Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3153/22.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/29/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Sumário:I - O artigo 3.º/1 do novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, estabelece dois limites: um limite máximo global e um limite máximo mensal.
II - Relativamente ao limite máximo global, o mesmo fixa-se em seis meses de retribuição auferida pelo trabalhador.
III - No entanto, e previamente, há que atender ao limite máximo mensal, que corresponde ao triplo da retribuição mínima mensal garantida.
IV - O que significa que, nos casos em que o trabalhador aufere uma remuneração mensal superior ao triplo da retribuição mínima mensal garantida, o valor a considerar será o correspondente a esse triplo; multiplicando-o por seis encontraremos o valor correspondente ao limite máximo global.
V - Com o referido regime o legislador pretendeu atribuir seis meses de retribuição a todos os trabalhadores que possam beneficiar do regime de proteção em causa; no entanto, estabeleceu um travão, nos termos do qual apenas se considera a retribuição mensal na parte que não exceda o triplo da retribuição mínima mensal garantida.
VI - Constando da declaração emitida pelo administrador da insolvência a existência de um crédito relativo à indemnização por cessação do contrato de trabalho com justa causa, o Fundo de Garantia Salarial não poderá recusar o seu pagamento com fundamento no facto de não ter existido sentença laboral que o tenha reconhecido.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
R......., N....... e N.......intentaram, em 14.10.2022, ação administrativa contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, pedindo a anulação dos atos que indeferiram «o pagamento de valores correspondentes à compensação devida pelo despedimento com justa causa, férias, subsídios e proporcionais, devendo esta, em consequência, ser condenada a pagar aos autores os seguintes montantes: a) R....... - € 8.790,00, acrescido de juros legais à taxa em vigor a contar da citação; b) N....... € 10.695,00, acrescido de juros legais à taxa em vigor a contar da citação; c) N.......€10.785,00, acrescido de juros legais à taxa em vigor a contar da citação».
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Por sentença proferida em 31.12.2023 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra decidiu:

«- condena[r] o Demandado a pagar ao Primeiro Autor €21.000 de créditos laborais, melhor identificados no ponto 7) do probatório, antes de deduzidos os valores impostos pelo artigo 2.º, n.º 2 do Regime do Fundo de Garantia Salarial, e os que entretanto foram já pagos;
- condena[r] o Demandado a pagar juros de mora ao Primeiro Autor sobre o valor supra referido, desde a citação, até integral pagamento.
- absolve[r] o Demandado quanto aos demais pedidos».
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Inconformado, o Fundo de Garantia Salarial interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1. O presente recurso vem interposto da sentença, que julgou a ação administrativa parcialmente procedente, e, em consequência, condenou o ora recorrente Fundo de Garantia Salarial a pagar, nomeadamente, ao A. R......., o montante de € 21.000,00, a título de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, ao serviço de L......., SA., assegurando o pagamento dos créditos com os limites e as deduções previstas no artigo 2.° n.° 2 do regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21 de abril e, tendo em consideração o montante de € 3.900,00 já pago ao A. R......., acrescido dos juros de mora sobre o valor líquido apurado, desde a data da citação, até integral pagamento.
2. O seu âmbito objetivo cinge-se à questão de saber se existia base legal para o Fundo de Garantia Salarial, ora recorrente, deferir parcialmente o requerimento apresentado pelo A. R......., para pagamento dos créditos salariais por si requeridos, no montante de € 31.997,12, emergentes da cessação do contrato de trabalho ao serviço de L......., S.A.
3. Salvo o devido respeito pela opinião sufragada pela decisão proferida, entende o recorrente, que a sentença em apreço, contraria os pressupostos legais estabelecidos no artigo 3.° n.° 1 do Dec. Lei n.° 59/2015, de 21 de abril e artigos 394.° e 396.° da Lei n.° 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou o Código do Trabalho.
4. Existe base legal para o recorrente Fundo de Garantia Salarial, recusar o peticionado pelo A. R......., com fundamento do valor requerido a título de indemnização, por rescisão por justa causa por iniciativa do trabalhador, não ser atribuído, porque a justa causa não basta ser alegada, tem que ser comprovada judicialmente, pelo que, não existindo sentença a reconhecê-la não poderá ser o Fundo de Garantia Salarial a determinar qual o montante da indemnização, bem como, os créditos por si requeridos, ultrapassarem o plafond legal, no seu limite mensal, que não pode exceder por cada mês o triplo da retribuição mínima mensal garantida, conforme estabelecido nos termos do n.° 1, do artigo 3.° do Dec. Lei n.° 59/2015, de 21 de abril.
5. O artigo 336.° da Lei n.° 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho, estabelece que: "A garantia do pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil é assumida e suportada pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica."
6. O referido preceito legal encontra-se regulamentado pelo artigo 1.° n.° 1, alínea a) do Dec. Lei n.° 59/2015, de 21 de abril, o qual prescreve que: "o Fundo de Garantia Salarial (.......) assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou da sua cessação, desde que seja proferida sentença de declaração de insolvência do empregador".
7. Em 07.04.2021, foi instaurado o processo de insolvência da entidade L......., S.A., o qual, correu os seus termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Comércio de Sintra - Juiz 5, sob o n.° 5084/21.5 T8SNT', sendo que, em 13.08.2021, foi proferida a sentença que declarou a insolvência (cf. pontos 10 e 11 dos factos provados).
8. O A. R......., entregou o requerimento para pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho em 11.05.2022, sendo que, a cessação do referido contrato com justa causa (salários em atraso) ocorreu em 22.03.2021 (cf. pontos 5 e 13 dos factos provados), sendo esta mesma data, que determina o vencimento dos créditos.
9. Foi atribuído pelo ora recorrente, o valor de € 3.900,00, montante correspondente à retribuição paga ao A. R....... relativa ao mês de outubro de 2020 e proporcionais de subsídio de férias e natal e férias não gozadas (cf. ponto 16 dos factos provados).
10. Ora, a sentença recorrida considerou que, os valores de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal e proporcionais, sempre haveriam de decorrer da cessação do contrato de trabalho, pelo que, deveriam ser reconhecidos como devidos ao A. R......., uma vez que, o limite máximo global não foi atingido pelos créditos laborais dos seis meses anteriores ao requerimento de insolvência do empregador, e, em consequência, seriam de reconhecer todos os créditos que se encontrassem abrangidos pelo Regime do Fundo de Garantia Salarial, até àquele máximo global, que em concreto, quanto ao A. R....... é de € 21.000,00.
11. Salvo o devido respeito e melhor opinião, o valor requerido a título de despesas pelo A. R........, bem como, os valores por si requeridos a título de indemnização devida pelo despedimento por justa causa, não poderão ser atribuídos, uma vez que, a justa causa não basta ser alegada, tem que ser comprovada judicialmente através da instauração da respetiva ação laboral.
12. Efetivamente, no que respeita aos créditos requeridos a título de indemnização, cumpre referir que, quando a resolução do contrato de trabalho ocorre por iniciativa do trabalhador, alegando justa causa, este crédito só é devido em situações de despedimento ilícito, o qual, apenas pode ser declarado em ação laboral interposta pelo trabalhador nos termos previstos no Código do Trabalho.
13. Assim, não tendo sido instaurada a respetiva ação judicial, em consequência, o ora recorrente Fundo de Garantia Salarial, não pode aferir a eventual justa causa, nem tão pouco, propor qualquer valor indemnizatório, sendo que, tal competência pertence ao Tribunal de Trabalho.
14. Na verdade, o n.° 4 do artigo 394.° da Lei n.° 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho, diz-nos que a justa causa deve ser apreciada nos termos do n.° 3 do artigo 351.°, com as necessárias adaptações, pelo que, na apreciação da justa causa, cabe ao tribunal de trabalho atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que se mostrem relevantes.
15. Por outro lado, uma vez que, a indemnização prevista no artigo 396.° do Código de Trabalho, deve ser determinada entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo-se nesse cômputo, não só ao valor da retribuição, mas também ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, tal significa, que a mesma não é líquida no momento em que é operada a cessação do contrato.
16. Salvo melhor entendimento, a indemnização devida ao trabalhador quando este opere a cessação do contrato de trabalho com fundamento em justa causa, nos termos do artigo 396.° do Código de Trabalho, não se vence na data da cessação do contrato, mas apenas quando for fixado judicialmente o seu exato valor.
17. A este propósito, cita-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12.02.2015 (Processo n.° 11542/14), in www.dgsi.pt e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 10.03.2023 (Processo n.° 00140/20.0 BEM DL), in www.dgsi.pt.
18. O pagamento dos créditos abrangidos pelo período de referência encontra-se sujeito ao limite máximo previsto no artigo 3.° n.° 1 do Dec. Lei n.° 59/2015, de 21 de abril, o qual, preceitua que: "O Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.° 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida".
19. O artigo 3.° n.° 1 do Decreto-lei n.° 59/2015, estabelece um duplo limite aos montantes pagos pelo ora recorrente Fundo de Garantia Salarial, ou seja, um limite mensal e um limite global: a quantia global paga é a correspondente a 6 (seis) salários mensais, sendo que, o valor máximo mensal não pode exceder 3 (três) vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida.
20. Efetivamente, foi objetivo do legislador estabelecer um limite máximo mensal e, um outro global, para evitar que trabalhadores que auferissem retribuições mensais muito altas, venham depois reclamar ao ora recorrente, valores considerados absurdos.
21. Face ao exposto, o ora recorrente Fundo de Garantia Salarial só estava obrigado ao pagamento dos créditos laborais até 6 meses do valor da retribuição mensal efetivamente auferida pelo trabalhador à data da cessação do contrato, sendo que, o valor desta retribuição mensal nunca poderá ser superior a 3 (três) vezes o valor da retribuição mínima legal garantida em vigor na mesma data.
22. Neste sentido, o A. R......., teria direito a receber do ora recorrente Fundo de Garantia Salarial, 6 (seis) vezes a remuneração mensal que recebia, sendo que, apenas lhe podia ser considerado um valor mensal de retribuição que não fosse superior a 3 (três) vezes a retribuição mínima garantida.
23. Ou seja, a segunda parte do artigo 3.° n.° 1 do Dec. Lei n.° 59/2015, não tem uma aplicação geral, sendo que, conforme resulta da própria letra da lei, inequivocamente, apenas se aplica aos casos em que o trabalhador aufira uma retribuição mensal superior a 3 (três) vezes a retribuição mínima garantida, sendo que, o valor global a pagar é 18 (dezoito) vezes a remuneração mínima garantida, face à redução imposta pela segunda parte do artigo 3.° n.° 1 do Dec. Lei n.° 59/2015.
24. No caso dos autos, o A. R....... iniciou em 11.09.2016 o seu contrato de trabalho com a entidade L......., S.A., tendo o mesmo cessado em 22.03.2021 e auferia uma remuneração ilíquida de € 3.500,00 (cf. pontos 1, 2 e 5 dos factos provados).
25. Assim, atendendo ao disposto no artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 109-A/2020, de 31 de dezembro, o qual, estabelece o seguinte: "O valor da retribuição mínima mensal garantida a que se refere o n.° 1 do artigo 273.° do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de Fevereiro, é fixado em 665,00 €", resulta pois, que relativamente ao ano de 2021, o limite mensal das quantias a assegurar pelo Fundo de Garantia Salarial fixou-se em € 1.995,00 e o limite global em € 11.970,00 (€ 665,00 x 18).
26. Face ao exposto, o valor da remuneração mensal a considerar para efeito de cálculo dos créditos salariais a que o A. R....... teria direito relativamente ao ano de 2021, era de € 1.995,00 (€ 665,00 x 3).
27. Por sua vez, o montante máximo a pagar pelo ora recorrente Fundo de Garantia Salarial, a título de créditos de retribuição emergentes de contrato de trabalho, relativamente ao ano de 2021, seria de € 11.970,00 (€ 665,00€ x 3 = € 1.995,00 x 6 meses = € 11.970,00).
28. O ora recorrente Fundo de Garantia Salarial ao fixar como montante máximo de pagamento de créditos salariais a quantia atribuída em sede procedimental, limitou-se a exercer os poderes vinculados que resultam do disposto no artigo 3.° n.° 1 do Dec. Lei n.° 59/2015, concluindo-se que, uma outra atuação da sua parte, seria apta a ofender os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade, enquanto ordenadores da atividade administrativa.
29. Em respeito pelo princípio da legalidade, outra não poderia ser a decisão do ora recorrente Fundo de Garantia Salarial, consubstanciada no não pagamento dos créditos requeridos pelo A. R........
30. A propósito desta matéria, cita-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 29.11.2019, proferido no processo n.° 00865/16.4BEPRT, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 19.03.2021, proferido no processo n.° 00672/19.2BEBRG, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 09.04.2021, proferido no processo n.° 00499/18.9BEBRG, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24.03.2023, proferido no processo n.° 00380/17.9BEPNF, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 21.04.2023, proferido no processo n.° 00673/19.0BEBRG, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17.11.2023, proferido no processo n.° 00618/20.5BEBRG, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
31. Assim, a sentença recorrida proferida pelo Tribunal "a quo" na parte em que condenou o ora recorrente Fundo de Garantia Salarial a pagar, nomeadamente, ao A. R......., o montante de € 21.000,00, a título de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, acrescido dos juros de mora sobre o valor líquido apurado, desde a data da citação, até integral pagamento, deve assim, ser revogada por errada interpretação da lei aplicável ao caso dos autos, nomeadamente, o artigo 3.° n.° 1 do Dec. Lei n.° 59/2015, de 21 de abril e artigos 394.° e 396.° da Lei n.° 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou o Código do Trabalho.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença ora recorrida, na parte em que condenou o ora recorrente Fundo de Garantia Salarial a pagar, nomeadamente, ao A. R......., o montante de € 21.000,00, a título de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, acrescido dos juros de mora sobre o valor líquido apurado, desde a data da citação, até integral pagamento, devendo ser considerado válido e eficaz, o despacho de deferimento parcial proferido pela Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, com todas as legais consequências, assim se fazendo por VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objetiva JUSTIÇA.
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O Recorrido (R…) apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

