Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:810/23.0BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:09/20/2024
Relator:LUÍS FERNANDO BORGES FREITAS
Descritores:CONCURSO DE PESSOAL
RECURSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO
INIMPUGNABILIDADE DO ATO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Sumário:I - Não pode ser qualificado como necessário o recurso hierárquico que não seja denominado como tal, por força do disposto no artigo 185.º/2 do Código do Procedimento Administrativo.
II - As incongruências do regulamento do concurso, da atuação do júri e dos próprios serviços da GNR constituíram um verdadeiro alçapão jurídico para a Autora, na procura da identificação do ato impugnável.
III - Nesse circunstancialismo deve ser proferido despacho de aperfeiçoamento, no sentido de a Autora identificar corretamente o ato impugnável.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


Ampliação do âmbito do recurso:
Notificada a Recorrente para, querendo, responder à matéria da ampliação do objeto do recurso, veio a mesma alegar que «o Recorrido não requer expressamente a sua pretensão de ampliação do âmbito do recurso ao abrigo da citada norma, pelo que, não o tendo o feito, não poderá beneficiar dessa possibilidade».

Não lhe assiste razão. Como se disse no despacho de 17.7.2024, vistas as contra-alegações do Recorrido, constata-se que o mesmo vem defender que, ainda que se considerasse que o ato em causa é impugnável – o que conduziria à procedência do recurso -, «então obrigatoriamente teria de se considerar verificada a exceção da caducidade de direito, tal como invocado na contestação apresentada», ideia que desenvolveu e levou às respetivas conclusões.

Ou seja, o Recorrido suscitou, sem dúvida, a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do artigo 636.º/1 do Código de Processo Civil, ainda que não o tenha requerido expressamente.

Ora, independente das palavras utilizadas pelo Recorrido, e do seu menor rigor, o tribunal está obrigado a considerar o instituto processual a que, substancialmente, a parte está efetivamente a apelar. Porque, como se sabe, iura novit curia (vd. o artigo 5.º/3 do Código de Processo Civil).

Indefere-se, por isso, a requerida não admissão do pedido de ampliação do âmbito do recurso.
*


I
R… interpôs recurso jurisdicional do saneador-sentença de 23.4.2024 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que, julgando procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato, absolveu da instância o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA.

Concluiu as suas alegações de recurso nos seguintes termos, que se transcrevem:

A) A Recorrente impugnou judicialmente a decisão final tomada pelo órgão competente da GNR por via da qual a mesma foi definitivamente considerada Não Apta e, por consequência, excluída do procedimento.
B) Nesse conspecto, a sentença recorrida fez uma errada aplicação das normas aplicáveis ao caso concreto, uma vez que ao procedimento dos autos não se aplica o n.º 1 do artigo 193.º do EMGNR, mas sim as regras especiais conjugadas do artigo 17.º da Portaria n.º 288/2019, de 3 de setembro e artigo 15.º do RCACFS.
C) Das quais não resulta a obrigatoriedade de recurso necessário para o Comandante da GNR do ato que determinou a exclusão da Autora do procedimento, pois o que ali se prevê é apenas um recurso hierárquico meramente facultativo.
D) Pelo que o ato do júri de 18.08.2023 se consubstanciou no ato definitivamente lesivo para a esfera jurídica da Autora, porquanto, analisando o teor do ato homologatório do Comandante Geral da GNR de 31.10.2023 não versou sobre esse ato do júri do procedimento, tornando-se na última palavra da autoridade administrativa sobre a exclusão da Autora.
E) Pelo que, face a essa imediata lesividade, o mesmo se tornou judicialmente impugnável, tal como se decidiu em caso semelhante no Acórdão do STA de 26.05.2015, tirado no âmbito do Processo n.º 0757/2013 [Relatora Cons. Maria do Céu Neves, e acessível em www.dgsi.pt].
F) Pelo que, ao não assim ter decidido, a sentença dos autos violou, entre o mais, o disposto no artigo 17.º da Portaria n.º 288/2019, de 3 de setembro e artigo 15.º do RCACFS.
Sem prescindir,
G) A Autora não foi notificada dos atos sequentes à sua exclusão, nem do ato homologatório dos atos praticados pelo Júri do Procedimento dos autos, nem homologação dos atos de exclusão de candidatos,
H) Pois o artigo 17.º do RCACFS apenas refere a homologação da lista final dos candidatos admitidos.
I) Não obstante, na sua petição inicial – quer no seu cabeçalho, quer no pedido – cuidou de prevenir essa possibilidade, ao referir-se à sua eventual homologação, quer ao ato pelo qual a ED entendeu que a Autora foi excluída do procedimento.
J) Pelo que a identificação do ato e a formulação do pedido não se cingiram apenas ao ato do júri, admitindo que a cadeia complexa de formação do ato poderia concluir-se com um ato homologatório, pelo que o pedido se dirigiu, assim, ao ato definitivo pelo qual a ED entendeu que a Autora foi excluída do concurso, o qual, naturalmente, só pode ser o ato final praticado pelo seu órgão competente para o efeito,
K) Onde cabe o seu Comandante Geral, caso se entenda ser ele o órgão a quem competia essa decisão e quem efetivamente a tomou.
L) Assim, mesmo nesta hipótese, não podia a Autora ser prejudicada pela falta de clareza das regras procedimentais quanto a saber a quem, em concreto, competia a sua decisão final sobre a sua exclusão,
M) Pelo que, abrigo dos princípios constitucionais de acesso à função pública e à progressão da carreira (artigo 47.º da CRP), bem como ao princípio da transparência, da legalidade, da boa-fé e da justiça e razoabilidade, sempre se haveria de entender que o ato homologatório correspondia ao ato impugnado, sob pena da sua violação.
Finalmente, ainda sem prescindir,
N) Perante o modo como a Autora identificou o ato e formulou o seu pedido e a dita falta de clareza das regras, sempre se impunha ao decisor do tribunal a quo, em última instância, socorrer-se do disposto no artigo 87.º, n.º s 2 e 3 do CPTA, convidando a Autora ao aperfeiçoamento da sua petição inicial.
O) Pelo que, ao não o ter feito, sempre se violou o disposto nos termos conjugados nos artigos 87.º, n.ºs 2 e 3, 88.º, n.ºs 2 e 4 e 89.º, n.º 2 todos do CPTA.
Termos em que, e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a sentença dos autos ser revogada nos termos invocados, e substituída por outra que conclua pela impugnabilidade do ato objeto dos autos, ou então pelo convite ao aperfeiçoamento da petição inicial,


