Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 449/20.2BELLE |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 03/18/2021 |
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Relator: | DORA LUCAS NETO |
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Descritores: | CERTIDÃO DE DESTAQUE; INTIMAÇÃO; DEFERIMENTO TÁCITO; NULIDADE. |
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Sumário: | I. Considerando que a existência de uma lacuna no RJUE quanto à forma do processo de intimação para emissão de certidão de destaque não é indiscutível. II. Considerando que, no caso em apreço, a causa de pedir é a existência de um deferimento tácito - cfr. disposições conjugadas dos art.s 111.º e 114.º do RJUE - face à não decisão oportuna do recurso interposto para o Presidente da Câmara, do ato praticado pela Vereadora que havia rejeitado liminarmente o pedido de emissão de certidão de destaque, com recurso a formulário disponibilizado pelos serviços. III. Conclui-se que o recurso à tramitação do processo para intimação para passagem de certidão se afigura adequado, pois o que se espera é que seja emitida uma certidão em como o pedido de certidão de destaque foi tacitamente deferido, retirando-se dali todas as demais consequências legais. IV. Quanto aos vícios geradores de nulidade, o seu regime substantivo tem de prevalecer, estando o seu conhecimento oficioso, a todo o tempo e em qualquer fase do processo, em perfeita harmonia com a improdutividade jurídica dos atos nulos, para que o processo sirva o direito material - cfr. disposições conjugadas dos art. 162.º, n.º 2, do CPA e art.s 573.º, n.º 2, e 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC. |
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Votação: | Voto de vencido |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório O MUNICÍPIO DE FARO, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 10.12.2020, que julgou procedente o pedido de «intimação para emissão de certidão de destaque», contra si deduzido pela R... - R..., S.A.
Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 331 e ss., ref. SITAF: «(…) a. Do ponto de vista do Recorrente, é manifesto o erro de julgamento de que padece o raciocínio jurídico perfilhado e exposto pela sentença recorrida, até porque o acórdão invocado pelo Tribunal a quo (ac. do TCA Sul, de 14/7/2011) não poderia ter sido utilizado - como foi - em substituição da análise jurídica que se impunha (!) que tivesse sido realizada pelo Tribunal a quo, do disposto nos artigos 112.° e 113.° do RJUE, nomeadamente do ponto de vista da sua sistemática e da sua ratio. b. Ademais, a aplicação analógica do regime dos artigos 104.° e seguintes do CPTA (intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões) ao pedido da Recorrida por aplicação do n.° 7 do art.° 112.°, conjugado com os números 5 e 6 do art.° 113.° do RJUE, não é de todo consensual na doutrina e na jurisprudência. c. Prova disso, aliás, é o acórdão também mencionado na sentença recorrida, proferido mais recentemente a 29 de maio de 2020, no processo n.° 03113/19.1 BEPRT, no qual se defendeu que a “intimação para a prestação de informações, prevista nos artigos 104.° e seguintes do CPTA, visa a prestação de informações e passagem de certidões e não a intimação das partes para a prática de quaisquer outros atos, para os quais existem no nosso ordenamento contencioso administrativo, outro tipo de ações tendentes, designadamente, à “prática de ato devido”.”. (…) d. Ora, é justamente esta a conclusão que se extrai da análise jurídica dos artigos 112.° e 113.° do RJUE, cuja conjugação não permite, de facto, concluir pelo enquadramento de um pedido de emissão de certidão de destaque no meio processual de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, como a Recorrida entendeu (erroneamente) ser possível, antes se impondo o recurso a uma forma especial de intimação tendente à prática de ato devido - como, aliás, decorre justamente do artigo 112.°, n.° 1 do RJUE. e. Neste sentido, cabe destacar que o regime legal consagrado nos artigos 112.° e 113.° do RJUE está construído para ser aplicado exclusivamente às situações da alínea a) do art.° 111.° do RJUE, nas quais o caso dos autos desde logo não se enquadra. f. No caso concreto, o silêncio do Recorrente no âmbito de pedido de emissão de certidão de destaque enquadra-se, como reconhecido nos autos, na al. c) do art.° 111.° do RJUE, e não nas situações da al. a), respeitantes exclusivamente “aos atos que devessem ser praticados por qualquer órgão municipal no âmbito de um procedimento de licenciamento”, g. O que é especialmente relevante porque, conforme se demonstrará em seguida, o regime dos art.°s 112.° e art.° 113.° do RJUE só é aplicável aos atos enquadráveis na al. a) do art.° 111.° do RJUE, ou não começasse o n.° 1 do art.° 112.° do RJUE por dizer que “No caso previsto na alínea a) do artigo anterior, o interessado pode deduzir junto dos tribunais administrativos um pedido de intimação dirigido à interpelação da entidade competente para o cumprimento do dever de decisão.” (…). h. Além disso, nos termos dos artigos 112.° e 113.° do RJUE, a consequência prevista para o silêncio da Administração não é o deferimento tácito do pedido, mas sim a possibilidade de o interessado deduzir junto dos tribunais um pedido de intimação dirigido à entidade competente para o cumprimento do dever de decisão. i. Assim, é evidente que este regime legal [contemplado nos art.°s 112.° e 113.° do RJUE] não se confunde com o regime do deferimento tácito, o qual se forma com o mero decurso do prazo no qual a Administração deveria ter proferido uma decisão e não o fez. j. Por sua vez, muito embora a sentença recorrida tenha enquadrado o deferimento tácito verificado nestes autos no regime do art.° 113.° do RJUE, a verdade é que bastaria uma vez mais ter-se atentado na letra deste artigo para concluir que esse enquadramento jamais seria possível, porquanto o art.° 113.° do RJUE pressupõe a aplicação prévia do regime do art.° 112.° do RJUE. k. Por conseguinte, é manifesto que o art.° 113.° do RJUE não é de aplicação direta e autónoma a todas as situações enquadráveis no RJUE em que ocorra deferimento tácito, antes se aplicando o seu regime apenas nas situações previstas no n.° 9 do art.° 112.° do RJUE, ou seja, em que o interessado deduziu um pedido de intimação junto dos tribunais administrativos para que a entidade competente fosse interpelada para o cumprimento do dever de decisão e em que, fixado um prazo não inferior a 30 dias pelo juiz (cfr. n.° 6 do art.° 112.° do RJUE), esse prazo já decorreu e, mesmo assim, a Administração não praticou o ato que lhe era devido, podendo o interessado, nesse caso e só nesse momento, prosseguir de acordo com o previsto no art.° 113.° do RJUE. l. É justamente porque o regime do art.° 113.° do RJUE está construído desta forma que, novamente no RJUE comentado, se lê que “O artigo 113.