Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:641/11.0BELRS-R1
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:MARIA ISABEL FERREIRA DA SILVA
Descritores:FIXAÇÃO DO VALOR DA CAUSA
CPC- ARTIGO 306º E 641º
CPPT- ARTIGO 97º-A
LGT- ARTIGO 38º Nº 8
Sumário:I– Se o valor da causa não for fixado no despacho saneador ou na sentença, pode ser proferido em despacho anterior ao recurso (artigo 306º nº 3 e 641º do CPC ex vi artigo 2º al. e) do CPPT).
II- Quando é impugnado um ato de liquidação, o valor do processo é apenas o da importância cuja anulação se pretende, que será o da própria liquidação, se for pedida a anulação total, ou o valor da parte impugnada, se se pretender uma anulação apenas parcial (artigo 97º-A al. a) do CPPT).
III- Como valor da liquidação deverá considerar-se o dos juros compensatórios que eventualmente tiverem sido liquidados, se for pedida a respetiva anulação, pois, de harmonia com o disposto no artigo 38º, nº 8, da LGT, os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:



I - RELATÓRIO
A Fazenda Pública, ora recorrente, deduziu “recurso”, dirigido a este Tribunal, tendo por objeto o despacho proferido pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 10 de outubro de 2023, no qual foi fixado o montante de € 125.320,76 como valor da causa.
A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:


