Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 402/17.3BELRS |
![]() | ![]() |
Secção: | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 01/23/2025 |
![]() | ![]() |
Relator: | MARGARIDA REIS |
![]() | ![]() |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL IVA IURA NOVIT CURIA ART. 86.º CIVA INSPEÇÃO FÍSICA DISPENSA DO REMANESCENTE |
![]() | ![]() |
Sumário: | I - A nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito, só abrange a falta absoluta de motivação da decisão. II - Da lei processual resulta o princípio expresso através do brocardo latino “iura novit curia”, nos termos do qual o juiz conhece (todo) o direito, ainda que o mesmo não seja invocado, ou o seja incorretamente. III - Os SIT não estavam legitimados a fazer a correção com fundamento no disposto no art. 86.º (anteriormente, art. 80.º) do CIVA, através da mera análise dos registos contabilísticos referentes ao inventário da aqui Recorrente, por confronto com a base de dados constante no software que então utilizava. IV - A “presunção” a que se alude no art. 86.º do CIVA apenas pode ser acionada perante a constatação de que os bens se encontram ou não se encontram fisicamente em qualquer dos locais onde o sujeito passivo exerce a sua atividade, conclusão à qual apenas se pode chegar mediante uma inspeção física dos referidos locais. V - A dispensa do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se não só quando a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo, mas também quando o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida - e levando ainda em conta que por aplicação da tabela I ex vi art. 6.º, n.º 1 do RCP, para além dos EUR 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce a final 3 UC (ou seja, EUR 306,00) por cada EUR 25.000,00 -, se revelaria de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | UNANIMIDADE |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | I. Relatório V..., Unipessoal, Lda., inconformada com a sentença proferida em 09-11-2021 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial que interpôs tendo por objeto os atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativos ao exercício de 2012 a 2014, no montante global de EUR 1.499.521,09 (um milhão, quatrocentos e noventa e nove mil, quinhentos e vinte e um euros e nove cêntimos) emitidos em outubro de 2016 e com data limite de pagamento no dia 26 de dezembro de 2016, vem dela interpor o presente recurso. A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: IV. CONCLUSÕES: A. A recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo douto tribunal a quo, por considerar que a mesma padece de nulidade, errada apreciação da prova e consequente errónea qualificação dos factos e erro na qualificação jurídica dos factos. ### B. A conduta do Tribunal a quo lesa o direito da impugnante ver a sua pretensão ser objeto de uma decisão subordinada a uma ponderação casuística, concreta e prudencial, tendo-se o Tribunal negado a conhecer verdadeiramente a sua pretensão face os elementos que lhe foram submetidos a juízo. C. O Mm.º Juiz do Tribunal a quo demitiu-se de fundamentar as razões inerentes ao elenco dos factos que logrou considerar provados e descurou totalmente a obrigação de elencar a factualidade tida como não provada. D. A sentença em crise omite o iter cognoscitivo inerente à decisão propalada, não tendo o Tribunal a quo logrado demonstrar o mínimo exame crítico dos elementos probatórios referenciados, circunstância revelada pelo facto do Mm.º Juiz do Tribunal a quo não ter exposto as razões e motivações que lhe levaram a considerar os factos elencados como provados e negligenciar os demais. E. A sentença sub judice apenas menciona, de forma genérica, que a decisão da matéria de facto provada teve por base a documentação contabilística da ora recorrente, nomeadamente dos inventários dos anos 2012, 2013 e 2014, o que impossibilita a sindicância sobre o juízo feito – uma vez que, na realidade, o mesmo é desconhecido. F. O dever de fundamentação das decisões judiciais constitui um imperativo constitucional, consagrado no 205.º, n.º 1, da CRP, o qual no âmbito do processo tributário se encontra espelhado nos artigos 123.º e 125.º do CPPT, que impõem, conjugadamente, a discriminação dos factos objeto do litígio, da matéria de facto provada e não provada, bem como o asseverar da competente fundamentação, sob pena de nulidade da sentença. G. Não só a decisão em querela é deficitária quanto à motivação de facto, como também é omissa no que tange aos factos tidos como não provados, em manifesta violação do plasmado no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT. H. A objetivação negativa dos factos não provados, conjugada com a inequívoca carência de fundamentação de facto no tocante à factualidade elencada como provada, mostra-se inapta a possibilitar o exercício de um raciocínio excludente que permita conhecer quais os factos que foram cogitados como tendo interesse para o bom conhecimento de mérito da causa. I. A análise crítica da prova testemunhal é absolutamente inexistente, uma vez que o Mm.º Juiz apenas opera uma fundamentação per relationem, que não tem abrigo no n.º 5 do artigo 94.º do CPTA, cuja aplicabilidade advém da alínea c), do n.º 2, do CPPT, por remissão à “motivação de facto constante na sentença proferida no processo 575/17.5BELRS”, a qual nem transitou em julgado. J. No caso sub judice, não se encontram preenchidos nenhum dos pressupostos justificantes do acionamento da prerrogativa concedida pelo n.º 5 do artigo 94.