Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 822/18.6BELRA |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 12/16/2020 |
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Relator: | MÁRIO REBELO |
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Descritores: | CESE. CARATERIZAÇÃO. |
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Sumário: | A contribuição extraordinária sobre o setor energético é um tributo com configuração de contribuição financeira, não padecendo de inconstitucionalidade material ou orgânica. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
RECORRENTE: T............., S.A. CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES: O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA foi devidamente notificado e pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, sustentando que a CESE assume a natureza de contribuição especial, não sendo materialmente inconstitucional por violação dos princípios da capacidade contributiva, da proporcionalidade e da proibição da consignação de receitas (processo físico fls. 224/225).
II QUESTÕES A APRECIAR. O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar improcedente os vícios das liquidações alegas na petição inicial. III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação: A) Em 30-06-2016, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém elaboraram relatório final do procedimento de inspeção realizado à ora Impugnante, relativo ao ano de 2014, onde consta, designadamente, o seguinte: “(...) 1.2- Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção As correções resultantes do procedimento inspetivo, em sede de Contribuição Extraordinária sobre o de Sector Energético (CESE), referente ao ano de 2014, ascendem a € 659,217,50. II. - Objetivos, âmbito e extensão da ação de inspeção (…) II.2 - Motivo, âmbito e incidência temporal O procedimento inspetivo teve origem na Nota de Entrega do Serviço de Apoio à Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Santarém, elaborada após se ter detetado que o sujeito passivo não tinha efetuado o pagamento da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) do ano de 2014, pelo que se tornava necessário proceder à recolha de elementos da sua contabilidade inerentes à liquidação daquela contribuição. O âmbito do procedimento inspetivo foi parcial, tendo apenas abrangido a Contribuição Extraordinária sobre o de Sector Energético (CESE), referente ao ano de 2014. (…) II.32 - Atividade desenvolvida pela T............ A T............ tem como objeto a exploração, em regime de serviço público, da rede de distribuição regional de gás natural, bem como a respetiva construção e manutenção das respetivas infraestruturas, na região do Vale do Tejo. Este serviço público foi inicialmente concessionado ao abrigo de um Contrato de Concessão da rede de distribuição regional de gás natural do Vale do Tejo, celebrado entre o estado português e a T............, em 22/12/1998, por um período de 35 anos, tendo posteriormente, sido elaborado novo contrato de concessão, que alterou, entre outras disposições, o período de concessão para 40 anos (até ao ano de 2047). Este novo contrato de concessão foi assinado em 11/04/2008, mas com efeitos a partir de 01/01/2008. Nos termos da legislação do sector, nomeadamente, o Decreto-lei n.° 30/2006, de 15 de Fevereiro, o Decreto-lei n.° 140/2006, de 26 de Junho, o disposto no Regulamento Tarifário, o Decreto-lei n.° 15/2013, de 28 de Janeiro, a portaria n.° 59/2013, de 11 de Fevereiro, o Despacho n.° 4261/2013, de 22 de Março, a Diretiva n.° 21/2012, de 31 de Dezembro, a Diretiva n.° 19/2012, de 26 de Dezembro e a Diretiva n.° 14/2012, de 16 de Julho, foi igualmente concedida à empresa uma Licença de Comercialização de Último Recurso Retalhista, para comercialização de gás natural, na zona de concessão supra indicada, a clientes com consumo inferior a 2Mm3/ano, que optem por se manter no regime de tarifa regulada. Assim, em resumo, e ao abrigo do Regulamento Tarifário Já referido, a T............ desenvolve as atividades de distribuição e comercialização de último recurso retalhista de gás natural, sendo ambas as atividades reguladas pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), nos termos da legislação do sector supra referida. De realçar o facto de a T............ ter imputado à atividade de distribuição de gás natural, a totalidade do seu ativo bruto intangível, no montante de € 95.340.210,17, e ainda o valor do imobilizado em curso no montante de € 1.266.538,69, conforme esclarecimento prestado pelo próprio sujeito passivo e de acordo com os elementos enviados para a ERSE, mais especificamente, o mapa denominado de "Quadro N-DGN - Ativas brutos afetos à Atividade de Distribuição de gás natural". (…) A T............ é uma pessoa coletiva concessionária da atividade de distribuição de gás natural e titular de licença de distribuição local de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.° 140/2006, de 26 de Julho, alterado pelos Decretos-Leis n.°s 65/2008, de 9 de Abril, 66/2010, de 11 de Junho e 231/2012 de Outubro, situações estas, previstas, respetivamente, nas alíneas d) e e) do artigo 2.° do regime da CESE, estando assim, esta atividade sujeita, e não isenta, de CESE. No que respeita à atividade de venda a retalho de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.° 140/2006, de 26 de Julho, alterado pelos Decretos-Leis n.°s 65/2008, de 9 de Abril, e 66/2010, de 11 de Junho, e 231/2012, de 26 de Outubro, está, a mesma, isenta de CESE, em face do disposto na alínea m) do artigo 4.° do regime desta Contribuição Extraordinária. No entanto, conforme já se referiu, a T............ imputou à atividade de distribuição de gás natural, a totalidade do seu ativo intangível, ou seja, à atividade sujeita, não isenta. Segundo o n.° 1 do artigo 3.° a CESE incide sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos que respeitem, cumulativamente, aos ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis, com exceção dos elementos da propriedade Industriai, e aos ativos financeiros afetos a concessões ou a atividades licenciadas, nos termos do artigo 2.° supra referido, devendo-se entender, em face da redação do n.° 3 do mesmo artigo, como "valor dos elementos do ativo", os ativos líquidos reconhecidos na contabilidade dos sujeitos passivos com referência a 1 de Janeiro de 2014, ou ao 1.° dia do exercício económico, caso ocorra em data posterior. No entanto, no caso de atividades reguladas, segundo o n.° 2 do artigo 3.°, a CESE incide sobre o valor dos ativos regulados, quando este valor seja superior ao valor dos ativos reconhecidos na contabilidade, ou seja, os definidos nos n.°s 1 e 3 do mesmo artigo. (…) A taxa da CESE aplicável à base de incidência, definida no artigo 3.° do respetivo regime, é, para o casa da T............, de 0,85%, conforme se concluí do exposto no n.° 1 do artigo 6.° do mesmo regime. A CESE, segundo o artigo 7.° do seu regime, deveria ser liquidada peio sujeito passivo através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria (declaração modelo 27, aprovada peia Portaria n.° 208/2014, de 10 de Outubro), a enviar por transmissão eletrónica de dados até, no caso da T............, 31 de Outubro de 2014. Será de referir, que este prazo de entrega foi prorrogado até ao dia 15 de Novembro de 2014, peio artigo 3.° da Portaria n.° 208/2014 agora referida. A T............ não procedeu ao envio desta declaração nem procedeu a qualquer pagamento a título de CESE referente ao ano de 2014, o qual deveria ter sido efetuado até ao dia 15 de Novembro de 2014, conforme se conclui peio disposto no n.° 1 do artigo 8.° do regime da CESE e da prorrogação de prazo já referida. III. - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS III. 1- Determinação do "valor dos elementos do ativo" - n.° 1 e n.°3 do regime da CESE À data de 31/12/2013, os ativos iíquidos reconhecidos na contabiiidade da T............, inerentes aos contractos de concessão, eram os seguintes ativos intangíveis:
Em face dos valores do Quadro anterior, serão de efetuar as seguintes considerações: • a conta "44 19 001 -Imobilizado em curso - Intangível", que apresenta o valor de € 1.046.885,16, respeita, essencialmente, à construção em curso da nova sede da T............, a qual apenas ficou concluída no decurso do ano de 2014. Deste modo, e estando em causa um ativo que não estava concluído à data de 01 de Janeiro de 2014, não deverá o respetivo valor ser considerado para efeitos de determinação do valor dos "ativos líquidos" previsto nos n.°s 1 e 3 do artigo 3.° do regime da CESE; • a conta "44 81 000 - Adiantamentos s/ imobilizado em curso", apresenta um saldo de € 219.653.53, referente apenas a movimentos financeiros, respeitante a adiantamentos sobre futuros ativos. Deste modo, também não deverá ser considerado no valor dos "ativos líquidos" previsto na legislação referida no ponto anterior. Em face do exposto, o montante base a considerar para efeitos da determinação do valor do "ativo líquido" contabilístico, previsto nos n.°s 1 e 3 do artigo 3.° do regime da CESE, corresponde ao valor global da conta "43 - Ativos Intangíveis", ou seja, € 77.324.148,15. No entanto, a este valor serão de deduzir os montantes relativos às seguintes rubricas: • € 16.109.809,96, correspondente ao valor por reconhecer como rendimento, relativo a subsídios ao investimento. A Norma Internacional IAS 20, nomeadamente, no que respeita aos subsídios governamentais relacionados com ativos, propõe para apresentação nas demonstrações financeiras dos valores dos subsídios relacionados com ativos, dois métodos: - Um deles considera o subsídio recebido como um rendimento diferido, sendo o seu reconhecimento apurado com base na vida útil dos bens do ativo em que o subsídio foi Investido; - O outro método, considera a dedução do montante do subsídio, ao valor bruto do ativo que lhe corresponde, apurando a quantia escriturada do ativo, sendo que o subsídio recebido é reconhecido como rendimento, por meio de um débito de depreciação reduzido, durante a vida do ativo depreciável. No caso em apreço, a T............ optou pejo primeiro método. Trata-se de uma opção de apresentação nas demonstrações financeiras dos subsídios recebidos, ou seja, uma questão de natureza formal, porque, em substancia, a realidade e a natureza dos factos é idêntica. Assim, considerando o principio da prevalência da substância sobre a forma, e ainda, o principio da justiça, entenderam estes Serviços de Inspeção, deduzir o valor, por reconhecer, relativo a subsídios ao investimento, registados na contabilidade do sujeito passivo em "'Proveitos diferidos - subsídios para investimento", para apuramento do valor liquido do ativo contabilístico para efeitos do cálculo da CESE conforme n.°s 1 e 3 do art.° 3.° do regime desta Contribuição Extraordinária. • € 22.260,00, respeitante ao valor liquido dos direitos de "propriedade Industrial, contabilizados na conta "43 643 31 - propriedade industrial/outros direitos" em face do exposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 3.° do regime da CESE, na qual se exceciona, as despesas inerentes a estes direitos para cálculo do "ativo liquido" contabilístico; Deste modo, obtém-se:
III. 2 - "Valor dos ativos regulados" - n.° 2 e n.° 4 do regime da CESE Através do n/ofício n.° 639, datado de 29/01/2016, notificou-se a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), tendo em conta o dever de colaboração previsto no n.° 5 do artigo 7.° do regime da CESE, para informar estes Serviços de Inspeção do "valor dos ativos regulados", reconhecido por aquela entidade para efeitos de apuramento dos proveitos permitidos, referentes ê sociedade T............, com referência à data de 01 de Janeiro de 2014. Em resposta, a ERSE, (...) veio Informar o seguinte: O valor do ativo regulado com referência a 01 de janeiro de 2014 é o seguinte: Ativo Regulado (ativo médio líquido) 77.555.0000,00 De salientar que o valor a 01 de janeiro de 2014 tem por referência 31 de dezembro de 2013, conforme publicado pela ERSE no documento "Proveitos permitidos e ajustamentos paro o ano gás 2015-2016 das empresas reguladas do sector do gás natural" de junho de 2015. III. 3 - Apuramento da CESE/2014 Em face do exposto nos dois pontos anteriores, e no disposto no n.° 2 do artigo 3.° do regime da CESE, o qual refere que no caso das atividades reguladas, esta contribuição extraordinária incide sobre o valor dos ativos regulados caso este seja superior ao valor das ativos líquidos reconhecidos na contabilidade dos sujeitos passivos. Sendo assim, o valor de incidência da CESE, referente ao ano de 2014, da sociedade T............ ascende ao montante comunicado peia ERSE, ou seja, 77.555 milhões de euros. Sendo a taxa da CESE, aplicável ao caso em análise, de 0,85%, conforme previsto no n.° 1 do artigo 6.° do regime desta contribuição extraordinária, temos: • CESE/2014: € 77.555.000,00 x 0,85% = € 659.217.50. (...).”. - (cf. fls. 165 a 181 dos autos). B) Com data de 05-07-2016 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém, remeteram à Impugnante o oficio n.° 3850, de notificação do relatório de inspeção referido na alínea que antecede. - (cfr. doc. de fls. 164 dos autos). C) Para o ano de 2015, os Serviços de inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém realizaram ação de inspeção à ora Impugnante, apurando nos termos e com os fundamentos do relatório descrito em A), a CESE no montante de € 677.671,00. - (cfr. doc. de fls. 183 a 201 dos autos). D) Com data de 27-07-2016 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém, notificaram pessoalmente a Impugnante do relatório de inspeção referido na alínea que antecede. - (cfr. doc. de fls. 182 dos autos). E) Com data de 05-02-2018 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em nome da ora Impugnante demonstração de liquidação da Contribuição Extraordinária para o Setor Energético n.° ............. para o ano de 2015, no valor de € 677.671,00. - (cfr. fls. 141 dos autos). F) A Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação da CERE identificada na alínea antecedente através do DUC ............, em 17-04-2018. - (cfr. doc. de fls. 142 dos autos). G) Com data de 05-02-2018 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em nome da ora Impugnante demonstração de liquidação da Contribuição Extraordinária para o Setor Energético n.° ............. para o ano de 2014, no valor de € 659.217,50. - (cfr. fls. 143 dos autos). H) A Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação da CERE identificada na alínea antecedente através do DUC ............, em 17-04-2018. - (cfr. doc. de fls. 144 dos autos). I) Na mesma data, 05-02-2018, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de juros da CESE do ano de 2014 e respetiva demonstração, na importância a pagar de € 88.271,73. - (cfr. doc. de fls. 145 dos autos). J) Ainda na mesma data, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de juros da CESE do ano de 2015 e respetiva demonstração, na importância a pagar de € 64.490,01. - (cfr. doc. de fls. 155 dos autos). K) Em 24-05-2018, a ora Impugnante requereu junto do Serviço de Finanças do Cartaxo a suspensão do processo de execução fiscal n.° ............, instaurado para cobrança da CESE de 2014 e apresentou, para o efeito, garantia bancária n.° ............ (B............, SA) e n.° ............, emitida por ambos, para garantia do montante máximo de € 111.776,25. - (cfr. docs. de fls. 146 a 154 dos autos). L) Na mesma data, 24-05-2018, a ora Impugnante requereu junto do Serviço de Finanças do Cartaxo a suspensão do processo de execução fiscal n.° ............, instaurado para cobrança da CESE de 2015 e apresentou, para o efeito, garantia bancária n.° ............ emitida pelo B............, SA, pelo montante máximo de € 81.713,64. - (cfr. docs. de fls. 156 a 163 dos autos). M) Em 18-07-2018 deu entrada neste TAF a petição inicial da presente impugnação judicial. - (cfr. fls. 1 a 3 dos autos). N) Em 21-12-2018, a Unidade de Gestão dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira determinou a revisão dos atos tributários de liquidação da CESE emitidos à ora Impugnante, nos termos que constam de fls. 326 a 332 dos autos.