“I-O presente recurso tem por objeto o despacho proferido pelo Mmo. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, em 10 de outubro de 2023, no qual foi fixado o montante de € 125.320,76 como valor da causa dos presentes autos.
II) O Tribunal a quo determinou que “na sentença que proferimos, não pôde, com propriedade e mais oportunidade, fixar-se ali o valor da causa, mercê da parcelar instrução dos autos a propósito das liquidações de juros compensatórios, na parte que subsistiam e eram aqui também mediatamente impugnadas. Isto porque a decisão anterior, de parcial deferimento, proferida no recurso hierárquico, aqui imediatamente impugnada, bulira com parte dessas liquidações. Daí ter-se na própria sentença providenciado pela reunião dos elementos que se revelaram em falta. Assim, vista a informação recentemente prestada pelo Órgão de Execução Fiscal, que antecede, ao abrigo do disposto no art.306ºnº1 do Código de Processo Civil, aqui supletivamente aplicável por força do disposto no art.2º corpo e alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sem necessidade de mais, fixamos à causa o valor de €125.320,76, correspondente à soma das dívidas de imposto e dos juros compensatórios definidos pelas liquidações mediatamente impugnadas e, deste modo, representativo da utilidade económica imediata do pedido, conforme o critério estabelecido no art.97º-A nº1 corpo e alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
III) Não pode a Fazenda Pública, e com o devido respeito, conformar-se com o decidido pelo Mmo Juiz porquanto considera que a decisão aqui recorrida, ao fixar o montante de € 125.320,76 como valor da causa enferma de manifesto error in iudicando pois da prova produzida e levada aos presentes autos não se pode apurar o montante em questão como valor da causa dos presentes autos.
IV) A presente impugnação judicial foi interposta pelo ora impugnante contra a decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico n.º ………… apresentado contra a reclamação graciosa n.º ………. interposta contra as liquidações de IVA relativas aos exercícios de 2003 a 2006, no montante total de € 68.336,79.
V) Conforme consta no oficio n.º ……….., com data de 26-09-2023, do Serviço de Finanças de Torres Vedras com o assunto “Pedido de Informação – Processo DIREÇÃO DE FINANÇAS DE LISBOA REPRESENTAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA 10 / 11 641/11.0BELRS”: “(…) na petição apresentada para instauração do processo de impugnação, apesar de a mesma indicar que é interposta pelo indeferimento do Recurso Hierárquico, salienta que a mesma é sobre as liquidações de IVA no montante global de € 63.986,82 e das respetivas liquidações de juros compensatórios no valor global de € 4.346,97, bem como a fls. 28 da sua PI, no seu articulado 41.º refere a impugnante que aceita e se conforma com o indeferimento da Reclamação Graciosa na parte do valor de € 56.108,70 relativo a imposto”.
VI) Afigura-se à ora recorrente que tendo a presente impugnação judicial como objeto contra as liquidações de IVA no montante global de € 63.986,82 e das respetivas liquidações de juros compensatórios no valor global de € 4.346,97 não pode o valor da causa nos presentes autos ser de € 125.320,76.
VII) Afigura-se à Recorrente que o Tribunal a quo julgou contra legem ao decidir que o valor da ação é o valor constante do peticionado pela impugnante no recurso hierárquico n.º ……… sem ter em consideração que o objeto da presente impugnação judicial se circunscreve “as liquidações de IVA no montante global de € 63.986,82 e das respetivas liquidações de juros compensatórios no valor global de € 4.346,97” e que foi aceite “com o indeferimento da Reclamação Graciosa na parte do valor de € 56.108,70 relativo a imposto” (cfr. ofício n.º ……….. do SF de Torres Vedras).
VIII) E isto não obstante o Tribunal a quo ter vindo a fixar o valor da causa dos presentes autos após ter prolatado a douta sentença, em 19 de julho de 2023, usando para o efeito argumentário que à “mercê da anulação parcial dos atos aqui mediatamente impugnados, no âmbito do procedimento de recurso hierárquico que antecedeu esta impugnação judicial, não constam os valores remanescentes das dívidas definidas pelos atos, na parte em que se mantêm. Pelo que forçoso se mostra relegar para momento ulterior ao presente a fixação do valor desta impugnação judicial, que fica assim a benefício da instrução que há que fazer a tal respeito.”
IX) Ora, tal entendimento constitui uma afronta ao art.º 306.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao Processo Tributário, o qual dispõe que (…) “1 - Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes. 2 - O valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o n.º 4 do artigo 299.º e naqueles em que não haja DIREÇÃO DE FINANÇAS DE LISBOA REPRESENTAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA 11 / 11 lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença. 3 - Se for interposto recurso antes da fixação do valor da causa pelo juiz, deve este fixá-lo no despacho referido no artigo 641.º.” (realces nossos).
X) Constata-se assim que no caso sub judice o Mmo. Juiz que proferiu a Sentença deveria ter fixado o valor da causa e não o fez. Verifica-se, pois, que a douta sentença prolatada em 19-07-2023, ao não ter fixado o valor da causa, é nula por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2º do CPPT.
XI) Atento quanto antecede, impõe-se, pois, que a decisão do Tribunal a quo proferida pelo em 10 de outubro de 2023 venha a ser revogada, por enfermar de manifesto error in iudicando pois da prova produzida e levada aos presentes autos não se pode apurar o valor da causa de € 125.320,76 fixado pelo Tribunal a quo.


Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, e atento aos fundamentos expostos, deve o presente Recurso ser dado como procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida, com as legais consequências”.

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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de negar provimento ao recurso e manter o despacho recorrido.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

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II -QUESTÕES A DECIDIR:


Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)).
Deste modo, lendo as conclusões do recurso trazido, temos que as questões a decidir se prendem em aferir se o despacho proferido em 10.10.2023, que fixou o valor da causa em € 125.320,76, após a sentença proferida em 19-07-2023, padece de erro de julgamento por:
i. não corresponder ao montante das liquidações impugnadas;
ii. ter sido fixado após a prolação da sentença, afrontando o disposto no artigo 306º do CPC.

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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:


Consultando o processo principal e o presente apenso, dali se colhe o seguinte:


