Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8011/24.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/15/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
PRESSUPOSTOS
Sumário:Cabe ao requerente da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, alegar e demonstrar a verificação dos pressupostos previstos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, incluindo que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Relatório

M… (doravante Recorrente, Requerente ou A.), residente no Brasil, instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente ação de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias contra o Instituto de Registos e Notariado, IP (doravante Requerido, Recorrido ou ER), peticionando a procedência da intimação, “ordenando para o efeito que,
A. Intime o I.R.N., I.P. para que profira de decisão no pedido de aquisição da nacionalidade, com caráter de urgência, atendendo o caráter excecionalíssimo do risco iminente de dano irreparável, relacionado com o exercício do direito fundamental à nacionalidade, que requer;
B. Lavre de seguida o respetivo registo de nascimento por transcrição, averbando-se a aquisição da nacionalidade portuguesa;
C. Que V. Exa., determine a fixação de sanção pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento.”

Por sentença de 27 de junho de 2024, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa indeferiu liminarmente o requerimento inicial, em suma, por considerar não preenchidos os pressupostos para admissão da intimação nos termos do artigo 109.º n.º 1 do CPTA, concretamente, que as alegações são insuficientes para aferir da iminência de lesão irreversível de um direito, liberdade ou garantia ou direito a ele análogo.

Inconformado, o A./Requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:

“I. A situação do Recorrente carece de proteção urgente e célere, a qual é incompatível com a ação administrativa, sob pena de poder ficar previsivelmente e irremediavelmente comprometido o exercício em tempo útil dos direitos inerentes à nacionalidade portuguesa, sendo impossível ao Recorrente lançar mão de outro meio face ao seu prazo;
II. Do recurso apresentado resulta provada a existência de grave violação de um direito Liberdade e Garantia;
III. O Recorrente deu cumprimento ao ónus alegatório que contra si impende,
fundamentando e provando a má atuação da administração e a necessidade da tramitação com caráter de urgência do seu pedido;
IV. Por conseguinte, no caso concreto, através num juízo de prognose, conclui- se que o presente meio processual é, de facto, adequado e idóneo, porquanto foram alegados factos concretos subjacentes à especial urgência da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, por forma a tutelar e pôr termo à lesão dos direitos fundamentais de cidadania e nacionalidade e, em consequência da sua situação concreta decorrente do facto de existir um perigo iminente de perda de acesso a cuidado médico;
V. Considerando que o Recorrente não detém condições financeiras para aceder a este cuidado médico, que em Portugal não só é gratuito como existe também uma cirurgia capaz de reverter a situação do Recorrente;
VI. Este facto implica um perigo acrescido da lesão dos direitos do Recorrente, inerentes à titularidade da nacionalidade portuguesa, lesão alegada, comprovada e iminente;
VII. Pese embora o Recorrente não ignore nem desconheça os constrangimentos nos serviços evidenciados pela entidade requerida, a grave carência de meios, a verdade é que tal circunstancialismo é alheio ao Recorrente, pois que, a administração deve adaptar-se e reorganizar-se para responder aos cidadãos dentro de um padrão de eficiência razoável;
VIII. Assim, não restam dúvidas que o Arquivo Central do Porto tem violado reiteradamente todos os prazos processuais aos quais está vinculado, pelo princípio da legalidade, da boa-fé e da colaboração, nos termos dos artigos 3°, 10° e 11° do CPA;
IX. Normas de caráter adjetivo e, por isso, de aplicação imperativa;
X. Requerendo-se a intimação do IRN, I.P, a decidir o processo do pedido de atribuição da nacionalidade portuguesa, formulado pelo Recorrente, nos termos do artigo 6.°, n° 7 da Lei da Nacionalidade, entrado a 02 de abril de 2022, lavrando o respetivo registo de nascimento, atendendo à reiterada violação dos prazos processuais que supra evidenciados;
TERMOS EM QUE, ADMITINDO-SE O PRESENTE RECURSO, QUE V.EXAS., REVOGUEM A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL AD QUO.
FAZENDO-SE A HABITUAL JUSTIÇA!”