a. O recorrido resolveu o seu contrato de trabalho com justa causa, nos termos do art. 394º, nº1, nº2, a) e nº5 do Código de Trabalho, por falta de pagamento de retribuições por período muito superior a 60 dias;
b. Por decisão proferida no Proc. nº5084/21.5T8SNT, que correu termos na Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Comércio de Sintra - Juiz 5, foi entidade patronal do recorrido declarada insolvente, conforme documento junto aos autos com o nº2;
c. Tendo o Tribunal concluído na decisão que decretou a insolvência, em sede de matéria dada como assente, que:
“H) A requerida encerrou as suas instalações, sitas na morada da sua sede social e mantém-se sem atividade desde abril de 2020, tendo retirado das mesmas os bens e equipamentos e instrumentos de trabalho que nelas se encontravam, deixando-as devolutas e sem condições para o exercício da sua atividade comercial;
I) A requerida encontra-se em dívida para com os seus trabalhadores, relativamente a salários em falta desde julho de 2020 inclusive, e outros valores decorrentes da relação laboral e da cessação dos contratos de trabalho.(negrito e sublinhado nossos);
d. Na sequência de declaração de insolvência o recorrido formulou a competente reclamação de créditos junto daquele processo de insolvência, reclamando um crédito no valor total de € 31.997,12, conforme documento junto aos autos com o nº5, assim discriminado:



e. Por requerimento apresentado em 05-04-2022 junto do processo de insolvência, o Administrador de Insolvência nomeado naqueles autos juntou aos mesmos a relação de créditos reconhecidos, na qual consta o crédito do recorrido, conforme documento junto aos autos com o nº8;
f. A relação de créditos reconhecidos não foi impugnada, tendo o crédito dos autores sido definitivamente reconhecidos em sede de processo judicial de insolvência, como oportunamente alegado em sede de PI.
g. Nos termos do art. 394º, nº1 e nº2, a) do Código de Trabalho, constitui justa causa para resolução do contrato a falta de pagamento de retribuições por período superior a 60 dias;
h. Presumindo-se desde logo “culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo”, conforme o estabelecido no nº5 da mesma disposição legal;

i. A falta de pagamento de vencimento por período superior a 60 dias constitui uma justa causa objectiva para denúncia do contrato pelo trabalhador, que tem a seu favor a presunção de culpa do empregador, pelo que, não carece o trabalhador de provar a mesma, designadamente com recurso a instauração de acção judicial para reconhecimento de justa causa no despedimento;
j. Principalmente quando a causa do despedimento e valor de créditos laborais são reconhecidas por sentença judicial em processo de insolvência, como sucedeu no caso em apreço;
k. Como é entendimento pacífico da nossa jurisprudência, de que é exemplo Ac. TCAN, Proc. nº01162/18.6BEAVR, de 22-01-2021, disponível em www.dgsi.pt, que “I- Verificando-se que os créditos salariais relativos à indemnização por despedimento ilícito e retribuições foram homologados por sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos de insolvência da entidade empregadora, não podia o FGS, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, substituir-se ao decidido em ação de Insolvência, uma vez que tal extravasa o exercício da função administrativa e inclusivamente, do caso julgado que cobre o decidido, em definitivo, na sentença de verificação e graduação de créditos proferida.”.
l. Bem andou o Tribunal a quo em condenar o recorrente no pagamento ao recorrido dos valores correspondentes aos créditos laborais vencidos, os quais se encontram corretamente apurados pelo Tribunal a quo.