° tem como epígrafe “deferimento tácito”. Porém, este título não joga perfeitamente com o disposto no seu primeiro número (...) porque parece impedir que aos deferimentos tácitos praticados ao abrigo do disposto na alínea c) do art.° 111.° possa seguir-se o disposto neste diploma (,..)”. (…). m. Efetivamente, assim é, sendo a letra dos respetivos preceitos legais (isto é, o seu elemento literal), como é sabido, o ponto de partida para a interpretação do seu âmbito de aplicação. n. Poderia apontar-se como exceção o disposto no n.° 2 do art.° 114.° do RJUE, em que o legislador já não distingue entre a impugnação administrativa de atos proferidos em procedimento de licenciamento e a impugnação administrativa de outros atos (o legislador refere-se apenas à “impugnação administrativa de quaisquer atos"), atribuindo a todos nesse caso o “deferimento tácito” como consequência. o. Porém, a explicação para tal exceção é simples e consta do ponto 3 da anotação do art.° 114.° do RJUE comentado, onde se explica que “Esta diferenciação relativa às consequências da omissão do dever legal de decisão no âmbito dos procedimento de licenciamento [artigo 111.°, alínea a)] motiva-se, sobretudo, pelo facto de aqui se desencadear uma segunda apreciação do mesmo processo ou de elementos dele, pelo que os dados normativos a mobilizar para uma tomada de decisão se encontram mais concretizados.”. (…) p. Donde, portanto, se retira que, não fosse estar já em causa uma “segunda apreciação do mesmo processo ou de elementos dele" - pois, sendo impugnação administrativa, já terá sua base uma primeira decisão administrativa -, a consequência aplicável aos atos previstos na al. a) do art.° 111.° do RJUE não seria o deferimento tácito e, portanto, seria diferente da prevista para os demais atos, ou seja, os da al. c) do art.° 111.° do RJUE. q. Em face do exposto, não pode proceder o entendimento do Tribunal a quo de que o pedido da Recorrida, muito embora não se enquadre nos atos da al. a) do art.° 111.° do RJUE, poderá mesmo assim, por absurdo, ser julgado nos termos do regime legal àqueles aplicável, nomeadamente os artigos 112.° e 113.° do RJUE. r. Se assim fosse, por que motivo teria o legislador feito uma distinção entre os atos da al. a) e da al. c) do art.° 111.° do RJUE? E porque teria criado um regime de tramitação especial só para os atos enquadráveis nessa al. a) do art.° 111.° do RJUE? s. Ademais, mesmo o entendimento doutrinário constante do acórdão do TCA Sul de 14/7/2011, constante da anotação 3 ao artigo 113.° do RJUE comentado, a verdade é que não se lê em parte alguma dessa anotação 3 que o meio processual de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões é um meio processual adequado ou passível de aplicação analógica aos pedidos de emissão de certidão de destaque, como aquele que é formulado nos autos! t. Aliás, essa anotação 3 ao artigo 113.° do RJUE analisa o n.° 5 deste artigo sempre na perspetiva da passagem de alvará de licença ou autorização de utilização (cfr. previsto na letra desse artigo), não se defendendo a utilização deste meio processual para a emissão de uma certidão de destaque! u. Tanto assim é que se conclui nessa anotação 3 ao n.° 5 do art.° 113.° do RJUE que “A sentença judicial emitida pelo Tribunal Administrativo de Círculo da área da sede da autarquia, ao abrigo deste processo, é, na sua essência, uma sentença condenatória, na medida em que visa a intimação da câmara à passagem do alvará de licença ou autorização". v. Assim, nem sequer nos termos dessa anotação 3 ao art.° 113.° do RJUE, que é invocada no acórdão proferido pelo TCA Sul, de 14/7/2011, se faz qualquer menção à possibilidade de utilização deste meio processual de intimação no caso de um pedido de emissão de certidão de destaque que, portanto, não se enquadraria nos atos da al. a) do art.° 111.° do RJUE, mas sim nos da al. c) do art.° 111.° do RJUE. w. Termos em que se requer a V.Exas seja declarado o manifesto erro na forma de processo adotada pela Recorrida nos presentes autos, nomeadamente a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões ao abrigo dos artigos 104.° e seguintes do CPTA, por manifesta impossibilidade de aplicação a um pedido de emissão de certidão de destaque do regime legal dos artigos 112.° e 113.° do RJUE, que apenas se debruçam sobre as situações enquadráveis na al. a) do art.° 111.° do RJUE. CASO, POR ABSURDO, ASSIM NÃO SE ENTENDA, x. Mesmo admitindo que o n.° 5 do art.° 113.° do RJUE é autonomamente aplicável às situações deferimento tácito dos atos da al. c) do art.° 111.° do RJUE, diz-se no n.° 6 do art.° 113.° do RJUE que ao pedido de intimação previsto n.° 5 “aplica-se o disposto no n.° 7 do artigo anterior”, isto é, o n.° 7 do art.° 112.° do RJUE. y. Assim, uma vez mais, independentemente do que foi defendido no acórdão do TCA Sul de 14/7/2011 tido por referência pelo Tribunal a quo, não resulta do n.° 6 do art.° 113.° do RJUE uma remissão para as normas do artigo 104.° e seguintes do CPTA (e, por inerência, para o regime da intimação para a prestação de informações e passagem de certidões), mas sim uma remissão para o regime do art.° 112.° do RJUE, mais concretamente para o seu n.° 7. z. Ora, o n.° 7 do art.° 112.° do RJUE dispõe que “Ao pedido de intimação é aplicável o disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto aos processos urgentes.”. Aqui chegados, importa perceber a que pedido de intimação se refere o n.° 7 do art.° 112.° do RJUE, encontrando-se a resposta no n.° 1 do art.° 112.°: refere-se ao “pedido de intimação dirigido à interpelação da entidade competente para o cumprimento do dever de decisão.”. aa. Por conseguinte, se o pedido de intimação previsto no n.° 6 do art.° 113.° do RJUE remete para o pedido de intimação e respetivo regime legal previsto no art.° 112.° do RJUE, cujo procedimento se destina a fazer com que a Administração cumpra o seu dever de decisão, é manifesto que esse dever de decisão não será cumprido através de uma intimação para a prestação de informações e passagem de certidões, mas sim através de uma intimação tendente à prática de ato devido, nomeadamente do ato decisório que é devido e que está omisso! bb. Todavia, esta intimação não se confunde com uma ação de condenação propriamente dita, ainda que, conforme a anotação 4 ao art.° 112.° do RJUE anotado, neste intimação especial “opera-se um recurso manifesto às disposições da acção de condenação prevista no CPTA, quer no que se refere à marcha do processo, quer no que se refere aos prazos, já que deve entender-se que, também no âmbito do RJUE, o direito de ação caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto legalmente omitido (artigo 69.°, n.° 1 do CPTA)’’ cc. Esta solução é, aliás, a que mais se coaduna com a natureza do pedido da Recorrida, na medida em que o que esta efetivamente pretende do Recorrente é a prática de um ato jurídico constitutivo de direitos, que, como já se disse, consistirá na divisão de uma propriedade, com declaração de capacidade edificativa para a parcela sobrante. dd. Assim, não pode esquecer-se que o destaque corresponde a uma verdadeira operação urbanística, que dará origem a 2 lotes para efeitos de registo predial e de futura edificação, e que consubstancia o fracionamento da propriedade fundiária para fins edificativos, fracionamento que se dá pela divisão de uma parcela em duas, e que assenta em certidão emanada pela Câmara Municipal, comprovativa da verificação dos respetivos requisitos (cfr. artigo 6.