinto do aplicado pela Autoridade Tributária só pode ser entendida, no limite, como um erro desculpável do Recorrente, sendo que o critério de proratização adotado pelo Recorrente tem vindo a ser utilizado desde Junho de 2003, data em que sofreu uma operação de reestruturação (cf. p. 5 do documento n.º 1 junto com a p.i.), sendo que somente a partir dos exercícios de 2005 e 2006 aquele critério começou a ser questionado pela Autoridade Tributária;

45.ª Assim, não tendo a Autoridade Tributária efetuado qualquer correção quanto a este respeito nos anos de 2003 e 2004, era legítimo ao Recorrente que considerasse que o critério por si adotado havia sido sancionado pela Autoridade Tributária;

46.ª Saliente-se ainda que, a conduta do Recorrente não merece qualquer censura face à doutrina administrativa supra mencionada, na qual a Autoridade Tributária veio reiteradamente adotar o entendimento de que os sujeitos passivos mistos, como o Recorrente, podiam utilizar critérios de proratização dos custos comuns distintos do critério do volume de negócios;

47.ª Em face do exposto, a liquidação de juros compensatórios não poderá deixar de ser anulada por se afigurar manifestamente ilegal, devendo revogar-se a sentença recorrida;

48.ª Por fim, quanto ao pedido de juros indemnizatórios, também aqui incorre a sentença recorrida em erro de julgamento de direito, porquanto, como resulta de todo o supra exposto, houve um manifesto erro imputável aos serviços subjacente às liquidações impugnadas, e tendo o imposto sido pago, deverá revogar-se a sentença recorrida e determinar-se a anulação do ato tributário, com o consequente reembolso do imposto indevidamente pago e, bem assim, o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT e no artigo 61.º do CPPT.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, a anulação dos atos em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) A sentença é nula por falta de fundamentação (incluindo falta de valoração crítica da prova)?

b) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

c) Verifica-se erro de julgamento, quanto ao vício de falta de fundamentação?

d) Há erro de julgamento, em relação à violação dos princípios da igualdade e da tutela da confiança?

e) Há erro de julgamento, por violação, por parte da administração tributária (AT), de orientações genéricas?

f) Verifica-se erro de julgamento, dado que a aplicação do critério previsto no art.º 23.º, n.º 4, do Código do IVA (CIVA), sem ponderação e justificação do critério aplicado pela Recorrente, viola os princípios do direito à dedução e da neutralidade?

g) Subsidiariamente, deve ser formulada questão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia?

h) Há erro de julgamento quanto aos juros compensatórios, por não se verificar o seu pressuposto subjetivo?

i) Verifica-se erro de julgamento quanto aos juros indemnizatórios, em virtude de se reunirem os requisitos para a sua atribuição?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) T……….. Crédito ………..– Instituição ………………. (ou impugnante) é uma instituição de crédito que se dedica à actividade de locação financeira mobiliária e imobiliária, de factoring e confirming, de aluguer de longa duração e de financiamento da aquisição a crédito de bens e serviços, encontra-se sujeita a IRC no regime geral e a IVA no regime normal com periodicidade mensal

B) A impugnante foi sujeita a uma inspecção tributária (IT) relativamente ao exercício de 2007, em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2009000435, de 12-10-2009, tendo sido elaborado o competente relatório de IS, junto como doc nº 1, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta, nomeadamente:

(…).

« Texto no original»

(…).

C) Foi efectuada a liquidação adicional de IVA nº ……….784, referente ao período de Dezembro de 2007, no montante de €175.635,65 (doc nº 2, da pi);

D) Foi efectuada a liquidação de juros compensatórios nº ………..765, referente ao período de Dezembro de 2007, no valor de €12.984,83 (doc nº 3, da pi);

E) Em29-04-2010 a impugnante efectuou o pagamento da quantia de €175.635,65 (doc nº 4, da pi);

F) Em 29-04-2010 a impugnante efectuou o pagamento da quantia de €12.984,83 (doc nº 5, da pi);

G) Em 23-07-2010 deu entrada a presente impugnação judicial”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Relativamente á matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas parte, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que importem para a decisão da causa e descriminar a matéria de facto provada e não provada (artºs 123º nº 2 do CPPT e 607º nº 3 do CPC (ex vi do artº 2º do CPPT).

Deste modo os factos pertinentes para o julgamento da decisão são os escolhidos em função da relevância jurídica de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito (artº 596º do CPC (anterior artº 511º nº 1 do CPC) ex vi do artº 2º do CPPT).

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artº 110º nº 7 do CPPT, a prova documental, a prova testemunhal, os documentos juntos pelas partes e o pa junto consideram-se provados os factos elencados enunciados supra.

Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Considerando que existem questões cujo conhecimento, por motivos de precedência lógica, devem ser decididas em primeiro lugar, relega-se para momento ulterior a apreciação da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade da sentença, por falta de fundamentação

Considera a Recorrente que a sentença recorrida é nula, por falta de fundamentação, dado que:

a) Se limita a sintetizar a posição das partes, a transcrever as normas legais aplicáveis, a definir conceitos e a aderir à tese da Fazenda Pública, sem nunca justificar a sua decisão;

b) Não faz uma valoração crítica da prova.

Vejamos.

Apesar de a Recorrente sistematizar esta nulidade como se duas diferentes nulidades da sentença se tratassem, estamos perante uma alegada falta de fundamentação da sentença, ainda que em dois prismas, pelo que o invocado vai ser analisado conjuntamente.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC].

A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito (1).

A lei processual exige, com efeito, que a sentença esteja cabalmente fundamentada, de facto e de direito, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, bem como no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, por forma a que seja perfeitamente apreensível o itinerário cognoscitivo percorrido, fundamental para a sua adequada compreensão e eventual impugnação.

Nas palavras de Alberto dos Reis (2), “[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”.