Pelo exposto, deve a presente resposta ser admitida e procedente por provada, confirmando-se integralmente a decisão recorrida e, assim, se fazendo JUSTIÇA.

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Os Autores N........ e S........ também interpuseram recurso da sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

a. Errou o Tribunal a quo na apreciação que fez da matéria de facto ao dar como não provado que “O Segundo e Terceiro Autores fizeram cessar os seus contratos laborais por resolução com justa causa por retribuições em mora”;
b. Considerando que sobre “o facto não provado e o momento em que se resolveu o contrato de trabalho dos Segundo e Terceiro Autores, contribuiu para a formação da convicção do Tribunal a falta de comunicação da cessação dos contratos laborais ao Instituto da Segurança Social, I.P., como o foi a cessação do Primeiro Autor. Ademais, a mera missiva do Terceiro Autor, sem demonstração de entrega não foi apta a afastar a convicção formada, até porque nesta, aparte do assunto, não é manifestada inequivocamente a intenção de resolução”;
c. Errou também ao considerar no ponto 6) in fine da matéria dada como assente que a relação laboral dos recorrentes “(…) cessou em momento que não foi possível determinar (processo administrativo, a fls. 183 a 245)”;
d. Tal entendimento contraria o facto dado como assente no ponto 12) da matéria de facto dada como provada, segundo o qual “Em 28.04.2022, o administrador de insolvência da sociedade L........, S.A., reconheceu serem devidas aos Autores as quantias referidas nos pontos 7), 8) e 9) e reconheceu ainda ser devido ao Segundo Autor €6.792,50 a título de compensação por denúncia do contrato de trabalho com justa causa, e, ao Terceiro Autor €9.000 a título de compensação por denúncia do contrato de trabalho com justa causa (processo administrativo, a fls. 183 a 241)”;
e. O Tribunal a quo desconsidera em absoluto a confissão da ré, constante no art. 11º da sua contestação, confissão que se aceita para não mais ser retirada, segundo a qual o contrato de trabalho dos recorrentes N........ e S........ cessaram, respetivamente, em 22.03.2021 e 19.10.2020;
f. Bem como não considera o documento junto à PI com o nº1, do qual resulta que a decisão judicial que decretou a insolvência deu como provado que: I) A requerida encontra-se em dívida para com os seus trabalhadores, relativamente a salários em falta desde julho de 2020 inclusive, e outros valores decorrentes da relação laboral e da cessação dos contratos de trabalho.” (negrito e sublinhado nossos);
g. Bem como não considera o documento junto à PI com o nº8, do qual resulta que, por requerimento apresentado em 05-04-2022 no Proc. nº5084/21.5T8SNT, que correu termos na Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Comércio de Sintra - Juiz 5, o Administrador de Insolvência nomeado naqueles autos juntou aos mesmos a relação de créditos reconhecidos, na qual consta o crédito dos recorrentes;
h. Não considerando ainda os elementos constantes do processo administrativo junto pela ré aos autos, do qual resulta claro e objectivo das fls. 17, 18 e 69 a 72 a comunicação pelo recorrente N........ aos serviços da Segurança Social de despedimento com justa causa e que o seu contrato de trabalho o cessou a 22.03.2021;
i. O mesmo se passando com o recorrente S........, que, conforme fls. 37, 38 e 64, 65 do processo administrativo junto aos autos pela ré, quanto à comunicação do despedimento com justa causa e que o seu contrato cessou a 19.10.2020;
j. Sendo que, ainda quanto a este recorrente, não é igualmente valorada a comunicação constante a fls 64 e 65 do processo administrativo;
k. Errou, assim, o Tribunal a quo ao considerar não estar demonstrado o motivo e a data de cessação do contrato de trabalho de cada um dos recorrentes;
l. Como vem sendo entendimento pacífico da nossa jurisprudência, de que é exemplo Ac. TCAN, Proc. nº01162/18.6BEAVR, de 22-01-2021, disponível em www.dgsi.pt, que “I- Verificando-se que os créditos salariais relativos à indemnização por despedimento ilícito e retribuições foram homologados por sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos de insolvência da entidade empregadora, não podia o FGS, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, substituir-se ao decidido em ação de Insolvência, uma vez que tal extravasa o exercício da função administrativa e inclusivamente, do caso julgado que cobre o decidido, em definitivo, na sentença de verificação e graduação de créditos proferida.”;
m. Os créditos dos recorrentes foram devidamente reconhecidos no âmbito do processo de insolvência, como consta dos autos e em particular do documento junto à PI com o nº8 e igualmente constante de fls. 110 e ss do processo administrativo junto aos autos pela recorrida;
n. Nos termos do art. 394º, nº1, nº2, a) do Código de Trabalho, constitui justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador a falta culposa do pagamento pontual da retribuição;
o. Presumindo-se “culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo”, conforme o estabelecido no nº5 da mesma disposição legal.
p. A falta de pagamento de vencimento por período superior a 60 dias, como sucede no caso dos recorrentes, constitui, pois, uma justa causa objectiva para denúncia do contrato pelo trabalhador, que tendo a seu favor a presunção de culpa do empregador, não carece de provar a mesma;
q. Deste modo, carece a matéria de facto dada como provada e não provada de ser alterada;
r. Devendo em consequência, ser alterado o ponto 6) da matéria assente, devendo o mesmo passar a ter a seguinte redação:
“A relação laboral entre o segundo e terceiro autores e a sociedade L........, S.A. cessou, respetivamente em 22.03.2021 e 19.10.2020”;
s. Devendo ser revogado o único ponto da matéria de facto dada como não provada e, em consequência, ser aditada à matéria dada como assente o seguinte ponto:
“Os recorrentes N....... e N.......fizeram cessar os seus contratos laborais por resolução com justa causa por retribuições em mora, tendo o contrato de trabalho de N........ cessado em 23.03.2021 e o contrato de trabalho de S........ cessado em 19.10.2020”.