Factos Não Provados Inexistem outros factos cuja não prova releve para a decisão a proferir.
Motivação da Decisão de Facto A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. T............- ............, S.A. deduziu impugnação contra as liquidações da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético” e juros compensatórios, relativas aos anos de 2014 e 2015, alegando, em síntese, que a CESE, criada pelo art. 228º da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, que a CESE é um verdadeiro imposto com uma base tributável que viola frontalmente os princípios constitucionais da capacidade contributiva e, por essa via, da igualdade. Viola ainda o princípio da não consignação, na medida em que as receitas deste imposto são consignadas ao Fundo de Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético. Vejamos então. A CESE foi criada pela lei do orçamento do estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), em cujo art.º 228.º consta o respetivo regime. Do mesmo, na sua redação inicial, aplicável ao ano de 2014, extrai-se, desde logo, que este tributo tem por “objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético”. Em termos de incidência subjetiva, nos termos do seu art.º 2.º, são designadamente sujeitos passivos de CESE: “… as pessoas singulares ou coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2014, se encontrem numa das seguintes situações: a) Sejam titulares de licenças de exploração de centros eletroprodutores, com exceção dos localizados nas Regiões Autónomas dos Açores ou da Madeira; b) Sejam titulares, no caso de centros eletroprodutores licenciados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, de licença de produção e tenham sido considerados em condições de ser autorizada a entrada em exploração, conforme relatório de vistoria elaborado nos termos do n.º 5 do artigo 21.º do referido decreto-lei, com exceção dos localizados nas Regiões Autónomas dos Açores ou da Madeira; c) Sejam concessionárias das atividades de transporte ou de distribuição de eletricidade, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 104/2010, de 29 de setembro, 78/2011, de 20 de junho, 75/2012, de 26 de março, 112/2012, de 23 de maio, e 215-A/2012, de 8 de outubro; d) Sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro; e) Sejam titulares de licenças de distribuição local de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro; f) Sejam operadores de refinação de petróleo bruto e de tratamento de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro; g) Sejam operadores de armazenamento de petróleo bruto e de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro; h) Sejam operadores de transporte de petróleo bruto e de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro; i) Sejam operadores de distribuição de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro; j) Sejam comercializadores grossistas de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro; k) Sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro; l) Sejam comercializadores grossistas de eletricidade, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 104/2010, de 29 de setembro, 78/2011, de 20 de junho, 75/2012, de 26 de março, 112/2012, de 23 de maio, e 215-A/2012, de 8 de outubro.” Nos termos do art.º 3.º do Regime da CESE, atinente à incidência objetiva: “1 - A contribuição extraordinária sobre o setor energético incide sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos que respeitem, cumulativamente, a: a) Ativos fixos tangíveis; b) Ativos intangíveis, com exceção dos elementos da propriedade industrial; e c) Ativos financeiros afetos a concessões ou a atividades licenciadas nos termos do artigo anterior. 2 - No caso das atividades reguladas, a contribuição extraordinária sobre o setor energético incide sobre o valor dos ativos regulados caso este seja superior ao valor dos ativos referidos no número anterior. 3 - Para efeitos do n.º 1, entende-se por 'valor dos elementos do ativo' os ativos líquidos reconhecidos na contabilidade dos sujeitos passivos, com referência a 1 de janeiro de 2014, ou no 1.º dia do exercício económico, caso ocorra em data posterior. 4 - Para efeitos do n.º 2, entende-se por 'valor dos ativos regulados' o valor reconhecido pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos para efeitos de apuramento dos proveitos permitidos, com referência a 1 de janeiro de 2014.” À base de incidência definida nos termos referidos, é aplicada, em regra, uma taxa de 0,85% (art.º 6.º, n.º 1), estando ainda consagradas outras taxas específicas no n.º 2 do art.º 6.º. No art.º 4.º do mencionado regime estão consagradas as situações de isenção de CESE. O regime consagra ainda a impossibilidade de repercussão da CESE (cfr. art.º 5.º). Nos termos do art.º 11.º do regime da CESE, sob a epígrafe “Consignação”: “1 - A receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), a criar por decreto-lei, no prazo de 60 dias a contar da data da entrada em vigor da presente lei, com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida tarifária e do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional decorrentes de custos de interesse económico geral (CIEGs), designadamente resultantes dos sobrecustos com a convergência tarifária com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. 2 - O FSSSE tem a natureza de património autónomo, sem personalidade jurídica e com autonomia administrativa e financeira, podendo ser-lhe atribuída a possibilidade de adquirir aos operadores regulados ou às entidades a que estes hajam cedido os seus créditos o direito de receber, através das tarifas da eletricidade, os montantes relativos aos valores ou direitos correspondentes ao diferencial de custos que não forem repercutidos no ano a que respeitam. 3 - Os créditos adquiridos nos termos do número anterior podem ser extintos em termos e condições a fixar no decreto-lei a que se refere o n.º 1. 4 - Fica o Governo autorizado a transferir para o FSSSE o montante das cobranças provenientes da contribuição extraordinária sobre o setor energético. 5 - Os encargos de liquidação e cobrança incorridos pela Autoridade Tributária e Aduaneira são compensados através da retenção de uma percentagem de 3 % do produto da contribuição, a qual constitui receita própria”. O FSSSE veio a ser criado pelo DL n.º 55/2014, de 9 de abril (tendo ainda sido aprovada a Portaria n.º 1059/2014, publicada no Diário da República n.º 244, 2.ª Série, de 18.12.2014, relativa ao seu regulamento de gestão), tendo a natureza de património autónomo, sem personalidade jurídica e com autonomia administrativa e financeira. De acordo com o art.º 2.º do mencionado diploma: “… [V]isa contribuir para a promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional, designadamente através: a) Do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética; b) Da redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN), mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético prevista no artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro”. Uma das receitas do FSSSE é, pois, a CESE [cfr. art.º 3.º, n.º 1, al. a)], sendo que devem ser alocados dois terços da receita em causa ao financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, até ao limite máximo de 100.000.000,00 Eur. [cfr. art.º 4.º, n.º 1, al. a)].