Quanto ao julgamento da matéria de facto, é de ter em consideração o disposto no art.º 123.º do CPPT, nos termos do qual “[o] juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”, em termos similares ao que resulta do n.º 3 do art.º 607.º do CPC.

É no âmbito deste discurso fundamentador que se insere a análise crítica das provas. A este propósito, chama-se à colação o disposto no n.º 4 do art.º 607.º do CPC, nos termos do qual “[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.

Cumpre distinguir a não especificação dos fundamentos de facto e de direito, que se configura como nulidade da sentença, nos termos já referidos, da existência de algumas insuficiências ou deficiências na fundamentação de facto e de direito.

“O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. // Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto (3).

Começando pelo primeiro prisma assinalado, o mesmo centra-se na fundamentação de direito e sobre a forma como o Tribunal a quo explanou o seu entendimento, face ao alegado.

Quanto a essa concreta parte, não se concorda com a Recorrente. Com efeito, é certo que na motivação de direito há uma extensa transcrição de disposições legais e até mesmo de instruções administrativas, a que se segue a apreciação do caso concreto. Nessa apreciação, o Tribunal a quo foi, no tocante ao facto de não ser adequado o critério dos contratos em carteira, bastante sucinto; no entanto, resulta percetível que a sua posição foi no sentido de que esse critério parte de um pressuposto errado, o de os contratos terem igual intensidade de consumo de bens e serviços, entendendo que o quadro legal aplicável implica que deva ser utilizado o método do pro rata geral de dedução. Quanto ao vício de falta de fundamentação, o Tribunal a quo elencou os fundamentos constantes do RIT e concluiu que os mesmos eram suficientes. No que respeita ao princípio da igualdade, é igualmente evidenciado o itinerário cognoscitivo percorrido, designadamente no que toca à falta de consubstanciação do alegado.

Em suma, nesta concreta parte da sentença, não se considera que a sentença seja nula.

No entanto, o mesmo entendimento não temos quanto à fundamentação de facto.

Cumpre, a este propósito, distinguir “fundamentação” de “aparência de fundamentação”, sendo esta a situação onde, apesar de ser indicada uma motivação da matéria de facto, na verdade ela contém ínsitas fórmulas vazias, que redundam numa verdadeira falta de fundamentação.

Como se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24.05.2012 (Processo: 248/11.2BEPNF) (4):

“[P]ese embora, e por princípio, apenas constitua ou consubstanciar nulidade a omissão total da falta de exame crítico das provas, devem equiparar-se a essa falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha a mínima relação com o julgado ou seja ininteligível, já que, nessas situações, estaremos apenas perante uma mera aparência de fundamentação.

(…) [N]a redacção feliz do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17-6-2010 «Verdadeiramente, o que resulta da sentença é uma mera aparência de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que é, de todo, inapta à satisfação das finalidades subjacentes às imposições legais constantes das normas dos artigos 123°, n° 2 do CPPT e 659°, n° 3 do CPC.

(…) [N]um processo em que foram ouvidas (...) testemunhas, não basta para se considerar preenchida, por qualquer forma, a exigência legal da explicitação mínima do exame crítico das provas uma mera remissão genérica para a “prova testemunhal" pois que dessa forma resulta de todo inviabilizada a percepção dos motivos da decisão ou, dito de outra forma, das razões que levaram o tribunal a decidir como decidiu.

Temos, pois, por seguro, que in casu se verifica a nulidade da sentença prevista nos artigos 125°, n° 1 do CPPT e 668°, n° 1, alínea b) do CPC e derivada da falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto”.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos e no que concretamente à prova testemunhal respeita, não pode deixar de se concluir que a sentença recorrida padece de nulidade.

Com efeito, e não obstante a insuficiente discriminação da matéria de facto já entre no erro de julgamento, o mesmo não sucede quanto aos termos em que (não) surge evidenciada a pertinência da prova testemunhal produzida.

Ora, atentando na decisão proferida sobre a matéria de facto, a título de motivação, decorre apenas a menção de que a convicção do Tribunal se fundou (também) na prova testemunhal produzida.

No entanto, perscrutando o elenco da factualidade considerada provada, não é aferível de que forma tal prova foi relevada.

Ou seja, in casu não está fundamentada a decisão sob escrutínio em termos que permitam aferir de que forma o depoimento foi (ou não) relevado nem por que motivo o foi (ou não).

Como tal, a nulidade apontada pela Recorrente verifica-se, nesta concreta vertente.

Nos termos do art.º 665.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, “[a]inda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”.

In casu, uma vez que a Recorrente procedeu à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, entende-se estarem reunidas as condições para conhecer da apelação, não havendo, pois, motivos para ordenar a baixa dos autos.

Prossigamos.

III.B. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Entende, então, a Recorrente que, quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, a mesma é insuficiente, devendo ser aditados os seguintes factos, todos sustentados na prova testemunhal produzida:

“A) Todas as atividades do Impugnante dão origem à celebração e manutenção de contratos/operações, cujos custos (ditos comuns), os quais não são passíveis de afetação direta a cada um dos contratos/operações, sendo incorridos independentemente de se tratar da celebração de contratos sujeitos a IVA ou de contratos isentos, ou do “volume de proveitos” por si gerado [cf. minutos 00:04:59 a 00:05:13, 00:06:48 a 00:06:55, 00:07:25 a 00:08:39 e 00:09:36 a 00:10:02 do registo áudio do depoimento];

B) A escolha do apuramento do pro-rata com base no critério dos contratos em carteira ficou a dever-se ao facto de ser nestes contratos que assenta a atividade da Impugnante [cf. minutos 00:04:59 a 00:05:13 e 00:06:48 a 00:06:55 do registo áudio do depoimento];

