Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 743/14.1BELSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 10/09/2025 |
| Relator: | ILDA CÔCO |
| Sumário: | |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acórdão
I – Relatório AA e BB intentaram, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção administrativa especial contra o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a BBB, pedindo o seguinte: “A) Entendem os Autores que, em consonância com o acima exposto, deve ser anulada a decisão de indeferimento do CCC, proferida em 16-12-2013 pelo CCC, que está sob tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros Português, pelo Despacho..., que homologa o parecer que vem anexo ao mesmo e que indefere a pretensão dos Autores, nos termos do disposto no art. 46.º, n.º2 alínea a) do CPTA. Em consequência, e nos termos do disposto no art. 47.º, n.º2, alínea b) do CPTA, devem as Rés reconstituir a situação que existiria sem o acto inválido, para tanto: B. Devem as Rés ser condenadas no pagamento ao 1º Autor da quantia de €13.502,99 (treze mil quinhentos e dois euros e noventa e nove cêntimos), relativa aos complementos de pensão do ano de 2011 e ao desconto de contribuição extraordinária sobre a pensão e sobre o complemento de pensão, pago no ano de 2013. C. Devem as Rés ser condenadas no pagamento ao 2º Autor da quantia de €10.214,14 (dez mil duzentos e catorze euros e catorze cêntimos), relativa aos complementos de pensão do ano de 2011 e ao desconto de contribuição extraordinária de solidariedade sobre a pensão e sobre o complemento de pensão, pago no ano de 2013. D. Bem como, devem as Rés ser condenadas ao pagamento aos Autores de todas as quantias que a título de ... vierem a ser descontadas sobre as suas pensões e complementos de pensão, até decisão judicial de condenação e que se vierem a liquidar no presente processo”. Por decisão proferida em 12/02/2021, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou-se materialmente incompetente “para conhecer dos pedidos formulados pelos Autores referentes à incidência da Contribuição Extraordinária de Solidariedade sobre os seus rendimentos”, bem como julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção e, em consequência, absolveu as entidades demandadas da instância. Inconformados, os autores interpuseram recurso da sentença para este Tribunal Central Administrativo Sul, terminando as alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1. Impugna-se neste Recurso a decisão proferida pelo Despacho Saneador, que declarou a incompetência absoluta do Tribunal Administrativo e julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação. 2. Essa decisão incorre em erro de julgamento, porquanto partiu de premissas erradas: a. que se discute nos presentes autos os atos de liquidação ou a sujeição dos seus rendimentos à Contribuição Extraordinária de Solidariedade, e como tal, o Tribunal Administrativo não tem competência para apreciar esta matéria porquanto a pretensão formulada pelos Autores quanto à incidência da Contribuição Extraordinária de Solidariedade consubstancia uma questão fiscal, sendo que nos termos da subalínea i) da alínea a) do n.º 1 do artigo 49º do ETAF, o conhecimento das ações de impugnação de atos de liquidação de tributos, cabe aos Tribunais Tributários. b. quanto à procedência da exceção invocada pelos Recorridos relativa à caducidade do direito de ação dos Recorrentes relativamente ao pedido de condenação dos Recorridos no pagamento dos valores relativos aos complementos de pensão relativos ao ano de 2011 3. No que diz respeito à incompetência absoluta do Tribunal a quo o mesmo incorreu em erro, porquanto considerou que a questão a apreciar se prende com a liquidação da .... 4. Conforme resulta de forma clara na Petição Inicial e nos fundamentos alegados, a questão que os Recorrentes visam ver apreciada não se prende com a liquidação ou com a sujeição dos rendimentos dos Recorrentes à ..., 5. O que os recorrentes pretendem é ver impugnado um ato administrativo e obter o reconhecimento judicial de que as normas aplicadas pelas Entidades Recorrentes, não deveriam ter sido aplicadas ao caso concreto, por estes não serem sujeitos passivos das mesmas. 