Pelo exposto, deve o presente recurso ser admitido e procedente por provado, devendo a sentença ser alterada como indicado e a recorrida condenada no pedido formulado pelos recorrentes, assim se FAZENDO JUSTIÇA.
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O Recorrido (Fundo de Garantia Salarial) não apresentou contra-alegações.

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Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso (cf. artigos 144.º/2 e 146.º/4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 608.º/2, 635.º/4 e 5 e 639.º/1 e 2 do Código de Processo Civil), as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal consistem em determinar:

Quanto ao recurso do Fundo de Garantia Salarial, sendo Recorrido R…, se a sentença recorrida errou:

a) Ao fixar em € 21.000 o limite resultante do disposto no artigo 3.º/1 do novo regime do Fundo de Garantia Salarial;
b) Ao considerar serem devidos os valores relativos a despesas e indemnização por cessação do contrato de trabalho por justa causa.

Quanto ao recurso dos Autores N........ e S........, se a sentença recorrida errou:

a) Ao julgar não provadas as datas de cessação dos contratos de trabalho dos Recorrentes;
b) Ao julgar não provado o motivo da cessação desses contratos de trabalho.


III
A matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

1) Entre cada um dos Autores e a sociedade L........, S.A., foi firmado contrato laboral.
2) No âmbito da relação laboral entre o Primeiro Autor e a sociedade L........, S.A., em abril de 2020 a retribuição mensal base do Primeiro Autor era de €3.500.
3) No âmbito da relação laboral entre o Segundo Autor e a sociedade L........, S.A., em março de 2020 a retribuição mensal base do Segundo Autor era de €950.
4) No âmbito da relação laboral entre o Terceiro Autor e a sociedade L........, S.A., em março de 2020 a retribuição mensal base do Terceiro Autor era de €3.000.
5) A relação laboral entre o Primeiro Autor e a sociedade L........, S.A. cessou por iniciativa do Primeiro Autor, por resolução com justa causa por retribuições em mora, em 22.03.2021.
6) A relação laboral entre o Segundo e Terceiros Autores e a sociedade L........, S.A. cessou em momento que não foi possível determinar.
7) No âmbito da relação laboral entre o Primeiro Autor e a sociedade L........, S.A., esta última não pagou ao Primeiro Autor um total de €31.997,12, que corresponde ao somatório de:
- €3.499,98 a título de um terço da retribuição mensal dos meses de abril, maio e junho de 2020;
- €10.500 a título de retribuição mensal dos meses de outubro, novembro e dezembro de 2020;
- €933,33 a título de retribuição mensal de janeiro de 2021;
- €3.500 a título de férias vencidas e não gozadas referentes a 2020;
-€875,01 a título de subsídio de férias de 2020;
- €1.750,02 a título de subsídio de natal de 2020;
- €230,13 a título de proporcionais de subsídio de férias e subsídio de natal por cessação de contrato de trabalho;
- €208,65 a título de despesas;
- €10.500 a título de compensação por denúncia do contrato de trabalho com justa causa.
8) No âmbito da relação laboral entre o Segundo Autor e a sociedade L........, S.A., esta última não pagou ao Segundo Autor um total de €8.541,21, que corresponde ao somatório de:
- €1.015,41 a título de um terço de retribuição mensal dos meses de abril, maio e junho de 2020;
- €1.900 a título de retribuição mensal dos meses de julho e agosto de 2020;
- €1.425,02 a título de férias vencidas e não gozadas referentes a 2020 e 2021; -€1.425,02 a título de subsídio de férias de 2020 e 2021;
- €213,42 a título de proporcional de férias de 2020 e 2021;
- €217,42 a título de proporcional de subsídio de férias de 2020 e 2021;
- €213,42 a título de proporcional de subsídio de natal de 2020 e 2021;
- €2.131,50 a título de diferença à segurança social (processo administrativo, a fls. 183 a 241).
9) No âmbito da relação laboral entre o Terceiro Autor e a sociedade L........, S.A., esta última não pagou ao Terceiro Autor um total de €19.847,10, que corresponde ao somatório de:
- €3.000 a título de retribuição mensal dos meses de abril, maio e junho de 2020;
- €9.000 a título de retribuição mensal dos meses de julho, agosto e setembro de 2020;
- €1.900 a título de retribuição mensal de outubro de 2020;
- €2.522,73 a título de férias vencidas e não gozadas referentes a 2020; -€1.022,73 a título de subsídio de férias de 2020;
- €2.401,64 a título de subsídio de natal de 2020 (processo administrativo, a fls. 183 a 241).
10) Em 07.04.2021, um dos trabalhadores da sociedade L........, S.A., que não os aqui Autores, requereu a insolvência daquela sociedade.
11) A sociedade L........, S.A. foi declarada insolvente por sentença proferida em 13.08.2021.
12) Em 28.04.2022, o administrador de insolvência da sociedade L........, S.A., reconheceu serem devidas aos Autores as quantias referidas nos pontos 7), 8) e 9) e reconheceu ainda ser devido ao Segundo Autor €6.792,50 a título de compensação por denúncia do contrato de trabalho com justa causa, e, ao Terceiro Autor €9.000 a título de compensação por denúncia do contrato de trabalho com justa causa.
13) Em 11.05.2022, o Demandado recebeu requerimentos dos Autores em que estes pedem o pagamento das quantias referidas no ponto anterior 12).
14) Em 20.06.2022, a Presidente do Conselho Geral do Demandado concordou ser de deferir parcialmente os requerimentos dos Primeiro e Terceiro Autores, identificados no ponto anterior 13), indeferindo:
- créditos vencidos antes de abril de 2020 do Primeiro Autor, por serem anteriores ao período de referência;
- créditos vencidos entre abril de 2020 e agosto de 2020 e férias não gozadas vencidas em outubro de 2020 do Terceiro Autor, por serem anteriores ao período de referência;
- o pagamento de indemnização por justa causa, na medida em que aquela não foi tornada líquida;
- o pagamento de remunerações do Terceiro Autor referente a outubro de 2020, porque naquele mês, aquele Autor se encontrava a receber subsídio de desemprego não cumulável com a referida remuneração;
- o valor de despesas do Primeiro Autor, por falta de comprovação;
- a parte dos valores que excede o limite legal do triplo da retribuição mínima mensal garantida por referência aos meses de outubro de 2020 e janeiro de 2021.
15) Em 20.06.2022, a Presidente do Conselho Geral do Demandado concordou ser de deferir parcialmente o requerimento do Segundo Autor, identificado no ponto anterior 13), indeferindo:
- créditos vencidos entre abril de 2020 e agosto de 2020, por serem anteriores ao período de referência;
- o pagamento de indemnização por justa causa, por falta de comprovação judicial;
- a parte dos valores que excede o limite legal do triplo da retribuição mínima mensal garantida.
16) Em 13.07.2022 pelo Demandado foi remetido ofício, dirigido ao Primeiro Autor, do qual se fez constar a decisão de deferimento parcial sobre o seu requerimento identificado no ponto 13) e do qual se fez constar o seguinte:
«