A. - Em 19.07.2023, o Tribunal a quo proferiu decisão (Cf. págs. 89/125 do SITAF), tendo relegado para momento posterior a fixação do valor da ação, nos termos que se seguem:
“(…) A toda a causa deve ser fixado um valor, conforme decorre, designadamente, dos arts.306º do Código de Processo Civil, 31º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aqui supletivamente aplicáveis, em conjugação com o disposto no art.2º corpo e alíneas c) e e), sob os critérios do art.97º-A, estes ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Todavia, mercê da anulação parcial dos atos aqui mediatamente impugnados, no âmbito do procedimento de recurso hierárquico que antecedeu esta impugnação judicial, não constam os valores remanescentes das dívidas definidas pelos atos, na parte em que se mantêm. Pelo que forçoso se mostra relegar para momento ulterior ao presente a fixação do valor desta impugnação judicial, que fica assim a benefício da instrução que há que fazer a tal respeito.
(…)
Peça-se ainda ao Órgão de Execução Fiscal da execução nº........., do Serviço de Finanças Torres Vedras, informação sobre quais os montantes de cada uma das dívidas definidas quer pelos atos de liquidação de imposto, quer de juros compensatórios, mas na parte mantida pela decisão do recurso hierárquico nº...................”.


B) – Através de ofício de 26.09.2023, o órgão de execução fiscal remeteu ao processo principal informação constante de pág. 128 do SITAF, onde informou que:
“(…)
1 — No processo de Reclamação Graciosa a entidade pede a anulação do valor de € 147.087,73 de imposto e de € 10.253,76 Juros Compensatórios, tendo o processo sido indeferido na sua totalidade.
2 - Em 2009-08-18, foi apresentado Recurso Hierárquico contra o indeferimento do processo da reclamação graciosa, sendo que o valor da petição corresponde a € 147.087,73 de imposto e de € 10.253,76 Juros Compensatórios.
3 - Do referido recurso resultou a anulação de imposto no valor de € 26.992,37 referente à liquidação 07258405 relativa ao 4° Trimestre de 2006, bem como a anulação de juros compensatórios das liquidações:
- …….. no valor de € 292,98 relativa ao período 0403T
- …………. no valor de € 1.121,92 relativa ao período 0412T
- ……………. no valor de € 245,27 relativa ao período 0503T
- …………. no valor de € 1.431,79 relativa ao período 0506T
- ………… no valor de € 1.028,52 relativa ao período 0509T
- …………. no valor de € 541,01 relativa ao período 0512T
- ……………. no valor de € 211,68 relativa ao período 0603T
- ………… no valor total de € 634,40 a anulação parcial do valor de € 479,21 relativa ao período 0612T 4
- Com a sua concretização o valor da divida em processo de execução fiscal passou a corresponder a € 120.095,36 de Imposto (IVA) e € 5.225,40 de Juros Compensatórios.
Mais se informa que na petição apresentada para instauração do processo de impugnação, apesar de a mesma indicar que é interposta pelo indeferimento do Recurso Hierárquico, salienta que a mesma é sobre as liquidações de IVA no montante global de € 63.986,82 e das respetivas liquidações de Juros Compensatórios no valor global de € 4.346,97, bem como a fls. 28 da sua PI, no seu articulado 41.° refere a impugnante que aceita e se conforma com o indeferimento da Reclamação Graciosa na parte do valor de € 56.108,70 relativo a Imposto.
Nesta data não existe qualquer divida referente ao processo de execução fiscal n.° …………, sendo que o mesmo se encontra extinto desde 2011.06.06” – Cf. pág. 128 do SITAF.


C) - Em 10.10.2023, no despacho recorrido o Tribunal a quo consignou o seguinte:
“ Pelas razões que expusemos na sentença que proferimos, não pôde, com propriedade e mais oportunidade, fixar-se ali o valor da causa, mercê da parcelar instrução dos autos a propósito das liquidações de juros compensatórios, na parte que subsistiam e eram aqui também mediatamente impugnadas. Isto porque a decisão anterior, de parcial deferimento, proferida no recurso hierárquico, aqui imediatamente impugnada, bulira com parte dessas liquidações. Daí ter-se na própria sentença providenciado pela reunião dos elementos que se revelaram em falta. Assim, vista a informação recentemente prestada pelo Órgão de Execução Fiscal, que antecede, ao abrigo do disposto no art.306ºnº1 do Código de Processo Civil, aqui supletivamente aplicável por força do disposto no art.2º corpo e alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sem necessidade de mais, fixamos à causa o valor de €125.320,76, correspondente à soma das dívidas de imposto e dos juros compensatórios definidos pelas liquidações mediatamente impugnadas e, deste modo, representativo da utilidade económica imediata do pedido, conforme o critério estabelecido no art.97º-A nº1 corpo e alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Oportunamente, aquando do despacho que se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso que entretanto foi interposto daquela decisão, apreciar-se-á a nulidade da sentença nele arguida, que tem como motivo, precisamente, esta fixação tardia, por ulterior àquela, do valor a dar à causa”.