6. Com efeito, a norma prevista no artigo 78.º la Lei do Orçamento de Estado de 2013, não poderia ter sido aplicada pelas Entidades Recorridas uma vez que a situação dos Recorrentes não cabe na previsão normativa em questão. 7. Em síntese, é o ato administrativo que indeferiu a pretensão dos Recorrentes que se visa impugnar. 8. Ato esse que, fazendo tábua rasa da legislação aplicável nesta matéria, desconsiderando a equiparação do estatuto dos Recorrentes (Embaixadores Aposentados) ao estatuto de jubilados. 9. O que levou, consequentemente, à sujeição dos rendimentos auferidos pelos Recorrentes à .... 10. Violando-se, assim, os princípios da igualdade e da legalidade. 11. Assim, à luz da factualidade e do enquadramento alegado na Petição inicial, apenas poderá concluir-se pela anulação dos atos administrativos impugnados, em concreto, a decisão de indeferimento da pretensão dos Recorrentes proferida em 16/12/2013 pelo CCC. 12. Com a consequente reconstituição da situação que existiria caso tal ato inválido não tivesse sido praticado, nos termos permitidos no Art.º 47º n.º 2 alínea b) do CPTA. 13. Ora, é manifesto que o pedido formulado na presente ação se enquadra na jurisdição dos Tribunais Administrativos, nos termos previstos no art. 2.º, n.º 2, alíneas d), e) e f) do CPTA e ainda o art.º 4.º, n.º 1 alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que determina que compete aos Tribunais de jurisdição administrativa a “tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais”. 14. E, por conseguinte, o Tribunal Administrativo tem competência para apreciar a presente ação, devendo ser revogado o Despacho Saneador. 15. No que diz respeito à exceção de caducidade do direito de ação invocada pelo Recorrente Ministério dos Negócios Estrangeiros e julgada procedente, também incorreu o Tribunal a quo em erro. 16. De facto, resulta do Despacho Saneador que o Tribunal a quo partiu do pressuposto que o prazo começou a corre em 2011, esgotando-se o direito de ação nos 3 meses subsequentes ao da liquidação da .... 17. Sucede, porém, que a causa de pedir reporta-se à impugnação do Despacho..., proferido em 16 de Dezembro de 2013 e não ao ato de liquidação. 18. Esta decisão foi proferida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros na sequência do processo administrativo gracioso n.º ... apresentado pelos ora Recorrentes, que visava a atribuição de uma compensação, com base na LOE e ao abrigo do Protocolo CCC/AAA, pelas quantias deduzidas às pensões de aposentação, por força da aplicação ao caso concreto dos aqui Recorrentes da .... 19. Conforme oportunamente se referiu, o Sr. Embaixador AA, aqui Recorrente, foi notificado em sede de audiência prévia dos interessados da intenção do CCC indeferir o pedido formulado pelos Recorrentes e pelo Sr. Embaixador CC. 20. Na sequência dessa notificação, os Recorrentes apresentaram no dia 4 de Novembro de 2013 a sua resposta em sede de Audiência prévia. 21. A decisão final do processo administrativo gracioso foi proferida no dia 16 de Dezembro de 2013, pelo que os Recorrentes terão sido notificados, necessariamente, em data posterior. 22. É este ato administrativo que se vem impugnado através da presente Ação, sendo desde logo peticionada a consequente restituição da situação que existiria se o ato impugnado (invalido) não tivesse sido praticado. 23. Ora, nos termos do art. 58.º n.º 2 alínea b) do CPTA o direito de apresentação da presente ação caducava no prazo de 3 meses - por se tratar da impugnação de um ato administrativo anulável – a contar do momento da prática do ato, ou seja, com o Despacho que profere a decisão final do procedimento administrativo. 24. O referido prazo suspendeu-se em férias judiciais do Natal de 2013, i.e., entre os dias 22 de Dezembro de 2013 e 3 de Janeiro de 2014, conforme dispunha o n.º 2 e 3 do artigo 58.º (na redação em vigor à data dos factos), ao referir que à contagem desse prazo se aplicam as regras previstas no Código de Processo Civil, designadamente, a disposição vertida no artigo 138.