º do CPTA, uma vez que a questão objeto dos presentes autos não foi apreciada “(…) de modo uniforme [e muito menos] reiterado (…)”, nem tampouco se poderá qualificar a mesma como “(…) manifestamente infundada (…)”, até por tal não ter sido devidamente invocada, nem existindo fundamentação na sentença que permita inferir que este foi o raciocínio do julgador. K. O Tribunal a quo estava obrigado a especificar com clareza que elementos concretos o inclinam para a valorização de determinadas provas e para a desvalorização de outras, o que, no arrepio das normas processuais e da exigência de proferir um juízo coerente e imparcial, não fez. L. É impossível aferir a motivação do julgador para a conclusão de que os depoimentos testemunhais não foram aproveitados para dar como provados outros factos, sendo certo que este vício de julgamento se torna ainda mais exacerbado por não estar a factualidade não provada devidamente elencada. M. O dever de fundamentação, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º e artigo 125.º, ambos do CPPT, implica também a obrigação para o julgador de discriminar os factos não provados, pois somente assim as partes conseguem, realmente, percecionar e apreender a motivação inerente à decisão que lhe é dirigida. N. É impossível da análise da fundamentação de facto vertida na sentença sub judice, compreender qual o raciocínio utilizado para a seleção dos factos que teriam interesse para a decisão, sendo que nem mesmo por mera exclusão se consegue apreender qual seria a factualidade não provada. O. A decisão em reporte é contrária ao dever de fundamentação figurado no artigo 154.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, o qual tem consagração constitucional no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa. P. Sendo ainda incontestavelmente violadora do disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC, cuja aplicabilidade decorre do artigo 2.º do CPPT. Q. A sentença em recurso padece de nulidade, nos termos dos artigos 123.º e 125.º do CPPT e das alíneas b) e d) do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e, do CPPT, caracterizando-se, ainda, por ser violadora do disposto nos artigos 154.º e 607.º, n.º 4, ambos do CPC e, ainda, artigo, 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, pelo que carece de ser revogada. ### R. O tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto, quando desconsiderou por completo a prova testemunhal produzida, ignorando, integralmente, a factualidade inerente da impugnação apresentada pela recorrente. S. Existia factualidade alegada pela recorrente na sua petição inicial, que foi confirmada pela recorrida na sua contestação, não sendo, pois, controvertida entre as partes, nomeadamente o artigo 29.º da petição inicial, confirmada pela recorrida nos artigos 21.º e 22.º da sua douta contestação, que não decorre da factualidade tida como provada. T. Por nem ser facto controvertido, apenas por erro de julgamento pode o Tribunal a quo não ter considerado provado que: “Os inventários existentes na impugnante, respeitantes aos períodos que foram objeto da inspeção, nos anos de 2012, 2013 e 2014, padecem de vários erros, o que desde sempre a impugnante assumiu, tendo, desse facto, dado cabal conhecimento aos inspetores.” U. O Tribunal a quo demitiu-se de proferir qualquer juízo sobre a matéria de facto que a recorrente apresenta na sua petição inicial, que difere da versão dos factos apresentada pela recorrida, desconsiderando, notoriamente, os articulados apresentados pela recorrente e subsequente prova produzida pela mesma, tanto documental como testemunhal. V. Da prova testemunha produzida resulta provada factualidade que foi desconsiderada pelo Tribunal a quo e que levaria a decisão diversa. W. Não se pode acompanhar o entendimento do Tribunal a quo de que a prova documental não poderia ser afastada por prova testemunhal, que nem é relevante, pois, na verdade, o que se pretendia era demonstrar que os inventários, que foram utilizados pela recorrida para o cálculo do lucro tributável, padeciam de erros e discrepâncias notórias e que não refletiam a contabilidade real da recorrente. X. Tanto pela documentação carreada aos autos com a petição inicial, como pela prova testemunhal produzida, resultou manifesto que as correções aritméticas realizadas pela recorrida à matéria tributável de 2012 a 2014 foram desproporcionais face às margens de lucro reais da recorrente. Y. A testemunha R..., que apresentou um depoimento que não merece reparo, por demonstrar conhecimento sobre a matéria de facto em discussão, tendo oferecido um testemunho seguro, com conhecimento direto sobre os factos, quando questionada sobre a gestão de stocks e eventuais erros nos inventários, explicou que trocas nas referências eram usuais em sociedades semelhantes à recorrente. Z. Tendo igualmente a referida testemunha esclarecido que a recorrente nunca pretendeu omitir lucros ou prejudicar a Autoridade Tributária, não apresentando margens de lucros negativas ou excessivamente elevadas, mas sempre uma contabilidade normal, sem consonância com as correções realizadas pela recorrida. AA. A testemunha R..., que analisou o projeto do relatório da inspeção tributária para emitir um parecer sobre o mesmo, explicou as incongruências das correções efetuadas pela recorrida e afirmou a irrealidade dos resultados obtidos [ficheiro de áudio da gravação da inquirição de testemunha, intervalo 26:30 min a 27:44 min; 28 min a 28:48 min; 34:26min a 35:09min e 30.30 a 41:50min]. BB. Decorre da prova testemunhal produzida, que deve ser analisada em conjunto com a documentação carreada aos autos com a petição inicial e apresentada em sede de audiência prévia, que a recorrida, ao elaborar o relatório da inspeção, optou por apenas fiar-se nos inventários, pese embora conhecendo os erros dos mesmos e sem realizar diligencias adicionais, como era sua obrigação ao abrigo do princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da Lei Geral Tributária. CC. Por não atentar à realidade contabilística da recorrente, o relatório da inspeção