O Recorrido apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem:

A. Pretende o Recorrente com o presente obter decisão que revogue a Douta Sentença recorrida, pugnando que a mesma deve ser “substituída por outra que conclua pela impugnabilidade do ato objeto dos autos, ou então pelo convite ao aperfeiçoamento da petição inicial”;
B. Ora entende o Recorrido que a sentença proferida objeto do presente recurso não padece de nenhum vício que determine sequer a ponderação da sua eventual revogação;
C. Antes de mais, e de forma a situar a questão dos presentes autos, importa tecer uma breve resenha factual:
(1) Por despacho de 12/04/2023 do Exmo. Tenente-General, Comandante-Geral, exarado na Informação I159616-2023-DERH, de 04/04/2023, foi autorizada a abertura do procedimento concursal de admissão ao 43.º CFS (4.º CFS/UPM), para o preenchimento de 125 vagas;
(2) A Recorrente candidatou-se ao referido procedimento concursal tendo sido admitida ao mesmo e, como tal, sujeita à realização dos competentes métodos de seleção;
(3) Obtendo aproveitamento na Prova de Conhecimentos, na Prova de Aptidão Física e na Prova de Avaliação Psicológica 1ª fase, foi a Recorrente convocada para realizar a Prova de Avaliação Psicológica 2ª fase, composta pela Prova de Dinâmica de Grupo;
(4) A Recorrente foi considerada “Não Apta” na Prova de Avaliação Psicológica, 2ª fase, conforme consta da Lista de classificação difundida ao efetivo através do email de 18/08/2023 e devidamente publicada em Ordem de Serviço das Unidades em 18/08/2023;
(5) Em 23/08/2023, a Recorrente apresentou reclamação da referida lista de classificação, a qual foi indeferida por deliberação do júri de 28/08/2023, notificada à Recorrente por email remetido igualmente em 23/08/2023, nos termos do n.º 2 do art.º 14.º do Regulamento do Concurso de Admissão ao CFS;
(6) Em 20/09/2023 a Recorrente solicitou cópia da avaliação realizada por cada um dos três membros do Júri da Prova de avaliação Psicológica (2.ª fase), tendo, por email remetido em 21/09/2023, sido informada pelo Presidente do júri que poderia efetuar a consulta “dos documentos solicitados presencialmente no Núcleo de Psicologia Organizacional e Apoio Social da Guarda, sito na Rua Cruz de Stª Apolónia, nº 16 - Lisboa, após marcação prévia, através do VOIP 212485 ou telefone 21 811 22 85, nos dias úteis, no horário compreendido entre as 09h00 ás 12h00 e das 14h00 às 17h00.”, o que se veio a verificar no dia 02/10/2023, tendo sido facultados à Recorrente todos os documentos e fichas de avaliação relativas à prova de Dinâmica de Grupo, (ficha individual – que contém as indicações sobre as competências avaliadas, o nível atingido em cada uma delas e o resultado final) tendo inclusive a Recorrente tirado fotografias aos documentos;
(7) Decorrido o restante procedimento, em 29/09/2023 foi publicada em Ordem de Serviço de todas as Unidades a Lista de Classificação Final do concurso de admissão ao 43.º CFS, pelo que desde logo não se percebe como pode a Recorrente permanecer na afirmação de que não foi notificada das mesmas;
D. Perante o indeferimento da reclamação apresentada, a Recorrente, em 13/11/2023 intentou a presente ação de impugnação na qual expressamente identifica o objeto da mesma como sendo “a decisão do órgão da Guarda Nacional Republicana por via do qual se determinou a não admissão ou exclusão da Autora ao Curso de sargentos (doravante CFS) (4º CFS na Unidade Politécnica Militar 2023/25/CFS/UPM), para o preenchimento de um total de 125 vagas do Quadro de Armas e Serviços, das quais 85 do Quadro de Infantaria, consubstanciado na decisão e publicação do júri do respetivo procedimento, e eventual sua homologação, da classificação de «Não Apto» na Prova de Avaliação Psicológica – 2ª fase, publicada na intranet da GNR e datada de 18 de agosto de 2023, nos termos que constam do documento que ao diante se junta e aqui dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos – Doc.º n.º 1”;
E. Importando igualmente aqui salientar que o doc. 1 junto à PI como objeto dos presentes autos é, de facto, a Lista com a “Classificação da Prova de Avaliação Psicológica (PAP) – 2ª fase e Inspeção Médica (IM), aprovada pelo Júri do concurso em 18/08/2023 e publicada na página da intranet, na mesma data, para efeitos de notificação;
F. Perante estes factos, em 23/04/2023, foi proferido o Saneador-Sentença ora recorrida, no qual expressamente se pode ler o seguinte:
« Defende a Entidade Demandada que, não tendo a Autora interposto recurso hierárquico para o comandante-geral, só se poderá considerar que o ato impugnado nos presentes autos é inimpugnável, verificando-se assim, a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato, que conduziria igualmente à absolvição da instância.
Por seu turno, defende a Autor que, a decisão de admissão ou exclusão dos candidatados no procedimento concursal dos autos é da competência do órgão máximo da GNR, ou seja, do seu Comandante Geral, que determinou a sua abertura, tal como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 25.º da Portaria n.º 233/2022, de 9 de setembro, e como expressamente refere a ED no artigo 60.º da sua Contestação, ou seja, o despacho de homologação de 31.10.2023 do Comandante-Geral da GNR, que integra o Doc.º n.º 29 do PA.
Deste modo, entende que os demais atos do júri são meramente endoprocedimentais, não definitivos, pelo que as reclamações ou recursos hierárquicos que integram essas fases são meramente facultativos, como decorre p. ex. do disposto no n.º 1 do artigo 15.º do Regulamento do Concurso de Admissão dos autos, pelo que, contrariamente ao pretendido pela ED, não se aplica o disposto no n.º 1 do artigo 193.º do EMGNR, quer porque o mesmo não se aplica aos procedimentos concursais, muito menos ao procedimento concursal dos autos, não fazendo qualquer sentido a sujeição dos concorrentes a serem obrigados a recorrer hierarquicamente de todos os atos do júri para ficarem habilitados a poderem impugnar contenciosamente o ato ablativo e definitivo dos seus direitos ao acesso à função pública e à progressão na carreira, quer porque o ato impugnado foi proferido pelo próprio Comandante-Geral da Guarda, razão porque deve improceder a invocada exceção.
Vejamos.