º n.º 1 do mesmo diploma. 25. Atenta a factualidade descrita e a data de apresentação da petição inicial, em 28 de Março de 2014, dúvidas inexistem de que a presente Ação foi apresentada em tempo. 26. Pelo que, deverá ser julgada improcedente à exceção de caducidade do direito de ação invocada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e confirmada pelo Tribunal a quo que fez uma errada interpretação e aplicação das supra citadas disposições legais, desde logo por não ter reconhecido o ato que se visa impugnar. 27. Em suma, a interpretação perfilhada pelo Tribunal a quo colide com o disposto nas normas previstas no art. 2.º, n.º 2, alíneas d), e) e f) do CPTA e ainda o art.º 4.º, n.º 1 alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e ainda o n.º 2 e 3 do artigo 58.º (na redação em vigor à data dos factos) do CPTA e o 138.º n.º 1 do Código de Processo Civil. O Ministério dos Negócios Estrangeiros apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: A) Os Autores, ora Recorrentes, intentaram ação administrativa onde apresentaram o seguinte pedido: i. “(…) deve ser anulada a decisão de indeferimento do CCC, proferida em 16-12-2013 pelo CCC, que está sob a tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros Português, pelo Despacho ..., que homologa o parecer que vem anexo ao mesmo e que indefere a pretensão dos Autores, nos termos do disposto no art. 46.º n.º 2 alínea a) do CPTA. (…) ii. Devem as Rés ser condenadas ao pagamento ao 1º Autor da quantia de €13.502,99 (treze mil quinhentos e dois euros e noventa e nove cêntimos), relativa aos complementos de pensão do ano de 2011 e ao desconto de contribuição extraordinária de solidariedade sobre a pensão e sobre o complemento de pensão, pago no ano de 2013. iii. Devem as Rés ser condenadas no pagamento ao 2º Autor da quantia de €10.214,14 (dez mil duzentos e catorze euros e catorze cêntimos), relativa aos complementos de pensão do ano de 2011 e ao desconto de contribuição extraordinária de solidariedade sobre a pensão e sobre o complemento de pensão, pago no ano de 2013. iv. Bem como, devem as Rés ser condenadas ao pagamento aos Autores de todas as quantias que a título de ... vieram a ser descontadas sobre as suas pensões e complementos de pensão, até decisão judicial de condenação e que se vieram a liquidar no presente processo.” B. Por sentença de 12/2/2021 o Tribunal a quo veio decidir a sua incompetência em razão da matéria para conhecer dos pedidos sobre a incidência da Contribuição Extraordinária de Solidariedade e a intempestividade da ação quanto ao pedido dos valores de complemento de pensão de 2011, determinando em ambos os casos a absolvição das Entidades Demandadas, ora Recorridas, da instância. C. Os Autores, ora Recorrentes, entenderam recorrer para este Venerando Tribunal da sentença do Tribunal a quo, tendo apresentado as suas alegações de recurso. D. Face ao exposto, vem a Entidade Demandada, ora Recorrida, apresentar as suas contraalegações. E. Da análise das normas que no ETAF regulam a competência dos tribunais fiscais (artigo 49º, na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31/12), resulta que a competência dos tribunais fiscais ocorrerá quando o ato impugnado respeitar a uma questão fiscal, e que por “questão fiscal” deverá entender-se aquela que, de qualquer forma, imediata ou mediata, faça apelo à interpretação e aplicação de norma de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração ou à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos. F. No caso que aqui nos ocupa e como se constata da petição inicial e dos documentos juntos, o eixo axial da pretensão dos Autores, ora Recorrentes, consiste em determinar se “o desconto de contribuição extraordinária de solidariedade sobre a pensão e sobre o complemento de pensão, pago no ano de 2013”, padece de ilegalidade. G. Na verdade, os Autores, ora Recorrentes, vêm defender a não aplicabilidade do regime legal instituído no artigo 78.