A questão que se coloca, em primeiro lugar, prende-se com a configuração da CESE, enquanto tributo. Com efeito, como já referido, a Recorrente considera que, face às suas caraterísticas, o mesmo não se pode configurar se não como imposto. Cumpre, assim e antes de mais, atentar na tipologia de tributos previstos no ordenamento jurídico português. Independentemente da nomenclatura utilizada pelo legislador para designar os tributos, a sua natureza depende das suas específicas caraterísticas. Com efeito, o nosso ordenamento consagra um conceito amplo de tributo. Como resulta desde logo do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da Constituição da República Portuguesa (CRP), os tributos têm uma natureza tripartida: a) Impostos; b) Taxas; e c) Demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas. Este quadro tripartido surge, ao nível da lei ordinária, previsto no art.º 3.º da LGT. Assim, esta configuração implica que cada um dos tributos tenha caraterísticas e finalidades próprias. Quanto à sua noção, em traços largos, e começando pela de imposto, este define-se como uma prestação pecuniária unilateral, imposta coativa ou autoritariamente pelo Estado ou por uma entidade pública, sem caráter sancionatório, visando angariar receita. É ainda de atentar que, do art.º 103.º, n.º 1, da CRP, resulta igualmente que o sistema fiscal visa diminuir as desigualdades e promover a distribuição de rendimentos e riquezas, conjugando o que se poderá denominar como um interesse financeiro ou imediato com um interesse de justiça social, mediato ou metajurídico. No que respeita às taxas as mesmas configuram-se como prestações pecuniárias impostas coativa ou autoritariamente, pelo Estado ou outro ente público, sem que tenham caráter sancionatório, pressupondo sim a existência de uma contraprestação, seja ela a prestação de um serviço público, a utilização de um bem do domínio público ou a remoção de um obstáculo jurídico. A par das taxas e dos impostos surge a terceira categoria, a das contribuições financeiras, classificação de caráter residual, abrangendo os tributos que não são nem impostos nem taxas. Como se refere no Acórdão n.º 539/2015, do Plenário do Tribunal Constitucional, de 20.10.2015: “[A] revisão constitucional de 1997, introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (artigo 165.º, n.º 1, alínea i)). As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora). As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (…). Por via da nova redação dada à norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), a Constituição autonomizou uma terceira categoria de tributos, para efeitos de reserva de lei parlamentar, relativizando as diferenças entre os tributos unilaterais e os tributos comutativos e obrigando a uma reformulação da discussão sobre a exigência da reserva de lei, relativamente às contribuições especiais que não se pudessem enquadrar no preciso conceito de taxa” (sublinhados nossos). Como referido por Sérgio Vasques Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2014, p. 223.: “O que (…) carateriza os tributos que hoje em dia encontramos a meio caminho entre as taxas e os impostos é o estarem voltados à compensação de prestações de que só presumivelmente se pode dizer causador ou beneficiário o sujeito passivo, sendo o seu pressuposto constituído por factos que apenas com segurança relativa permitem concluir pela provocação ou aproveitamento das prestações administrativas. Em suma, o que as define é visarem uma troca entre a administração e grupos de pessoas que se presume provocarem os mesmos custos ou aproveitarem os mesmos benefícios”. Nos termos do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, é da competência relativa da Assembleia da República legislar em matéria de impostos e sistema fiscal e sobre o regime geral das taxas e contribuições financeiras. Assim, e analisando a mencionada al. i) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP, lida em consonância com o n.º 2 do art.º 103.º da lei fundamental, dúvidas não há que, no que toca aos impostos, a reserva relativa de lei abrange tudo o que respeite à sua criação, determinação da incidência, da taxa, dos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes. Quanto aos demais tributos, o princípio da reserva de lei formal não tem o mesmo alcance. Com efeito, do disposto no art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, resulta que a reserva de lei parlamentar se circunscreve ao regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, sendo que até à presente data não foi aprovado qualquer regime geral das contribuições financeiras e, ao nível das taxas, apenas foi aprovado o regime geral das taxas das autarquias locais. Feito este introito cumpre, antes de mais, atentar na natureza do tributo em causa. No caso dos autos, não há dúvidas de que o mesmo não é uma taxa. Com efeito, do regime legal que o prevê, o mesmo não surge como reflexo de uma prestação concreta de um serviço público ou da remoção de um obstáculo jurídico, nem como reflexo, por parte do sujeito passivo, da utilização de um bem do domínio público. No entanto, face ao regime jurídico previsto no seu conjunto e a que já se fez referência, o mesmo aproxima-se do conceito de contribuição financeira, por lhe estar subjacente justamente a bilateralidade genérica a que se fez menção supra. Sobre esta questão, num primeiro momento, já se pronunciaram os tribunais arbitrais tributários, em decisão proferida a 07.01.2016, no processo n.º 312/2015-T, decisão de que houve recurso para o Tribunal Constitucional, na sequência do qual foi proferido o Acórdão n.º 7/2019, a 08.01.2019, cujo juízo se centrou justamente na norma aprovada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, em causa igualmente nos presentes autos. É ainda de sublinhar que, também neste caso, o sujeito passivo da CESE era uma entidade que não exercia atividade no setor electroprodutor ou em qualquer outro subsetor da eletricidade. No mesmo sentido também já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 08.01.2020 (Processo: 0386/17.8BEMDL). Escreveu-se no mencionado aresto do Tribunal Constitucional: “(…) A recorrente veio invocar que, em virtude da sua atividade, não exercia «qualquer atividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da eletricidade (a atividade da Recorrente é a de armazenamento subterrâneo de gás natural), pelo que em nada contribuiria para o problema da dívida tarifária do SEN». Assim sendo, não usufruiria da contrapartida traduzida na redução do défice ou dívida tarifária, pelo que não estaria assegurada a bilateralidade ou sinalagmaticidade do tributo, devendo este ser considerado um imposto. Sucede que aquela redução é apenas um dos objetivos da CESE, prescrevendo a lei que esta contribuição visa, genericamente, o desenvolvimento de medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético. Ainda que não referida a uma contraprestação direta, específica e efetiva, resultante de uma relação concreta com um bem ou serviço, o que afasta a sua qualificação como taxa, a sujeição à CESE de determinados operadores económicos tem como um dos seus objetivos «financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético» (artigo 1º, n.º 2, do regime da CESE). É, a par do objetivo da redução da dívida tarifária – que é uma das suas causas –, o objetivo da promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, bem como de medidas de apoio às empresas, que gerará, igualmente, contrapartidas, ainda que difusas, dirigidas aos sujeitos passivos da CESE. A existência destas presumidas contraprestações que vão além do mero objetivo da redução tarifária, e que a criação do FSSSE garante, assegura, também, o caráter estrutural de bilateralidade ou sinalagmaticidade da relação subjacente ao tributo em causa, permitindo excluir a sua caracterização como imposto, já que nelas é possível identificar a satisfação das utilidades do sujeito passivo do tributo como contrapartida do respetivo pagamento. É a participação de um especial setor da atividade económica nos benefícios/custos presumidos da adoção destas políticas de financiamento que permite isolá-los dos demais contribuintes, sujeitando-os à contribuição criada pelas normas em apreciação, sem que essa diferenciação possa considerar-se violadora da Constituição, como veremos. Assim, apesar de não pressupor uma contraprestação direta, específica e efetiva, razão pela qual não pode ser qualificada como taxa, a CESE, reveste características de bilateralidade na relação entre o Estado e os sujeitos passivos do tributo, pela conexão entre a origem das receitas e o seu destino. Não estamos, por isso, perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comunidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finalidade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos. O facto de não ser possível individualizar-se, de forma concreta e absolutamente objetiva, uma compensação efetiva que, pelo