°, n.° 9 do RJUE), e que constitui ato certificativo bastante para efeitos de registo (inscrição) predial da parcela destacada. ee. Assim, à Câmara Municipal, colocada perante o requerimento para emissão de certidão para efeitos de destaque de uma parcela, compete averiguar se se encontram preenchidos, no caso concreto, os requisitos para o destaque pretendido. ff. Tal significa, portanto, que a certidão de destaque que é peticionada nos autos pela Recorrida constitui, em bom rigor, um ato certificativo, emitido pela Câmara Municipal, enquanto órgão competente para o efeito, do preenchimento dos pressupostos de facto e de direito para a operação de destaque. gg. Por conseguinte, sobressai à saciedade que o meio processual da intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, previsto no art.° 104.° e seguintes do CPTA, não serve o fim pretendido pela Recorrida com a presente ação para a emissão de uma certidão de destaque, hh. Pois o meio processual de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões pressupõe que já exista um ato certificativo que é preexistente à certidão pretendida com a referida intimação. ii. No caso concreto, o que a Recorrida pretende é que a certidão de destaque seja, ela mesma, um ato certificativo emitido pela Câmara Municipal como se, por absurdo, a Câmara tivesse podido averiguar se se encontram preenchidos, no caso concreto, os requisitos para o destaque pretendido. jj. Tal só será possível, de facto, através de uma intimação especial tendente à prática de ato devido, nos termos do disposto no art.° 66.° do CPTA, ainda que seguindo uma tramitação urgente, conforme previsto no n.° 7 do art.° 112.° do RJUE. NÃO OBSTANTE, SEM PRESCINDIR NEM CONCEDER, kk. Ainda que, apenas por mera cautela de patrocínio, se admitisse por hipótese que o meio processual subjacente ao n.° 5 e 6 do art.° 113.° do RJUE seja a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, cfr. o artigo 104.° e seguintes do CPTA, ll. Há que ter em conta que o recurso a este meio processual na sequência de toda a tramitação prevista no art.° 112.° do RJUE (que pressupõe a existência final de uma decisão) é completamente diferente da sua aplicação aos casos da al. c) do art.° 111.° do RJUE, em que já não se está “numa segunda apreciação do mesmo processo”, mas sim numa primeira e única apreciação em que a decisão que o interessado pretende obter com a intimação carecerá de total verificação do ponto de vista dos pressupostos do ato. mm. Neste sentido, aquilo que se defendeu na sentença recorrida foi a solução prevista nos artigos 104.° e seguintes do CPTA por se entender que é “a tramitação que mais se aproxima desta realidade (pedido de certidão com a natureza excecional de acto administrativo) ”. nn. Porém, importa não esquecer que o facto de ser, porventura, a tramitação mais próxima, não significa que, mesmo assim, seja adequada e apta a suprir a eventual lacuna legislativa em apreço, sob pena de se provocar exatamente aquilo que o legislador quis evitar com a distinção a que procedeu nos artigos 112.° e 113.° do RJUE, isto é, “uma acentuada margem de discricionariedade administrativa” que resulte “em manifesto prejuízo para o interesse público urbanístico.” oo. Termos em que, pelos motivos que se expuseram anteriormente, é inadmissível a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, previsto no art.° 104.° e seguintes do CPTA como meio processual apropriado para o pretendido pela Recorrida, pp. Requerendo-se, por isso, a V.Exas seja declarada a verificação de erro na forma de processo utilizado pela Recorrida, com o consequente indeferimento liminar da ação intentada pela Recorrida e a revogação da sentença proferida em primeira instância com este fundamento. qq. Conforme resulta da douta sentença, entende o meritíssimo Tribunal a quo ser de emitir a certidão de destaque requerida, também porque não veio imputada concretamente ao ato de deferimento uma nulidade e permitindo o PDM a construção resultante de destaque nos termos do artigo 50°, n.°4, com a condicionantes previstas no n.° 6, não há razões para recusar a intimação. rr. Entende o Recorrente que não é assim, padecendo o ato requerido de manifesta nulidade, por este não identificar/especificar os concretos termos em que o destaque será permitido. ss. Contrariamente ao sustentado na sentença em crise, o cumprimento dos pressupostos de edificabilidade exigidos para a parcela colocam-se com referência ao todo em que se insere previamente à operação de destaque, constituem-se como pressuposto da sua admissibilidade, e o destaque a que alude o n° 8 do artigo 6° do RJUE apenas será permitido desde que o prédio mãe os não tenha esgotado. tt. Daí que o .° 8 exija para o destaque (e não apenas para o licenciamento) a observância das normas regulamentares e legais aplicáveis . uu. No caso dos autos e a ser deferida a certidão de destaque nos termos decididos, não será assegurada essa observância, porque simplesmente está omissa no requerimento apresentado. vv. A entidade Requerida - Câmara Municipal de Faro - nem sequer poderia, pois, pronunciar-se quanto a uma eventual admissibilidade do destaque, desde logo porque a Requerente nem sequer especificou os termos da operação pretendida, que se constituía como essencial para a análise da viabilidade do destaque pretendido. ww. Temos assim que a certidão decidida e determinada pela sentença em crise, padecerá, tal como o requerido destaque, por carecer totalmente de forma legal, nos termos previstos pela alínea g) do n.° 2 do artigo 161° do CPA, em que se insiste, que a sentença deveria ter verificado e não relegar para qualquer momento posterior, em que nem sequer poderia ser apreciado. xx. Nessa conformidade, ainda que o meritíssimo Tribunal não conclua pelo erro no meio processual seguido, nunca poderá permitir e determinar a intimação ora requerida. yy. Já que é patente a nulidade do ato visado obter, que podendo produzir quaisquer efeitos jurídicos (cfr. artigo 162° n° 1 do CPA), 82° Jamais poderá justificar a intimação do Requerido à sua prática, zz. Impondo-se como tal, por este motivo a recusa da intimação do Requerido a emitir a certidão requerida, caso por absurdo seja admitida a forma de processo seguida. TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser determinada a revogação da sentença recorrida por verificação da exceção de erro na forma de processo ou, alternativamente, caso assim não se entenda, por verificação da nulidade do ato administrativo pretendido, com a consequente absolvição do Recorrente de todo o peticionado e condenação da Recorrida no pagamento de todos os encargos e custos a que houver lugar.» (sublinhados nossos).