º da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2013 que instituiu a Contribuição Extraordinária de Solidariedade às pensões pagas pela ... e aos complementos de pensão pagos pela Entidade Demandada, ora Recorrida, AAA, impugnando os respetivos atos de liquidação (embora curiosamente não tenha interposto a ação dos autos contra a ...). H. A jurisprudência e a doutrina consideram a Contribuição Extraordinária de Solidariedade como um “encargo enquadrável no tertium genus das “demais contribuições financeiras a favor dos serviços públicos”, a que passou a fazer-se referência, a par dos impostos e das taxas, na alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º da Constituição”, desse modo se subsumindo no conceito de tributo previsto no n.º 2 do artigo 3.º da Lei Geral Tributária. I. Assim, sendo indiscutível que a Contribuição Extraordinária de Solidariedade é um tributo, a solução da questão a decidir pelo tribunal passa pela definição, interpretação e aplicação ao caso de normas de natureza fiscal, ou seja, a presente ação enquadra-se no conceito de litígio emergente das relações jurídicas fiscais, pelo que o presente conflito tem de ser decidido no sentido de ser atribuída ao tribunal tributário a competência para a sua resolução. J. Pelo que, podemos concluir que a competência material para apreciar a natureza da relação em conflito cabe ao Tribunal Tributário de Lisboa, nos termos do artigo 49.º n.º1 alínea a), subalínea i), do ETAF, na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, devendo as Entidades Demandadas, ora Recorridas, serem absolvidas da instância. K. Peticionam os Autores, ora Recorrentes, o pagamento do complemento de pensão de 2011, financiado pelo CCC e processado pela AAA, que ficou suspenso nesse ano. L. Foi comunicado aos Autores, ora Recorrentes, o despacho do Presidente da Direção da Entidade Demandada, ora Recorrida, BBB, datado de 8 de abril de 2011, onde se decide que: “(…) o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros entendeu não autorizar este ano a celebração do protocolo anual entre o CCC e a AAA, ao abrigo do qual vinham sendo disponibilizadas verbas pelo CCC para que a AAA procedesse à sua distribuição pelos beneficiários. Consequentemente, e até nova ordem, encontram-se suspensos os complementos de pensão de reforma ou de sobrevivência que vinham sendo pagos em anos anteriores.”. M. Não existindo nulidade o prazo de impugnação de três meses de eventual anulabilidade, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA, na sua redação originária, ocorreu ainda em 2011 (decorridos 90 dias da notificação do Despacho de 8 de abril de 2011), enquanto a presente ação foi interposta em 28/3/2014, pelo que se deve concluir que a ação é manifestamente intempestiva. N. Ainda que assim não se entendesse, sempre o prazo teria de contar-se a partir do momento em que seria suposto cada complemento de pensão mensal ter sido pago, o que deveria ter ocorrido dentro do ano de 2011, pelo que, dada a data em que a ação foi apresentada em Tribunal, deve-se também considerar que esta é intempestiva. O. Alegam os Autores, ora Recorrentes, para contrariar a intempestividade da sua ação que a causa de pedir reporta-se à impugnação do Despacho ..., proferido em 16 de dezembro de 2013. P. No entanto, como doutamente refere a sentença recorrida “Conferindo-se o conteúdo da decisão aqui sob impugnação constata-se que a mesma em momento algum se pronúncia ou sequer se refere ou versa sobre o pagamento de complementos de pensão” e continua explicando que não teria de o fazer, porque nada foi requerido no procedimento que lhe deu causa sobre tal assunto. Q. Portanto, não podem os Autores vir impugnar o Despacho supra recorrido como forma de tentarem alegar que neste procedimento pediram o pagamento das quantias de complemento de pensão relativas ao ano de 2011 que não lhes foram pagas, quando tal não aconteceu. R. Pelo que terá de concluir-se que o pedido dos Autores relativo aos complementos de pensão de 2011 é manifestamente improcedente por caducidade do direito de ação, consagrada na alínea h) do n.