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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
A recorrente afronta o despacho recorrido na medida em que discorda do valor fixado pelo Tribunal a quo, que entende ser de € 68.336,79 (Vd conclusões III) a VII) do recurso), e pelo facto do valor da causa ter sido fixado após ser proferida a sentença.
Refere ainda que a sentença é nula por omissão de pronúncia na medida em que não se pronunciou sobre o valor. Avançamos desde já, a este propósito, que a recorrente recorreu daquela sentença (Processo nº 641/11.0BELRS deste TCAS) onde imputa à mesma, também, a nulidade por omissão de pronúncia por não ter fixado o valor da ação. Assim, e porque em causa está o despacho de fixação do valor da causa e não a sentença, não nos cabe nesta sede analisar tal vício, mas apenas os assacados ao despacho alvo de recurso.
Prosseguindo.
(i)- Importa aferir primeiramente, se o valor fixado pelo Tribunal recorrido poderia ter lugar após a elaboração da decisão, e bem assim se o despacho recorrido afronta o vertido no artigo 306º do CPC (Vd. Conclusão IX) do recurso).
 
Vejamos.
Decorre, com efeito, do artigo 306º do CPC, ex vi artigo 2º al. e) do CPPT, que:
1-     Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever que impende sobre as partes.
2-     O valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o nº 4 do artigo 299º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença.
3-     Se for interposto recurso antes da fixação do valor da causa pelo juiz, deve este fixá-lo no despacho referido no artigo 641º.
 