tributária apresentou resultados exorbitantes, com margens de lucro que facilmente se entende nunca poderiam ser praticadas. DD. Devem ser aditados aos factos provados, pela sua relevância para a boa decisão da causa e por decorrerem da prova produzida, o seguinte: - Os inventários existentes na impugnante, respeitantes aos períodos que foram objeto da inspeção, anos de 2012, 2013 e 2014, padecem de vários erros, o que desde sempre a impugnante assumiu, tendo, desse facto, dado cabal conhecimento aos inspetores. - A ação de inspeção tributária limitou-se a colher a informação da base de dados compreendida no software identificado no facto provado B), e a confrontar inventários sem, no entanto, cruzar as informações entre esses inventários e faturas emitidas constantes naquela base de dados. - A impugnante cooperou com a ação inspetiva, entregando toda a documentação solicitada e apresentando todos os esclarecimentos. ### EE. O tribunal a quo faz uma interpretação superficial dos requisitos legais atinentes a matéria em discussão, parecendo ignorar o verdadeiro escopo dos mesmos. FF. Ao proceder à liquidação adicional do IVA sem ter em conta a realidade da contabilidade e inventário constante nas instalações da recorrente, ignorando igualmente as informações oportunamente prestadas pela gerência da recorrente, a recorrida adotou uma conduta parcial, desproporcional e fez uma interpretação e uma aplicação inadequada do mecanismo do direito à correção da matéria coletável, em patente prejuízo do contribuinte. GG. A recorrida pautou a sua atuação por noções preconcebidas, eximindo-se de efetuar uma análise da verdade material da contabilidade, como era o seu dever, preferindo observar os elementos constantes dos inventários, em completa desatenção com a realidade confessada pela recorrente. HH. Nos termos do n.º 2 do artigo 104.º da Constituição, as empresas têm o direito de serem tributadas com base no seu rendimento real, o que não pode ser descurado, sob pena de se incorrer em inconstitucionalidade. II. Deveria a recorrida tentar aferir o rendimento real da recorrente, o que, insofismavelmente, exigia que, de acordo com a confissão feita pela recorrente, não se afiançasse nos inventários, por os mesmos padecerem de vários erros e revelarem valores distorcidos. JJ. A autoridade tributária, ao abrigo do princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da Lei Geral Tributária, deve realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, pelo que, e uma vez que tal era possível, devia a recorrida diligenciar para a descoberta da verdade contabilística. KK. É irrazoável que, munido da informação que os inventários padeciam de consideráveis erros e que não correspondiam aos rendimentos tributáveis, tenha a recorrida insistido em utilizar de tal meio, ignorando a realidade confessada, bem como todos os demais elementos probatórios fornecidos pela recorrida e apurados durante a inspeção tributária. LL. É necessário, igualmente, apontar o erro do tribunal a quo que não considerou qualquer das particularidades do negócio da recorrente, bastando-se em replicar as considerações já vertidas pela recorrida no seu relatório e parecer, eximindo-se da análise crítica que era devida. MM. O Tribunal a quo entendeu pelo desvalor da prova testemunhal para aferir do alegado pela recorrente, ignorando igualmente a amostragem e conjunto de faturas juntas com a petição inicial, pretendendo ficcionar que tais elementos não revelavam importância, tanto que o circunstancialismo que pretendiam provar nem se encontra no elenco de factos não provados. NN. O ónus que incumbia à recorrente era o de provar os factos modificativos e extintivos referente ao ato administrativo impugnado, i.e. as liquidações adicionais de IVA, o que fez, ao provar que as correções realizadas estavam incorretas. OO. Se entendia que a recorrente tinha o ónus de provar o erro nas correções aritméticas, deveria o Tribunal a quo ter valorado a prova produzida, mas, como se demonstrou, tal não foi sequer considerado, preferindo, sem motivação, optar pelo desvalor da prova produzida. PP. O Tribunal a quo impõe à recorrente um ónus impossível, pois afirma que apenas seria procedente a impugnação do tributo, caso lograsse provar que houve erros nas correções aritméticas, mas não concede valor probatório nem às faturas e listagens carreados aos autos pela recorrente, nem à prova testemunhal produzida, que vai exatamente nesse sentido. QQ. Questiona-se como pode o afirmar que a recorrente não cumpriu o ónus probatório, se sequer valorou a prova produzida por esta. RR. A documentação carreada aos autos pela recorrente, quando analisada conjuntamente com a prova testemunhal produzida, é suficiente para demonstrar que as correções aritméticas realizadas, por terem sido feitas com base nos inventários, os quais não eram fiáveis, foram desproporcionais. SS. As correções aritméticas efetuadas pela recorrida não espelham a verdadeira situação financeira da recorrente, pelo que a liquidação é ilegal, nos termos do artigo 99.º, a) do CPPT e, consequentemente, indevida. Termina pedindo: Nestes termos e nos demais de direito que v. Exa. Doutamente suprirá, deverá o presente recurso proceder e a sentença recorrida ser revogada, por padecer de nulidade. Caso assim não se entenda, deve o presente recurso proceder, sendo a sentença substituindo por outra, que julgue procedente a impugnação deduzida. Assim farão v. Exas. A tão almejada justiça! *** A Recorrida não apresentou contra-alegações. *** O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Questões a decidir no recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT. Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação da decisão de facto, ou dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pela Recorrente.