O recurso foi admitido como de apelação, efeito meramente devolutivo e subida imediata nos próprios autos.

O Recorrido IRN, IP, citado para os termos do recurso e da causa, não apresentou resposta, nem contra-alegou.

O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
Tendo em conta o exposto, a questão que a este Tribunal cumpre apreciar reconduz-se a saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por se encontrarem preenchidos os pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.

3. Fundamentação de facto

Não foram fixados factos na sentença recorrida.
Sem prejuízo, com vista à apreciação do presente recurso, nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC ex vi art. 149.º CPTA, fixa-se a seguinte factualidade,

1. O Requerente tem nacionalidade brasileira, tendo nascido em 15.3.1995 – cfr. documento n.º 1 junto com o r.i.;
2. Em 8.3.2022 a Comunidade Israelita de Lisboa emitiu o Certificado n.º 42875/2021, do qual consta que o Requerente é descendente de judeus sefarditas de origem portuguesa. - cfr. documento n.º 2 junto com o r.i.;
3. Em 26.04.2022, o Requerente solicitou à Conservatória dos Registos Centrais, a aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, por ser descendente de judeu sefardita português - cfr. fls. 3do PA;
4. Em 21.5.2024 foi emitido o seguinte “Laudo Médico”,


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- documento n.º 4 junto com o r.i.;
5. Consta de declarações emitidas por V… e Serviços Ltda, que,




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- documentos n.º 5 e 6 junto com o r.i.,