A Recorrida R... - R..., S.A, apresentou as suas contra-alegações, tendo ali concluído como se segue:
I. 1. Questões a apreciar e decidir As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à forma do processo seguida e por ter sido condenado à emissão de certidão de destaque em apreço.
II. Fundamentação II.1. De facto A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis: «Imagem no original» (..)”, cfr. documento n.° 4 junto com a petição inicial e fls. 67 do processo administrativo. F. A Vereadora das Infraestruturas e do Urbanismo da Câmara Municipal de Faro subscreveu o ofício n.° 003087, de 30.03.2020, sob o assunto “Pedido de certidão de destaque do edifício da R..., na Estrada da Senhora da Saúde, em Faro | Req° n° 1945/2020”, dirigido à Requerente, do qual consta, designadamente, o seguinte: “ Relativamente ao assunto em epígrafe, e de harmonia com o meu despacho datado de 25/03/2020, serve o presente para transmitir a V. Exª., a informação prestada pelos serviços técnicos: «Imagem no original» cfr. documento n.° 3 junto com a petição inicial e fls. 69 do processo administrativo. G. Em 16.04.2020 o Consultor Jurídico “Jorge Abreu Rodrigues" subscreveu documento intitulado “Consulta”, do qual consta, designadamente, o seguinte: «Imagem no original» (...)", cfr. documento n.° 4 junto com a petição inicial e fls. 75 a 79 do processo administrativo. H. A Vereadora das Infraestruturas e do Urbanismo da Câmara Municipal de Faro subscreveu o ofício n.° 004033, de 04.05.2020, sob o assunto “Pedido de certidão de destaque do edifício da R..., na Estrada da Senhora da Saúde, em Faro | Req° n° 1945/2020", dirigido à Requerente, do qual consta, designadamente, o seguinte: “Relativamente ao assunto em epígrafe, e de harmonia com o meu despacho datado de 21704/2020, " Rejeito liminarmente o pedido nos termos das informações dos serviços e do parecer do Dr. J...em anexo." (...)", cfr. documento n.° 4 junto com a petição inicial e fls. 83 do processo administrativo. I. A Requerente dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal de Faro requerimento datado de 18.05.2020, sob o assunto “Recurso de decisão de rejeição liminar de pedido de certidão de Destaque / Req. n° 1945/2020", (…) peticionando a final o seguinte: “NESTES TERMOS, Deve o presente recurso ser considerado procedente, anulando-se o despacho impugnando-se e ordenando-se a emissão da certidão de destaque peticionada", cfr. documento n.° 5 junto com a petição inicial e fls. 86 a 175 do processo administrativo. J. A Requerente dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal de Faro requerimento datado de 08.09.2020, sob o assunto “Req. n° 1945/2020 /deferimento do recurso de rejeição liminar do pedido de certidão de destaque /liquidação de taxa e emissão da certidão”, peticionando a final o seguinte: “Requer-se, assim, seja ordenada a liquidação da taxa devida nos termos do artigo 138 ° da Tabela de Taxas do Município de Faro e a emissão da certidão de destaque peticionada.”, cfr. documento n.° 6 junto com a petição inicial. K. A Requerente constituiu depósito no montante de €61,20, relativo “(...) Req. 1945/2020 Câmara Municipal de Faro - taxas devidas pela emissão de destaque, contra o Município de Faro (...)”, cfr. documento n.° 7 junto com a petição inicial. L. A Requerente instaurou a presente ação em 12.10.2020, cfr. documento n.° 18.24.16, de 12-10-2020 16:39:39. M. A Entidade Requerida não decidiu o recurso intentado em 18.05.2020 pela Requerente nem emitiu a certidão solicitada em 20.01.2020, cfr. facto admitido. *** Factos não provados Não existem factos alegados não provados com relevância para a decisão da causa. Motivação da matéria de Facto A decisão da matéria de facto provada fundou-se nas posições assumidas pelas partes e na análise crítica dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados, incluindo o processo administrativo apenso, tudo o que aqui se dá por integralmente reproduzido, conforme indicado em cada alínea do probatório.» (negritos e sublinhados nossos). II.2. De direito O discurso fundamentador da sentença recorrida, na parte que releva para o conhecimento do presente recurso, foi o seguinte: «(…) a concretização do destaque não é necessário o desencadear de um procedimento prévio de licenciamento ou comunicação prévia. Porém, a isenção prevista no artigo 6.° do RJUE é “(...) apenas a isenção de submissão ao procedimento de licenciamento ou de comunicação prévia e não já a isenção do cumprimento das normas substanciais aplicáveis às operações urbanísticas em causa” (FERNANDA PAULA OLIVEIRA, MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES, DULCE LOPES e FERNANDA MAÇÃS, in op. cit., página 126). De facto, o legislador é claro ao afirmar no n.° 8 do artigo 6.° do RJUE que, a realização destas operações não as isenta do cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente, as constantes de planos municipais [in casu, o Plano Director Municipal (PDM), o Plano de Urbanização (PU) ou o Plano de Pormenor (PP), que podem prever uma área mínima para os lotes para construção, o que significa que a constituição de lotes para este efeito, mesmo que resultem de uma operação de destaque, terá de cumprir aquelas exigências mínimas]. “Por isso é que, embora a câmara municipal não tenha, nestes processos, uma intervenção através da emissão de um acto formal de controlo prévio, tem sempre de intervir através da emissão de uma certidão comprovativa de que os requisitos do destaque estão presentes ou que as normas aplicáveis estão cumpridas (cfr. n° 9)” (FERNANDA PAULA OLIVEIRA, MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES, DULCE LOPES e FERNANDA MAÇÃS, in op. cit., página 126 in fine; sublinhado nosso). Tanto assim o é que, no Acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 12.03.2008, processo n.° 0442/07, se assegura que “(..'.) não sofre por isso de ilegalidade o despacho que indeferiu um pedido de destaque (...), com o fundamento de que a operação de destaque não cumpre com os indicadores urbanísticos previstos pelo PDM”. Por sua vez, sob a epígrafe “Silêncio da Administração”, o artigo 111.° estatui o seguinte:
Já o artigo 114.°, n.° 2 do RJUE dispõe o seguinte: “A impugnação administrativa de quaisquer atos praticados ou pareceres emitidos nos termos do presente diploma deve ser decidida no prazo de 30 dias, findo o qual se considera deferida.” Feito este breve enquadramento, retomemos o caso dos autos. Resulta da factualidade dada como provada que: - em 20.01.2020 a Requerente apresentou, junto da Entidade Requerida, pedido para emissão de certidão de destaque [cfr. Facto provado C)]; - que em 03.02.2020 foi proferida informação pelo Departamento de Infraestruturas e Urbanismo da Câmara Municipal de Faro, na qual se concluiu que “O pedido de destaque encontra-se em condições de merecer deferimento, podendo ser emitida a respetiva certidão, dado que o mesmo fica sujeito ao regime previsto no ponto 4 do art.° 6.° do RJUE, sendo-lhe aplicável no ponto 4 do referido artigo, o qual o requerido cumpre dado que ambas as parcelas confrontam com arruamento público” [cfr. Facto provado E)]; - que em 04.05.2020 a Vereadora das Infraestruturas e do Urbanismo da Câmara Municipal de Faro rejeitou o pedido apresentado, com fundamento nas informações dos serviços e no parecer jurídico de 16.04.2020 [cfr. respetivamente, Factos provados H) e G)]; - que em 18.05.2020 a Requerente interpôs recurso da referida decisão e que o mesmo ainda não mereceu resposta da Entidade Requerida [cfr. respetivamente, Factos provados I) e M)]. Quanto à formação do alegado deferimento tácito, importa atentar no acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo de 14.02.2019, processo n.° 035/18.7BEBJA, em que se pode ler o seguinte: “(...) Tendo a certidão comprovativa da verificação dos requisitos do destaque e do cumprimento das normas aplicáveis uma natureza verificativa-constitutiva, por definir uma situação jurídica, tendo o pedido da sua emissão sido dirigido ao órgão competente com o dever legal de decidir e sendo atribuído por lei ao silêncio administrativo o significado de deferimento tácito [cf. art° 111.°, al. c), do RJUE], a procedência da requerida intimação judicial dependia de a situação de inércia em que se manteve o órgão administrativo se ter prolongado pelo lapso de tempo legalmente exigido e de o deferimento tácito não estar afectado por um vício gerador de nulidade. (...)" (destaque nosso). Assim, verificando-se que ocorreu uma situação de inércia da Administração, com o decurso do prazo de 30 (trinta) dias, previsto no artigo 114.°, n.° 2 do RJUE para a decisão do recurso intentado sem que a Entidade Requerida tenha decidido o recurso hierárquico, resta verificar se o deferimento tácito está ou não afetado por vício gerador de nulidade. Conforme visto, para ser atendido (administrativa e jurisdicionalmente), o pedido de emissão da certidão em causa deve radicar em causa de pedir que se subsuma positivamente no supra transcrito artigo 6.° do RJUE, sendo que o ónus de tal prova cabe à Requerente, nos termos gerais de direito (cfr. artigo 342.° do Código Civil). Por outro lado, e conforme já referido, estando em causa uma operação de loteamento em sentido estrito, por consistir no fracionamento de um prédio para efeitos de construção, trata-se de uma operação urbanística prevista no art.° 6.°, do RJUE, que, de acordo com o n.° 8 deste preceito, está sujeita à “observância das normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes do plano municipal e plano especial de ordenamento do território e as normas técnicas de construção” (neste sentido vide Acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo de 12.03.2008, processo n.° 0442/07). Ora, compulsada a factualidade dada como provada, constata-se que, de facto, como alega a Entidade Requerida, os serviços camarários não procederam à análise da conformidade do pedido com o disposto no 6.°, n.° 8 do RJUE. Com efeito, pese embora na informação de 03.02.2020 se aluda à inserção do prédio em perímetro urbano, motivo pelo qual foi a apreciação ali realizada se fez por reporte ao artigo 6.°, n.° 4 do RJUE, a verdade é que nada foi avaliado quanto à capacidade edificativa e demais disposições previstas no n.° 8 do referido preceito. E aqui sustenta a Requerente que, não obstante a previsão do artigo 6.°, n.° 8 do RJUE, mesmo que o deferimento da presente intimação dependesse da apreciação da edificabilidade da parcela a destacar, se conclui pela mesma, sendo que esse esse juízo deverá ser realizado em abstrato. Já a Entidade Requerida pugna em sentido contrário. Alega ainda a Requerente que o Prédio se localiza em Espaços Urbanos Estruturantes, sendo que os parâmetros que lhe são aplicáveis estão previstos no artigo 50.°, n.° 4 e 6 do Regulamento do PDM de Faro (…) A este respeito sustenta a Entidade Requerida que mesmo a classificação do prédio como integrando espaço urbano não estruturante não pode ser aceite, uma vez que nos termos constantes do artigo 55° do Regulamento do PDM tais espaços correspondem “aos loteamentos com alvará, consolidados e com infraestruturas e habitações construídas”. Lembramos que, nesta sede, formado o deferimento tácito e não tendo ocorrido a sua anulação, apenas será de recusar a intimação se for de concluir pela sua nulidade, já que o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos (cfr. artigo 162° n° 1 do CPA). A nulidade invocada pela Entidade Requerida alicerça-se na omissão da apreciação prevista no artigo 21.° do RJUE, o que na sua perspetiva equivaleria à prática de ato nulo, impedido, entre outros, pela alínea a) do artigo 24.° do RJUE. Com efeito, o que no fundo alega a Entidade Requerida é que, não tendo sido realizada a verificação quanto à capacidade edificativa do prédio, está o ato de deferimento tácito inquinado de nulidade, o que levaria à recusa da intimação. Ora, na verdade, analisada a alegação da Entidade Requerida, verificamos que nenhuma nulidade concreta é imputada ao ato de deferimento. Por outras palavras, a alegação de nulidade alicerça-se na invocação genérica, consubstanciada na falta de apreciação dos pressupostos para a emissão da certidão de destaque, tarefa que incumbia à Entidade Requerida e não na imputação de uma concreta e específica violação do PDM ou de outras normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de planos municipais, intermunicipais ou especiais de ordenamento do território, de servidões ou restrições de utilidade pública, as normas técnicas de construção, as de proteção do património cultural imóvel, e a obrigação de comunicação prévia nos termos do artigo 24.° do Decreto-Lei n.° 73/2009, de 31 de março, que estabelece o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional, como impõe o artigo 6.°, n.° 8 do RJUE. Ademais, o que aqui importa é aferir da conformidade do pedido da Requerente com as disposições impostas para a operação de destaque, prevista no artigo 6.°, n.° 8 do RJUE e não as imposições para pedidos de licenciamento que eventualmente venham a ser apresentados sobre a parcela destacada e a que alude o invocado artigo 21.° do RJUE. Assim, não vindo concretamente imputada ao ato de deferimento uma nulidade e permitindo o PDM a construção resultante de destaque nos termos do artigo 50.°, n.° 4, com as condicionantes previstas no n.° 6, não há razões para recusar a intimação. Pelo exposto, à luz dos fundamentos expostos, há que julgar a presente intimação integralmente procedente, conforme infra se determinará.(…).» (negritos e sublinhados nossos).