C) A adoção do método do pro rata geral provoca uma distorção na dedução do IVA, atento o facto de o valor das operações poder divergir significativamente de uma operação para outra, mantendo-se inalterados os custos suportados para a respetiva realização [cf. minutos 00:05:14 a 00:06:45 do registo áudio do depoimento];

D) O volume de negócios (i.e., o valor dos bens objeto de leasing) não faz aumentar ou diminuir os recursos utilizados, mas sim a celebração de contratos, se em maior ou menor quantidade [cf. minutos 00:08:40 a 00:09:35 do registo áudio do depoimento];

E) A experiência do sector revela que a generalidade das instituições financeiras adota procedimento idêntico ao do Impugnante [cf. minutos 00:03:25 e 00:10:02 a 00:10:12 do registo áudio do depoimento];

F) Os serviços de inspeção tributária nunca pediram elementos para confrontar ambos os critérios, o por si imposto do volume de negócios, e o adotado pelo contribuinte, de molde a poder ou não concluir que um criaria mais ou menos distorções de tributação que o outro [cf. minutos 11:44 a 14:13 do registo áudio do depoimento]”.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão(5).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados(6).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos, pelo que se irá proceder à apreciação do requerido.

Refira-se ainda que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Refira-se, ainda, que a discordância da Recorrente se prende apenas com factos que a mesma considera provados, mas que não constam do elenco de tais factos. Como tal, não foram impugnados os factos elencados em II.A. supra, pelo que, não obstante o decidido em III.A., o julgamento dos mesmos mantém a sua pertinência e são considerados, pois, como factos provados para efeitos de apreciação da apelação.

Analisando os aditamentos requeridos:

¾ Facto identificado supra sob a alínea A):

“A) Todas as atividades do Impugnante dão origem à celebração e manutenção de contratos/operações, cujos custos (ditos comuns), os quais não são passíveis de afetação direta a cada um dos contratos/operações, sendo incorridos independentemente de se tratar da celebração de contratos sujeitos a IVA ou de contratos isentos, ou do “volume de proveitos” por si gerado [cf. minutos 00:04:59 a 00:05:13, 00:06:48 a 00:06:55, 00:07:25 a 00:08:39 e 00:09:36 a 00:10:02 do registo áudio do depoimento]”.

Trata-se de facto não controvertido, não só resultante da prova testemunhal, mas que se extrai do próprio RIT. Assim, defere-se o requerido, ainda que com formulação que não contenha afirmações conclusivas, sendo de aditar o seguinte facto:

H) Todas as atividades da Impugnante, à época, deram origem à celebração e manutenção de contratos/operações, com custos comuns, incorridos independentemente de se tratar da celebração de contratos sujeitos a IVA ou de contratos isentos.


¾ Facto identificado supra sob a alínea B):

“B) A escolha do apuramento do pro-rata com base no critério dos contratos em carteira ficou a dever-se ao facto de ser nestes contratos que assenta a atividade da Impugnante”.

No tocante ao aditamento proposto, a formulação contém, na sua segunda parte, um cariz conclusivo. Logo, ainda que se considere que, face à prova testemunhal produzida, identificada pela Recorrente, e que foi clara, congruente e convincente, com conhecimento direto dos factos, e, bem assim, face ao teor do próprio RIT, é de deferir o requerido, tal será efetuado em termos distintos dos propostos, por forma a expurgar dessa proposta os juízos conclusivos e a torná-la mais sistemática.

Assim sendo, são de aditar os seguintes factos:

I) A Impugnante apurou o IVA dedutível dos custos comuns segundo um critério de imputação baseado no número de contratos em carteira, tendo computado, em 2007, 37.798 contratos com IVA e 9.845 contratos sem IVA.

J) A escolha do apuramento do IVA dedutível com base no critério dos contratos em carteira ficou a dever-se ao facto de ser nestes contratos que assenta a atividade da Recorrente e por ter sido este o critério que a Recorrente considerou o mais adequado e objetivo em termos de distorções na dedução do IVA.

K) A Recorrente afastou o critério do volume de negócios, por ter feito uma análise que lhe fez concluir que o maior ou menor impacto que um contrato tem no seu volume de negócios não se reflete necessariamente no maior ou menor trabalho decorrente da sua gestão.

¾ Factos identificados supra sob as alíneas C), D), E) e F):

Quanto aos factos identificados sob as alíneas C) e D) (“C) A adoção do método do pro rata geral provoca uma distorção na dedução do IVA, atento o facto de o valor das operações poder divergir significativamente de uma operação para outra, mantendo-se inalterados os custos suportados para a respetiva realização” e “D) O volume de negócios (i.e., o valor dos bens objeto de leasing) não faz aumentar ou diminuir os recursos utilizados, mas sim a celebração de contratos, se em maior ou menor quantidade”) não se trata de factos, mas de conclusões, pelo que se indefere o requerido aditamento.

No tocante ao facto supra identificado sob a alínea E) (“E) A experiência do sector revela que a generalidade das instituições financeiras adota procedimento idêntico ao do Impugnante”), o seu aditamento é irrelevante, pelo que se indefere o requerido.

Finalmente, quanto ao facto identificado sob a alínea F) (“F) Os serviços de inspeção tributária nunca pediram elementos para confrontar ambos os critérios, o por si imposto do volume de negócios, e o adotado pelo contribuinte, de molde a poder ou não concluir que um criaria mais ou menos distorções de tributação que o outro”) respeita a apreciação do RIT e do vício ao mesmo assacado pela Recorrente e não a matéria de facto. Como tal, também aqui se indefere o requerido.

Complementarmente, atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

L) A aplicação do critério mencionado em I) era efetuada considerando-se no numerador da fração os contratos de locação financeira mobiliária e imobiliária com renúncia à isenção existentes no final do exercício e, no seu denominador, todos os contratos com e sem direito à dedução, em vigor no mesmo momento (facto que se extrai do RIT).