II. Fundamentação II.1. Fundamentação de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: Fundamentação de facto Factos Provados Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: A) A sociedade comercial, com a denominação social “V... UNIPESSOAL, LDA.”, do tipo sociedade por quotas, com o número de identificação de pessoa coletiva 509514260, com sede em “Estrada Nacional 10 Km, 108/100 – armazém B1, 2135-114 S…….”, tinha, à data dos factos, como Gerente M…………. e como objeto social a atividade de “comércio, importação e exportação de uma grande variedade de mercadorias e material, nomeadamente produtos alimentares, vestuário, acessórios de moda, calçado, brinquedos, bijuteria, eletrodomésticos, produtos de higiene e limpeza, artigos eléctricos e electrónicos, artigos de papelaria, flores, artigos para o lar e de decoração, marroquinaria, mobiliário, artigos informáticos e artigos para pesca” (cf. fls. 26909 e 26911 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); B) Nos exercícios de 2012, 2013 e 2014, a Impugnante utilizava um programa informático, certificado pela Entidade Impugnada, designado “SMERPS GESTIONES PLUS”, para emissão de faturas (cf. relatório de inspeção tributária a fls. 75 do processo administrativo tributário apenso em suporte digital); C) Em 20 de janeiro de 2015, foi determinado, através da Ordem de Serviço n.º OI20150083, a realização à Impugnante de procedimento de inspeção externa, de âmbito parcial, ao IRC e IVA dos exercícios de 2012 e de 2013 e ao IVA do exercício de 2014 (doravante procedimento de inspeção tributária), tendo sido a Impugnante pessoalmente notificada, no dia 06 de julho de 2015, na pessoa do Gerente M……..(cf. fls. 70 a 72 do processo administrativo tributário apenso em suporte digital); D) Em 12 de maio de 2016, a Impugnante foi pessoalmente notificada, através do Gerente M……., da alteração do âmbito da Ordem de Serviço n.º OI20150083 com o seguinte fundamento «Com o objetivo de se efectuar a análise tributária global do sujeito passivo altera-se o âmbito da presente Ordem de Serviço para Geral para os exercícios de 2012, 2013 e 2014 (cf. fls. 70 a 72 do processo administrativo tributário apenso suporte digital); E) O procedimento de inspeção tributária teve início no dia 06 de julho de 2015 e termo em 27 de maio de 2016 (cf. fls. 70 a 72 do processo administrativo tributário apenso em suporte digital); F) No dia 11 de dezembro de 2015 foi prestada informação pela Divisão de Inspeção Tributária II, da Direção de Finanças de Santarém, propondo a prorrogação da ação inspetiva por mais três meses, a contar de 06 de janeiro de 2016, prevendo a conclusão em 06 de abril de 2016 (cf. fls. 70 a 72 do processo administrativo tributário apenso em suporte digital); G) Em 11 de dezembro de 2015 foi prestado parecer sobre a informação referida na alínea anterior, concordando com a prorrogação da ação de inspeção, nos termos propostos e, em 14 de novembro de 2015, foi proferido despacho de concordância pela Chefe de Divisão de Inspeção Tributária II determinando a notificação da Impugnante (cf. fls. 70 a 72 do processo administrativo tributário apenso em suporte digital); H) Em 30 de dezembro de 2015 foi pessoalmente notificada a Impugnante, através do Gerente M……, da prorrogação da ação inspetiva, bem como da informação e despacho referidos nas alíneas F) e G) supra (cf. fls. 70 a 72 do processo administrativo tributário apenso em suporte digital); I) Em 22 de março de 2016 foi prestada informação pela Divisão de Inspeção Tributária II, da Direção de Finanças de Santarém, propondo a prorrogação da ação inspetiva por mais três meses, a contar de 06 de abril de 2016, prevendo a conclusão em 06 de julho de 2016 (cf. fls. 70 a 72 do processo administrativo tributário apenso em suporte digital); J) Em 28 de março de 2016 foi prestado parecer sobre a informação referida na alínea anterior, concordando com a prorrogação da ação de inspeção, nos termos propostos, e proferido despacho de concordância pela Chefe de Divisão de Inspeção Tributária II determinando a notificação da Impugnante (cf. fls. 70 a 72 do processo administrativo tributário apenso em suporte digital); K) Em 30 de março de 2016 foi pessoalmente notificada a Impugnante, através do Gerente M...., da prorrogação da ação inspetiva, bem como da informação e despacho referidos nas alíneas I) e J) supra (cf. fls. 70 a 72 do processo administrativo tributário apenso em suporte digital); L) Em 28 de junho de 2016, foi apresentado requerimento pela Impugnante na Direção de Finanças de Santarém, em sede do exercício do direito de audição prévia, sobre o projeto de relatório de inspeção tributária (cf. requerimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 112 a 118 do processo administrativo tributário apenso em suporte digital); M) Em 29 de junho de 2016 foi elaborado relatório de inspeção tributária pelos Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Santarém, no qual pode ler-se: «(…) (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) N) Em 30 de junho de 2016, a Impugnante foi pessoalmente notificada, através de mandatária, do relatório de inspeção tributária relativo aos exercícios dos anos de 2012, 2013 e 2014, respetivos anexos e do despacho que recaiu sobre o relatório de inspeção tributária (cf. notificação a fls. 62 e procuração a fls. 110 do processo administrativo tributário apenso em suporte digital); O) Em 28 de outubro de 2016 foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, relativos ao exercício de 2012, 2013 e 2014, no montante global de€1.499.521,09 (um milhão, quatrocentos e noventa e nove mil, quinhentos e vinte e um euros e nove cêntimos), com data limite para pagamento a 26 de dezembro de 2016 (facto não controvertido; cf. documento n.º 1 junto com a PI a fls. 1356 a 1401 do SITAF, e fls. 2 e 4 do processo administrativo tributário apenso em suporte digital); P) No dia 01 de março de 2017, a petição inicial constante dos autos foi enviada para o Tribunal Tributário de Lisboa (cf. fls. 1 a 53 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). Factos não provados Compulsados os autos e analisada a prova que dos mesmos consta não existem quaisquer outros factos, atento o objeto do litígio, com relevância para a decisão da causa. Motivação O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos meios de prova indicados em cada facto julgado provado, designadamente dos documentos juntos aos autos, de cujo teor se extraem os factos provados, e, bem assim, na parte dos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, se encontram corroborados pelos documentos identificados em cada um dos factos. A prova dos factos essenciais para a boa decisão da causa assenta essencialmente no teor da prova documental, em geral, da documentação contabilística da Impugnante, nomeadamente nos elementos dos inventários dos anos de 2012, 2013 e de 2014. Nesta matéria, releva não ser admissível a produção de prova testemunhal relativamente a factos plenamente provados por documentos ou outro meio com força probatória plena, salvo no que concerne à interpretação do documento (cf. artigos 392.