17) Em 13.07.2022 pelo Demandado foi remetido ofício, dirigido ao Segundo Autor, do qual se fez constar a decisão de deferimento parcial sobre o seu requerimento identificado no ponto 13) e do qual se fez constar o seguinte:
«
18) Em 13.07.2022 pelo Demandado foi remetido ofício, dirigido ao Terceiro Autor, do qual se fez constar a decisão de deferimento parcial sobre o seu requerimento identificado no ponto 13) e do qual se fez constar o seguinte:
«
19) Em 15.08.2022, foi proferida decisão do Presidente do Conselho Geral do Demandado de manter as anteriores decisões de deferimento parcial, identificadas nos pontos 17) e 18), na sequência de reclamação dos Segundo e Terceiro Autores.
20) O Demandado foi citado em 21.03.2023.

Com relevância para a decisão do mérito da presente ação, considera-se existir apenas um facto não provado:

A) O Segundo e Terceiro Autores fizeram cessar os seus contratos laborais por resolução com justa causa por retribuições em mora.


IV
Do recurso do Fundo de Garantia Salarial
1. Os limites das importâncias a pagar

1. O artigo 3.º/1 do novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, estabelece o seguinte:

«O Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.º 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida. assegura o pagamento, até este limite, de créditos vencidos após o referido período de referência».

2. Daqui decorrem, portanto, dois limites: um limite máximo global e um limite máximo mensal. Relativamente ao limite máximo global, o mesmo fixa-se em seis meses de retribuição auferida pelo trabalhador. No entanto, e previamente, há que atender ao limite máximo mensal, que corresponde ao triplo da retribuição mínima mensal garantida. O que significa que, nos casos em que o trabalhador aufere uma remuneração mensal superior ao triplo da retribuição mínima mensal garantida, o valor a considerar será, precisamente, o correspondente a esse triplo. Multiplicando-o por seis encontraremos o valor correspondente ao limite máximo global.

3. Vejamos melhor, com o caso concreto. O Recorrido (R…) auferia uma remuneração mensal de € 3.500. Portanto, sendo o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, esse limite fixar-se-ia, no caso do Recorrido, em € 21.000. Exatamente o que se considerou na sentença recorrida.

4. O que não poderá ser, como defendeu o Recorrente. É que, e como já se viu, a lei consagra dois limites. A sentença recorrida desconsiderou um deles: o limite máximo mensal. Para o caso dos autos temos que o Decreto-Lei n.º 109-A/2020, de 31 de dezembro, fixou em € 665 o valor da retribuição mínima mensal garantida a partir de 1 de janeiro de 2021. Sendo o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida, esse limite é de € 1.995 (€ 665 x 3). É este, portanto, o valor que, relativamente ao Recorrido, teremos de considerar como retribuição mensal. Multiplicando-o por seis encontramos o valor correspondente ao limite máximo global, que se situa em € 11.970 (€ 1.995 x 6), tal como defendido pelo Recorrente.