Estabilizada que está a matéria de facto, passemos, então, à apreciação dos demais vícios apontados à sentença.

III.C. Do erro de julgamento, quanto à falta de fundamentação e à violação dos princípios do direito à dedução e da neutralidade

Entende a Recorrente que a instância errou no seu julgamento, dado as correções não se encontrarem devidamente fundamentadas, uma vez que a AT se sustentou em afirmações genéricas e meramente conclusivas. Considera, ademais, que a aplicação do critério previsto no n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, para a determinação do pro rata do IVA a deduzir das despesas comuns, sem ponderação e justificação da exclusão do critério aplicado pelo Recorrente, in casu o mais adequado para efeitos de apuramento daquela percentagem de dedução, viola os princípios do direito à dedução e da neutralidade.

Consideramos que o alegado apresenta conexão, pelo que se apreciarão ambas as questões em simultâneo.

O dever de fundamentação dos atos administrativos em geral insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação formal encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…” (7), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Do ponto de vista estritamente formal, a falta de fundamentação configura-se como um vício de forma e não de substância.

No entanto, a par do dever de fundamentação formal, pode ainda falar-se em dever de fundamentação substancial, tendo este a ver com a questão da verificação dos pressupostos de facto e/ou de direito.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.02.2019 (Processo: 0775/02.2BTVIS):

“[U]ma coisa é saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem distinta e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, 2003, pág. 231.).

Na verdade, as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico)”.

Portanto, quando se fala em fundamentação do ato, há que atentar na dicotomia existente entre a sua vertente formal e a sua vertente substancial.

Como referido por Vieira de Andrade(8), “[a] diferença entre a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação está, então, em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”.

Ora, in casu, desde já se adiante que, não obstante a Recorrente, quer na petição inicial, quer na presente sede, ter configurado o que alega como falta de fundamentação enquanto vício formal, o Tribunal não está sujeito a tal configuração (cfr. art.º 5.º, n.º 3, do CPC), considerando-se que, mais do que a dimensão formal, está aqui em causa a sua dimensão substancial. Aliás, é o que se acaba por extrair da leitura conjunta das conclusões 14 e 41.

Prosseguindo.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

O direito à dedução do IVA é um direito que assiste aos sujeitos passivos de IVA, desde que os bens e os serviços, a que respeita tal imposto a deduzir, sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis.

O IVA funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

Trata-se de um reflexo do princípio da neutralidade, subjacente a este imposto, que, no que toca ao direito à dedução em específico, se reflete na necessidade de o IVA não condicionar os produtores a alterar o seu processo produtivo.

Nos termos do art.º 19.º do CIVA, especificamente do seu n.º 1, al. a), os sujeitos passivos de IVA podem deduzir, ao imposto incidente sobre as suas operações tributáveis, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos de IVA.

Por seu turno, o art.º 20.º, n.º 1, al. a), do mesmo código, determina igualmente que só é dedutível o imposto suportado relativo a bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados para a transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isentas.

No caso de sujeitos passivos mistos, ou seja, que pratiquem operações sujeitas e operações isentas de IVA, a dedução de IVA pode ser determinada por recurso a dois métodos (em alternativa ou em simultâneo): o da afetação real e o do pro rata (global ou parcial).

Como se refere no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 16.09.2021, Balgarska natsionalna televizia, C-21/20, EU:C:2021:743, n.ºs 48 a 52:

“48. A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos de deduzirem do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago em relação aos bens adquiridos e aos serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União. Como o Tribunal de Justiça salientou reiteradamente, esse direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de setembro de 2016, Senatex, C-518/14, EU:C:2016:691, n.os 26 e 37 e jurisprudência referida, e de 18 de março de 2021, A. (Exercício do direito a dedução), C-895/19, EU:C:2021:216, n.o 32].

49. O regime de dedução instituído pela Diretiva IVA visa, com efeito, desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA [Acórdãos de 10 de novembro de 2016, Baštová, C-432/15, EU:C:2016:855, n.o 42 e jurisprudência referida, e de 18 de março de 2021, A. (Exercício do direito a dedução), C-895/19, EU:C:2021:216, n.o 33].

50 A esse título, em primeiro lugar, resulta do artigo 168.o da Diretiva IVA que, para poder beneficiar do direito a dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um «sujeito passivo», na aceção desta diretiva, e, por outro, que os bens ou os serviços invocados para fundamentar esse direito sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo (Acórdãos de 5 de julho de 2018, Marle Participations, C-320/17, EU:C:2018:537, n.o 26 e jurisprudência referida, e de 3 de julho de 2019, The Chancellor, Masters and Scholars of the University of Cambridge, C-316/18, EU:C:2019:559, n.o 23).

51 Em contrapartida, quando bens ou serviços adquiridos por um sujeito passivo estão relacionados com operações isentas ou que não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA, não pode haver cobrança do imposto a jusante nem dedução deste a montante (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments, C-132/16, EU:C:2017:683, n.o 30, e de 3 de julho de 2019, The Chancellor, Masters and Scholars of the University of Cambridge, C-316/18, EU:C:2019:559, n.o 24).

52 Decorre desta jurisprudência que é a utilização dos bens e dos serviços adquiridos a montante para fins de operações tributáveis que justifica a dedução do IVA pago a montante…”.

Acrescente-se, ainda, como se refere, v.g., no Acórdão do TJUE de 12.11.2020, Sonaecom, C-42/19, EU:C:2020:913, n.ºs 55 a 59:

“55. Quanto ao contexto em que o artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva se insere, há que salientar que, em matéria de dedutibilidade do imposto pago a montante sobre bens de utilização mista, o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alíneas a) a d), desta diretiva enumera diferentes correções que os Estados-Membros podem adotar para, nomeadamente, aplicar regras de cálculo do pro rata de dedução mais precisas do que a prevista no artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, da referida diretiva, tendo em conta as características específicas próprias das atividades do sujeito passivo em causa.