Desde já se adianta que o assim decidido não é para manter em toda a sua extensão. Vejamos porquê. i) Do erro quanto à forma do processo. Releva para a decisão da questão em apreço, o seguinte: Em 20.01.2020 a Requerente, ora Recorrida, subscreveu formulário da Câmara Municipal de Faro intitulado “CERTIDÃO DE DESTAQUE”, do qual consta, designadamente, o seguinte – cfr. alínea C) da matéria de facto supra: “(...) DO/A REQUERENTE Nome/Firma (...) R..., S.A. (…) DO PEDIDO Requer a V. Ex.ª,, ao abrigo do n.° 9 do artigo 6° do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.° 136/14 de 9 de setembro, a emissão de certidão comprovativa da verificação dos requisitos de destaque de uma parcela, com área de 11.032m2, do prédio com a área total de 13.723m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 5..., e inscrito na matriz predial (...) urbana da freguesia de União de Freguesias de Faro (Sé e São Pedro), sob o(a) artigo(a) 3..., sita em Senhora da Saúde, freguesia de Faro (São Pedro), do Município de Faro, área situada dentro do perímetro urbano. (…) DESCRIÇÃO DAS PARCELAS RESULTANTES DO DESTAQUE A parcela a destacar (identificada pela letra A, no levantamento topográfico em anexo), tem a área de 11.032m2, confrontando a Norte com Avenida Calouste Gulbenkian e Terreno; a Sul com Rua José Pavão e Rua Coronel António dos Santos Fonseca; a Nascente com R... e a Poente com armazéns e beco de acesso à Estrada da Senhora da Saúde (...). A parcela restante (identificada pela letra B, no levantamento topográfico em anexo), tem a área de 2691m2, confrontando a Norte com a Avenida Calouste Gukbenkian e Terreno, a Sul com Rua José Pavão e Rua Coronel António dos Santos Fonseca, a Nascente Edifício do Arquivo Distrital e a Poente com R.... (…) Tratando-se de parcela situada em perímetro urbano, informa que as parcelas resultantes do destaque, confrontam com arruamentos públicos. (…) Documentos instrutórios (...) 1. Documento de identificação do requerente 2. Documento(a) comprovativo(a) da legitimidade do requerente; 3. Certidão da descrição e de todas as inscrições em vigor emitida pela Conservatória do Registo Predial referente ao prédio; 4. Cópia da Caderneta Predial atualizada, referente ao prédio 5. Planta de localização à escala 1:10000 e 1:2000, com indicação precisa dos limites da parcela a destacar; 6. Extrato das plantas de ordenamento e condicionantes do PDM de Faro; 7. Planta topográfica do terreno à escala 1:500 ou superior, com representação da delimitação do prédio objeto da operação de destaque bem como da delimitação da parcela e da parcela remanescente, e respetivas áreas 8. Memória descritiva que inclua a descrição do prédio objeto de destaque pretendido, da parcela a destacar e da parcela remanescente; 9. Fotografias do local.”, cfr. documento n.° 2 junto com a petição inicial e fls. 1 a 65 do processo administrativo. » A Vereadora das Infraestruturas e do Urbanismo da Câmara Municipal de Faro subscreveu o ofício n.° 004033, de 04.05.2020, sob o assunto “Pedido de certidão de destaque do edifício da R..., na Estrada da Senhora da Saúde, em Faro | Req° n° 1945/2020", dirigido à Requerente, do qual consta, designadamente, o seguinte – cfr. alínea H) da matéria de facto supra: «Relativamente ao assunto em epígrafe, e de harmonia com o meu despacho datado de 21704/2020, " Rejeito liminarmente o pedido nos termos das informações dos serviços e do parecer do Dr. J...em anexo.» Por requerimento datado de 18.05.2020, a Requerente, ora Recorrida, interpôs recurso da decisão identificada no parágrafo que antecede, para o Presidente da Câmara Municipal de Faro, peticionando a final a anulação do despacho impugnado e que fosse ordenada a emissão da certidão de destaque peticionada – cfr. alínea I) da matéria de facto supra. Tal recurso não obteve resposta – cfr. alínea M) da matéria de facto supra. Por requerimento datado de 08.09.2020, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Faro requerimento, sob o assunto «Req. n° 1945/2020 /deferimento do recurso de rejeição liminar do pedido de certidão de destaque/liquidação de taxa e emissão da certidão», a Requerente, ora Recorrente, requereu fosse ordenada a liquidação da taxa devida nos termos do artigo 138 ° da Tabela de Taxas do Município de Faro e a emissão da certidão de destaque peticionada. A Recorrida instaurou a presente ação em 12.10.2020 – cfr. alínea L) da matéria de facto supra e fls. 59 e ss., ref. SITAF - «(…) nos termos conjugados dos artigos, 113.º, n. os 5 e 6 e 112, n. º 7 do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação («RJUE») e dos artigos 104.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativo («CPTA»), e com os fundamentos seguintes: «(…) 12.º Sucede que, volvidos 30 dias, - i.e. o prazo legalmente previsto para a decisão do recurso interposto pela Requerente, nos termos do disposto no artigo 114.º, n.º 2 do RJUE -, não foi proferida qualquer decisão sobre o mesmo. 13.º Ora, preceitua a disposição referida que “[a] impugnação administrativa de quaisquer atos praticados ou pareceres emitidos nos termos do presente diploma deve ser decidida no prazo de 30 dias, findo o qual se considera deferida.”. 14.º Pelo que se afigura inequívoco que o recurso foi tacitamente deferido, tendo o R. ficado constituído no dever de emitir a certidão peticionada. 15.º Neste quadro, a Requerente apresentou um requerimento na CMF, a fim de serem praticados todos os atos necessários à execução do deferimento da pretensão da ora Requerente, a saber: (i) a liquidação da taxa devida para a emissão da certidão de aprovação da operação de destaque, nos termos do artigo 138.º da Tabela de Taxas do Município de Faro e (ii) a posterior emissão da certidão peticionada (cfr. documento n.º 6)- que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido). 16.