Como se vê do normativo transcrito, o valor deve ser fixado no despacho saneador, e inexistindo despacho saneador, como sucede nas impugnações judiciais (espécie processual aqui em causa), deve ser fixado na sentença.
Porém, o nº 3 do artigo 306º do CPC estabelece uma cláusula de salvaguarda para as situações em que o valor da causa não foi fixado na sentença, devendo, nessas situações, o Tribunal de 1ª instância fixar o valor da ação antes do recurso para o Tribunal superior (cf. artigo 641º do CPC).
A propósito do normativo transcrito, Salvador da Costa escreveu o seguinte:
O n.º 1 estabelece competir ao juiz a fixação do valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes. É uma soluço inspirada no relevo do valor processual da causa, quanto à forma do processo comum executivo para pagamento de quantia certa, à sua relação com a alçada do tribunal e à competência das secções de competência cível.
No regime pretérito, o valor da causa era suscetível de ser relevantemente acordado, expressa ou tacitamente, pelas partes, salvo se o juiz, findos os articulados, entendendo que o acordo estava em flagrante oposição com a realidade, fixasse à causa o valor que considerasse adequado.
Mas se o juiz, por qualquer motivo, não usasse esse poder, o valor processual da causa, proferido que fosse o despacho saneador ou a sentença, conforme os casos, considerava-se definitivamente fixado na quantia acordada.
As partes indicavam frequentemente para a causa valor desconforme com a utilidade económica do pedido e a lei e, não raro, o juiz não proferia o respetivo despacho de fixação do valor da causa, desvirtuando-se, por via disso, o regime de admissibilidade dos recursos e a própria obrigação de pagamento da taxa de justiça.
A referida alteração visou obstar, além do mais, às mencionadas consequências.
Agora, independentemente da posição das partes relativamente ao valor da causa, o juiz tem de o fixar, podendo, para o efeito, nos termos dos artigos 308.º e 309.º, ordenar diligências.
Assim, o acordo expresso ou tácito das partes quanto ao valor processual da causa já não releva com vista à sua fixação, impondo-se ao juiz a verificação da sua conformidade com os factos e a lei. (…)” – In, Os Incidentes da instância, 2016, 8ª edição, pág. 60 e seguintes. (O sublinhado é nosso).
Também, em anotação ao art.º 306.º, do Código de Processo Civil, Abílio Neto ensina que:
“ Embora as partes continuem obrigadas a indicar o valor da causa na petição inicial (art.º 552.º-1-f), sob pena de recusa do articulado (art.º 658.º-e), após o DL n.º 303/2007 o juiz passou a ter uma intervenção ativa muito mais acentuada na fixação desse valor, sobrepondo-se ao acordo das partes, o que fará, em regra, no despacho saneador, ou antes (se houver a admissão de recursos interpostos de decisões anteriores), ou na sentença, ou ainda no despacho de admissão do recurso (art. os 306.º e 641.º).
O poder-dever atribuído ao juiz de fixar o valor da causa, mesmo quando o valor aceite pelas partes, tácita ou expressamente, não esteja “em flagrante oposição com a realidade” (anterior n.º 1 deste artigo), teve por objetivo declarado dificultar a interposição (artificial) de recursos.
É nesta perspetiva que se compreende e explica a regra enunciada no nº 3 deste preceito” - In, Novo Código de Processo Civil, Anotado, 3.ª edição revista e ampliada, maio/2015, pág. 369-370. (O destaque é nosso).
Assim, o valor da ação deve ser fixado na sentença, porém, pode ser fixado posteriormente, como sucedeu in casu, em que houve necessidade de obter informações com vista à sua fixação, o que tem eco na doutrina citada, no próprio artigo 306º e 641º do CPC e bem assim na Jurisprudência, de que são exemplos os acórdãos do STJ de 08.03.2018, tirado do Processo nº 4255/15.8T8VCT-A.G1.S1 e o acórdão do STA de 26.08.2015, proferido no processo n.º 1016/15.
Tal como se disse no acórdão do STJ de 08.03.2018, Processo nº 4255/15.8T8VCT-A.G1.S1, diremos nós também que:
“ Se o valor da causa não for fixado no despacho saneador, na sentença, ou em despacho proferido incidentalmente sobre o requerimento de interposição de recurso, deve a parte interessada arguir a nulidade, provocando despacho recorrível”.
Já nos acórdãos do STA de 26.08.2015, processo n.º 1016/15 e de 03.05.2018, processo nº 0250/17, aquele alto Tribunal consignou que:
“Não tendo o valor da causa sido fixado na sentença, deveria tê-lo sido quando do despacho que admitiu o recurso, atento o disposto no n.º 3 do referido art. 306.º do CPC”.
Deste modo, uma vez que na sentença não foi fixado o valor por falta de elementos e se relegou para momento posterior a sua fixação, que veio a ocorrer antes de ser deduzido recurso da sentença, não padece o despacho que o fixou de qualquer erro de julgamento de direito.
Improcede, por conseguinte, nesta parte, o recurso.
 