No caso dos autos, ao contrário do que alega a Autora em sede de Réplica, o objeto da presente ação é a decisão do órgão da Guarda Nacional Republicana, por via do qual se determinou a não admissão ou exclusão da Autora ao Curso de Sargentos [doravante CFS] da Guarda Nacional Republica [doravante GNR] (4.º CFS na Unidade Politécnica Militar 2023/25 /CFS/UPM), para o preenchimento de um total de 125 vagas do Quadro de Armas e Serviços, das quais 85 do quadro de Infantaria, consubstanciado na decisão e publicação do júri do respetivo procedimento, e eventual sua homologação, da classificação de “Não Apto” na Prova de Avaliação Psicológica – 2.ª fase, publicada na intranet da GNR e datada de 18 de agosto de 2023, e não o ato homologatório do Comandante-Geral da Guarda, datado de 01/10/2023, e que consta do documento 29 junto com o PA. E tal resulta do corpo da própria Petição Inicial, quando a Autora refere o seguinte: “(…) Tendo como objeto a decisão do órgão da Guarda Nacional Republicana por via do qual se determinou a não admissão ou exclusão da Autora ao Curso de Sargentos [doravante CFS] da Guarda Nacional Republica [doravante GNR] (4.º CFS na Unidade Politécnica Militar 2023/25 /CFS/UPM), para o preenchimento de um total de 125 vagas do Quadro de Armas e Serviços, das quais 85 do quadro de Infantaria, consubstanciado na decisão e publicação do júri do respetivo procedimento, e eventual sua homologação, da classificação de Não Apto na Prova de Avaliação Psicológica – 2.ª fase, publicada na intranet da GNR e datada de 18 de agosto de 2023, nos termos que constam do documento que ao diante e junta e aqui dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos – Doc.º n.º 1 (…)”
Posto isto, entende este Tribunal, que o ato impugnado (ato de exclusão da Autora) é inimpugnável, por carecer de Recurso Hierárquico necessário, uma vez que não foi praticado pelo Comandante-Geral, não tendo, por isso, a característica da lesividade.
Tendo-se de julgar verificada a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado (cf. art.º 89.º n.º 4 i)), pelo que, absolvo a Entidades Demandada da presente instância.”»;
G. Entende o Recorrente que, tanto a decisão impugnada como a Douta Sentença recorrida, padecem do vício de erro de “aplicação das normas aplicáveis ao caso concreto, uma vez que ao procedimento dos autos não se aplica o n.º 1 do artigo 193.º do EMGNR, mas sim as regras especiais conjugadas do artigo 17.º da Portaria n.º 288/2019, de 3 de setembro e artigo 15.º do RCACFS”;
H. Pouco mais haverá a acrescentar à Douta Sentença, sendo por demais inquestionável que a interpretação que o Recorrido pretende que seja feita não encontra, nem na letra nem tão pouco no espírito do legislador, qualquer suporte;
I. Efetivamente é inquestionável que o Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 30/2017, de 22 de março, se aplica “aos oficiais, sargentos e guardas, em qualquer situação, da Guarda Nacional Republicana”;
J. A Recorrente é militar da GNR e o procedimento concursal em riste é interno da GNR;
K. Logo simplesmente é inevitável a aplicação das normas ínsitas no EMGNR seja a que procedimento for que se realize na Guarda Nacional Republicana e envolva militares;
L. Assim, teremos então que a Lista com a “Classificação da Prova de Avaliação Psicológica (PAP) – 2ª fase – objeto impugnado nos presentes autos - foi, nos termos previstos no Regulamento de Admissão ao Curso e na Portaria n.º 233/2022, de 09 de setembro, aprovada pelo júri do concurso, júri esse devidamente constituído por despacho inicial do Ex.mo Tenente-General, Comandante-Geral, que determinou a abertura do concurso, nos exatos termos definidos n.º 1 do artigo 13.º do referido Regulamento;
M. Assim é seguro afirmar-se que a aprovação das listas dos resultados de cada uma das provas dos métodos de seleção pertence ao júri nomeado;
N. Ora, conforme já referido, a Recorrente reclamou para o júri, da avaliação da PAP 2ª fase e, notificada do indeferimento da reclamação, não apresentou recurso dirigido ao comandante-geral, antes optando por apresentar a presente ação de impugnação que tem como objeto um ato praticado pelo júri do concurso e relativo à avaliação de um dos métodos de seleção;
O. Ora, dispõe o artigo 193.º, n.º 1 do Estatutos dos Militares da Guarda Nacional Republicana que “Sempre que o ato administrativo não tenha sido praticado pelo comandante-geral, o recurso hierárquico é necessário e deve ser dirigido ao comandante-geral (…)”;
P. Ora pretendeu o legislador, e é perfeitamente compreensível que assim seja, que antes de qualquer ato ser impugnado contenciosamente seja a questão analisada e devidamente ponderada pelo próprio comandante-geral, só sendo impugnável em sede judicial a decisão tomada por esta entidade;
Q. Assim, não tendo a Recorrente interposto recurso hierárquico para o comandante-geral, só se poderá considerar que o ato impugnado nos presentes autos é inimpugnável, verificando-se assim, a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato, que conduziu à decisão de absolvição da instância, que não merece, assim, qualquer reparo;
R. Mas ainda que se entendesse que o ato objeto dos presentes autos é impugnável, como pretende a Recorrente, então só se poderia considerar verificada outra exceção dilatória, desta feita a da caducidade de direito, a qual conduziria igualmente à absolvição do ora Recorrido da instância;
S. Como referido, em 02/10/2023 a Recorrente deslocou-se ao NPOASG, tendo-lhe sido facultados para consulta todas as grelhas de classificação, contendo os respetivos fundamentos, bem como lhe foram prestadas todas as informações requeridas, tendo, inclusivamente, a Recorrente fotografado os documentos que entendeu necessários, (note-se que este facto foi alegado na contestação e não foi contraditado pela Recorrente);
T. Ou seja, é inquestionável que o “ato administrativo” objeto dos presentes autos se tornou eficaz em termos impugnatórios, no dia 02/10/2023, data em que foram comunicados os seus fundamentos;
U. Ora considerando que a forma processual adequada é o contencioso de procedimentos em massa e que, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 99.º do CPTA o prazo de propositura desta ação é de um mês, tendo a presente ação dado entrada no TAF de Almada em 13/11/2023, a mesma não poderá ser objeto de convolação, pelo que só se poderá considerar que caducou o direito de ação;
V. De facto, e por uma questão de economia socorremo-nos do Douto Acórdão do TCANorte, Proc. 234/17.9BEMDL, de 28/06/2019, que expressamente sumaria que:
IV- O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal.
V- Não há lugar à convolação da ação administrativa na fórmula processual correta – ação administrativa urgente - sempre que se mostre ultrapassado o prazo de 1 mês previsto no artigo 99º, nº. 2 do C.P.T.A. para o exercício do direito de ação por parte do Autor, por esta intempestividade constituir um limite à convolação, sendo que, nesta situação, não tem lugar a aplicação do principio pro actione na lógica do convite ao aperfeiçoamento, porque se trata se matéria excetiva insuprível.”;
W. Assim a necessária convolação só seria possível se a ação tivesse sido interposta no prazo de 1 mês contado da notificação do ato impugnado, ou, no limite, da data em que à Recorrente foram facultados os fundamentos do ato em riste, ou seja, em 02/10/2023, o que manifestamente não ocorreu;
X. Não se podendo operar validamente a convolação, e sendo o meio adequado o procedimento de massa, só se poderia assim concluir pela caducidade de direito, tipificada no CPTA como exceção dilatória, nos termos previstos na alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º, o que igualmente conduziria à absolvição do R. da instância.