º e 393.º, n.º 3, do Código Civil). Acompanhamos a jurisprudência superior quando refere que “como vimos, situamo-nos no domínio das correcções técnicas, pelo que a Administração Tributária não tem de presumir quaisquer custos associados a valores facturados que não tinham sido levados a proveitos na contabilidade. Era o contribuinte (ou seja, a Recorrente) que tinha de fazer prova dos custos que alega e que pretenderia ver considerados como componente negativa do lucro tributável por via da correcção dos proveitos. Com efeito, dispõe o n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRC que “a matéria colectável é, em regra, determinada com base na declaração do contribuinte…”. E tais declarações gozam da presunção de veracidade decorrente do disposto no artigo 75.º da LGT. Se o contribuinte, afinal, incorreu em custos com compras (matéria-prima e fornecimento de serviços externos ou suportou IVA na aquisição de matéria-prima) que não declarou nem reflectiu na contabilidade, a si incumbe fazer, nos termos gerais de direito (cf. artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 341.º e 342.º, n.º 1 do Código Civil), prova desses custos que pretende ver deduzidos ou reflectidos como componente negativa do lucro tributável, nomeadamente, juntando aos autos a documentação relativa a tais despesas (v.g., facturas de compras)” e que “tal prova – de custos efectivos não levados à contabilidade – não pode alcançar-se unicamente com base no depoimento de testemunhas, tem de ser suportada documentalmente ou, pelo menos, complementada com elementos de prova documental ainda que não tenham a natureza de documentos típicos de despesa” (Vide Acórdãos TCAN, de 26 de fevereiro de 2015, processo 513/10.6BEPNF e 12 de março de 2015, processo 01425/10.9BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt). No que concerne à apreciação da prova testemunhal, acompanhamos o sentido da motivação de facto constante da sentença proferida no processo 575/17.5BELRS, que tramitou no presente Tribunal, que concluiu que a prova testemunhal, cujo aproveitamento se determinou para os presentes autos, não foi relevante para demonstrar qualquer factualidade relevante, nomeadamente para a tese da Impugnante. Mais concretamente que a testemunha R..., Contabilista Certificada, não manifestou discordância relativamente à realização de correções meramente aritméticas à matéria tributável dos períodos em causa nos autos, pese embora tenha considerado tais correções desproporcionais face às margens de lucro da Impugnante. E que a testemunha J…, anteriormente gerente e trabalhador da Impugnada, reconheceu que a conciliação entre os bens vendidos e os bens em stock não se revelava fácil e que o sistema informático utilizado nos períodos em causa nos autos era utilizado apenas para emissão de faturas. Donde decorre que efetivamente não se logrou com a prova testemunhal demonstrar qualquer factualidade relevante para a tese da Impugnante. A restante matéria de facto alegada não foi julgada provada ou não provada, por constituir matéria de direito ou alegação de factos conclusivos ou mesmo por se revelarem inúteis ou irrelevantes para a decisão da causa, nomeadamente os concernentes à invocada existência de erros nos lançamentos contabilísticos da Impugnante e à invocada omissão ou insuficiência de cruzamento de dados no que concerne à análise da informação contabilística da Impugnante pela Entidade Impugnada em sede de relatório de inspeção. * II.2. Fundamentação de Direito Não se conformando com a sentença prolatada pelo TAF de Leira, que julgou integralmente improcedente a impugnação judicial que interpôs tendo por objeto os atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativos aos exercícios de 2012 a 2014, vem a Recorrente assacar à mesma nulidade por falta de fundamentação da decisão de facto e omissão da discriminação dos factos não provados, e ainda erros de julgamento de facto e de direito. No que diz respeito à nulidade por falta de fundamentação da decisão de facto, a Recorrente alega, em síntese, que da sentença não resulta a apreciação crítica da prova, e que a discriminação dos factos não provados é totalmente omitida, tornando-se impossível compreender o raciocínio subjacente à seleção dos factos com interesse para a decisão; que a sentença menciona, de forma genérica, que a decisão da matéria de facto provada teve por base a documentação contabilística da ora recorrente, nomeadamente dos inventários dos anos 2012, 2013 e 2014, o que impossibilita a sindicância sobre o juízo feito; e que na mesma é feita uma fundamentação “per relationem”, por remissão para a “motivação de facto constante na sentença proferida no processo 575/17.5BELRS”, a qual nem transitou em julgado, fundamentação essa que não encontra abrigo no n.º 5 do artigo 94.º do CPTA, concluindo, por isso, que a sentença é nula, nos termos dos artigos 123.º e 125.º do CPPT e das alíneas b) e d) do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT violando ainda o disposto nos artigos 154.º e 607.º, n.º 4, ambos do CPC e o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Vejamos então. A falta de fundamentação é, de facto, uma das nulidades que de que a sentença no contencioso tributário pode padecer, tal como resulta do disposto no art. 125.º do CPPT, norma paralela à constante na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º (art. 668.º na numeração anterior), em conjugação com o disposto no n.º 1 do art. 154.º (na numeração anterior, 158.º), ambos do CPC. Tal como expressamente decorre da lei, a falta de fundamentação ocorre quando a sentença não especifique os fundamentos de facto e de direito da decisão (cf. art. 125.