5. Como se dizia no acórdão de 15.7.2020 do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 670/19.6BEBRG:

«- Se a retribuição auferida não exceder 3 vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, o requerente tem direito a receber do Fundo de Garantia Salarial 6 vezes o valor da retribuição que aufere;
- Se a retribuição auferida exceder 3 vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, o requerente tem direito a receber do Fundo de Garantia Salarial 18 vezes o valor daquela.
Neste sentido se pronunciou o TCA Norte nos acórdãos de 20/10/2017, proc. n.º 00858/15.9BEPRT, de 17/11/2017, proc. n.º 00784/15.1BEPRT, de 26/10/2018, proc. n.º 00019/16.0BEPRT, de 21/12/2018, procs. n.ºs 00627/17.1BEPRT, 0392/17.2BEPNF e 00377/17.9BEPNF, de 11/01/2019, proc. n.º 00472/16.1BEVIS, de 29/11/2019, proc. n.º 00865/16.4BEPRT e de 30/04/2020, proc. n.º 00396/17.5BEPNF.
E recentemente por acórdão de 10/05/2019, proc. nº 0627/17.1BEPRT, o Supremo Tribunal Administrativo não admitiu o recurso de revista de acórdão do TCA Norte confirmativo da sentença do TAF que considerou que o artigo 3º n.º 1 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, estabelece dois limites máximos do
“quantum” a assegurar pelo Fundo, por a interpretação das instâncias se revelar correcta e não exigir reapreciação.
Considerou o STA: “(…) a propósito do «quantum» devido à autora pelo Fundo, as instâncias entenderam que ele correspondia a seis meses da retribuição por ela auferida ao serviço da entidade patronal devedora. E é este o único ponto sobre que incide a revista, onde se defende que as instâncias interpretaram mal o estatuído no art. 3º, n.º 1, do novo regime do FGS. Essa norma estabelece que «o Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.º 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida». Ora, a boa hermenêutica do preceito está, sem dúvida, do lado das instâncias. Os créditos cujo pagamento o FGS assegura têm, como limite máximo, seis meses de retribuição - sendo esta, como é óbvio, a prevista no contrato de trabalho; mas a retribuição, por sua vez, só é atendível até um «limite máximo mensal» - correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida. E, como o salário da autora estava aquém do referido «limite máximo mensal», o FGS só pode assegurar-lhe um «quantum» correspondente à multiplicação desse salário por seis (meses) - tal e qual as instâncias julgaram (…)”.

6. No fundo, a lei pretendeu atribuir seis meses de retribuição a todos os trabalhadores que possam beneficiar do regime de proteção em causa. Mas estabeleceu um travão: apenas se considera a retribuição mensal na parte que não exceda o triplo da retribuição mínima mensal garantida.

7. Concluindo: relativamente ao Recorrido (R…), o Fundo de Garantia Salarial apenas assegura o pagamento de créditos laborais até ao limite de € 11.970, e não € 21.000, como considerou a sentença recorrida.

2. A indemnização por cessação do contrato de trabalho com justa causa

8. O Recorrido reclamou, junto do Recorrente, o valor, entre outros, de € 10.500, relativo à indemnização por cessação do contrato de trabalho com justa causa, prevista no artigo 396.º/1 do Código do Trabalho. O Recorrente recusou o respetivo pagamento e continua a entender que «[e]xiste base legal para o recorrente Fundo de Garantia Salarial, recusar o peticionado pelo A. R......., com fundamento do valor requerido a título de indemnização, por rescisão por justa causa por iniciativa do trabalhador, não ser atribuído, porque a justa causa não basta ser alegada, tem que ser comprovada judicialmente, pelo que, não existindo sentença a reconhecê-la não poderá ser o Fundo de Garantia Salarial a determinar qual o montante da indemnização».

9. Julga-se que aqui não lhe assiste razão. E isto porque o crédito em causa foi verificado e reconhecido por quem tem competência para o efeito: o administrador da insolvência (vd. o artigo 129.º/1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), não havendo notícia da existência de alguma impugnação. De resto, o que se exige, para a instrução do requerimento a apresentar ao Fundo de Garantia Salarial, é precisamente a «[d]eclaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório».

10. Como se referia no acórdão de 29.11.2019 do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00250/17.0BEVIS, «o reconhecimento dos créditos não é necessário nem imprescindível para se efectuar a reclamação ao Fundo, aqui Recorrido, pelo que o trabalhador poderia e deveria ter feito o pedido a este (Fundo) logo após a reclamação dos créditos na insolvência”. (Vide, neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 07.07.2017, proferido no processo 00416/14.5MDL). Equivale isto a dizer que para a Entidade Recorrida deferir o pagamento do crédito da Recorrente, reconhecido pela Administradora de Insolvência, basta o documento que foi junto aos presentes autos, pois este é meio idóneo para comprovar a existência desse valor, pelo que deve o mesmo ser pago na sua totalidade».

11. De resto, nem se mostra correta a afirmação do Recorrente nos termos da qual «os valores por si requeridos a título de indemnização devida pelo despedimento por justa causa, não poderão ser atribuídos, uma vez que, a justa causa não basta ser alegada, tem que ser comprovada judicialmente através da instauração da respetiva ação laboral». Como se sabe, após o trânsito em julgado da decisão que declara a insolvência tão-pouco será possível a instauração de qualquer ação judicial contra o seu empregador com vista à condenação deste no pagamento de créditos laborais. E se tal já tiver sucedido, a instância laboral extinguir-se-ia por inutilidade superveniente da lide. Isto mesmo, aliás, foi afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2014, que fixou o seguinte entendimento: «Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C».

12. Em suma, é devido o valor relativo à indemnização por cessação do contrato de trabalho com justa causa, prevista no artigo 396.º/1 do Código do Trabalho, o qual, no entanto, e como já se viu, não pode, em conjunto com os demais créditos laborais, ultrapassar o montante global de € 11.970. Tendo em conta tal limite irreleva qualquer apreciação relativa ao montante reclamado a título de «despesas» (€ 208,65).


Do recurso dos Autores N........ e S........