seu conteúdo e natureza, seja especificamente dirigida aos sujeitos passivos que desenvolvam a atividade da recorrente, mas apenas as vantagens difusas, tal não retira caráter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária, já que estas contrapartidas não estão dissociadas de prestações públicas, ainda que genericamente destinadas a um grupo específico, sendo de presumir que os sujeitos passivos da CESE beneficiarão dos mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético. Ou seja, no caso da CESE, estamos perante um tributo comutativo, em virtude de, ainda que de forma difusa, ser possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm suficiente proximidade com as finalidades que este prosseguirá, e no qual se se incluirá a recorrente. Realizando a recorrente o armazenamento subterrâneo de gás natural e a construção, exploração e manutenção das infraestruturas e instalações necessárias para esse fim, dúvidas não restam que a recorrente sempre usufruirá do desenvolvimento das medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente das que se associem à atividade do fundo criado que visa, entre outros objetivos, financiar políticas sociais e ambientais do setor energético, enquanto setor de serviços económicos de interesse geral. Como é bom de ver, os operadores económicos deste sector, entre os quais a recorrente, em virtude do seu específico objeto social, irão, presumivelmente, aproveitar, como contrapartida da CESE, de mecanismos que promovem a sustentabilidade sistémica do sector energético, de cariz social e ambiental, a desenvolver pelo Estado regulador, garante dessa sustentabilidade. Ou seja, uma vez que a atividade desenvolvida por estes agentes económicos beneficiará das ações de regulação traduzidas no desenvolvimento de políticas sociais e ambientais do setor energético, que promovam a sustentabilidade sistémica do setor, designadamente através da constituição do FSSSE dedicado ao seu financiamento, financiamento este que também respeitará ao subsector do gás natural, existem, então, razões que autorizam o legislador a estabelecer que o grupo de operadores, no qual se inclui a recorrente, deve contribuir para os custos decorrente dessas medidas regulatórias. A recorrente é uma das entidades cuja atividade desenvolvida é uma atividade regulada, nos termos do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho. E a regulação e os seus custos foi já anteriormente identificada pelo Tribunal Constitucional como justificando o lançamento deste tipo de tributos, como atrás se referiu. Como os exemplos de outras contribuições invocados bem demonstram, essas medidas regulatórias não se reduzem à definição de tarifas reguladas. E sendo assim, é possível identificar, também no caso da recorrente, uma contrapartida presumivelmente provocada e aproveitada pela recorrente, enquanto sujeito passivo, que o legislador faz repercutir, através da CESE, nestes operadores económicos sujeitos a regulação, e não na comunidade em geral. Como se refere na decisão recorrida, no contexto do Estado regulador, «as contribuições financeiras impostas aos operadores económicos, quer para financiar os sobrecustos do sistema, quer para financiar novos encargos no contexto da regulação social, cumprem ainda a exigida “conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que neste caso é reconduzida a uma ‘relação causal’ entre o Estado, na qualidade de garantidor do funcionamento eficiente e socialmente equitativo do sistema (neste caso do sector energético), e o sujeito passivo»; e «a CESE, ao ser exigida aos operadores do sector energético com o intuito de financiar políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética e com a redução do stock da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, inscreve-se claramente neste tipo de contribuições exigidas pelo modelo económico-social do Estado regulador». Neste sentido pronunciou-se igualmente o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no seu Parecer n.º 4/2016 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 2 de março de 2018): «[A] CESE, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica, no sentido acima referido, [trata-se] de uma contribuição financeira. A CESE é uma contrapartida para o financiamento da eficiência energética e da redução da dívida do SEN, exigida pelo modelo do Estado regulador.» (…) Evidentemente, ao contrário do que pretende a requerente, o facto de a CESE ter, igualmente, como objetivo a redução da dívida tarifária do SEN, encarado, também ele, como um mecanismo que promove a sustentabilidade sistémica do sector energético, tal não faz obnubilar aquela outra contrapartida. Deixando de lado o problema de saber se a CESE assume natureza extraordinária, (…) é de acompanhar, sem reservas, a apreciação deste aspeto realizada na decisão recorrida: «Em relação à afetação de um terço da receita da contribuição à redução da dívida tarifária do Sector Elétrico Nacional, cumpre sublinhar que, efetivamente, nesta parte, existe uma redução intensa (senão mesmo uma exclusão) do nexo causal que é pressuposto desta afetação do tributo, uma vez que é especialmente difícil sustentar que a exigência da CESE aos operadores económicos do sector do gás natural tem sentido no contexto da amortização de um stock de dívida que foi gerado pela adoção de medidas de regulação social no subsector da energia elétrica (o stock da dívida tarifária do sector elétrico é consequência da cláusula-travão na admissibilidade da repercussão integral dos custos do Sistema Elétrico Nacional nas tarifas a suportar pelos consumidores finais), mesmo sabendo que as empresas que hoje são credoras dessa dívida tarifária (pelo menos uma parte significativa das que recebem custos de manutenção do equilíbrio contratual ou garantia de potência e que operam centrais termelétricas) são consumidoras de gás natural que é fornecido pelas operadoras deste segundo sector e através das respetivas infra-estruturas. Todavia, essa atenuação (ou mesmo interrupção) do nexo causal respeitante a um terço do valor da contribuição não se afigura suficiente para determinar a se uma situação de desproporção significativa entre a exigência do tributo e a finalidade a que o mesmo se destina, pois não só dois terços do valor do mesmo mantêm, como veremos, aquele nexo causal, como ainda a CESE assume um carácter extraordinário. Este carácter extraordinário está logo expresso na sua mesma qualificação legal – sendo que não pode deixar de atribuir-se a esta toda a relevância. Naturalmente que, se o legislador qualifica e designa ab initio um tributo como “extraordinário”, é porque o seu fundamento está numa circunstância ou razão excecional, que “exige” a sua instituição, e a sua instituição com a configuração que o legislador lhe dá. Ainda que a lei não estabeleça expressamente um limite temporal para tal tributo, o facto é que uma tal qualificação indicia que o mesmo tributo não será para manter indefinidamente, ou não será para manter indefinidamente nos termos e com a conformação jurídica que recebeu – será, nesse sentido, «provisório». Mas ao que fica dito acresce que a regulação da CESE na Lei do Orçamento para 2014 só confirma a sua natureza “extraordinária” – e isso quando, em várias disposições do respetivo regime jurídico (tal como constam do artigo 228.º daquela Lei), se fazem referências temporais determinadas, a 1 de Janeiro de 2014 (artigo 2.º e artigo 3.º, n.º 4), a 31 de Dezembro de 2013 [artigo 4.º, alínea o)], a 1 de Janeiro e 15 de Dezembro de 2014 ou a 31 de Outubro e a 20 de Dezembro de 2014, para determinar, sejam a incidência e o âmbito da isenções, sejam a taxa e a liquidação da contribuição. Tais referências não seriam certamente curiais num tributo criado com uma vocação de permanência – e antes apontam mesmo para a aparente necessidade da sua renovação anual. Sobre este último ponto, este Tribunal, no caso sub judice ̶ que se reporta, de resto ao primeiro ano da cobrança do tributo, e em que, logo, a questão do seu prolongamento não se põe ̶ não tem de, nem pretende tomar posição. Mas o facto – o que só confirma o carácter «extraordinário» da contribuição ̶ é que, em ordem à sua manutenção ainda no ano de 2015, o legislador orçamental sentiu necessidade de, pelo menos, «renovar» correspondentemente aquelas referências temporais, no artigo 238.º da Lei n.