56 Neste contexto (…), os Estados-Membros podem prever métodos de cálculo diferentes do critério de repartição baseado no volume de negócios previsto na Sexta Diretiva, quando o método escolhido garanta um resultado mais preciso (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de novembro de 2012, BLC Baumarkt, C-511/10, EU:C:2012:689, n.os 23 a 26, e de 9 de junho de 2016, Wolfgang und Dr. Wilfried Rey Grundstücksgemeinschaft, C-332/14, EU:C:2016:417, n.° 33).

57 Além disso, resulta do artigo 20.°, n.° 6, da Sexta Diretiva, relativo ao ajustamento da dedução do imposto pago a montante, que esta dedução deve ser (…) adaptada com a maior exatidão possível à utilização efetiva, a fim de se evitarem «vantagens ou [...] prejuízos injustificados» para o sujeito passivo.

58 Assim, resulta não apenas do artigo 17.°, n.° 2, alínea a), mas também de outras disposições da Sexta Diretiva que esta se baseia na lógica de que a dedução do imposto pago a montante pelo sujeito passivo deve corresponder com a maior exatidão possível à utilização efetiva dos bens e dos serviços adquiridos por aquele.

59 Por conseguinte, uma utilização efetiva dos bens e dos serviços prevalece sobre a intenção inicial”.

O método da afetação real pressupõe a possibilidade de determinar concretamente os inputs afetos às atividades tributadas e às atividades isentas, deduzindo-se integralmente o IVA suportado, no primeiro caso, e não se deduzindo no segundo.

Já o método do pro rata implica o cálculo da percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão direito à dedução, sendo que é apenas deduzido o IVA dos inputs na percentagem que seja determinada, sendo, para o efeito, fundamental demarcar que operações são consideradas no numerador e no denominador da fração de cálculo do pro rata de dedução.

Considerando o disposto no art.º 23.º do CIVA (redação à época em vigor):

“1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o contribuinte a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no nº 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida no n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.

5 - No cálculo referido no número anterior não serão, no entanto, incluídas as transmissões de bens do ativo imobilizado que tenham sido utilizadas na atividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à atividade exercida pelo sujeito passivo…”.

O pro rata de dedução, considerando o critério consagrado no n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, seria calculado nos seguintes termos:




Feito este introito, resulta, desde logo, que são de sublinhar dois aspetos:

a) Em primeiro lugar, para que se aplique o método do pro rata de dedução é necessário que estejamos perante sujeitos passivos mistos, ou seja, sujeitos passivos que pratiquem operações tributadas e operações isentas;

b) Em segundo lugar, ainda que sejam sujeitos passivos mistos, o método a utilizar deverá ser o que assegure a maior neutralidade do imposto.

Como referido por Xavier de Basto e Odete Oliveira («Desfazendo mal-entendidos em matéria de direito à dedução de imposto sobre o valor acrescentado: as recentes alterações do artigo 23.º do Código do IVA», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, n.º 1, Almedina, 2008, pp. 58 e 59): “Os sujeitos mistos (…) devem (…) ter direito à dedução integral quanto ao imposto contido em bens e serviços que são só utilizados em operações tributadas (e isentas com direito à dedução) e não devem ter qualquer direito a deduzir quanto ao imposto contido em bens e serviços que são só utilizados em operações que não conferem direito à dedução. A disciplina do artigo 23.º, interpretado de acordo com a sua fonte comunitária que é o n.º 5 da 6ª directiva, não se impõe, sem mais considerações, aos sujeitos passivos mistos, mas apenas aos bens e serviços utilizados pelos sujeitos passivos em que não seja possível separar a utilização respectiva em operações que conferem e operações que não conferem direito à dedução”.

É igualmente pertinente atentar no decidido no Acórdão do TJUE, de 16.02.2012, Varzim Sol, C-25/11, EU:C:2012:94, n.ºs 36 a 42:

“36 Importa recordar que, segundo jurisprudência assente, o direito a dedução, previsto nos artigos 17.° e seguintes da Sexta Diretiva, faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante. Qualquer limitação do direito a dedução do IVA tem incidência no nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Sexta Diretiva (v., nomeadamente, acórdão Comissão/França, já referido, n.° 28).

37 A este respeito, o artigo 17.°, n.° 1, da referida diretiva prevê que o direito a dedução se constitui no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, e o n.° 2 do mesmo artigo autoriza o sujeito passivo, desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributáveis, a deduzir do IVA de que é devedor o imposto devido ou pago em relação a bens que lhe são ou serão fornecidos e a serviços que lhe são ou serão prestados por outro sujeito passivo (v. acórdão Comissão/França, já referido, n.° 29).

38 Quanto aos sujeitos passivos mistos, resulta do artigo 17.°, n.° 5, primeiro e segundo parágrafos, da Sexta Diretiva que o direito a dedução é calculado segundo um pro rata determinado em conformidade com o artigo 19.° desta diretiva. O referido artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, autoriza, no entanto, os Estados-Membros a prever um dos outros métodos de determinação do direito a dedução enumerados nesse parágrafo, isto é, nomeadamente, o estabelecimento de um pro rata distinto para cada setor de atividade ou a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e serviços a uma atividade precisa (v. acórdão Comissão/França, já referido, n.° 30).

39 O artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva prevê que as subvenções diretamente relacionadas com o preço de um bem ou de um serviço são tributáveis nos mesmos termos que aquele. Quanto às subvenções que não estão diretamente relacionadas com o preço, o artigo 19.°, n.° 1, desta diretiva prevê que os Estados-Membros podem incluí-las no denominador do cálculo do pro rata aplicável, quando um sujeito passivo efetua simultaneamente operações que conferem direito a dedução e operações isentas (v. acórdão Comissão/França, já referido, n.° 31).