º Contudo, e, mais uma vez, a Requerente não obteve qualquer resposta da CMF, vendo-se, assim, forçada a recorrer aos meios de tutela jurisdicional ao seu dispor de modo a intimar o Município a cumprir o dever de decidir a que está vinculado nos termos do disposto nos artigos 13.º e 129º do Código de Procedimento Administrativo («CPA»). 17.º Ao caso, é analogicamente aplicável o processo previsto no artigo 113.º, n.os 5 e 6 do RJUE conforme doutrina e jurisprudência dominante. (…) 18.º De acordo com a jurisprudência dominante, não existe nenhum meio processual idóneo para intimar o Município a emitir a certidão de destaque, na sequência do deferimento tácito do pedido de destaque, padecendo o nosso ordenamento jurídico, neste particular, de uma lacuna, pois: (i) em virtude de as operações de destaque estarem, em princípio isentas de controlo prévio, ao contrário das licenças e das comunicações prévias, não devem estar sujeitas a um tipo de tutela jurisdicional mais lento do que o previsto para a obtenção dos títulos referidos no caso de incumprimento do dever de decisão previsto nos artigos 111.º a 113.º do RJUE; e, (ii) não se pode recorrer à intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, prevista nos artigos 104.º e ss. do CPTA, pois que não está em causa o direito à informação administrativa, já que “[…] a certidão de destaque, sendo um título, é sobretudo um acto administrativo certificativo” (cfr. entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14/02/2019 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 14/07/2011, disponíveis em www.dgsi.pt ). 19.º Concluindo, de acordo com a jurisprudência citada, em situações com a sub judice , o particular deve poder recorrer, por analogia, ao tipo de processo previsto no artigo 113.º, n.º 5 in fine e n.º 6 do RJUE, -aplicável às situações em que, na sequência de incumprimento do dever de decidir pela Câmara, esta não pratique o ato devido após ser interpelada judicialmente para o efeito, não liquide as taxas necessárias aos trabalhos ou às utilizações requeridas, nem permita o depósito do respetivo montante em instituição de crédito à ordem da câmara municipal,- o qual segue a tramitação urgente relativa às intimações para a prestação de informações, reguladas nos artigos 104.º e ss. do CPTA. (…)». Vejamos. Considerando que a existência de uma lacuna no RJUE quanto à forma do processo de intimação para emissão de certidão de destaque não seja indiscutível (1). Considerando que o processo de intimação para passagem de certidão não é o meio adequado perante o indeferimento de um pedido de certidão de destaque de parcela, porque se trata da prática de um ato administrativo de natureza verificativa e não da passagem de uma mera certidão e que, perante o indeferimento de um pedido emissão de certidão de destaque, o pedido judicial adequado a formular seria o de condenação à prática do ato devido. A verdade é que, no caso em apreço, a causa de pedir é a existência de um deferimento tácito - cfr. disposições conjugadas dos art.s 111.º e 114.º do RJUE - face à não decisão oportuna do recurso interposto para o Presidente da Câmara, do ato praticado pela Vereadora do Recorrente, que havia rejeitado liminarmente o pedido que havia sido formulado, com recurso a formulário disponibilizado pelo Recorrente, para emissão de certidão de destaque – cfr. alíneas C), H), I), J) e M), da matéria de facto. Pelo que, no caso em apreço, o recurso à tramitação do processo para intimação para passagem de certidões se afigura adequado, pois o que se espera é que seja emitida uma certidão em como o pedido de certidão de destaque foi tacitamente deferido, retirando-se dali todas as demais consequências legais - cfr. alínea J) da matéria de facto. Razão pela qual improcede o invocado erro de julgamento, em virtude de o tribunal a quo ter seguido, no caso em apreço, a forma e tramitação processual correta.
ii) Do erro de julgamento em que incorreu a decisão recorrida ao ter condenado o Recorrente à emissão de certidão de destaque. Seguindo de perto Marta Cavaleira (2), tenhamos presente que estão isentos de controlo prévio os atos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial que se situe em perímetro urbano, desde que as duas parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos e, fora dos perímetros urbanos, os atos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial, se se mostrarem cumpridas as seguintes condições: na parcela destacada só seja construído edifício que se destine exclusivamente a fins habitacionais e que não tenha mais de dois fogos e na parcela restante seja respeitada a área mínima fixada no projeto de intervenção em espaço rural em vigor ou, quando aquele não exista, a área de unidade de cultura fixada nos termos da lei geral para a região respetiva – cfr. alínea d) do n.º 1 e n.ºs 4 e 5 do art. 6.º do RJUE. Sobre a natureza da certidão comprovativa da verificação dos requisitos do destaque – cfr. n.º 9 do art. 6.º, do RJUE -, referem Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes e Fernanda Maçãs (3), que embora a «câmara municipal não tenha, nestes processos, uma intervenção através de um ato formal de controlo prévio, tem sempre de intervir através da emissão de uma certidão comprovativa de que os requisitos do destaque estão presentes ou que as normas aplicáveis estão cumpridas». Verifica-se a «necessidade de emissão de um ato de cariz verificativo por parte da câmara municipal, em que esta avalia se os pressupostos legais dispostos no artigo 6.º se encontram verificados e, portanto, se não é exigível a prática de um ato de licenciamento ou admissão de comunicação prévia do loteamento, emitida esta certidão comprovativa, encontra-se o proprietário habilitado a proceder ao destaque na conservatória do registo predial, sem que lhe possa ser exigida qualquer atestação adicional ou recusado o registo - cfr. artigo 6.º, n.º 9 do RJUE e artigo 85.º, n.º 1, alínea f) do Código do Registo Predial].» (4) (sublinhados nossos).