4. Fundamentação de direito

4.1. Do erro de julgamento

Decorre dos autos que a sentença recorrida rejeitou liminarmente a petição de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, entendendo, em suma, que ao candidato à aquisição da nacionalidade portuguesa apenas assiste uma expetativa jurídica, de tal forma que a falta de decisão ao seu pedido não consubstancia uma lesão iminente e irreversível ao seu direito. Mais se entendeu que “as alegações vertidas no requerimento inicial são insuficientes pois não é possível aferir da iminência da lesão irreversível de um direito, liberdade ou garantia ou direito a ele análogo”, considerando-se que, porque o Requerente não se encontra nem reside em Portugal não beneficia do princípio da equiparação, previsto no artigo 15.º da CRP. Observou-se, ainda, que “o Requerente limita-se a descrever normais incómodos associados à incerteza de estar a aguardar uma decisão da Administração, relativamente à tramitação do seu pedido, e ao facto de padecer de uma doença, que, não acompanhada, pode ter efeitos limitativos na sua vida diária, mas que, no caso concreto, e face ao invocado, não preenche o pressuposto de indispensabilidade nos termos do art.º 109.º do CPTA”.
Concluindo-se que “as alegações do Requerente são insuficientes para concluir pela adequação do recurso à intimação do artigo 109.º do CPTA, uma vez que, não foi alegada factualidade apta a demonstrar a indispensabilidade de uma célere decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, nem, tão-pouco, a impossibilidade ou insuficiência da competente ação administrativa”.
Como emerge do n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, “[a] intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.”.
Este meio processual, que é de utilização excecional, assegura a proteção a título principal, urgente e sumária, de direitos, liberdades e garantias, que estejam a ser violados naquelas situações em que a rápida prolação de uma decisão que vincule a Administração (ou particulares) a adotar uma conduta positiva (facere) ou negativa (non facere) se revele como indispensável para acautelar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia.
Enquanto pressupostos do recurso a este meio processual, encontra-se, um de índole positiva, qual seja a indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão que imponha à Administração uma conduta positiva ou negativa como forma de assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, acudindo a lesões presentes e futuras, e um de índole negativa, traduzido na impossibilidade ou insuficiência, nas circunstâncias do caso, do decretamento de uma providência cautelar.
No que respeita ao primeiro pressuposto, exige-se que a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia, cabendo ao requerente da intimação alegar e demonstrar a urgência na obtenção de uma decisão definitiva para a tutela dos direitos, liberdades e garantias que alega estarem a ser violados.
Como escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª edição, Almedina, 2017, p. 883) “(...) é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adopção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício. À partida, o preenchimento deste requisito pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspectos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.”.
É que a defesa ou tutela dos direitos fundamentais, faz-se, por regra, através do recurso à ação administrativa, recorrendo-se à intimação apenas quando aquela via não é possível ou suficiente por se verificar “a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de grave ameaça ou violação do direito, liberdade ou garantia em causa, que só possa ser reparada através do processo urgente de intimação.” (idem, ibidem, p. 883).
O segundo dos requisitos estatuídos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, refere-se à subsidiariedade da intimação, no sentido de que ou “se trata de uma situação de especial urgência das que o legislador tipificou como tal, ou o processo urgente não é necessário, sendo a forma de tutela mais adequada uma solução combinatória de ação principal e providência cautelar, o que decorre da especificidade ou da excecionalidade, mais do que da subsidiariedade, dos processos urentes.” (Anabela Costa Leão, Comentários à Legislação Processual Administrativa, Vol. II, 5.ª edição, 2020, AAFDL Editora, p. 673). Assim, a intimação é o meio adequado quando a tutela do direito, liberdade ou garantia lesado, ou em vias de o ser, não se compadece com a delonga de um processo não urgente, ainda que acompanhado de uma providência cautelar.
Isto posto, importa dar conta que, quer no requerimento inicial, quer no presente recurso, o Recorrente, para justificar a urgência que é pressuposto do recurso à intimação, alega, essencialmente, que padece de enxaqueca crónica, lidando regularmente com náuseas implacáveis e vômitos frequentes, que aumentam o seu sofrimento, e tornam impossível manter qualquer alimento no estômago e que, como medida preventiva da doença, faz uso contínuo de um medicamento cujo valor (cerca de 525€ mensais) não consegue suportar por se encontrar sem rendimentos, mas que em Portugal é financiado pelo SNS e aqui existindo a possibilidade de efetuar uma cirurgia inovadora com alto grau de sucesso no tratamento desta doença. Neste circunstancialismo defende, ainda, que a violação do dever de decisão representa um perigo iminente e um dano irreversível, por se encontrar prestes a perder o acesso a um cuidado de saúde. Mais sustenta que a falta de decisão viola o seu direito à cidadania e à nacionalidade, carecendo de tutela definitiva e urgente.