º 82-B/2014 (Lei do Orçamento para 2015). E não se argumente, contra o carácter extraordinário e «provisório» da CESE, com o facto de a mesma integrar o leque de receitas do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético, e este Fundo ter sido criado com um carácter permanente, à semelhança dos seus homólogos europeus (ex. Fondo nazionale per l'efficienza energética, art. 15 do Decreto Legislativo 4 luglio 2014, n. 102): é que tal circunstância, como é claro, é perfeitamente irrelevante, ou ineficaz, para alterar normativamente a natureza da CESE, tal como resulta das leis que a preveem. […] Ora, sendo a CESE uma contribuição «extraordinária», essa sua natureza assume um relevo determinante – será mesmo causa suficiente– para, com esse carácter, não julgá-la desproporcional (inadequada, desnecessária e desproporcional), no quadro do estado de emergência económico-financeiro conjuntural (respeitante ao contexto económico-financeiro do país) e sectorial (respeitante ao peso que a dívida tarifária do SEN assumiu em 2014, totalizando mais de 5 mil milhões de euros), em que foi instituída. […]» (…) Acresce que a CESE é consignada a um fundo que tem natureza de património autónomo, sem personalidade jurídica e com autonomia administrativa e financeira, o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE) (…). Esta consignação ao FSSSE foi expressamente fixada, logo na Lei do Orçamento de Estado para 2014 (artigo 11.º do regime da CESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013), retirando esta receita ao financiamento de despesas públicas gerais do Estado. A jurisprudência do Tribunal Constitucional já considerou ser esta uma qualidade reveladora da natureza comutativa destes tributos, por tal consignação significar que a receita não pode ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais, confirmando a relação de bilateralidade, como decidido pelo Tribunal no Acórdão n.º 152/2013, relativo à taxa pela utilização do espetro radioelétrico. Independentemente de se considerar esta consignação de receitas decisiva para a caracterização do tributo em causa, a verdade é que a natureza de contribuição financeira da CESE resulta, inequivocamente, da presença de um sinalagma, ainda que difuso, que lhe confere bilateralidade, nos termos atrás desenvolvidos. Aliás, a circunstância de ser ainda possível identificar, na CESE, quer a tributação de benefícios, mesmo que reflexos, destinados a um especial conjunto ou categoria de sujeitos passivos, quer o objetivo de cobrir os custos que as soluções regulatórias desse financiamento pressupõem, legitima materialmente a consignação de receitas, por lei considerada excecional. Por todas estas razões, não pode deixar de se considerar que a CESE assume as características de uma contribuição financeira”. Considerando este entendimento, a que se adere, conclui-se, pois, que, ao contrário do referido pela Recorrente, se está perante uma contribuição financeira e não perante um imposto (motivo pelo qual resulta prejudicada a apreciação do alegado, em termos de inconstitucionalidade, exclusivamente respeitante à CESE na perspetiva de ser um imposto, e, bem assim, em termos de alegada dupla tributação e sobreposição ao IRC). Este mesmo entendimento afasta, pois, os argumentos esgrimidos pela Recorrente, designadamente os atinentes ao facto de não integrar 0 sector electroprodutor ou outro subsector da eletricidade, não contribuindo para o problema da dívida tarifária do SEN, e, bem assim, o impacto que afetação de parte da receita à redução da dívida tarifária tem em termos de configuração do tributo – afastando, dessa forma, o argumento de que o objetivo da CESE é de financiamento das despesas gerais do Estado e da consolidação das contas públicas. Por outro lado, quanto ao facto de alegadamente a Recorrente não conhecer as políticas sociais e ambientais do setor energético, tal circunstância não é de molde a afastar a configuração como contribuição financeira, a aferir de acordo com os termos em que o legislador consagrou e densificou a disciplina deste tributo. Sempre se diga, aliás, que são conhecidas medidas enquadradas nesse domínio. Veja-se, por exemplo, que o Fundo de Inovação, Tecnologia e Economia Circular, criado pelo DL n.º 86-C/2016, de 29 de dezembro, cuja finalidade é a de “apoiar políticas de valorização do conhecimento científico e tecnológico e sua transformação em inovação, de estímulo à cooperação entre Instituições de Ensino Superior, centros de interface tecnológico (CIT) e o tecido empresarial e de capacitação para um uso mais eficiente dos recursos, preservando a sua utilidade e valor ao longo de toda a cadeia de produção e utilização, nomeadamente através da eficiência material e energética”, conta com parte da receita do FSSSE (cfr. art.º 5.º do mencionado diploma). Por outro lado, dos instrumentos de gestão da direção geral de energia e geologia, a quem cabe a gestão, na vertente técnica, do FSSSE, consta justamente o elenco de atividades desenvolvidas a esse respeito, designadamente a articulação com entidades beneficiárias do FSSSE (cfr. relatório de atividades da direção geral de energia e geologia relativo a 2017, disponível para consulta em http://www.dgeg.gov.pt/). Não tem, por outro lado, a consequência que a Recorrente lhe extrai o facto de a receita da CESE de 2014 não ter chegado a ser transferida para o FSSSE, porquanto trata-se de matéria atinente à concretização de uma consignação da receita que não se confunde com a configuração do tributo em concreto. Sublinhe-se, aliás, que esta consignação ao FSSSE esteve desde sempre prevista no art.º 11.º do regime da CESE. Como já referido, a Recorrente, na hipótese de a CESE ser considerada uma contribuição financeira, considera-a igualmente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade e do da igualdade. Chamando novamente à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019, a 08.01.2019, refere-se a esse propósito: “(…) A recorrente argumenta que o regime deste tributo, resultante das normas impugnadas, caso se considere a CESE como verdadeira contribuição financeira e não como imposto, sempre seria materialmente inconstitucional, por violar o princípio da equivalência, enquanto subprincípio do princípio da igualdade, aplicável aos tributos paracomutativos, constituindo, igualmente, uma restrição do direito de propriedade imposta em violação do princípio da proporcionalidade (…). Vejamos se serão postos em causa o princípio da equivalência e da proporcionalidade. Embora não expressamente consagrado na Constituição, o princípio da equivalência resulta do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Lei Fundamental, com ele se procurando que taxas e contribuições se adequem às prestações públicas de que beneficiarão, real ou presumidamente, os respetivos sujeitos passivos. Decorre, do que atrás se explicitou, que a CESE é um tributo da categoria das contribuições, excluindo a sua classificação, quer como taxa, quer, para o que mais aqui relevava, como imposto. Garantido que esteja que a contribuição lançada encontra justificação no benefício recebido/custo provocado relativo a uma prestação diferenciada de que efetiva ou presumivelmente beneficiará/ou terá provocado um grupo seu sujeito passivo, estará assegurado o sinalagma que justifica a diferenciação tributária, bem como o respeito pelo princípio da equivalência. No caso, como atrás se demonstrou, a sujeição à CESE do grupo constituído pelos operadores económicos em que a recorrente se inclui não é desprovida de contrapartidas. Nem quando globalmente considerado o grupo de operadores no setor da energia, nem quando especificamente considerados aqueles que operam no setor do gás natural. Aliás, na definição da consignação de receitas, é para o setor da energia globalmente considerado que são destinadas a maior parte das verbas, visando o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, e de apoio às empresas, já que apenas um terço é reservado à redução da dívida tarifária do SEN. É, em suma, o carácter sinalagmático, atrás enunciado, que traduz a verificação da equivalência necessária, pelo que não pode deixar de se concluir não existir desrespeito pelo princípio da equivalência. Ao mesmo tempo, a assinalada bilateralidade, encontrada na contraprestação correspondente à sujeição à CESE, retira-lhe o carácter de imposto que incidiria sobre o património das empresas do setor energético que a ela estão obrigadas. Como descrevemos, a estrutura bilateral do tributo justifica que se distinga estes sujeitos passivos dos demais contribuintes, respeitando-se, por isso mesmo, o princípio da equivalência, afastando-se uma injustificada desigualdade. (…) A recorrente invoca, ainda, que esta correspondência não pode violar o princípio da proporcionalidade, sob pena de violar a propriedade privada e livre iniciativa económica. Afastada a caracterização como imposto, em virtude da aceite sinalagmaticidade, uma tal questão remete-nos para o controlo do critério escolhido para definição desta contribuição, ou seja, para o equilíbrio entre prestação e contraprestação. Significa que, encontrada na relação causal enunciada a justificação para a diferenciação deste grupo na tributação, restaria saber se colhe a invocação da recorrente de que a imposição deste encargo violaria o princípio da proporcionalidade. Ora, está bem de ver (…) que a objetividade conseguida na relação entre uma taxa e a troca real e efetiva que a justifica, e uma contribuição e a prestação genérica e presumida que lhe dá origem, será de grau necessariamente diferenciado, já que, nas prestações presumidas/custos provocados, esta relação não poderá deixar de ser mais difusa ou reflexa, pela sua própria natureza. Por isso, na finalidade de promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, prevista como um dos destinos da CESE, a que, aliás, a lei consigna a maior parte das receitas deste tributo [artigo 4.