40 É facto assente que, quanto ao litígio no processo principal, a Varzim Sol foi autorizada a efetuar a dedução segundo um método diferente do método pro rata determinado nos termos do artigo 19.° da Sexta Diretiva, isto é, com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e serviços a uma atividade precisa, método este referido no artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, desta diretiva.

41 Ora, uma vez que as atividades que a Varzim Sol exerce nos setores da restauração e da animação estão sujeitas a IVA, o direito a dedução segundo o método da afetação real incide sobre a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante.

42 Com efeito, visto o sujeito passivo ter sido autorizado a efetuar a dedução segundo o método da afetação real, as disposições do artigo 19.° da Sexta Diretiva não são aplicáveis e não podem, assim, limitar o direito a dedução nos referidos setores, conforme esse direito resulta desta diretiva” (sublinhados nossos).

É ainda de sublinhar que são inúmeros os litígios em que particulares e AT se defrontam, em casos de cálculo do IVA dedutível, quando sejam levadas a cabo, pelos sujeitos passivos, atividades isentas e atividades de locação financeira sujeitas a IVA.

Foram litígios neste contexto que estiveram na origem da prolação do Acórdão do TJUE, de 10.07.2014, Banco Mais, C-183/13, EU:C:2014:2056, que não cabe aqui trazer à colação com detalhe, porquanto, in casu, ao contrário do que sucedeu na situação inerente ao Acórdão Banco Mais, a Recorrente não calculou o IVA dedutível relativo aos custos comuns com base no critério do volume de negócios. Foi, no caso Banco Mais, essa aplicação e a consideração pela AT que tal critério provocava distorções significativas na tributação que sustentaram o entendimento de que era possível a administração impor um cálculo distinto, que desconsiderasse o valor atinente à amortização financeira.

No presente caso, a Recorrente não usou o método do pro rata de dedução baseado no volume de negócios, mas adotou como critério o dos contratos em carteira em vigor em cada um dos períodos pertinentes.

Esta possibilidade, de lançar mão de um critério distinto do do volume de negócios, em abstrato não é de afastar (nem foi, aliás, afastada no RIT), per se, como o próprio Acórdão Banco Mais refere.

O TJUE afirma que, designadamente, o princípio da neutralidade, princípio este estruturante para efeitos de IVA, admite que a modalidade de cálculo do direito à dedução em casos de sujeitos passivos mistos seja aquela que permita a maior precisão possível – e, reiteramos, a AT nunca pôs em causa, in casu, essa possibilidade de o coeficiente de dedução ser calculado com base em critério distinto do do volume de negócios. Ou seja, não há qualquer prevalência, sem mais, inerente ao pro rata calculado com base no volume de negócios.

Como referem Xavier de Basto e Odete Oliveira («Desfazendo mal-entendidos …», cit., pp. 50 a 63):

“… O ideal seria então que a dedução fosse efectuada com base na “afectação real” do bem e serviço (ou “utilização” dos bens ou serviços, para usar a expressão da alínea c) do n.° 3 do artigo 17.“), a qual não pode deixar de ser entendida como imputação do uso real e efectivo que cada bem ou serviço adquirido tenha em cada um dos tipos de operações em que é usado conjuntamente.

Exemplos de critérios que reflictam este uso podem ser outros que não os assentes nas operações a jusante realizadas, o que, como vimos, constitui a base da regra do prorata. É o caso dos critérios que operam com o número de transacções realizadas ou de contratos celebrados, com o tempo ou dimensão quantitativa da equipe de pessoas que laboram nas operações em causa, com a área do local onde a actividade se exerce, com número de horas/máquina, etc., etc..

Para os efeitos contidos na alínea c) do n.° 5 do artigo 17.° da directiva, “efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços” não poderá nunca ter outro significado se não o que acima definimos, ou seja, o significado de medir a intensidade efectiva e real da utilização dos bens e serviços em cada um dos tipos de operações em causa (tributadas e isentas com direito a dedução, por um lado, e isentas sem direito à dedução, por outro). Não pode significar, como frequentemente se supõe entre nós, separar os bens e serviços usados totalmente em operações que dão direito a dedução (apurando em consequência uma integral dedução do imposto suportado) e os bens usados totalmente em operações que não conferem direito a dedução (não apurando em consequência qualquer valor de imposto dedutível). Essa separação faz-se em momento anterior, e é imposta e regulada pelo n.° 3 do artigo 17.° da directiva e não pelo seu número 5.

(…) O que está em causa agora é apenas o apuramento da parcela de imposto dedutível nos bens de uso “promíscuo”. Quando não for esse o caso, e se afigure possível estabelecer uma relação directa e imediata dum “input" com um “output” e só com esse, o imposto é deduzido ou não consoante a regra do n.° 3, ou seja conforme os bens sejam utilizados em operações tributáveis ou em operações isentas sem direito à dedução, respectivamente.

É para a dedução do IVA contido em bens e serviços de utilização promíscua que a directiva apresenta as soluções das sucessivas alíneas do n.° 5 do artigo 17.°. O critério mais rigoroso é efectuar a dedução conforme a intensidade do uso, real e efectivo dos bens e serviços. Não é todavia o critério único, pois que a directiva admite a adopção de um critério menos “fino”, em última análise, o prorata geral, determinado em função da proporção entre “outputs” tributados (os que efectivamente o são, mais os isentos com direito a dedução) e outputs totais (nestes incluindo, obviamente, os isentos sem direito a dedução). E deixa aos Estados membros a possibilidade de aceitar ou mesmo impor os procedimentos mais rigorosos, reservando o prorata como sistema residual e supletivo.