º do CPPT). Ora, tal como decorre da lei processual, e como tem vindo a ser explicitado à saciedade pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito, só abrange a falta absoluta de motivação da decisão (cf. neste sentido, designadamente, os Acórdãos do STA proferidos, em 2023-04-12, no proc. 0336/18.4BELRS, em 2022-05-26, no proc. 058/10.4BEPRT, em 2019-02-06, no proc. 01161/16, em 2019-02-06, no proc. 0249/09.0BEVIS, ou em 2014-03-12, no proc. 01404/13, e os Acórdãos proferidos pelo STJ em 2023-04-18, no proc. 9560/21.1T8PRT-A.P1.S1, em 2021-03-03, no proc. 3157/17.8T8VFX.L1.S1, em 2020-10-08, no proc. 5243/18.8T8LSB.L1.S1, ou em 2016-06-02, no proc. 781/11.6TBMTJ.L1.S1 todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Ou seja, e como vem sendo unanimemente interpretado pela jurisprudência, só a absoluta falta de fundamentação - e já não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade - constitui nulidade, “cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento” (cf. neste sentido, designadamente, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 2016-06-02, no proc. 781/11.6TBMTJ.L1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt). Ora, e ao contrário do pretendido pela Recorrente, resulta patente que a sentença não padece da nulidade que lhe é assacada. Com efeito, na supracitada “motivação” da sentença, são minimamente explicitados os motivos nos quais o Tribunal a quo sustentou a decisão de facto, sendo que no que se refere à prova testemunhal, não há uma remissão, antes ali se referindo que o Tribunal acompanhou a decisão proferida no processo 575/17.5BELRS, explicitando a respetiva motivação, que assume como sua. Por outro lado, e como não deixa de ser referido pela Recorrente, o Tribunal indica os meios de prova nos quais sustentou a decisão de facto, destrinçando o meio de prova em que se sustentou a propósito de cada facto que considera ter sido provado. Também no que se refere aos factos não provados, e ainda que não discriminados, não deixa de se referir na sentença que para além dos factos que são dados por provados, não se dão por provados outros factos com pertinência para a decisão a proferir. Mais se refere na sentença, de forma clara, e quanto aos factos não provados, que “A restante matéria de facto alegada não foi julgada provada ou não provada, por constituir matéria de direito ou alegação de factos conclusivos ou mesmo por se revelarem inúteis ou irrelevantes para a decisão da causa, nomeadamente os concernentes à invocada existência de erros nos lançamentos contabilísticos da Impugnante e à invocada omissão ou insuficiência de cruzamento de dados no que concerne à análise da informação contabilística da Impugnante pela Entidade Impugnada em sede de relatório de inspeção”. Por último, sempre se dirá que não se vê em que é que a decisão proferida violou o disposto no n.º 5 do art. 94.º do CPTA, uma vez que esta disposição não tem qualquer aplicação ao caso, referindo-se exclusivamente à fundamentação de direito, e porque, atenta a sua formulação – “Quando o juiz ou relator considere que a questão de direito a resolver é simples, designadamente por já ter sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada, a fundamentação da decisão pode ser sumária, podendo consistir na simples remissão para decisão precedente, de que se junte cópia” – a decisão apenas seria desconforme com o que ali é ditado no caso de, verificando-se os requisitos previstos, não fossem retiradas as consequências enunciadas, ou seja, e dito de outro modo, se não se decidisse por remissão, apesar de a questão de direito ser simples. Pelo que a sentença não padece da invocada nulidade por falta de fundamentação da decisão de facto, e, consequentemente, não viola as disposições cujo desrespeito a Recorrente entende decorrer da suposta nulidade, a saber, artigos 154.º e 607.º, n.º 4, ambos do CPC e artigo 205.º, n.º 1, da CRP. Pelo que o recurso improcede neste segmento. Prossegue a Recorrente, imputando à sentença erros de julgamento de facto, por ter sido inteiramente desconsiderada a prova testemunhal, por não terem sido provados factos que estavam admitidos por acordo, resultando do confronto do art. 29.º da PI com os arts. 21.º e 22.º da contestação, e por ter feito uma incorreta interpretação da prova produzida, da qual deveria ter resultado provado que (i) os inventários existentes na impugnante, respeitantes aos períodos que foram objeto da inspeção, anos de 2012, 2013 e 2014, padecem de vários erros, o que desde sempre a impugnante assumiu, tendo, desse facto, dado cabal conhecimento aos inspetores, que (ii) a ação de inspeção tributária limitou-se a colher a informação da base de dados compreendida no software identificado no facto provado B), e a confrontar inventários sem, no entanto, cruzar as informações entre esses inventários e faturas emitidas constantes naquela base de dados; e que (iii) a impugnante cooperou com a ação inspetiva, entregando toda a documentação solicitada e apresentando todos os esclarecimentos. Também aqui a Recorrente não tem razão. Desde logo, não é correta a asserção de que a prova testemunhal foi desconsiderada, pois, não obstante este meio de prova em concreto não ter sustentado a factualidade provada, o mesmo não deixou de ser ponderado. Ou seja, e dito de outro modo, o facto de o Tribunal não se ter convencido com a prova testemunhal apresentada pela Recorrente, não significa que não a tenha ponderado, o que fez, e resulta explicitado na motivação da decisão de facto supratranscrita. Importa ainda recorda que o disposto no n.º 2 do art. 574.º do CPC não tem aplicação no contencioso tributário, atento o disposto nos n.ºs 6 e 7 do art. 110.º do CPPT, disposição da qual resulta que a falta de contestação não representa a confissão dos factos articulados pelo impugnante, e que o juiz aprecia livremente a falta de contestação especificada dos factos. Por outro lado, sempre se dirá que a afirmação que a Recorrente pretende que deveria constar da factualidade provada - os inventários existentes na impugnante, respeitantes aos períodos que foram objeto da inspeção, anos de 2012, 2013 e 2014, padecem de vários erros, o que desde sempre a impugnante assumiu, tendo, desse facto, dado cabal conhecimento aos inspetores – não expressa um facto, mas antes uma conclusão, motivo pelo qual não poderia integrar a factualidade provada. O mesmo se diga da afirmação “a ação de inspeção tributária limitou-se a colher a informação da base de dados compreendida no software identificado no facto provado B), e a confrontar inventários sem, no entanto, cruzar as informações entre esses inventários e faturas emitidas constantes naquela base de dados”, também ela conclusiva, sendo que a metodologia empregue pelos SIT resulta claramente enunciada no relatório