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Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer.




II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, a questão inicial que vem submetida à apreciação deste tribunal de apelação consiste em determinar se o saneador-sentença errou ao considerar procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato impugnado.

Em caso de resposta negativa, importa ainda apurar se deveria ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento convidando a Autora, ora Recorrente, a identificar corretamente o ato impugnável.

Em caso de procedência do recurso, e no âmbito do pedido de ampliação do objeto do recurso, haverá que apreciar se o saneador-sentença recorrido errou ao julgar improcedente a exceção de intempestividade da prática do ato processual.


III
O saneador-sentença recorrido deu como provados os seguintes factos:


1. Através do Despacho 22/23, de 12/04/2023, do Tenente-General, Comandante-Geral, foi determinada a abertura do procedimento concursal interno de admissão ao 43.º CFS, procedendo-se à nomeação do júri e dos elementos responsáveis pela aplicação dos métodos de seleção.
2. Em 18/08/2023, reuniu o Júri, que como ponto seis da ordem de trabalho, tinha como função aprovar a Lista de Classificação da Prova de Aptidão Psicológica (2ª fase) e da Inspeção Médica, e finalmente determinar a publicação do “projeto de lista de classificação final e ordenação dos candidatos, constando o mesmo do anexo H”, tendo a Autora sido classificada como “Não apto” na Prova de Aptidão Psicológica (segunda fase).
3. Através do Email n.º 20/23/RRC, de 18/08/2023 foi determinado que “nos termos do artigo 13.º do Regulamento do Concurso de Admissão ao CFS, as classificações da Prova de Aptidão Física e Prova de Avaliação Psicológica (1ª fase), da Prova de Avaliação Psicológica 2ª fase (PAP) e Inspeção Médica (IM) e Retificação da classificação da Prova de Conhecimentos” fossem publicadas em Ordem de Serviço das Unidades, em 18/08/2023, mais referindo que as mesmas se encontravam disponíveis na intranet/GNR.
4. Em 23/08/2023 a Autora enviou um pedido de esclarecimentos onde solicitava ser informada do motivo da classificação na prova de dinâmica de grupo.
5. Por determinação do Presidente do júri, através do Email de 28/08/2023 é comunicado à A. a resposta ao seu requerimento.
6. Através da Informação I460110-202310-DRH, de 30/10/2023, foram levadas à análise e ponderação do Tenente-General, Comandante-Geral, as atas n.ºs 8 e 9 das reuniões do júri e a proposta de Lista de Classificação Final e ordenação dos candidatos, retificada, tendo sido exarado despacho de concordância na referida informação, em 31/10/2023.
7. Em 13/11/2023, a presente ação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.
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Ao abrigo da faculdade concedida pelo artigo 662.º/1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, adita-se aos factos provados os seguintes:

8. Em 2.6.2023 o júri procedeu à calendarização do concurso, nos termos que constam de páginas 33 e 34 do processo administrativo e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
9. Em 4.9.2023 foi elaborada informação pelo Departamento de Recursos Humanos da GNR, a submeter ao Comandante-Geral da GNR, na qual se propôs o seguinte (documento n.º 26 do processo administrativo):

«a. Sejam homologadas pelo Exmo. Comandante-geral, as Atas do concurso, com as deliberações do júri, em Anexo A (suporte em papel);
b. Seja homologada pelo Exmo. Comandante-geral, a lista de classificação final e ordenação dos candidatos, em Anexo B (suporte em papel)».

10. Nessa sequência o Comandante do CARI exarou parecer no qual fez constar o seguinte (documento n.º 26 do processo administrativo):

«Considerando os fundamentos constantes na presente Informação sou de parecer que as propostas apresentadas estão em condições de serem aprovadas».

11. O Comandante-Geral da GNR exarou o seguinte despacho (documento n.º 26 do processo administrativo):

«Homologo e aprovo, nos termos propostos».

12. Da lista de classificação final homologada por despacho de 11.9.2023 bem como da lista de classificação final retificada homologada por despacho de 31.10.2023 não consta a indicação de candidatos reprovados (documentos n.ºs 16 e 27 do processo administrativo).


IV
1. Na petição inicial a ora Recorrente, aí Autora, começou por referir que a ação tinha «como objeto a decisão do órgão da Guarda Nacional Republicana por via do qual se determinou a não admissão ou exclusão da Autora ao Curso de Sargentos [doravante CFS] da Guarda Nacional Republica [doravante GNR] (4.º CFS na Unidade Politécnica Militar 2023/25 /CFS/UPM), para o preenchimento de um total de 125 vagas do Quadro de Armas e Serviços, das quais 85 do quadro de Infantaria, consubstanciado na decisão e publicação do júri do respetivo procedimento, e eventual sua homologação, da classificação de “Não Apto” na Prova de Avaliação Psicológica – 2.ª fase, publicada na intranet da GNR e datada de 18 de agosto de 2023, nos termos que constam do documento que ao diante se junta e aqui dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos – Doc.º n.º 1» (destaque e sublinhado nossos).

2. Identificou, portanto, e de forma clara, o ato praticado pelo júri em 18.8.2023 e esclareceu que tal ato era o que constava do documento n.º 1 junto com a petição inicial. E esse documento é, precisamente, o anexo G da ata n.º 6, que contém a «Classificação da Prova de Avaliação Psicológica (PAP) – 2.ª fase e Inspeção Médica (IM)».

3. E é exatamente tendo como pressuposto que é aquele o ato impugnado que a Recorrente vem a defender, nos artigos 32.º a 40.º da petição inicial, a incompetência do júri para «decidir, validar e homologar os resultados das [provas de admissão]», competência essa que seria do Comandante-Geral da GNR. Mostra-se, por isso, totalmente inaceitável a posição, absolutamente contraditória, que veio a assumir na réplica.

4. De qualquer modo, o que agora releva é o facto de o saneador-sentença recorrido ter considerado, e bem, como ato impugnado aquele que a Recorrente identificou, nos termos anteriormente descritos. E considerou-o inimpugnável. O que se mostra acertado.

5. Na verdade, e de acordo com o disposto no artigo 193.º/1 do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 30/2017, de 22 de março, «[s]empre que o ato administrativo não tenha sido praticado pelo comandante-geral, o recurso hierárquico é necessário e deve ser dirigido ao comandante-geral, pelas vias hierárquicas, no prazo de 30 dias contados a partir da notificação efetuada nos termos do disposto no n.º 2 do artigo anterior».

6. Temos, portanto, como regra geral, que cabe recurso necessário para o comandante-geral de todos os atos administrativos que não tenham sido por ele praticados (no âmbito da respetiva hierarquia, naturalmente). Portanto, sendo esta a regra geral – constante de um decreto-lei -, natural será que o Regulamento do Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Sargentos – aprovado por despacho do Comandante-Geral da GNR – respeite tal regra e seja interpretado de acordo com a mesma. Recorde-se, para o efeito, que «[s]ão actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais» (artigo 112.º/1 da Constituição) e que «[n]enhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (n.º 2 do mesmo artigo).

7. Assim sendo, e como já se havia antecipado, terá de concluir-se que o saneador-sentença recorrido julgou bem ao considerar que o ato impugnado estava sujeito à regra constante do artigo 193.º/1 do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana.