º, n.º 2, alínea a)], não se procura a identificação de benefícios efetivos, concretos, objetivamente mensuráveis e comparáveis com o sacrifício imposto, mas um mínimo de probabilidade na obtenção desses benefícios pelos sujeitos passivos. E, no caso da recorrente, ainda que se pudesse considerar que inexistiria relação causal entre o desempenho da sua atividade e a dívida tarifária do Setor Elétrico Nacional, ou que não beneficiaria de medidas promovidas para sua redução – já que a requerente não integra o setor electroprodutor –, sempre aqueloutro objetivo, enunciado como destino maioritário da alocação de verbas, pode ser identificado como elemento suficientemente justificador da relação causal entre o tributo a pagar e o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental. É que, como se afirmou já, a causalidade estrutural desta contribuição não assenta, de modo algum, exclusivamente, na redução da dívida tarifária do SEN. Adiante-se, aliás, que não cabe ao Tribunal Constitucional apurar do posterior e efetivo grau de desenvolvimento de concretas políticas sociais e ambientais, relacionadas com medidas de eficiência energética, que concretizem a intervenção estadual no setor energético de modo a satisfazer aquele que é um dos objetivos da CESE elencado no artigo 1.º, n.º 2, do seu regime, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, no qual se determinou que esta «contribuição tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético…», finalidade reforçada no artigo 2.º do diploma que criou o Fundo para o qual a contribuição reverte, que visa a «promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional». No caso, ao lançar esta contribuição, o legislador definiu uma base de incidência subjetiva suficientemente estreita, com a preocupação de delimitar, com a certeza possível, os sujeitos passivos que virão a beneficiar de presumida prestação, em troca da sujeição a este tributo. Deliberadamente, afastou a solução de fazer repercutir a responsabilidade desta contraprestação em toda a comunidade, que, se assim não fosse, custearia, através dos impostos, prestações públicas de que a sociedade, no seu todo, não seria causadora ou beneficiária. Concebido como encargo a suportar por estes operadores económicos, a consagração deste tributo é, desde logo, acompanhada da proibição da sua repercussão nos consumidores, por via tarifária (artigo 5.º do Regime jurídico da CESE). Consequentemente, a incidência subjetiva da CESE abrange um conjunto justificável e diferenciável de destinatários que irão, através dela, compensar prestações que presumivelmente serão por estes provocadas ou aproveitadas – seja, a redução tarifária do SEN, ou, no caso dos operadores económicos desempenhando a atividade da requerente, os encargos com os mecanismos de promoção da sustentabilidade do setor energético –, mantendo estes inegável proximidade com as finalidades procuradas com o lançamento da CESE, nesse sentido assumindo aquela contraprestação uma natureza grupal, razão justificadora da tributação que sobre o grupo recai, distinguindo-o dos demais contribuintes. No quadro de um modelo de Estado regulador, o objetivo do financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético é especialmente aproveitada pelo grupo de operadores económicos em que a recorrente se inclui. Como já se afirmou, neste contexto, é possível identificar uma suficiente conexão entre a origem da receita, cuja fonte são os agentes económicos sujeitos à CESE, e a sua finalidade, que a lei consignou ao FSSSE, de instituição de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, de que o setor económico beneficiará. É na promoção desta finalidade, e nos benefícios e encargos que daí advêm para determinados setores, que o legislador sustenta a imposição a operadores do setor económico da energia de um tributo que não recai sobre outros operadores económicos, nem sobre a generalidade dos cidadãos contribuintes. E esta prestação é inegavelmente útil à consecução do fim a que se destina, de assegurar as medidas do setor energético referidas, sem onerar a generalidade dos operadores de setores distintos e os cidadãos em geral, a que não se destinam, que as não causaram nem delas beneficiam. É por esta mesma razão, de afastar do financiamento destas medidas de sustentabilidade energética os demais contribuintes que não lhes dão origem, nem delas beneficiarão de modo direto, que resulta patente que impô-las não se poderá considerar discriminatório. Também no que respeita à incidência objetiva da CESE se considera estar garantido um nexo causal suficiente entre os ativos (no caso, ativos regulados) sobre os quais recai a CESE (artigo 3.º, n.º 1, do Regime jurídico da CESE) e as políticas públicas de cariz social e ambiental do setor energético. A titularidade dos ativos tributáveis por parte das empresas que as normas legais sujeitam à CESE, cuja justificação radica na sustentabilidade sistémica do setor energético, torna-as presumíveis beneficiárias das políticas públicas de energia e da sua regulação. Os ativos não surgem como manifestação meramente hipotética da capacidade contributiva, que fosse exigida como receita para despesas gerais do Estado, mas como indicador que permite presumir a potencial utilidade das prestações públicas que aos operadores aproveitam, e os custos presumidos que provocam, já que os ativos são elementos essenciais ao desenvolvimento da atividade, sendo suficientemente adequados para diferenciarem aquele impacto. Também por esta razão, não pode ligar-se a sujeição do ativo ao tributo a qualquer demonstração de que estaríamos perante um imposto sobre o património das empresas. Na lógica do legislador, a titularidade de ativos em certa área da economia é um dado que permite aferir da suscetibilidade da empresa para ser causa de ou beneficiar de políticas de sustentabilidade, o que a distingue dos demais operadores de outras áreas e dos cidadãos. Não é, assim, uma forma de arrecadar receita, indistintamente. É, por isso, uma base de incidência adequada. Corrobora-se, por isso, a conclusão alcançada pelo tribunal a quo: «[E]ntende-se que no caso é ainda possível estabelecer uma relação de causalidade suficiente entre o critério adotado pelo legislador para a determinação da base tributável da CESE e a sua finalidade, pois o valor dos ativos é um índice adequado para medir a diferença de capacidade (potencial) de impacto da atividade desenvolvida pelos sujeitos passivos, no contexto das políticas de eficiência energética. Um juízo onde tem especial peso a circunstância de estarmos perante um tributo de natureza extraordinária, que por isso se requer de fácil implementação e aplicação para um período de aplicação transitório e curto, onde não se justificaria a implementação de critérios, porventura mais adequados, como a “medida do impacto das economias de energia potenciais” (algo que os contratos de gestão de eficiência energética têm provado ser de elevada complexidade técnica), mas muito complexos e com elevados custos de cumprimento, ou seja, totalmente desajustados da urgência no caso pretendida.» Embora a propósito do respeito deste princípio da equivalência no âmbito da fixação das taxas, o Tribunal Constitucional teve já ocasião de decidir que «em matéria tributária, não cabe ao Tribunal Constitucional, em linha de princípio, controlar as opções do legislador ou da Administração nas escolhas que estes fazem para estabelecer o quantum dos tributos, quer se trate de impostos, de taxas ou de contribuições especiais» (Acórdão n.º 640/1995). Chegando, mesmo, a afirmar-se, no mesmo aresto que «o Tribunal Constitucional rejeita – seguindo a doutrina fiscalista portuguesa que se exprime sem discrepâncias – o entendimento de que uma taxa cujo montante exceda o custo dos bens e serviços prestados ao utente se deve qualificar como imposto ou de que deve ter o tratamento constitucional de imposto». A mesma ideia veio a ser explicitada, por exemplo, no Acórdão n.