Em primeiro lugar, importa considerar que o processo de intimação se destina a tutelar direitos, liberdades ou garantias ou direitos a estes análogos.
No caso, o Recorrente ancora a sua pretensão no que reputa configurar uma violação aos seus direitos à nacionalidade (ou à cidadania) portuguesa, à saúde e a uma decisão.
No que a este último respeita tenha-se presente que “ao dever de decisão que impende sobre a Administração [artigo 13.º do CPA] não corresponde uma posição jurídica subjectiva dos particulares com a natureza de um direito, liberdade e garantia, o que significa que o incumprimento dos prazos procedimentais, na medida em que não contende com um direito com aquela natureza, não permite o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, donde “o incumprimento do prazo de decisão do pedido de atribuição de nacionalidade não permite, por si só, o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, sendo que, noutra perspectiva, tal incumprimento não consubstancia a urgência que integra o primeiro pressuposto do recurso à intimação” (Ac. deste Tribunal Central Administrativo Sul de 3.10.2024, proferido no processo 1796/24.0BELSB).
E quanto ao invocado direito à saúde, a aplicação do princípio da equiparação, previsto no artigo 15.º, n.º 1 da CRP, cujo n.º 1, depende da efetiva presença ou residência em Portugal, onde o exercício do direito invocado se encontraria ameaçado, o que in casu não sucede.
Quanto ao direito à cidadania, embora se reconheça que o autor não reside, nem se encontra em Portugal, não beneficiando do referido princípio da equiparação, o que está em causa é a dimensão do direito à aquisição da cidadania por estrangeiros que invoquem e demonstrem uma ligação a Portugal. E a este respeito acompanha-se o recente Acórdão deste TCA Sul de 10.4.2025, proferido no processo 2768/24.0BELSB (disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/04afc97d6da0a81280258c6f0028c27f?OpenDocument), onde se lê que “[é] certo que o autor não reside em Portugal, não beneficiando, por isso, do princípio da equiparação, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual “Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.” Todavia, pretendendo o autor adquirir a cidadania portuguesa e invocando o mesmo que é descendente de judeu sefardita português (facto que se provou, aliás), está em causa o direito à aquisição da cidadania portuguesa. Na verdade, o direito à cidadania, contido no n.º 1 do artigo 26.º, abrange, tanto o direito dos portugueses a não serem arbitrariamente privados da cidadania portuguesa, como o direito dos estrangeiros com uma ligação a Portugal (por terem conhecimento suficiente da língua portuguesa, ou ascendência/descendência com residência em Portugal ou com nacionalidade portuguesa, ou por terem prestado serviços relevantes ao Estado português ou à comunidade, ou por serem descendentes de judeus sefarditas, nos termos do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade) a acederem à cidadania portuguesa – cfr. JORGE PEREIRA DA SILVA, O direito fundamental à cidadania portuguesa, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2004, pp. 277-279, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 106/2016, de 24.02.2016 (in https://www.tribunalconstitucional.pt). O direito à aquisição da cidadania portuguesa constitui, assim, uma dimensão positiva do direito fundamental à cidadania (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), embora “exigindo dos poderes públicos uma atitude interventiva, no sentido de criar as condições jurídicas para a sua efectivação”, sendo “um direito a prestações jurídicas por parte do Estado”. Assim, nesta dimensão, o artigo 26.º não é uma norma exequível por si mesma, carecendo de concretização por parte do legislador ordinário, estando concretizada na Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 03 de Outubro), que sujeita a aquisição da nacionalidade portuguesa pelos estrangeiros por naturalização - para além dos demais requisitos constantes do referido artigo 6.º, cuja demonstração se impõe para que a mesma seja concedida - à demonstração de uma ligação a Portugal.”.
O que significa, portanto, que, como se sumariou no citado Acórdão com integral aplicação aos autos face ao alegado no requerimento inicial e resulta do facto 2., “pretendendo o autor adquirir a cidadania portuguesa e invocando e provando o mesmo que é descendente de judeu sefardita português, está em causa o direito à aquisição da cidadania portuguesa”, para cuja salvaguarda do correspondente exercício em tempo útil se afigura idóneo o recurso à intimação, a tal não obstando a circunstância de o Requerente ter cidadania brasileira e não residir em Portugal.
A questão situa-se, todavia, no pressuposto da indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão que imponha à Administração uma conduta positiva ou negativa como forma de assegurar o exercício de tal direito à aquisição da nacionalidade.