8. Subsidiariamente, a Recorrente defende que, a considerar-se o ato impugnado como inimpugnável, então deveria ter havido lugar ao respetivo despacho de aperfeiçoamento. Vejamos a questão, iniciando a apreciação pelo Regulamento do Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Sargentos.

9. Num primeiro momento – que não releva para o caso dos autos – temos a lista de candidatos admitidos e não admitidos. A ela se refere o artigo 5.º, competindo a sua aprovação ao júri. Dessa lista – diz-nos o artigo 5.º/4 - «podem os candidatos reclamar e ou recorrer nos termos dos artigos 14.° e 15.° do presente regulamento».

10. Segue-se a realização das provas de admissão, a saber (artigo 6.º/1): a) Prova de conhecimentos com duas componentes, uma de língua portuguesa e uma específica; b) Prova de aptidão física; c) Avaliação psicológica; d) Inspeção médica. Cada uma das provas de admissão tem caráter eliminatório, sendo excluído do concurso o candidato que tenha obtido uma valoração inferior a 9,50 valores ou a menção de Não Apto na prova precedente (artigo 6.º/2). No que especificamente se refere à avaliação psicológica, a mesma pode comportar uma ou mais das fases indicadas no regulamento, sendo que «[c]ada fase é eliminatória per si, considerando-se excluído do procedimento o candidato que obtenha menção de Não Apto em qualquer uma das fases» (artigo 9.º/3). De acordo com o disposto no artigo 13.º/2, «[d]os resultados publicados, tendo em vista a audiência de interessados, cabe reclamação e ou recurso nos termos dos artigos seguintes».

11. Por último, haverá lugar à lista de classificação final, aprovada pelo júri (artigo 17.º/1) e homologada pelo Comandante-Geral da GNR (artigo 13.º/1). Da homologação da lista de classificação final cabe reclamação e recurso nos termos do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (artigo 17.º/3).

12. Estas são, portanto, as três grandes fases do concurso: admissão, realização das provas e lista de classificação final.

13. Vejamos agora com mais pormenor a fase das provas de admissão, relevando, para o efeito, o disposto no artigo 13.º, o qual tem o seguinte teor:

«Artigo 13.°
Publicação dos resultados das provas de admissão
l - Após a aprovação pelo júri dos resultados de cada uma das provas previstas no artigo 6.°, será publicada pela Direção de Recursos Humanos, unicamente na página da intranet da GNR, a lista de classificação final, com os candidatos aprovados e reprovados, por ordem de classificação obtida na prova de conhecimentos, devidamente homologada pelo Comandante-Geral, que será acompanhada da grelha de respostas, sendo os candidatos considerados notificados a partir do primeiro dia útil a seguir à data da publicação.
2 - Dos resultados publicados, tendo em vista a audiência de interessados, cabe reclamação e ou recurso nos termos dos artigos seguintes, utilizando-se obrigatoriamente os endereços de correio eletrónico institucional do candidato e do júri do concurso, sob pena de indeferimento liminar».


14. Do normativo transcrito ressalta, desde logo, o facto se anunciar na epígrafe que a regulação se reporta à publicação dos resultados das provas de admissão, mas, logo no seu n.º 1, é enxertada matéria relativa à lista de classificação final homologada pelo Comandante-Geral da GNR, quando se sabe que a lista de classificação final tem tratamento no artigo 17.º, aqui sim, respeitando a óbvia lógica sistemática.

15. A não ser que se defenda que a lista de classificação final a que se refere o artigo 13.º/1 não é a mesma a que se reporta o artigo 17.º. É que a primeira dessas normas refere lista de classificação final, com os candidatos aprovados e reprovados. Ora, como se pode constatar dos elementos do concurso, a lista de classificação final não contém nenhum candidato reprovado.

16. Na verdade, na sua reunião de 18.8.2023 (a que corresponde a ata n.º 6) o júri do concurso deliberou «publicar o projeto de lista de classificação final e ordenação dos candidatos, constando o mesmo no Anexo H». Ora, esse anexo H contém, apenas, os candidatos aprovados. O que até se compreende, na via interpretativa de acordo com a qual os resultados de cada uma das provas de admissão são aprovados pelo júri (cf. o artigo 13.º/1), não havendo qualquer referência regulamentar à homologação desses resultados. Determinar o que está correto é absolutamente irrelevante neste contexto. O que importa evidenciar são as incoerências do Regulamento do Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Sargentos e da própria atuação do júri, ainda que motivadas pelas primeiras.

17. No entanto, os problemas não ficam por aqui. Recorde-se o n.º 2 do mesmo artigo 13.º:

«2 - Dos resultados publicados, tendo em vista a audiência de interessados, cabe reclamação e ou recurso nos termos dos artigos seguintes, utilizando-se obrigatoriamente os endereços de correio eletrónico institucional do candidato e do júri do concurso, sob pena de indeferimento liminar».

18. Evidencie-se o seguinte trecho: Dos resultados publicados, tendo em vista a audiência de interessados, cabe reclamação e ou recurso. É manifesto o erro cometido pelo regulamento, com consequências para um caso como o dos presentes autos.

19. Na verdade, é premissa básica a de que ou bem que temos um projeto de ato administrativo, uma intenção de decisão – e sobre ela recairá uma pronúncia em sede de audiência dos interessados -, ou bem que temos um ato administrativo, impugnável administrativamente através de uma reclamação ou de um recurso. O que não poderemos ter é um mero projeto de decisão e dizer que sobre ele poderá recair uma reclamação ou um recurso. Isso é a negação da natureza do ato que se dá a conhecer tendo em vista – como diz o artigo 13.º/2 do Regulamento do Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Sargentos – a audiência de interessados.