º 140/1996: «as opções feitas pelo legislador (ou pela Administração) na fixação do montante das taxas são, em princípio, insindicáveis por este Tribunal, que, quando muito, poderá cassar as decisões legislativas (ou regulamentares), se, entre o montante do tributo e o custo do bem ou serviço prestado, houver uma desproporção intolerável - se a taxa for de montante manifestamente excessivo». Bem se compreenderá que, no caso das contribuições, como nas contribuições de regulação, relativamente às quais o sinalagma que é possível identificar não é, como no caso das taxas, individualizado e efetivo, mas apenas presumido, não poderá este Tribunal deixar, por maioria de razão, de lhes estender um tal entendimento. Ora, como se afirmou, se é verdade que também nas contribuições não se dispensa alguma objetividade mínima no estabelecimento da relação entre a contribuição a pagar e a vantagem para um grupo determinado ou determinável de contribuintes que a suportará, acontece que, sendo esta vantagem presumida, contrariamente ao que sucede nas taxas, em que a vantagem que lhe dá origem é real e singularizável, permitindo melhor adequar o tributo ao custo ou benefício do sujeito passivo, já no caso das contribuições, pela natureza da relação, mais difusa ou reflexa, o grau de exigência na objetividade exigida será ainda mais atenuado. Note-se, na sequência do que vem dito, que o facto de a sujeição à CESE ser diferenciada (artigo 3.º da Lei n.º 83-C/2013) em função da titularidade do valor dos elementos do ativo de determinados operadores económicos, ou do valor dos ativos regulados – como é o caso da recorrente –, assim afastando a imposição de um encargo à generalidade dos contribuintes, e ajustando a base de incidência em função dos diferentes grupos de sujeitos passivos do tributo, não é, ao contrário do que sustenta a recorrente, indício de desigualdade, mas, antes, de delimitação da base de incidência em função da presumida contraprestação, cujo benefício/custo respeita ao setor energético, desde logo, não a impondo à generalidade dos contribuintes, e procurando a acomodação da contribuição ao custo/benefício presumidos. Por outro lado, e relativamente às isenções previstas no artigo 4.º do regime da CESE, sendo, à partida, variado o leque de obrigados pelo tributo, a pretensão da sua criação será a de permitir, de algum modo, a distinção do seu impacto nos diferentes operadores económicos, visto que as diferenças normativas de regime já lhes definiram, previamente, distintos direitos e obrigações administrativas, ao modelarem a respetiva atividade. Ao estabelecer isenções, o legislador dá indicação de procurar atender aos diversos regimes jurídicos a que estão obrigados os operadores, em função da natureza da sua atividade, que os colocam em planos não coincidentes relativamente ao seu contributo para a sustentabilidade sistémica do setor energético. O mesmo se diga da opção de não estabelecer uma taxa única aplicável à base de incidência definida, que fosse indiferenciável para todos os operadores. Daqui não se segue – o que é reforçado pela natureza do tributo em causa – que, da definição das isenções, ou da diferenciação introduzida, dentro de cada grupo de operadores económicos, em função do critério dos ativos como base de incidência, ou da distinção feita através da definição de taxas diferentes, tenham de resultar esforços com peso relativo rigorosamente igual, sob pena de se dever considerá-los arbitrários, já que, não apenas se entende que a definição das obrigações encontra fundamento nas características da sua atividade, como procura levar em conta os diversos contributos dos operadores para a sustentabilidade, verificando-se que a diferenciação não é arbitrária. Nesse sentido, acompanha-se a análise desenvolvida pelo tribunal a quo quanto ao contributo das entidades isentas do pagamento da CESE: «[I]mporta destacar que a maior parte desses operadores económicos foram chamados a ‘contribuir’ por outra via para a eliminação do défice tarifário do Sistema Eléctrico Nacional, ou seja, para impedir que o mesmo subsista e continue a avolumar-se sob a forma de dívida tarifária. Referimo-nos, no caso da produção elétrica: i) à eliminação, para o futuro, do regime de subsidiação à tarifa da produção em regime especial (a partir de fontes renováveis), com a entrada em vigor da nova redação dos Decretos-Lei n.º 29/2006 e 172/2006, dada pelos Decretos-Lei n.º 215-A/2012 e 215-B/2012; ii) com a imposição aos centros electroprodutores eólicos já instalados de uma compensação anual ao SEN, durante o período de oito anos, compreendido entre 2013 e 2020 (artigos 5.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de Fevereiro); iii) com a redução drástica das subvenções à cogeração (primeiro com a aprovação do Decreto-Lei n.º 23/2010, de 25 de Março e a respetiva alteração por apreciação parlamentar pela Lei n.º 19/2010, de 23 de Agosto e, por último, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 68-A/2015, de 30 de Abril); iv) com a redução, igualmente drástica, das subvenções ao regime do autoconsumo (abrangendo a microgeração e a minigeração), após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 153/2014, de 20 de Outubro; v) com a redução dos custos com a garantia de potência após a entrada em vigor do novo regime de remuneração previsto na Portaria n.º 251/2012, de 20 de Agosto. Todos estes exemplos mostram que a reforma financeira do Sistema Eléctrico Nacional foi promovida também por outras vias, com sacrifícios financeiros impostos aos respetivos operadores económicos, no intuito de alcançar a sustentabilidade do sector, ou seja, a redução dos custos para permitir que todos possam ser repercutidos nas tarifas e que esta repercussão não se traduza num preço final a pagar pelo consumidor que possa excluir uma parte da população de um consumo normal deste serviço. Nesta parte, pode dizer-se que tendo sido chamados a contribuir financeiramente por outra via para o fim do deficit tarifário existe uma razão que sustenta a sua exclusão do âmbito da contribuição para a redução do stock da dívida tarifária acumulada em anos anteriores, mesmo que as contribuições não sejam financeiramente equivalentes nos respetivos montantes. E vale lembrar também que esta comparação do esforço financeiro exigido a cada operador há-de limitar-se apenas, no caso dos sujeitos passivos da CESE, ao valor de um terço da mesma, por ser apenas essa a parcela afeta àquela finalidade. Por outro lado, e no que respeita ao contributo para a sustentabilidade social e ambiental em termos de financiamento de medidas que promovam a eficiência energética, haverá que dizer que a maior parte dos operadores isentos da CESE dão o respetivo contributo nesta matéria através do exercício das respetivas atividades, que, em si, internalizam os custos ambientais e de escassez de produtos energéticos primários, seja a produção elétrica a partir de fontes renováveis (para a Europa a estratégia da eficiência energética é hoje indissociável da geração a partir de fontes renováveis), seja a produção de biocombustíveis, seja a cogeração (em si um dos eixos fundamentais da eficiência energética), seja a gestão mais eficiente do serviço de despacho/disponibilidade, que compõe a garantia de potência, e onde as centrais termoeléctricas a gás natural são as principais operadoras. E até os pequenos produtores aportam um contributo útil para esta política através dos denominados benefícios da geração distribuída.» Assim, quer porque o critério escolhido pelo legislador para delimitar a base subjetiva e objetiva da CESE não é totalmente desligado da finalidade que com a contribuição financeira se procura realizar, quer porque o critério definidor do montante não é manifestamente injusto, flagrante e intolerável (Acórdão n.º 640/1995), não se deverá afastar as normas em causa”. Assim, o mencionado tributo não atenta nem contra o princípio da proporcionalidade nem contra o da igualdade, sendo que a configuração no sentido de que a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária é uma configuração meramente opinativa, em termos de políticas públicas, que ultrapassa a questão da configuração do tributo. Sublinhe-se, no entanto, como referido no citado Acórdão do Tribunal Constitucional, que a receita afeta à resolução deste problema não representa a maior fatia em termos de afetação de receita da CESE, configurando-se, aliás, como o aspeto do tributo que menos nexo causal tem com entidades como a Recorrente, mas que, ainda assim, não justifica a sua não configuração como contribuição financeira. Por outro lado, a comparação entre a CESE e a redução de taxa de IRC em dois pontos percentuais afigura-se como uma comparação entre duas realidades distintas, não se alcançando de que forma o princípio da proporcionalidade é afetado por tais opções legislativas. Como tal, não se verifica qualquer violação dos mencionados princípios. Assim, carece de razão a Recorrente. Atenta a circunstância de as questões em apreciação já terem sido objeto de apreciação quer pelo Tribunal Constitucional quer pelo Supremo Tribunal Administrativo e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP”. Com a fundamentação exposta, julgam-se improcedentes todas as conclusões do recurso e confirma-se a sentença recorrida.
V DECISÃO. Face ao exposto, acorda-se em conferência na Segunda Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte em que exceda 275.000,00 Eur. Lisboa, 16 de dezembro de 2020.
[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]
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