de inspeção tributária (cf. ponto M, da fundamentação de facto), pelo que, e ainda que de um facto se tratasse, não se vê que utilidade teria sua discriminação, por redundante. Por fim, também quanto à afirmação de que a “impugnante cooperou com a ação inspetiva, entregando toda a documentação solicitada e apresentando todos os esclarecimentos”, não se vislumbra qual a utilidade da respetiva discriminação, atendendo a que a correção efetuada não se funda em qualquer falta de colaboração da Recorrente. Tanto basta para que também este extrato do recurso seja julgado improcedente. Por fim, alega a Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento de direito, porque, e em suma, a liquidação foi efetuada sem levar em conta a sua realidade, ignorando os problemas existentes no registo dos seus inventários e da sua contabilidade, tendo a Recorrida adotado uma conduta parcial e desproporcional e feito uma interpretação e uma aplicação inadequada do mecanismo do direito à correção da matéria coletável, e por isso chegado a um montante de imposto totalmente desfasado da realidade, tendo o Tribunal a quo ignorado todos os esforços que fez para demonstrar essa realidade, não interpretando corretamente o ónus da prova que sobre si recaía, e, tendo, em suma, errado ao não reconhecer que a liquidação impugnada é ilegal, nos termos do artigo 99.º, a) do CPPT e, consequentemente, indevida. Apreciando. Enquadrando, em traços gerais, a situação em apreço, resulta da fundamentação dos atos de liquidação, expressa no relatório dos serviços de inspeção tributária (SIT), e em síntese, que tendo aqueles SIT constatado que as margens brutas praticadas pela aqui Recorrente seriam “muito inferiores às margens praticadas por outros SP que exercem a mesma atividade” se entendeu fazer uma análise exaustiva “à rubrica inventários”, e que, “atendendo à panóplia de produtos adquiridos e transmitidos onerosamente pelo SP”, “optaram” aqueles serviços por “fazer uma análise exaustiva à rubrica inventários”, o que efetuaram com recurso à base de dados de faturação e gestão de stocks, atendendo “à panóplia de produtos adquiridos e transmitidos onerosamente pelo SP” (cf. extrato do RIT, ponto M da fundamentação de facto). Assim, sustentados na análise dos dados constantes na base de dados utilizada pela Recorrente, e tendo desconsiderado valores que revelavam discrepâncias – notas de crédito contabilizadas a débito, vários documentos contabilizados a crédito e débito , e compras efetuadas na República Popular da China (em face de discordâncias detetadas entre os registos contabilísticos da Recorrente e a sua base de dados, e assinalando sempre que esta desconsideração beneficiava a mesma) –, e tendo optado por superar discrepâncias detetadas entre a descrição de alguns produtos e a respetiva codificação através do método descrito no ponto II. 3.2.4, os SIT chegaram a um valor de “vendas calculadas” (= a inventário inicial + compras – inventário final), no qual sustentaram a correção. E, concretamente, em sede de IVA, as correções efetuadas através da metodologia descrita no RIT, sustentaram-se no disposto no art. 86.º do Código do IVA. Na sua PI a aqui Recorrente alegou, e em síntese, que a sua realidade foi ignorada, e que a metodologia utilizada pelos SIT não foi a correta, pois não sendo obrigado a fazê-lo, não utilizava o software, em cuja base de dados se sustentaram os SIT, para fazer a gestão do seu stock, pelo que a análise efetuada pelos SIT e na qual se sustentou a correção efetuada, não levou em consideração as reais e verdadeiras componentes do seu stock existentes na sua sede. Por sua vez, entendeu-se na sentença sob recurso, e em síntese, que a prova da ilegalidade das correções efetuadas apenas se verificava se se demonstrasse que as operações estavam devidamente refletidas na contabilidade, e não o contrário, e que não tendo a Recorrente demonstrado que a sua contabilidade não merecia censura, deveria ser valorado contra si o ónus da prova. Aqui chegados, importa recordar que da lei processual resulta o princípio expresso através do brocardo latino “iura novit curia”, nos termos do qual o juiz conhece (todo) o direito, ainda que o mesmo não seja invocado, ou o seja incorretamente. Com efeito, e tal como resulta do disposto no n.º 5 do art. 5.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, não obstante caber às partes a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Ora, o que resulta no caso em apreço é que, não obstante a Recorrente ter alegado os factos, e expresso que não se conformava com a metodologia empregue pelos SIT para chegar às liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativas ao exercício de 2012 a 2014 que contesta, por entender que a mesma desvalorizou por completo o seu inventário real, existente na sua sede, não logrou chegar à correta qualificação jurídica dos factos invocados. De facto, é patente que os SIT não estavam legitimados a fazer a correção com fundamento no disposto no art. 86.º (anteriormente, art. 80.º) do CIVA, através da mera análise dos registos contabilísticos referentes ao inventário da aqui Recorrente, por confronto com a base de dados constante no software que então utilizava, tal como de resto resulta amplamente enunciado pela jurisprudência constante deste Tribunal Central Administrativo Sul. Com efeito, dispunha-se, no referido art. 86.º do CIVA, então como agora, que “Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais.”. Ora, o que clara e inequivocamente resulta do citado preceito, é que a “presunção” a que se alude no mesmo apenas pode ser acionada perante a constatação de que os bens se encontram ou não se encontram fisicamente em qualquer dos locais onde o sujeito passivo exerce a sua atividade, conclusão à qual apenas se pode chegar mediante uma inspeção física dos referidos locais. E tal precaução por parte do legislador não espanta, atentas as consequências que tal consideração – da omissão do registo contabilístico de compras, vendas, importação ou produção – assume em sede de IVA, imposto que, como é sabido, pela forma como se encontra concebido, impacta em toda a cadeia económica percorrida pelos bens passíveis de tributação. Assim sendo, e tal como resulta da jurisprudência pacífica deste Tribunal Central Administrativo Sul, tal disposição apenas pode ser interpretada no sentido de que a assunção que nela se acolhe não aproveita à ATA se assentar unicamente na verificação e confronto dos valores inscritos nos registos contabilísticos e extra-contabilísticos do contribuinte, ou seja, apenas sobre factos registados na contabilidade, sem que efetuada uma “verificação ou contagem física das existências e constatada a falta de correspondência entre o inventário físico e os registos contabilísticos que lhe são apresentados” (cf. neste sentido o Acórdão deste TCAS proferido em 2021-02-25, no proc. 604/06.8BELSB, e no mesmo sentido, designadamente, os Acórdãos proferidos em 2017-02-09, no proc. 885/07.0BELSB, e em 2024-04-24, no proc. 776/08.7BELRS, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Donde resulta patente que a correção efetuada pelos SIT em sede de IVA viola o disposto no art. 86.