20. Não por acaso, a confusão regulamentar estende-se ao júri logo na calendarização do concurso, ao fazê-lo nos seguintes termos, fazendo coincidir, no segundo período, duas realidades completamente diversas e como se fossem uma só – audiência de interessados e reclamações/recursos:

· 02jun23 - Publicação do projeto da lista de candidatos admitidos e não admitidos, através da OS da Unidade
· 02jun a 07jun23 - Prazo para audiência de interessados (apresentação de reclamação e/ou recurso)
· 09jun23 - Publicação da lista de candidatos admitidos e não admitidos ao concurso

21. Curiosamente, quanto à primeira das provas de admissão – a prova de conhecimentos -, temos apenas o seguinte:


· 26jun23 - Publicação dos resultados da PC, através da OS da Unidade
· 27jun a 29jun23 — Prazo para audiência de interessados relativo aos resultados da PC

22. Ou seja, se temos uma audiência de interessados, deveríamos ter prevista a decisão final dos resultados da prova de conhecimentos. Mas não. Afinal a primeira publicação já parece ser a decisão final do júri quanto aos resultados, relativamente à qual se poderá reclamar ou recorrer e não, como o júri indicou, emitir pronúncia em sede de audiência dos interessados.

23. E o que o júri fez para a prova de conhecimentos fê-lo exatamente nos mesmos termos para as restantes provas de admissão: aptidão física, avaliação psicológica e inspeção médica.

24. Mas há mais, ainda no n.º 2 do artigo 13.º. Aí se diz, como se viu, que dos resultados publicados, tendo em vista a audiência de interessados, cabe reclamação e ou recurso nos termos dos artigos seguintes. Como se vê pela atuação do júri, inexistiu qualquer notificação dos resultados de cada uma das provas de admissão para efeitos de pronúncia em sede de audiência de interessados. Houve, sim, notificação desses resultados, relativamente aos quais se poderia reclamar ou recorrer. Ao contrário, aliás, do que sucedeu com a lista dos candidatos admitidos e não admitidos e com a lista de classificação final. Aí sim, existiu verdadeira audiência de interessados.

25. No primeiro caso tivemos i) a publicação do projeto da lista de candidatos admitidos e não admitidos, depois ii) uma efetiva audiência de interessados e por fim iii) a publicação da lista de candidatos admitidos e não admitidos. Tudo isto na terminologia do próprio júri. No segundo caso tivemos i) a publicação da lista provisória de classificação final, depois ii) a audiência de interessados e por fim iii) a homologação da lista de classificação final.

26. Portanto, o que efetivamente resulta do artigo 13.º/2 é que dos resultados publicados cabe reclamação e ou recurso nos termos dos artigos seguintes. E estes artigos dizem-nos o seguinte:

«Artigo 14.°
Reclamação
l - Os candidatos podem reclamar, de forma fundamentada, num prazo de até 3 (três) dias úteis, contados da data de publicação dos resultados, remetendo a reclamação para o endereço de correio eletrónico do júri do concurso, anunciado no documento de abertura do concurso, com conhecimento ao órgão de gestão de recursos humanos da unidade a que pertence.
2 - A deliberação sobre a reclamação é notificada ao candidato, sendo transmitida para o seu endereço de correio eletrónico institucional, com conhecimento ao órgão de gestão de recursos humanos da unidade a que pertence e da mesma cabe recurso hierárquico nos termos do artigo seguinte.
Artigo 15.°
Recurso
l - Os candidatos podem recorrer para o Comandante-Geral, num prazo de até 3 (três) dias úteis, após a data da notificação da decisão prevista no n. ° 2 do artigo anterior.
(…)».


27. A Recorrente colocou a tónica no advérbio podem utilizado no artigo 14.º/1, igualmente constante do artigo 15.º/1. No entanto, desconsiderou o facto de, anteriormente, o regulamento afirmar que dos resultados obtidos cabe reclamação e ou recurso nos termos dos artigos seguintes. Ou seja, quando se referiu às impugnações administrativas utilizou uma fórmula que, antes do atual Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, era habitualmente interpretada como consagrando uma impugnação administrativa necessária.

28. Ou seja, este tribunal não tem dúvidas de que o Regulamento do Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Sargentos pretendeu atribuir natureza necessária às impugnações administrativas (sucessivas) ali previstas. Mas fê-lo em frontal violação do disposto no artigo 185.º/2.º do Código do Procedimento Administrativo, do qual resulta que as reclamações e os recursos apenas terão caráter necessário se a lei os denominar como tal.

29. De resto, bem sabemos a importância de que essa matéria se reveste para a segurança dos administrados, que poderão ver frustrados, por aí, os seus direitos, ao verem recusada, por questões formais, a tutela jurisdicional que poderiam merecer. Por isso mesmo, aliás, o artigo 3.º/1 do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, veio dispor que «[a]s impugnações administrativas existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei só são necessárias quando previstas em lei que utilize uma das seguintes expressões:

a) A impugnação administrativa em causa é «necessária»;
b) Do ato em causa «existe sempre» reclamação ou recurso;
c) A utilização de impugnação administrativa «suspende» ou «tem efeito suspensivo» dos efeitos do ato impugnado».

30. Por outro lado, o n.º 4 do mesmo artigo estabeleceu que «[s]ão revogadas as disposições incompatíveis com o disposto nos n.ºs 2 e 3».

31. Continuando. Aparentemente, resulta do Regulamento do Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Sargentos que quanto aos resultados das provas de admissão, exige-se apenas a aprovação do júri (vd. o proémio do artigo 13.º/1). O mesmo se diga quanto à precedente lista de candidatos admitidos e não admitidos (artigo 5.º/1). Apenas quanto à lista de classificação final é referida a homologação pelo Comandante-Geral (artigo 13.º/1).