º 1 do artigo 89º do CPTA, na sua redação originária, exceção dilatória esta que obsta ao prosseguimento do processo e determinativa da absolvição da instância das Entidades Demandadas, ora Recorridas. * Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1, do CPTA, o Ministério Público não emitiu Parecer. * Com dispensa de vistos, nos termos do disposto no n.º4 do artigo 657.º do CPC, vem o processo à conferência para julgamento. * II – Questões a decidir Tendo em consideração que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, a questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, em virtude de o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ser materialmente competente para decidir a acção e não se verificar a excepção de caducidade do direito de acção. * III – Fundamentação 3.1 – De Facto Não foram fixados factos na sentença recorrida. * 3.2 – De Direito Na presente acção administrativa especial, os autores impugnam a decisão da Presidente do Conselho Directivo do CCC, de 16/12/2013, que indeferiu o pedido apresentado pelo 1.º autor, em 11/03/2013, dirigido à Secretaria Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a solicitar, em suma, que se informasse aquele Fundo e a BBB da não aplicação, no cálculo do complemento de pensão, da contribuição extraordinária de solidariedade e que lhe fosse creditado o montante daquela contribuição cobrado desde Janeiro de 2013 [cfr. documentos n.ºs 18 e 24 juntos com a petição inicial]. Pedem, além da anulação daquela decisão, e a título de reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, a condenação dos demandados a pagarem-lhes os complementos de pensão do ano de 2011, bem como os descontos da contribuição extraordinária de solidariedade sobre a pensão e o complemento de pensão pagos no ano de 2013. O Tribunal a quo julgou-se materialmente incompetente para conhecer “dos pedidos formulados pelos Autores referentes à incidência da Contribuição Extraordinária de Solidariedade sobre os seus rendimentos”, constando da sentença recorrida, designadamente, o seguinte: “(…) os Autores nos presentes autos vêm sustentar a não aplicabilidade da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (pelo menos a parte) [d]aos seus rendimentos de pensão e complemento de pensão. Afirmando que nos termos da lei tal contribuição não será aplicável aos seus rendimentos. Desse modo, evidencia-se claramente que os Autores vêm impugnar os actos de liquidação ou a sujeição dos seus rendimentos a tal tributo. Donde se impõe concluir que, desde logo, que a pretensão aqui formulada pelos Autores quanto à incidência da Contribuição Extraordinária de Solidariedade consubstancia uma questão fiscal, sendo que nos termos da subalínea i) da alínea a) do n.º1 do artigo 49º do ETAF, é da competência dos Tribunais Tributários o conhecimento das acções de impugnação de actos de liquidação de tributos. Consequentemente, estando o presente Tribunal enquadrado no Juízo Administrativo Social do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, o mesmo é absolutamente incompetente em razão da matéria para conhecer dos pedidos formulados pelos Autores referentes à incidência sobre os seus rendimentos da Contribuição Extraordinária de Solidariedade”. A competência dos tribunais administrativos encontra-se definida no artigo 44.º, n.º1, do ETAF, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º214-G/2015, de 2 de Outubro, em vigor à data em que foi proposta a presente acção, nos seguintes termos: “Compete aos tribunais administrativos de círculo conhecer, em primeira instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, não esteja reservada aos tribunais superiores”. A norma citada, que consagra em termos amplos a competência dos tribunais administrativos de círculo, tem de ser conjugada com o disposto no artigo 49.º do ETAF, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º214-G/2015, de 2 de Outubro, que estabelece a competência dos tribunais tributários. Assim, nos termos do artigo 49.º, n.