(ii)- A segunda questão colocada prende-se com o inconformismo da recorrente no que tange ao montante do valor fixado pelo Tribunal a quo, defendendo que deveria ser fixado em € 68.336,79 em vez de € 125.320,76.
Na situação trazida, os autos noticiam que, aquando da elaboração da sentença, o Mª Juiz a quo entendeu que não havia elementos suficientes nos autos com vista a fixar o valor da ação, tendo solicitado ao órgão de execução fiscal elementos com vista ao seu apuramento.
Nesta medida, após terem sido fornecidas informações, o Tribunal fixou o valor da ação em € 125.320,76.
A recorrente discorda deste valor por entender que o Tribunal ignorou que uma parte da dívida liquidada havia sido aceite pela recorrida, o que é referido no ofício informativo prestado pelo órgão de execução, pelo que deveria o valor da causa cifra-se em € 68.336,79.
Como sabemos, o juiz na fixação do valor da causa deve nortear-se por critérios legais, designadamente pelo estabelecido no artigo 97º-A do CPPT.
Apesar de estabelecer o artigo 306º nº 1 do CPC que as partes devem indicar o valor da causa, a verdade é que é o juiz que o deve fixar seguindo, nas situações como a trazida, o estabelecido no artigo 97º-A do CPPT. 
Estabelece a alínea a) do n.º 1 do citado artigo 97.º-A do CPPT (Disposição legal aditada ao CPPT pelo DL nº 35/2008, de 26 de fevereiro) que, o valor da causa, quando seja impugnada a liquidação, é “o da importância cuja anulação se pretende”.
Em situações de cumulação de pedidos, como seja a anulação de liquidação do tributo e dos juros compensatórios, devem somar-se ambos valores liquidados para encontrar o valor da causa – Cf. artigo 297º nº 2 do CPC e artigo 32º nº 7 e 8 do CPTA, ex vi artigo 2º al. c) e) do CPPT.
Refere Jorge Lopes de Sousa, que: “Em face da regra da alínea a) do nº 1 deste artigo 97º-A, tem de se concluir que, quando é impugnado um acto de liquidação, o valor do processo é apenas o da importância cuja anulação se pretende, que será o da própria liquidação, se for pedida a anulação total, ou o  valor da parte impugnada, se se pretender uma anulação apenas parcial.
Como valor da liquidação deverá considerar-se o dos juros compensatórios que eventualmente tiverem sido liquidados, se for pedida a respetiva anulação, pois, de harmonia com o disposto no art. 38º, nº 8, da LGT, “os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados. (…)” - in, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 3 b) ao art. 97.º-A. do CPPT, pág. 72.
Consultando a PI que deu origem ao processo 641/11.0BERLS, dali se extrai que o recorrida, na sequência do indeferimento do recurso hierárquico, apresentou impugnação judicial visando a anulação, quer da decisão do recurso hierárquico, quer das liquidações de IVA de 2003 a 2006 no total de € 68.336,79 – Cf. PI. constante do SITAF no processo nº 641/11.0BERLS. 
Com efeito, revisitando novamente a PI, constatamos que, quer no intróito da PI, quer no pedido que formula, assim como no valor que atribuiu à ação, a impugnante pretende (mediatamente) a anulação das liquidações de IVA de 2003 a 2006, e respetivos juros compensatórios no montante global de € 68.336,79.
Sendo assim, não se pode concordar com o despacho posto em crise quando fixou como valor da ação outro valor que não o correspondente às quantias impugnadas, tal como estabelece o artigo 97º-A, al. a), do CPPT.
Nesta conformidade, terá de proceder o recurso.
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No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da parte vencida.
Contudo, a recorrida não tendo apresentado contra-alegações não é será responsável pelo pagamento da taxa de justiçaCf. acórdão deste TCAS de 17.09.2020, Processo nº 1505/17.0BELRS, o qual faz referência ao sumariado no acórdão do STA de 13/12/2017, donde se extrai que:
 “I - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigos 529.º n.º 1, do CPC, e 3º, nº 1, do RCP).
II – A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (artigos 529º, nº 2, e 6º, nº 1, do CPC) e apenas é devida no seu pagamento pela parte que demande (artigo 530.º n. 1, do CPC).
III - O Recorrido que não contra-alegue não é, em caso algum, responsável pelo pagamento de taxa de justiça, o qual não lhe é exigível ainda que no recurso fique vencido (artigos 7º, nº 2, do RCP, e 37º, nº 4, da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril);
IV – Se, porém, o Recorrido ficar vencido no recurso é, nos termos gerais, responsável pelo pagamento das custas (artigo 446º do CPC).”
 
IV- DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
-Conceder provimento ao recurso;
- Revogar o despacho recorrido,
- Fixar o valor da ação em € 68.336,79.
Custas pela Recorrida, que não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça nesta instância porque não contra-alegou.     
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Lisboa, 16 de maio de 2024

Isabel Silva
(Relatora)
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Ana Cristina Carvalho
(1ª adjunta)
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Mª Teresa Costa Alemão
(2ª adjunta)
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