32. No entanto, também não foi assim o entendido pelo Departamento de Recursos Humanos do Recorrido. Na verdade, em 4.9.2023 é elaborada informação, a submeter ao Comandante-Geral, na qual se propôs que:

«a. Sejam homologadas pelo Exmo. Comandante-geral, as Atas do concurso, com as deliberações do júri, em Anexo A (suporte em papel);
b. Seja homologada pelo Exmo. Comandante-geral, a lista de classificação final e ordenação dos candidatos, em Anexo B (suporte em papel)».

33. Nessa sequência o Comandante do CARI exara parecer no qual fez constar o seguinte:


«Considerando os fundamentos constantes na presente Informação sou de parecer que as propostas apresentadas estão em condições de serem aprovadas».

34. Finalmente, o Comandante-Geral da GNR exara o seguinte despacho:

«Homologo e aprovo, nos termos propostos».

35. Portanto, os primeiros propõem a homologação, o segundo propõe a aprovação e o decisor homologa e aprova. E no final nem se sabe exatamente a que documento se referem uma e outra. Isto no pressuposto de que relativamente a cada um dos documentos apenas haverá lugar a uma dessas figuras.

36. Em suma, somadas as incongruências do regulamento, a atuação do júri e dos próprios serviços da GNR, estamos perante um verdadeiro alçapão jurídico, nomeadamente para a Recorrente, na procura da identificação do ato impugnável.

37. Ora, uma coisa é segura, no circunstancialismo descrito: a posição da Recorrente terá de ser salvaguardada face ao caminho sinuoso que lhe foi imposto. E nessa medida considera-se que deveria ter havido lugar ao convite ao aperfeiçoamento (artigo 87.º/1/b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), no sentido de a Recorrente, ali Autora, identificar corretamente o ato impugnável. E esse ato deve ser o despacho de 11.9.2023 do Comandante-Geral da GNR.

38. Isto porque foi esse o ato através do qual foi homologada, nomeadamente, a ata n.º 6, relativa à reunião do júri de 18.8.2023, na qual o mesmo deliberou «[a]provar e publicar as classificações obtidas na PAP (segunda fase) e IM, conforme constam em anexo G».

39. A esta conclusão não se opõe o Regulamento do Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Sargentos, pois, como se disse anteriormente, a natureza pretensamente necessária das impugnações administrativas ali prevista não foi formulada nos termos legalmente exigidos para lhes conferir essa natureza.

40. Note-se, ainda, que o despacho do Comandante-Geral de 31.10.2023 é alheio ao assunto. Por um lado, porque o mesmo homologa a lista de classificação final e ordenação de candidatos (retificada), lista essa da qual não consta a Recorrente. Por outro lado, porque a homologação incidiu apenas nas atas n.ºs 8 e 9, sendo que, e como se viu, para os autos releva a ata n.º 6.

41. Em abono da possibilidade de substituição da petição inicial para o efeito de corrigir a indicação do ato impugnado, mediante prévio despacho de aperfeiçoamento, vd. os acórdãos de que dão conta Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 5.ª edição, 2021, p. 697: acórdão do STA (Pleno) de 3.5.2007 (processo n.º 46262) e do TCA Sul de 12.3.2009 (processo n.º 1489/06).

42. Vejamos, agora, a matéria relativa à ampliação do objeto do recurso. Nesse âmbito o Recorrido alegou que, ainda que se considerasse que o ato em causa é impugnável – o que conduziria à procedência do recurso -, «então obrigatoriamente teria de se considerar verificada a exceção da caducidade de direito, tal como invocado na contestação apresentada».

43. Julga-se, no entanto, que não lhe assiste razão. Pelo que ficou dito nos parágrafos anteriores há que considerar que o ato impugnado é o despacho do Comandante-Geral da GNR de 11.9.2023 que homologou a lista de classificação final e as atas nºs 1 a 7 (como se disse anteriormente, é irrelevante, para o efeito, o facto de a lista de classificação final ter vindo a ser retificada e homologada através de despacho de 31.10.2023, lista essa que não integra o nome da Recorrente).

44. Ora, é de presumir, com segurança, que o despacho homologatório de 11.9.2023 do Comandante-Geral da GNR não foi notificado à Recorrente. O que até se compreende, em face da lógica de atuação do júri, que viu apenas na deliberação de 18.8.2023 (a que corresponde a ata n.º 6) a decisão relevante para a Recorrente, independentemente da homologação que sobre ela veio a recair.

45. Mas essa homologação veio a ser produzida e, em coerência, é em função dela que a alegada intempestividade da prática do ato processual tem de ser apreciada. E por isso, e nesta parte, o saneador-sentença recorrido terá de ser confirmado, na medida em que «[o] acto administrativo não é oponível ao interessado quando a notificação ou a publicação, quando exigível, não deem a conhecer o sentido da decisão» (artigo 60.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogando o saneador sentença recorrido, na parte em que julgou procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato impugnado, e determinando que seja proferido despacho a convidar a Autora, aqui Recorrente, a apresentar nova petição inicial que identifique como ato impugnado o despacho de 11.9.2023 do Comandante-Geral da GNR, através do qual homologou, nomeadamente, as atas n.ºs 1 a 7.

Custas pelo Recorrido (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).

Lisboa, 20 de setembro de 2024.

Luís Borges Freitas – relator
Rui Fernando Belfo Pereira – 1.º adjunto
Maria Julieta França – 2.ª adjunta