º1, alínea a), subalíneas i) e iv), do referido Estatuto, “Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, compete aos tribunais tributários conhecer: a) Das acções de impugnação: (…) i) Dos actos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e parafiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses actos; (…) iv) Dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais”. Ora, o Tribunal a quo, para concluir pela sua incompetência material, partiu de um pressuposto que não se verifica, qual seja, o de que o objecto da presente acção são actos de liquidação de tributos, quando, como resulta claro do pedido formulado na petição inicial, o acto objecto da presente é uma decisão sobre o pedido apresentado pelo 1.º autor relativo à inaplicabilidade da contribuição extraordinária de solidariedade ao cálculo do complemento da sua pensão e consequente devolução do montante cobrado desde Janeiro de 2013. Acresce que, independentemente da natureza da contribuição extraordinária de solidariedade, a questão em causa nos presentes autos prende-se com o cálculo do complemento de pensão dos autores, ora recorrentes, não tendo subjacente uma relação jurídica fiscal, ou seja, uma relação estabelecida entre a administração tributária, agindo enquanto tal, e os autores, sendo certo, aliás, que, como resulta do disposto no artigo 78.º da Lei do Orçamento do Estado para 2013, a cobrança da contribuição extraordinária de solidariedade é efectuada pelas entidades processadoras das pensões, e não pela administração fiscal. Em suma, quanto a este último aspecto, não é a administração fiscal, mas as entidades processadoras das pensões que aplicam a norma do artigo 78.º da Lei do Orçamento do Estado para 2013, que define a incidência da contribuição extraordinária de solidariedade, sendo a administração fiscal alheia à relação jurídica que se estabelece entre os recorrentes e a entidade que processa o seu complemento de pensão no que se refere à aplicação daquela contribuição a este complemento. Não estamos, pois, perante uma acção de impugnação de actos de liquidação ou de actos respeitantes a questões fiscais, caso em que a competência pertenceria aos Tribunais Tributários, nos termos do artigo 49.º, n.º1, alínea a), subalíneas i) e iv), do ETAF, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º214-G/2015, de 2 de Outubro. Assim sendo, e atento o disposto no artigo 44.º, n.º1, do ETAF, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º214-G/2015, de 2 de Outubro, impõe-se concluir que a competência para decidir a presente acção pertence ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, pelo que se impõe revogar a decisão recorrida na parte em que o Tribunal se julgou materialmente incompetente para conhecer “dos pedidos formulados pelos Autores referentes à incidência da Contribuição Extraordinária de Solidariedade sobre os seus rendimentos”. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção, referindo, designadamente, o seguinte: “Ora, os Autores pelo presente processo vêm impugnar especificamente a decisão do CCC, proferida em 16/12/2013, constante do despacho .... A decisão impugnada pelos Autores referida no parágrafo supra consta como doc. 24 junto com a petição inicial a fls. 98 a 106 dos presentes autos. Conferindo-se o conteúdo da decisão aqui sob impugnação constata-se que a mesma em momento algum se pronúncia ou sequer se refere ou versa sobre o pagamento de complementos de pensão aos Autores referentes ao ano de 2011. (…) Donde, como evidente é, a decisão aqui sob impugnação não empreende (nem o teria que o fazer) qualquer regulação jurídica sobre o pagamento de complementos de pensão dos Autores relativos ao ano de 2011. Sendo que de doc. 6 junto pelos Autores na petição inicial – cfr. fls. 44 dos presentes autos – consta que a suspensão do pagamento do complemento de pensão relativo ao ano de 2011 lhes foi comunicado através de missiva datada de 08/04/2011. Do mesmo meio de prova retira-se que a decisão tomada foi de suspensão do pagamento dos complementos de reforma. Evidenciando-se de forma clara, do conteúdo dos artigos 5º a 14º da petição inicial, que os Autores tiveram conhecimento dessa suspensão logo no ano de 2011. Não sendo sequer alegado pelos Autores que tivessem apresentado qualquer tipo de impugnação administrativa cujo objecto fosse a suspensão dos pagamento dos complementes de reforma que aqui tratamos. Por fim, temos que a presente acção foi intentada em 28/03/2014. Como é sabido a caducidade do direito de acção é uma excepção dilatória típica consagrada na alínea h) do n.