º do CIVA, pelo que deveria ter sido anulada, sendo que tanto bastaria para que o Tribunal a quo devesse ter reconhecido a ilegalidade da correção, anulando as liquidações de IVA impugnadas. Não o tendo feito, a sentença padece de erro de julgamento de direito, devendo por esse motivo ser revogada, ficando prejudicado o conhecimento do demais alegado pela Recorrente [cf. n.º 2 do art. 608.º ex vi n.º 2 do art. 663.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT]. Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado procedente. *** Atento o decaimento da Recorrida, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, em ambas as instâncias, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso, visto que nele não contra-alegou (cf. art. 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais – RCP). Dispõe-se no n.º 7 do artigo 6.º do RCP que nas causas de valor superior a EUR 275.000,00, como é o caso, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. Na presente impugnação judicial encontram-se em discussão liquidações de IVA referentes aos exercícios de 2012 a 2014 no montante total de EUR 1.499.521,09, sendo este o valor da ação e do presente recurso. Ora, tal como vem sendo consistentemente decidido pelo Tribunal Constitucional na sua jurisprudência sobre esta matéria, revela-se inconstitucional “por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, do diploma fundamental” um regime das custas “definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo ao montante das custas” sempre que no mesmo não se permita ao tribunal “que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão” (cf. neste sentido os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 227/2007, de 2007-03-28, n.º 471/2007, de 2007-09-25, n.º 116/2008, de 2008-02-20, n.º 266/2010,de 2010-06-29, n.º 421/2013, de 2013-07-15 e 604/2013, de 2013-09-24, disponíveis para consulta em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Concretamente no que se refere às custas no processo tributário, decidiu também já aquele Tribunal julgar inconstitucionais por violação do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, bem como do princípio da proporcionalidade decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP “(…) as normas contidas nos artigos 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário («CPPT»), 6.º e 11.º do Regulamento das Custas Processuais («RCP»), conjugadas com a tabela I-A anexa, do RCP, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que, face a impugnação judicial do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa visando a anulação parcial do acto de liquidação de IRC, a que corresponde a taxa de justiça de € 50 697,41 o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo” (cf. Acórdão n.º 508/2015 proferido em 13 de outubro de 2015, no proc. 736/2014; cf. ainda o acórdão do STA proferido em 2012-04-26, no proc. 0768/11, e mais recentemente, o Acórdão do STA proferido em 2021-11-10 no proc. 02410/14.7BELRS, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/jsta). Tanto basta para que se considere que no caso em apreço a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida se justifica atendendo a que não só a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo, como porque o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida, e calculado sobre a base tributável de valor EUR 1.499.521,09 a que corresponde o valor da causa na presente instância recursiva [cf. alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT conjugado com o disposto no n.º 2 do art. 280.º do mesmo diploma] – e levando ainda em conta que por aplicação da tabela I ex vi art. 6.º, n.º 1 do RCP, para além dos EUR 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce a final 3 UC (ou seja, EUR 306,00) por cada EUR 25.000,00 -, revelar-se-ia de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado. Em face do exposto, deverá ser dispensado o remanescente da taxa de justiça nas custas referentes à tramitação do presente recurso, nos termos do disposto no supracitado n.º 7 do artigo 6.º do RCP. *** Conclusão: Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva: I. A nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito, só abrange a falta absoluta de motivação da decisão. II. Da lei processual resulta o princípio expresso através do brocardo latino “iura novit curia”, nos termos do qual o juiz conhece (todo) o direito, ainda que o mesmo não seja invocado, ou o seja incorretamente. III. Os SIT não estavam legitimados a fazer a correção com fundamento no disposto no art. 86.º (anteriormente, art. 80.º) do CIVA, através da mera análise dos registos contabilísticos referentes ao inventário da aqui Recorrente, por confronto com a base de dados constante no software que então utilizava. IV. A “presunção” a que se alude no art. 86.º do CIVA apenas pode ser acionada perante a constatação de que os bens se encontram ou não se encontram fisicamente em qualquer dos locais onde o sujeito passivo exerce a sua atividade, conclusão à qual apenas se pode chegar mediante uma inspeção física dos referidos locais. V. A dispensa do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se não só quando a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo, mas também quando o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida - e levando ainda em conta que por aplicação da tabela I ex vi art. 6.º, n.º 1 do RCP, para além dos EUR 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce a final 3 UC (ou seja, EUR 306,00) por cada EUR 25.000,00 -, se revelaria de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, e em consequência, revogar a sentença, julgar procedente a impugnação judicial, e anular as liquidações de IVA ali impugnadas. Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso. Lisboa, 23 de janeiro de 2024 - Margarida Reis (relatora) – Tânia Meireles da Cunha – Patrícia Manuel Pires. |