Admite ainda procedimento intermédio, como seja o previsto na alínea b) como seja o de obrigar o sujeito passivo “a determinar um prorata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um dos sectores”, efectuando assim, para efeitos do imposto, uma sectorização da actividade.

(…) Ora, este [art.º 23.º do CIVA], tal como os demais artigos que, no CIVA, determinam o montante do IVA dedutível, devem sempre interpretar-se à luz do artigo 17.° da directiva. E indiscutível que, em geral, um Estado membro não é autorizado a tomar mais difícil e restrito (na forma e no quantitativo) a determinação do IVA dedutível em relação ao que é estabelecido pela directiva. Uma interpretação conforme à directiva impõe-se e é, mesmo com esta redacção do artigo 23.°, perfeitamente possível e a única legítima.

(…) Quanto à regra geral ou residual do prorata e ao regime da afectação real de todos ou de parte dos bens - entendido este último como significando dedução em função da real e efectiva utilização ou uso de cada input promíscuo em cada tipo de operação - não pode haver dúvidas de que estão consagrados no artigo 23.°, respectivamente no n.° 1 e no n.° 2.

E quanto à sectorização, prevista nas alíneas a) e b) do artigo 17.°, n.° 5, da directiva, como opção concedida aos Estados membros? Será que o legislador português usou essa opção? Será possível ao sujeito passivo proceder à sectorização e trabalhar com prorata diferenciados para os diferentes sectores?

(…) [N]a nossa legislação, (…) admite[-se] a sectorização da actividade, para efeitos de apuramento da parcela de imposto dedutível contida em inputs promíscuos, sempre que as operações do sujeito passivo sejam diferenciadas quanto ao seu regime fiscal.

A conclusão é portanto que as regras que atrás apresentámos como regendo o direito à dedução, retiradas das directivas que disciplinam o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, estão, de forma explicita ou implícita, vertidas no CIVA, que, para mais, deve ver os seus preceitos sempre interpretados em conformidade com a normativa comunitária” (sublinhados nossos).

Aliás, sublinhe-se que a administração tem aceitado a utilização de critérios que não o volume de negócios. Veja-se, a este propósito:

a) A informação vinculativa proferida no âmbito do processo A090 2002005, sancionada por despacho de 19.05.2005, onde se refere:

“O ofício-circulado n.º 79713, de 18/07/89, refere no seu ponto 8 que “Relativamente aos restantes bens e aos serviços cuja afectação for totalmente impossível de concretizar, deverá a dedução do imposto ser efectuada em proporção aos indicadores que se mostrarem mais justos e racionais: volume de negócios, espaço ocupado, número de horas das máquinas, etc.” (sublinhado nosso);

b) A informação vinculativa proferida no âmbito do processo 14.991, sancionada por despacho de 21.05.2019, onde se refere:

“10. A aplicação do artigo 23.º do CIVA foi objeto de esclarecimento por parte da AT através do Ofício Circulado n.º 30103 de 23-04-2018, da Área de gestão tributária - IVA.

(…)

12. Assim, sendo a Requerente um sujeito passivo misto que utiliza o método da afetação real para todos os bens, está obrigada a efetuar a separação da atividade isenta da não isenta na contabilidade, sem prejuízo, quanto aos custos comuns, de usar uma chave de repartição na dedução do imposto, que poderá ser feita de acordo com a aplicação de uma percentagem calculada em função do respetivo destino.

13. Essa percentagem será sempre apurada segundo critérios de utilização objetivos, que poderão ser, como é referido no ponto V.2 do ofício circulado n.º 30103/2008, de 23 de abril, a título exemplificativo, "a área ocupada, o número de elementos do pessoal afeto, a massa salarial, as horas máquina, as horas-homem". Contudo, essa percentagem, não é a referida no n.º 4, do artigo 23.º do CIVA e que habitualmente se designa por "pro rata", até porque, e conforme já referido, este não pode ser aplicado às operações imobiliárias.

14. No caso de não se mostrar viável um índice objetivo específico, poderá, recorrer-se para o efeito a uma percentagem ou coeficiente, desde que ela faça apelo, nos seus dois membros - numerador e denominador - a variáveis que se mostrem coerentes entre si, homogeneizadas para o efeito, e com a mesma natureza, ressalvadas as devidas adaptações. Teríamos assim o uso de uma percentagem (tal como a percentagem genérica de dedução ou pro rata geral), mas aqui não geral mas sim específica à realidade a que vai ser aplicada. E não entendida como método de apuramento de direito a dedução mas sim e apenas como coeficiente de imputação dentro do método de afetação real.

15. De referir que nos termos do n.º 2, do art.º 23.º do CIVA, em relação à utilização do método de afetação real, é concedida à AT, a prerrogativa de impor condições ou fazer cessar o procedimento no caso de se verificar que provocam ou podem provocar distorções significativas na tributação.

(…) III - CONCLUSÃO

17. Tendo em conta que a Requerente utiliza o método da afetação real para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto, está obrigada a efetuar a separação entre a atividade isenta e a não isenta na contabilidade. Existindo despesas comuns, isto é, despesas que se destinam aos dois setores, o imposto suportado relativamente a tais despesas pode ser deduzido, nos termos previstos na alínea b), do n.º 1, do artigo 23,º do CIVA, segundo a aplicação de uma percentagem, correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

18. A referida percentagem é específica à realidade a que vai ser aplicada, um coeficiente de imputação dentro do método da afetação real.

19. Pelo exposto, encontra-se efetuado o enquadramento normativo da questão suscitada pela Requerente. Salvo melhor opinião, a definição dos critérios objetivos que melhor se coadunam com o exercício do direito à dedução do IVA, associada à globalidade das faturas da construção do imóvel em análise, são da sua competência e responsabilidade, sem prejuízo de verificação da sua aplicação pelos serviços competentes de inspeção, tal como se encontra previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do CIVA, e através do ponto IV.4 do Ofício Circulado n.º 30103 de 23 Tributária IVA.” (sublinhados nossos).

