Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:4/06.0BEFUN-A
Secção:CT
Data do Acordão:03/12/2025
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:RECURSO DE REVISÃO
TEMPESTIVIDADE.
Sumário:I. O recurso de revisão é um recurso extraordinário, que permite seja questionada uma decisão transitada em julgado (decisão revidenda) e que visa combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto.
II. No âmbito do contencioso tributário, o recurso de revisão deve ser apresentado no prazo de 30 dias de acordo com o art. 293º do CPPT, contado nos termos das três alíneas do art.º 697.º, n.º 2, do CPC, e dentro do prazo de quatro anos a contar do trânsito em julgado da decisão revidenda.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO


M… vem apresentar recurso extraordinário de revisão do Acórdão transitado em julgado relativo ao processo de execução fiscal nº 2810200501110306 proferido pelo TCA Sul em 05/03/2020 face ao Acórdão proferido pelo TCA Sul com referência ao processo nº 154/15.1BEFUN, pedindo seja revista e anulada a decisão proferida em 5 de março de 2020, declarando-se a nulidade das liquidações de IMI relativas aos anos de 2001 e 2002.

A Recorrente, nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:

“1. O presente recurso tem por objeto a revisão da decisão sub judice, que se destina a ter efeitos concretos ao caso em análise e não de índole abstrata e universal, porque incide sobre o mesmo objeto - imóvel -, sobre o mesmo sujeito passivo e sobre a mesma questão: a falta de notificação da primeira avaliação patrimonial ao sujeito passivo.
2. Respeitosamente entende-se que é primordial atender à presente revisão extraordinária em ordem à prevalência da justiça sobre o primado da segurança jurídica que, à parte do trânsito em julgado, não ocorre no caso sub judice.
3. Assim, a priori já existe uma situação de incerteza jurídica, porquanto, o TCAS, no âmbito do processo n.° 154/15.1BEFUN, que corresponde ao documento subjacente como prova do sujeito passivo que determina a reanálise dos presentes autos, concluiu que efectivamente há uma omissão de notificação da primeira avaliação patrimonial do imóvel.
4. Esta decisão circunscreve-se somente à impugnação judicial da liquidação do IMI de 2013, contudo, o facto é comum e transcendente a todas as liquidações de IMI entre 2001 e 2012: a inexistência de notificação da avaliação patrimonial que conferisse à Recorrente sujeito passivo avaliar e acionar a necessária segunda avaliação patrimonial.
5. Ora, incluindo o acórdão recorrido nestes autos, todos os demais pronunciaram-se de igual modo: erro na forma do processo porque a liquidação do imposto apenas pode ser atendível se precedida do pedido de segunda avaliação.
6. A Recorrente/sujeito passivo nunca pôde fazer prova da inexistência de notificação, era um ónus que competia à AT/Fazenda Pública, tendo o douto Tribunal entendido que o print informático com informação genérica introduzida pela AT no sistema de que a notificação foi remetida (sem qualquer prova de que foi efectivamente recebida) era suficiente...
7. Perante duplas conformes, nada havia que a Recorrente/sujeito passivo pudesse interceder, tendo até solicitado a revisão extraordinária do acto tributário junto da AT-RAM, que foi indeferido e desconsiderado igualmente pela primeira instância em sede de contencioso;
8. Assim, o presente recurso extraordinário tem por fundamento um erro de julgamento, o qual é demonstrado pelo acórdão que constitui uma prova efectiva e transitada à Recorrente/sujeito passivo, de que há uma omissão da notificação da primeira avaliação patrimonial do imóvel, que é extensível aos presentes autos.
9. A ausência de notificação, reconhecida no acórdão de 2024 (processo n.° 154/15.1BEFUN), constitui uma preterição de formalidade essencial que compromete a validade de todas as liquidações subsequentes, incluindo as referentes aos anos em causa.
10. A AT não apresentou prova válida de notificação, tendo-se limitado a alegar registos informáticos insuficientes como prova, contrariando jurisprudência consolidada que exige comprovação efetiva da notificação.
11. A questão tem relevância jurídica e social fundamental, pois envolve direitos essenciais do contribuinte, como o direito ao contraditório e à informação, e exige a uniformização da solução jurídica aplicável ao caso em concreto para garantir a segurança jurídica e a legalidade na atuação da Administração Tributária perante a Recorrente/sujeito passivo.
12. Não se trata de uma questão de uniformização de jurisprudência porque, salvo melhor entendimento, não tem uma aplicação de carácter geral e abstrato, mas sim, de aplicação concreta aos presentes autos, derivada de um erro de julgamento e apreciação dos elementos que posteriormente a Recorrente submeteu aos autos, não obstante o ónus da prova incumbir à AT-RAM;
13. Face ao exposto, é imprescindível a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para corrigir a desigualdade e garantir a coerência jurisprudencial ao sujeito passivo, promovendo a justiça tributária e restabelecendo o equilíbrio entre a Fazenda Pública e os contribuintes.
Pelos fundamentos expostos, requer-se ao Supremo Tribunal Administrativo que:
1. Seja admitido o presente recurso extraordinário de revisão, nos termos do artigo 696.°, alíneas c) e e) do CPC e 285.° do CPPT;
2. Reveja e anule a decisão proferida em 5 de março de 2020, declarando a nulidade das liquidações de IMI relativas aos anos de 2001 e 2002;
3. Determine a harmonização das decisões, reconhecendo que a falta de notificação da primeira avaliação patrimonial é um vício insanável que invalida as liquidações tributárias sobre o objeto do presente processo e sujeito passivo.
Só assim se fazendo JUSTIÇA.”.

* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer nos autos.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa antes de mais decidir da admissão do presente recurso extraordinário de revisão.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Por se revelarem relevantes para a decisão e porque provados documentalmente nos presentes autos, nos termos do art. 662º, nº 1 do CPC aplicável ex vi do art. 281º do CPPT, fixam-se os seguintes factos:

1.Em 05/03/2020 foi proferido Acórdão por este TCA Sul nos termos do qual foi negado provimento ao recurso interposto pela ora Recorrente e, em consequência, manteve a decisão de improcedência da oposição à execução fiscal 2810200501110306 com referência às liquidações de contribuição autárquica de 2001 e 2004, acórdão transitado em julgado (como consta do doc. nº003792587 05-03-2020 14:31:32fls. – numeração SITAF do processo 4/06.0BEFUN).

2. Em 10/10/2024 foi proferido Acórdão por este TCA Sul no âmbito do processo de impugnação judicial nº 154/15.1BEFUN, que concedeu provimento ao recurso interposto pela ora Recorrente e julgou procedente a impugnação judicial anulando a liquidação de IMI de 2013 (cfr. doc. nº 005387788 10-10-2024 10:40:35, numeração SITAF)

3. Em 13/12/2024 deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal o requerimento de recurso de revisão apresentado pela ora Recorrente invocando o disposto no art. 281º e 285º do CPPT e art. 696 e ss do CPC, tendo formulado conclusões (cfr. doc. nº 005505828 23-01-2025 10:43:37 numeração SITAF dos presentes autos).


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Nos presentes autos importa desde logo analisar a tempestividade do presente recurso extraordinário de revisão.

Vejamos então.


O recurso de revisão é um recurso extraordinário que visa impugnar uma decisão transitada em julgado mediante fundamentos taxativamente indicados na lei. E, nos processos tributários regula-se pelo regime previsto no art. 293º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

O art. 293º do CPPT na redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, consagra sob a epígrafe “Revisão de sentença” o seguinte:
“1 - A decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão, com qualquer dos fundamentos previstos no Código de Processo Civil, no prazo de quatro anos, correndo o respetivo processo por apenso ao processo em que a decisão foi proferida.
2 - (Revogado.)
3 - O requerimento da revisão é apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, no prazo de 30 dias a contar dos factos referidos no número anterior, juntamente com a documentação necessária.
4 - Se a revisão for requerida pelo Ministério Público, o prazo de apresentação do requerimento referido no número anterior é de três meses.
5 - Salvo no que vem previsto no presente artigo, a revisão segue os termos do processo em que foi proferida a decisão revidenda.”.

O nº 1 do transcrito 293º do CPPT, remete diretamente para o regime do CPC, pelo que, nos termos do art.º 696.º do CPC:
A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;
b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;
e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;
f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;
g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.
h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte”.

O recurso de revisão deve ser apresentado no prazo de 30 dias (cfr. art.º 293.º, n.º 3, do CPPT) e dentro do prazo de quatro anos a contar do trânsito em julgado da decisão revidenda (cfr. art.º 293.º, n.º 1, do CPPT), no tribunal que proferiu tal decisão (cfr. art.º 697.º, n.º 1, do CPC).

O mencionado prazo de 30 dias é contado nos termos das três alíneas do art.º 697.º, n.º 2, do CPC, a saber:
a) No caso da alínea a) do artigo 696.º, do trânsito em julgado da sentença em que se funda a revisão;
b) No caso das alíneas f) e h) do artigo 696.º, desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva ou transitou em julgado;
c) Nos outros casos, desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.

E quanto aos prazos acima mencionados, veja-se o Acórdão do STA de 26/11/2014 no proc. 1753/13-30 ao enunciar que “Os prazos de dedução do recurso de revisão a que alude o artigo 293.º do CPPT, configuram-se como prazos peremptórios de caducidade, substantivos, cuja contagem obedece ao disposto nos artigos 279.º, 328.º e 331.º, todos do Código Civil, não se suspendendo, por isso, durante as férias judiciais”.

No caso em apreço resultou provado que o requerimento de recurso de revisão foi apresentado em 13/12/2024 com referência ao Acórdão proferido por este Tribunal em 05/03/2020, transitado em julgado, e tendo sido invocado a existência do Acórdão também deste TCA proferido no processo nº 154/15.1BEFUN em 10/10/2024 igualmente transitado em julgado.

Vejamos então a tempestividade do presente recurso de revisão.

No requerimento de recurso de revisão é invocado como fundamento o disposto no art. 696º, nº 1, alínea c) do CPC, a saber:
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida” que in casu é o Acórdão proferido em 10/10/2024 no processo 154/15.1BEFUN.

E o prazo de 30 dias previsto no art. 293º do CPPT é contado desde que a Recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão (cfr. alínea c) do nº 2 do art. 697º do CPC), in casu, a partir da notificação do mencionado Acórdão, que ocorreu em 14/10/2024. Ora tendo o recurso de revisão sido apresentado em 13/12/2024, o prazo de 30 dias encontra-se ultrapassado, encontrando-se igualmente ultrapassado o prazo de 4 anos em relação à decisão revidenda.

Desta forma conclui-se ser intempestivo o presente recurso extraordinário de revisão, pelo que deve ser rejeitado.

V- DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em rejeitar o presente recurso de revisão por manifesta intempestividade.

Custas a cargo da Recorrente.
Lisboa, 12 de março de 2025
Luisa Soares
Filipe Carvalho das Neves
Susana Barreto