Importa ainda atender, antes de retomar o caso sub judice, à doutrina que dimana do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.02.2019 (5), no sentido de que: «(…) A formação de acto de deferimento tácito depende da existência de um pedido dirigido à prática de um acto administrativo a um órgão competente que tenha o dever legal de o decidir e que o não tenha feito durante um determinado lapso temporal, desde que a lei atribua a esse silêncio o significado jurídico de deferimento e que o mesmo não esteja afectado por vício gerador da sua nulidade. (…) Tendo a certidão comprovativa da verificação dos requisitos do destaque e do cumprimento das normas aplicáveis uma natureza verificativa-constitutiva, por definir uma situação jurídica, tendo o pedido da sua emissão sido dirigido ao órgão competente com o dever legal de decidir e sendo atribuído por lei ao silêncio administrativo o significado de deferimento tácito [cf. art.º 111.º, al. c), do RJUE], a procedência da requerida intimação judicial dependia de a situação de inércia em que se manteve o órgão administrativo se ter prolongado pelo lapso de tempo legalmente exigido e de o deferimento tácito não estar afectado por um vício gerador de nulidade.» (negritos e sublinhados nossos). Neste pressuposto, retomemos, pois, o caso em apreço. Resulta dos autos que foi proferido um ato expresso de rejeição liminar do pedido de emissão de certidão de destaque – cfr. alínea H) da matéria de facto – decisão essa que foi objeto de impugnação administrativa que não obteve resposta – cfr. alíneas I) e M) matéria de facto. Na impugnação administrativa que apresentou, a Recorrida requereu a anulação do despacho de rejeição liminar do seu pedido e que fosse ordenada a emissão da certidão de destaque peticionada – cfr. alínea I) da matéria de facto. Após, e assumindo o deferimento tácito de tal pretensão, por via do art. 114.º, n.º 2, do RJUE, dirigiu novo requerimento ao Recorrente através do qual solicitou a liquidação da taxa devida nos termos do art. 138.º da Tabela de Taxas do Município de Faro e a posterior emissão da certidão peticionada – cfr. alínea J) da matéria de facto.
Ao silêncio administrativo em sede de impugnações administrativas graciosas o RJUE atribui o efeito de deferimento tácito – cfr. art. 114.º, n.º 2 – sendo que, para o efeito, importa ter presente também que o silêncio administrativo no âmbito da emissão do ato primário que lhe está subjacente já permitia o deferimento tácito, ao abrigo de uma interpretação conjugada entre o citado n.º 2 do art. 114.º e o art. 111.º, al. c), ambos do RJUE. Neste pressuposto, e tendo presente que o ato secundário silente não pode dar mais do que o ato silente primário. Verificado que está o silêncio administrativo positivo, ao tribunal a quo competia – nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, supra citada e transcrita - averiguar se o deferimento tácito da pretensão da A., ora Recorrida, padecia de algum vício gerador de nulidade, circunstância em que não teria produzido, pois, quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade. Considerou, porém, o tribunal a quo que «não vindo concretamente imputada ao ato de deferimento uma nulidade e permitindo o PDM a construção resultante de destaque nos termos do artigo 50.°, n.° 4, com as condicionantes previstas no n.° 6, não há razões para recusar a intimação». Não é esse o nosso entendimento. Quanto aos vícios geradores de nulidade, o seu regime substantivo tem de prevalecer, estando o seu conhecimento oficioso, a todo o tempo e em qualquer fase do processo, em perfeita harmonia com a improdutividade jurídica dos atos nulos, para que o processo sirva o direito material - cfr. disposições conjugadas dos art. 162.º, n.º 2, do CPA e art.s 573.º, n.º 2, e 608.º, n.º 2, 2.ª parte, estes do CPC. A nulidade não se sana por não ser conhecida e poderá sempre ser invocada em novo processo, razões pelas quais não há aqui lugar a dizer que as partes se conformaram ou a invocar os princípios do dispositivo ou da preclusão.
Porém, no caso em apreço, os elementos do processo são poucos e não permitem ajuizar a verificação de eventuais nulidades, designadamente, por violação de normas constantes de planos municipais – cfr. n.º 8 do art. 6.º do RJUE - o que se compreende, tratando-se de um ato silente, o ato que está subjacente à pretensão da A., ora Recorrida, e sendo o ato primário um ato de rejeição liminar da pretensão em apreço. O ato silente secundário, tem em si um ato administrativo de verificação que, silente que é, não se materializou na emissão ou recusa da certidão para efeitos de registo – cfr. art 6.º do RJUE. E, como se disse supra, este silêncio representa o deferimento da pretensão – cfr. art.s 111.º, alínea c) e art. 114.º, n.º 2 do RJUE. Temos, portanto, no caso em apreço, a definição do direito do A., ora Recorrida, estabilizada e deferida, exceto se, conforme decorre da supra citada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, tal ato for nulo. Inexistindo nos autos os elementos necessários para que se possa aferir da (des)conformidade do pedido em apreço com o disposto no n.º 8 do art. 6.º do RJUE, e tendo presente que em caso de desconformidade, o deferimento tácito aqui em causa pode ser nulo, conclui-se que não está este tribunal de recurso habilitado a conhecer da existência de vícios geradores de nulidade do ato, mas também não pode secundar o entendimento vertido na decisão recorrida em intimar, sem mais, o Recorrente, a emitir a certidão pretendida, sem salvaguardar que, podendo a nulidade dos atos administrativos ser conhecida a todo o tempo e por qualquer entidade – cfr. supra citado art. 162.º, n.º 2, do CPA - tal declaração possa ser efetivada pelo Recorrente, sem violação do caso julgado.
Assim, imperioso se torna conceder parcial provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e condenar o Recorrente a emitir a certidão de destaque requerida, se a tal nenhuma causa de nulidade do ato de deferimento tácito obstar.
III. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, julgando em substituição, intimar o Recorrente a emitir a certidão de destaque requerida, se a tal nenhuma causa de nulidade do ato de deferimento tácito obstar.
Custas pelo Recorrente e pela Recorrida em partes iguais.
Lisboa, 18.03.2021. ____________________________ Dora Lucas Neto * A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., tem voto de conformidade com o presente acórdão, o Senhor Desembargador Pedro Nuno Figueiredo e vota vencido a Senhora Desembargadora Ana Cristina Lameira, conforme voto junto. Voto de vencido quanto ao entendimento que obteve vencimento por discordar, no essencial, no que concerne à solução de que o presente meio processual é o adequado para obter a tutela jurisdicional requerida. |