º 1 artigo 89º do CPTA. (…) Sendo que somos a concluir que, tendo em consideração que os Autores não imputam nenhum vício ao acto que determinou a suspensão do pagamento dos complementos de reforma, limitando-se a alegar que tinham direito à percepção de tais montantes, nem tal emerge dos elementos adquiridos pelos presentes autos, este acto que determinou a suspensão do pagamento dos complementos de reforma será meramente anulável. Desse modo, nos termos dos artigos 58º e 59º do CPTA o Autor dispunha do prazo de 3 meses para proceder à impugnação contenciosa desta decisão. Ora, tendo em consideração que os Autores tomaram conhecimento da mesma no ano de 2011 e a presente acção foi intentada em 28/03/2014, emerge claro que a presente acção foi intentada em momento em que já há muito se encontrava transcorrido o prazo de impugnação contenciosa da decisão que determinou a suspensão do pagamento do complemento de reforma relativo ao ano de 2011 aos Autores”. Atento o assim decidido, conclui-se que o Tribunal a quo, após ter concluído que o acto impugnado nos autos não se pronúncia sobre os complementos de pensão referentes ao ano de 2011, apreciou a excepção de caducidade do direito de acção tendo em consideração a decisão de suspensão do pagamento daqueles complementos de pensão, a qual, no entanto, não integra o objecto da presente acção. A caducidade do direito de acção afere-se em função do objecto da acção, ou seja, atendendo ao acto concretamente impugnado pelo autor, e não àquele que o Tribunal considera que deveria ter sido impugnado, pelo que, na situação dos autos, a excepção de caducidade do direito de acção deveria ter sido apreciada tendo em consideração que o objecto do pedido impugnatório é a decisão da Presidente do Conselho Directivo do CCC de 16/12/2013. Se, como refere o Tribunal a quo, aquela decisão não se pronúncia sobre os complementos de pensão referentes ao ano de 2011, a questão que se pode colocar, atento o pedido condenatório formulado pelos autores, ora recorrentes, é a de saber se o pagamento destes complementos de pensão cabe no âmbito da reconstituição da situação que existiria se aquela decisão não tivesse sido proferida, o que se prende com o mérito da pretensão dos recorrentes. Nesta medida, atendendo a que a excepção foi apreciada tendo em consideração um acto que não integra o objecto da acção, e não, como deveria, o acto concretamente impugnado, não se pode manter a decisão do Tribunal a quo sobre a excepção de caducidade do direito de acção. Ora, à data em que foi proposta a presente acção – 28/03/2014 –, tinham decorrido 89 dias desde o dia seguinte àquele em que foi proferida a decisão impugnada, pelo que, e considerando que o prazo para a propositura da acção esteve suspenso durante as férias judiciais do Natal [artigo 138.º, n.ºs 1 e 4, do CPC, aplicável por remissão do artigo 58.º, n.º3, do CPTA, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º214-G/2015, de 2 de Outubro], ou seja, entre 22/12/2013 e 03/01/2014, impõe-se concluir que, naquela data, ainda não tinha decorrido o prazo de 3 meses previsto no artigo 69.º, n.º2, do CPTA, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º214G/2015, de 2 de Outubro, improcedendo, assim, a excepção de caducidade do direito de acção. Atento o exposto, cumpre conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa para prosseguirem os seus normais termos. * IV – Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes da Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em: i. conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida; ii. julgar improcedentes as excepções de incompetência material do Tribunal e de caducidade do direito de acção; iii. determinar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa para prosseguirem os seus termos. Custas pelas entidades demandadas/recorridas em ambas as instâncias. * Lisboa, 09/10/2025 Ilda Côco Teresa Caiado Luís Borges Freitas |