13. Os Autores N........ e S........ começam por impugnar o julgamento da matéria de facto, na medida em que consideram dever ser dadas como provadas as datas de cessação dos seus contratos de trabalho, ao invés do que foi entendido na sentença recorrida, na qual se pode ler que «[c]om relevância para a decisão do mérito da presente ação, considera-se existir apenas um facto não provado: A) O Segundo e Terceiro Autores fizeram cessar os seus contratos laborais por resolução com justa causa por retribuições em mora». E assim se fundamentou: «Sobre o facto não provado e o momento em que se resolveu o contrato de trabalho dos Segundo e Terceiro Autores, contribuiu para a formação da convicção do Tribunal a falta de comunicação da cessação dos contratos laborais ao Instituto da Segurança Social, I.P., como o foi a cessação do Primeiro Autor. Ademais, a mera missiva do Terceiro Autor, sem demonstração de entrega não foi apta a afastar a convicção formada, até porque nesta, aparte do assunto, não é manifestada inequivocamente a intenção de resolução».

14. No entanto, verifica-se que as partes estão de acordo quanto às datas da cessação dos contratos – 23.3.2021, quanto ao Recorrente N........, e 19.10.2020, quanto ao Recorrente S........ -, tal como decorre dos artigos
9.º e 10.º da petição inicial e 11.º da contestação. Por outro lado, é dado incontrovertido para as partes que a resolução dos contratos foi efetuada com fundamento em justa causa. É esse, de resto, o pressuposto dos próprios atos de indeferimento. Por outro lado, é de evidenciar – como fizeram os Recorrentes - que a própria sentença recorrida fez constar, no ponto 8 do probatório, que «[e]
m 28.04.2022, o administrador de insolvência da sociedade L........, S.A., reconheceu serem devidas aos Autores as quantias referidas nos pontos 7), 8) e 9) e reconheceu ainda ser devido ao Segundo Autor €6.792,50 a título de compensação por denúncia do contrato de trabalho com justa causa, e, ao Terceiro Autor €9.000 a título de compensação por denúncia do contrato de trabalho com justa causa».

15. Deste modo, elimina-se o facto não provado e defere-se o aditamento requerido, nos seguintes termos:

21) A relação laboral entre o Autor N........ e a sociedade L........, S.A., cessou em 23.3.2021;
22) A relação laboral entre o Autor S........ e a sociedade L........, S.A., cessou em 19.10.2020.

16. Recordando o que já anteriormente ficou estabelecido, no âmbito da apreciação do recurso do Fundo de Garantia Salarial, temos que, relativamente ao Recorrente N........, apenas teremos de considerar o limite máximo global de seis meses de retribuição, ou seja, € 5.700 (6 x € 950). Irreleva, no caso, o limite máximo mensal, pois a retribuição mensal do Recorrente N........ (€ 950) é inferior ao triplo da retribuição mínima mensal garantida (€ 1.995). Sabemos que um dos créditos reclamados reporta-se à indemnização por cessação do contrato de trabalho com justa causa, prevista no artigo 396.º/1 do Código do Trabalho, no valor de € 6.792,50, crédito esse que foi reconhecido pelo administrador da insolvência. Pelos motivos já desenvolvidos nos §§ 8 a 11 é devido o pagamento, pelo Fundo de Garantia Salarial, desse crédito, o qual, no entanto, não pode, em conjunto com os demais créditos laborais, ultrapassar o montante global de € 5.700. Tendo em conta tal limite irreleva qualquer apreciação relativa aos demais montantes reclamados.

17. Quanto ao Recorrente S........, trata-se de situação semelhante à do Recorrido R…, na medida em que também a sua retribuição (€ 3.000) é superior ao triplo da retribuição mínima mensal garantida (€ 1.995). É este, portanto - € 1.995 -, o valor que, relativamente ao Recorrente S........, teremos de considerar como retribuição mensal. Multiplicando-o por seis encontramos o valor correspondente ao limite máximo global, que se situa em € 11.970 (€ 1.995 x 6). Um dos créditos reclamados reporta-se à indemnização por cessação do contrato de trabalho com justa causa, prevista no artigo 396.º/1 do Código do Trabalho, no valor de € 9.000, crédito esse que foi reconhecido pelo administrador da insolvência. Pelos motivos já desenvolvidos nos §§ 8 a 11 é devido o pagamento, pelo Fundo de Garantia Salarial, desse crédito, nada havendo a apreciar quanto aos demais créditos na medida em que o Recorrente nada disse nas alegações de recurso.


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Em conceder parcial provimento ao recurso do Fundo de Garantia Salarial, revogando a decisão recorrida na parte em que a condenação excede o valor de € 11.970 (onze mil, novecentos e setenta euros);
b) Em conceder parcial provimento ao recurso de N........ e S........, revogar, nessa parte, a decisão recorrida e condenar o Fundo de Garantia Salarial a pagar:

i) Ao Recorrente N........, o crédito relativo à indemnização por cessação do contrato de trabalho por justa causa (sem ultrapassar, em conjunto com os demais créditos laborais, o montante global de € 5.700 – cinco mil e setecentos euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento;
ii) Ao Recorrente S........, o crédito relativo à indemnização por cessação do contrato de trabalho por justa causa (€ 9.000 – nove mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento;

Custas do recurso do Fundo de Garantia Salarial a cargo do Recorrido, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 50% (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil e artigo 4.º/1/p) do Regulamento das Custas Processuais).

Custas do recurso dos Autores N........ e S........ a cargo dos Recorrentes, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 40% (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil e artigo 4.º/1/p) do Regulamento das Custas Processuais).


Lisboa, 29 de maio de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Ilda Côco
Maria Helena Filipe