Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:151/23.3 BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/23/2023
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:LEI DA AMNISTIA
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
EFEITO “EX TUNC”
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:I- O artigo 6º da Lei da Amnistia abarca os casos de amnistia própria e de amnistia imprópria que respeitem a infracções disciplinares, nos limites dos critérios objectivos ali vertidos, e, como tal, aplica-se tanto à infracção que ocorre antes da condenação, como àquela que ocorre depois da condenação.
II- Como efeito prático extingue o procedimento disciplinar e impede o cumprimento da sanção disciplinar, porquanto o acto punitivo também deixa de existir.
III- Deste modo, a infracção disciplinar é “apagada”, entendido, como efeito prático, que atua de forma retroactiva sobre a mesma infracção. A amnistia opera “ex tunc”, incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada como também sobre o facto típico disciplinar passado, o que, na prática, é como se não tivesse sido praticado e, consequentemente, eliminado de qualquer registo.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL


I. RELATÓRIO
1. A S..., P... e M....., todos melhor identificado nos autos, apresentaram junto do Tribunal Arbitral do Desporto (doravante TAD), contra a Federação Portuguesa de Futebol (doravante FPF/demandada), um recurso visando a impugnação da decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, em 30 de Dezembro de 2022, no âmbito do Processo Disciplinar nº ........./2023, que condenou:
a) A S..., pela prática de uma infracção disciplinar p.p. no artigo 78º-A, nº 1, alínea a) do RDFPF, em sanção de repreensão e, cumulativamente, em sanção de multa de 1 UC, a que corresponde o montante de € 102,00;
b) O P..., pela prática de uma infracção disciplinar p.p. no artigo 140º do RDFPF, em sanção de 4 (quatro) dias de suspensão e, acessoriamente, na sanção de multa de 0,1 UC, a que corresponde o valor de € 11,00; e,
c) A M....., pela prática de uma infracção disciplinar p.p. no artigo 184º, nº 2 do RDFPF, em sanção de suspensão de 11 (onze) dias e, cumulativamente, em sanção de multa de 0,5 UC, a que corresponde o montante de € 51,00.
2. O TAD, por acórdão arbitral datado de 8-9-2023, concedeu provimento à impugnação e revogou a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da FPF.
3. Inconformada, a Federação Portuguesa de Futebol interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, no qual peticionou a revogação do acórdão arbitral proferido pelo TAD.
4. Os recorridos apresentaram contra-alegação, pugnando pela manutenção do acórdão arbitral recorrido.
5. Remetidos os autos a este TCA Sul, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 146º do CPTA, tendo o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitido douto parecer, no qual defende que o presente recurso não merece provimento, admitindo, porém, a aplicação (pelo tribunal de 1ª instância) ao presente processo do disposto no artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8 – Lei da Amnistia.
6. Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR
7. Antes da apreciação e decisão das questões colocadas pela recorrente FPF, há que determinar se os efeitos jurídicos da Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia), mais concretamente do seu artigo 6º, são susceptíveis de se projectar no presente processo e, na afirmativa, em que termos.
8. E, só após esta análise, é que se impõe apreciar no presente recurso se o acórdão arbitral recorrido incorreu nos erros de julgamento que a recorrente FPF lhe imputa.


III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
9. Considerando a matéria de facto dada como assente pelo acórdão arbitral do TAD, e não se vislumbrando necessária a respectiva alteração, ao abrigo do disposto no artigo 663º, nº 6 do CPCivil, dá-se por integralmente reproduzida a matéria de facto daquele constante.

B – DE DIREITO
10. Como decorre dos autos, os aqui recorridos apresentaram junto do Tribunal Arbitral do Desporto contra a Federação Portuguesa de Futebol um recurso visando a impugnação da decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, em 30 de Dezembro de 2022, no âmbito do Processo Disciplinar nº ........./2023, que condenou a S..., pela prática de uma infracção disciplinar p.p. no artigo 78º-A, nº 1, alínea a) do RDFPF, em sanção de repreensão e, cumulativamente, em sanção de multa de 1 UC, a que corresponde o montante de € 102,00, o P..., pela prática de uma infracção disciplinar p.p. no artigo 140º do RDFPF, em sanção de 4 (quatro) dias de suspensão e, acessoriamente, na sanção de multa de 0,1 UC, a que corresponde o valor de € 11,00, e a M....., pela prática de uma infracção disciplinar p.p. no artigo 184º, nº 2 do RDFPF, em sanção de suspensão de 11 (onze) dias e, cumulativamente, em sanção de multa de 0,5 UC, a que corresponde o montante de € 51,00.
11. Como é do conhecimento geral, no dia 1 de Setembro de 2023 entrou em vigor a Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia), cujo artigo 6º tem o seguinte teor:
São amnistiadas as infracções disciplinares e as infracções disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar mais concretamente do seu artigo 6º”.
12. No caso dos autos, no processo disciplinar em que foram arguidos os aqui recorridos, foram-lhes aplicadas sanções disciplinares não superiores a suspensão, pelo que as ditas infracções disciplinares se encontram amnistiadas, uma vez que quer a pena principal, quer as penas acessórias, estão contidas na previsão do artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia).
13. Com efeito, a amnistia da infracção disciplinar em sentido próprio, é aquela que ocorre antes da condenação do arguido, refere-se à própria infracção e faz extinguir o procedimento disciplinar. Por sua vez, a amnistia em sentido impróprio, ou seja, a que ocorre depois da condenação, apenas impede ou limita o cumprimento da sanção disciplinar aplicada, fazendo cessar ou restringir a execução dessa sanção, bem como das sanções acessórias.
14. No caso presente, como o artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, não distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria, o efeito útil da norma é o de que a amnistia aí prevista constitui uma providência que “apaga” a infracção disciplinar, sendo por isso apropriado falar-se aqui numa abolição retroactiva da infracção disciplinar, porquanto esta (a amnistia), opera “ex tunc”, incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada, como também sobre o facto típico disciplinar passado, que cai em “esquecimento”, tudo se passando como se não tivesse sido praticado e, consequentemente, eliminado do registo disciplinar do visado.
15. Ora, constituindo o objecto do presente recurso o acórdão arbitral do TAD que, ainda que tenha concedido provimento à impugnação deduzida pelos ora recorridos e tenha revogado o acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, o mesmo pronunciou-se sobre infracções disciplinares cometidas em Agosto de 2022, e que foram punidas com pena não superior à de suspensão e, acessoriamente, com a sanção de multa, pelo que, com o “desaparecimento” das aludidas infracções disciplinares, “ex vi” artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, caíram também os actos punitivos que sancionaram os recorridos, tornando impossível o prosseguimento da presente lide, por aqueles actos punitivos terem deixado de ter existência jurídica.
16. E, sendo assim, resta declarar amnistiadas as infracções pelas quais os arguidos e aqui recorridos foram sancionados, e julgar extinta a presente instância de recurso, por impossibilidade superveniente da lide.


IV. DECISÃO
17. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste Tribunal Central Administrativo Sul, em declarar amnistiadas as infracções disciplinares sancionadas pela decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, aqui em análise e, em consequência, julgar extinta a presente instância de recurso, por impossibilidade superveniente da lide.
18. Custas por recorrente e recorridos, em partes iguais (artigo 536º, nºs 1 e 2, alínea c) do CPCivil).

Lisboa, 23 de Novembro de 2023
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Frederico Macedo Branco – 1º adjunto)
(Pedro Figueiredo – 2º adjunto)