No entanto, reiteramos, a admissibilidade de utilização de um critério distinto do do volume de negócios não foi afastada pela AT no RIT, não consubstanciando, pois, fundamentação da correção em causa.

Prosseguindo.

In casu, ficou provado que a adoção desse critério teve por base o entendimento da Recorrente de que o facto de um determinado contrato ter um maior impacto no volume de negócios não comporta inelutavelmente uma diferença em termos do menor ou maior trabalho na gestão desse mesmo contrato. Aliás, a testemunha inquirida dá um exemplo, no seu depoimento, que nos parece particularmente claro quanto a leasing de equipamentos, cujos contratos comportam as mesmas exigências, ainda que possa estar subjacente um equipamento de ponta muito dispendioso ou um equipamento pouco dispendioso.

No entanto, e reside aqui o cerne da questão, a AT aplicou, em sede inspetiva, o pro rata de dedução previsto no art.º 23.º, n.º 4, do CIVA, sem que tenha sustentado de forma adequada a sua atuação.

Como se refere, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15.11.2017 (Processo: 0485/17):

“É sabido que, de acordo com o princípio geral, no âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do art. 342° do CCivil e nº 1 do art. 74° da LGT).

Assim, dado, ainda o princípio da legalidade administrativa, impende sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a proceder a correcções à matéria colectável declarada pelos sujeitos passivos. Ou seja, cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade», cabendo, por sua vez, «ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos». Similarmente com o que sucede no âmbito de outras isenções de IVA, também no caso presente se pode considerar que «quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação (...) e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto (...)».”

Assim, para que o ónus da prova passe a caber ao sujeito passivo, em casos como o dos autos, é fundamental que a AT tenha de forma sustentada demonstrado a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua atuação.

O que, no presente caso, não ocorreu.

Com efeito, compulsado o RIT, verifica-se que a AT se limita a fazer uma descrição dos vários contratos celebrados pela Recorrente, por tipologia de contrato, afirmando: “As operações descritas têm, como é óbvio, exigências próprias requerendo formalidades legais e administrativas bastante diversificadas, o mesmo acontecendo com o nível dos serviços associados a prestar aos clientes e com o acompanhamento a efectuar”.

Ora, esta conclusão não está, de todo, sustentada. Não é explicado pela AT por que motivo, concretamente, excluiu a aplicação do método determinado com base na carteira de clientes. Não é mensurado o número de contratos celebrados, por tipologia, não é evidenciado que alegadas diferenças tão significativas na gestão de cada um dos contratos existem, não é demonstrada a conclusão extraída. Não é minimamente sustentado que o critério adotado conduza a distorções significativas na tributação. A AT limita-se a aplicar o disposto no n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, sem que demonstre por que motivo o método adotado pela Recorrente é de afastar. Esta circunstância inquina na sua essência as liquidações na parte recorrida.

Ou seja, esta circunstância implica que haja uma falta de fundamentação substancial do ato, por falta de demonstração da motivação inerente à exclusão do critério adotado (que não pode sustentar-se em meras conclusões, desprovidas de suporte factual), e um erro nos pressupostos, por não estar cabalmente demonstrada a aplicação do disposto no art.º 23.º, n.º 4, do CIVA – e, logo, não estar demonstrado por que motivo o critério adotado pela Impugnante não é o que assegura, de forma mais aproximada, o princípio da neutralidade, basilar para efeitos de direito à dedução.

Daí que, sob ambos os prismas, consideremos que assiste razão à Recorrente, em linha com o já decidido neste TCAS, em Acórdão de 10.10.2024 (Processo: 1807/09.9BELRS), resultando, por essa via, prejudicada a apreciação dos demais vícios atinentes às liquidações (quer de IVA quer de juros compensatórios).

III.D. Do erro de julgamento, quanto aos juros indemnizatórios

Entende, ainda, a Recorrente que há erro de julgamento, no tocante ao direito a juros indemnizatórios, por se reunirem os respetivos pressupostos.

Há que atender ao disposto no art.º 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), segundo o qual:

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Assim, para que haja direito a juros indemnizatórios, é necessário que, considerando o disposto no art.º 43.º da LGT, se verifique a ocorrência de um erro-vício e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a “falta do próprio serviço, globalmente considerado” (9).

No caso dos autos, atentos os fundamentos referidos supra, está-se perante uma situação de erro imputável aos serviços, dado estarmos perante vícios que afetam substancialmente as liquidações, implicando o consequente direito a juros indemnizatórios.

Como tal, também nesta parte assiste razão à Recorrente.

Vencida a Recorrida é a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado [art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais (RCP)].


IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso e, em consequência:

a.1. Declarar parcialmente nula a sentença, por falta de fundamentação de facto;

a.2. No mais, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação procedente, anulando-se as liquidações impugnadas, com a consequente devolução dos valores indevidamente pagos, condenando-se a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até à emissão da respetiva nota de crédito;

b) Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 21 de novembro de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Maria da Luz Cardoso)

(Jorge Cortês)

(1)V., neste sentido, a título ilustrativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.01.2018 (Processo: 01411/16), de 25.11.2015 (Processo: 0162/15) e de 04.03.2015 (Processo: 01939/13) e os deste TCAS, de 15.11.2018 (Processo: 1339/10.2BELRA) e de 15.05.2014 (Processo: 07508/14).
(2) Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139.
(3) Alberto dos Reis, ob. cit., p. 140.
(4)V., em sentido idêntico e a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28.01.2016 (Processo: 01579/05.6BEVIS) e de 25.06.2016 (Processo: 00724/04.3BEVIS).
(5)Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(6)V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
(7)Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.
(8)O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, Coimbra, 2003, p. 231.
(9) J. Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 539.