No essencial a jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo Sul vai no sentido de que “na generalidade dos casos relativos à aquisição da nacionalidade portuguesa não se encontram reunidos os pressupostos da utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias. Ver, neste sentido, a título de exemplo, os recentes acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de março de 2024, Processo n.º 2087/23.9BELSB, de 6 de junho de 2024, Processo n.º 1846/23.7BELSB, de 20 de junho de 2024, Processo n.º 4037/23.3BELSB” (Ac. do TCA Sul de 13.3.2025, proferido no processo 2078/24.2BELSB).
Entendendo-se em sentido diverso, ou seja, que será de reconhecer que é urgente, sob pena de perda de utilidade, a prolação de uma decisão com vista a assegurar a possibilidade de exercício do direito à aquisição da cidadania portuguesa, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, em situações cujo circunstancialismo fáctico, devidamente concretizado nos autos, designadamente o Requerente deter idade avançada ou problemas do foro de saúde manifestamente debilitantes e graves, revelavam a urgência no recurso à intimação para cautelar a utilidade da lide (vg. as decisões proferidas nos Acs. deste TCA Sul de 27.4.2023, no processo n.º 3368/22.4BELSB, de 9.5.2024, no processo n.º 2604/23.4BELSB e de 13.3.2025, no processo 2078/24.2BELSB).
Ora, embora o Recorrente padeça de uma patologia crónica, alega, mas não demonstra, uma situação de insuficiência económico financeira que o impossibilite de suportar os custos do correspondente tratamento, limitando-se ainda a invocar uma alegada cirurgia inovadora que, não só não identifica, como não alega, nem demonstra que apenas seja realizada em Portugal. Ora, o seu estado de saúde, embora se reconheça debilitante, não é, todavia, de molde a contender com o seu direito à aquisição da cidadania.
Tal patologia, e os termos em que o Recorrente sustenta a sua pretensão, não demonstram que se assuma como urgente, sob pena de perda de utilidade, a prolação de uma decisão com vista a assegurar a possibilidade de exercício do direito à aquisição da cidadania portuguesa, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, ou seja, que é indispensável a célere emissão de uma decisão que imponha à Administração a adoção de condutas que permitam assegurar o exercício, em tempo útil, desse direito.
Com efeito, ainda que o Recorrente padeça de enxaquecas crónicas, o seu estado de saúde não é de tal forma grave que, por força da ausência de prolação de decisão, em tempo útil, sobre a pretensão apresentada perante os serviços da Requerida, este se encontre numa situação de iminência da lesão irreversível de um direito, liberdade ou garantia ou direito a ele análogo. O Recorrente, com maior ou menor dilação temporal, obterá uma decisão e, preenchendo os pressupostos, poderá vir a obter a cidadania portuguesa, sem que o circunstancialismo fáctico descrito contenda ou seja suscetível de lesar ou traduzir a ameaça de lesão de tal direito.
É certo que da delonga na tramitação e decisão do procedimento poderão decorrer constrangimentos, designadamente no que respeita à impossibilidade de acesso a cuidados de saúde em Portugal em termos idênticos aos cidadãos nacionais, mas estes não relevam para o preenchimento do pressuposto da indispensabilidade exigido pelo artigo 109.º do CPTA. Sendo certo que, como se disse, não detendo sequer o direito à saúde em termos equiparados aos cidadãos nacionais, tal dilação na prolação de decisão sobre a sua pretensão não contende com aquele.
Anuindo à fundamentação vertida na decisão em crise, teremos de concluir que na situação dos autos, não foi alegada qualquer factualidade circunstanciada que permitisse concluir pela necessidade urgente em que termos que caraterizassem a existência de um prejuízo iminente e/ou consumado que justifique lançar mão da presente espécie processual.
Refira-se que a tal entendimento não obsta a circunstância, ora invocada em sede recursiva pelo Recorrente, de que já não se encontraria em tempo para a instauração da correspondente ação administrativa de condenação à prática de ato devido para obter da Recorrida uma decisão. O facto de o Recorrente não ter, tempestivamente, utilizado o meio processual adequado para obter a tutela do seu direito, não configura causa que possibilite o recurso à intimação, pois que a esta apenas se recorre quando se verifique uma situação de especial urgência em que se constate uma grave ameaça ou violação do direito, liberdade ou garantia em causa, que só possa ser reparada através deste meio processual. E se o Recorrente não exerceu processualmente, de forma tempestiva, o seu direito mediante a instauração de ação administrativa de caráter não urgente, só à sua inércia se deve a preclusão dos direitos processuais que a lei lhe reconhece.
Em face do exposto, cumpre concluir no sentido que emerge da sentença recorrida, qual seja o de que o Recorrente não alegou quaisquer factos que permitam concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos que se arroga, de tal forma que não se encontrando preenchidos os pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, se impunha, como decidido, o indeferimento liminar do requerimento inicial.

4.2. Da condenação em custas

Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais.

5. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Sem custas.
Mara de Magalhães Silveira
Joana Costa e Nora
Lina Costa