Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1185/14.4 BEPNF |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 12/19/2023 |
Relator: | VITAL LOPES |
Descritores: | IVA REVERSÃO IMPUGNAÇÃO CORRECÇÃO DE DEDUÇÕES INDEVIDAS NÃO EXIBIÇÃO DA CONTABILIDADE EM PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO RECONSTITUIÇÃO DA CONTABILIDADE EM PROCESSO JUDICIAL RELATÓRIO PERICIAL COLEGIAL |
Sumário: | I - Nos termos do art.º 19/2 do CIVA, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas passadas na forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo. II - E de acordo com o disposto no art.º 44/1 do mesmo Código, «A contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto». III - Se o sujeito passivo não está na posse dos documentos de despesa quando a sua exibição lhe é solicitada pela administração tributária, cessa logo aí o direito à dedução. IV - O impugnante (sujeito passivo ou revertido), pode fazer prova, em processo judicial de impugnação, da existência dos documentos de despesa que não exibiu oportunamente à administração tributária e com base nos quais exerceu o direito à dedução e que os mesmos preenchem os requisitos de forma e formalidade de que depende a dedutibilidade do imposto suportado a montante (artigos 26/5 e 226 da Directiva do IVA). V - Tal prova é, porém, insuficiente para a aceitação fiscal da dedução efectuada se a AT, fundadamente, questiona a racionalidade da relação entre os “inputs” (imobilizado e existências adquiridas) e os “outputs” (bens produzidos), cabendo então ao sujeito passivo efectuar também a prova desse requisito material ou substantivo da dedução (art.º 20/1 do CIVA). VI - Para tanto, o impugnante pode socorrer-se de qualquer meio de prova (art.º 115/1 do CPPT). VII - Se o impugnante, ora Recorrido, requereu na P.I. a produção de prova testemunhal, que foi indeferida pelo tribunal a quo por impertinente à matéria controvertida, é mister que os autos baixem àquele tribunal para que aí se produza a prova dos factos que permitam dar por verificados os pressupostos materiais da dedução. |
Votação: | Unanimidade |
Indicações Eventuais: | Subsecção tributária comum |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por J… na qualidade de responsável subsidiário chamado à execução por reversão de dívidas da sociedade devedora originária “FÁBRICA DE P…, S.A.” provenientes dos actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado e juros compensatórios referentes aos períodos de tributação de 2009, 2010, 2011 e 2012, no valor global de EUR.1.944.332,00, alegando para tanto, conclusivamente: «a) Discorda-se do sentenciado, afigurando-se que o mesmo sofre de erro de julgamento. b) O Impugnante, nem em sede inspetiva, nem, tão pouco, em sede da presente impugnação, adiantou algum motivo para não ter procedido ao cumprimento do dever de colaboração com a AT, que o obrigava à apresentação da contabilidade e restante informação fiscal. c) Da simples leitura dos RIT resulta a inexistência do alegado erro na convocação dos normativos. Porquanto, ficou patente que a FPC, ao não proceder à apresentação da contabilidade, inviabilizou o conhecimento dos requisitos que a contabilidade deve obedecer, nos termos do artigo 44º do CIVA, nomeadamente, não foi possibilitado o “[c]onhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do Imposto (…)”. d) E, como bem se refere na informação da matéria de facto, a ―[c]ominação para tal conduta é a não aceitação do exercício do direito à dedução, ainda assim mitigada pelo esforço investigativo da inspecção que, no cumprimento do princípio do inquisitório, procedeu à circularização dos fornecedores conhecidos por outras fontes declarativas e aceitou parte do imposto dedutível declarado.” (In, Informação da matéria de facto, pág. 6, fl. fl. 104 verso do PAT). e) Com efeito, dando continuidade à sua formulação, o Impugnante vem apresentar um conjunto de elementos que formalmente justificam o direito à dedução, fazendo-os passar pelo crivo judicial com o intuito de fazer crer que a correção operada pelos SIT foi motivada por não se encontrarem reunidos os pressuposto para o exercício desse direito, o que manifestamente não foi o que aconteceu, já que, conforme bastas vezes referido, os SIT não tiveram, sequer, acesso a tais documentos para aferir da sua conformidade fornal e, bem assim, da sua conformidade material e substancial. f) Em segundo lugar, relativamente ao IVA dedutível em imobilizado, suportado em faturas emitidas por empresas do grupo, os elementos apresentados, analisados conjuntamente com os elementos recolhidos no âmbito das diligências realizadas em sede das ordens de serviço emitidas para as restantes empresas do Grupo B…, evidenciam incongruências dos negócios que originaram o alegado direito à dedução g) Sendo que, relativamente às faturas emitidas pela S…, aquelas proporcionaram à sociedade inspecionada o direito à dedução de imposto, mencionado nas suas declarações periódicas, através de negócios desprovidos de racionalidade económica, cuja quantificação é de impossível compreensão. (In, Informação da matéria de facto, pág. 18, fl. 70 verso do PAT). h) Além disso, no exercício de 2011, relativamente à S…, única fornecedora de imobilizado da sociedade inspecionada, verificam-se erros declarativos e de apuramento de IVA, “[c]ujo controlo por parte da AT foi inviabilizado pelo comportamento de não colaboração desta «fornecedora» de imobilizado, comportamento, aliás em tudo semelhante ao da própria P… (que integra o mesmo grupo económico)”. (In, Informação da matéria de facto, pàg. 21, fl. 72 do PAT). i) Acresce ainda referir a substituição das chapas de matrícula das máquinas, que inviabilizaram o controlo, nomeadamente, do imobilizado. (Vide, Informação da matéria de facto, pàg. 21, fl. 72 do PAT). j) Relativamente às faturas emitidas pela S…, emitidas nos meses de Abril e Junho de 2012, donde provem a totalidade do IVA deduzido relativo a imobilizado, nos montantes de € 575.467,31 e € 383.686,14. k) É certo, que as operações ativas declaradas nas DPs entregues pela S…, ascendem a € 4.170.232,40, contudo, a referida sociedade não procedeu à entrega do Anexo – O da IES, o que inviabiliza o conhecimento efetivo de quem foi o destinatário das operações referidas. l) Também esta sociedade foi inspecionada ao exercício de 2012, a coberto da ordem de serviço nº OI201400969, a qual teve o mesmo comportamento da FPC, isto é, apesar de notificada para o efeito, não procedeu à apresentação da contabilidade e restante documentação fiscalmente relevante. m) No que respeita às faturas em concreto, complementadas com outras informações recolhidas no âmbito dos procedimentos inspetivos realizados a outras sociedades do Grupo B…, suscitam-se “[g]raves dúvidas sobre existência, quantificação e propriedade das máquinas que geraram o aluguer das rendas debitadas pela S… à P…, além de estar por provar a relação entre estes supostos inputs e os outputs da P…”. (Cf. Informação da matéria de facto, pág. 25, fl. 74 do PAT). n) Além disso, e apesar da existência das faturas intra-empresas do grupo, o parco e lacónico descritivo das faturas não permite o efetivo controlo do direito à dedução do IVA, quando, estão em causa cerca de € 959.153,45 de imposto. o) Em terceiro lugar, no que se refere ao IVA deduzido relativo a existências, no montante global de € 194.074,73, faturado pela sociedade relacionada S…, nos anos de 2009 e 2010, também a aferição da sua dedutibilidade se defronta com alguns obstáculos. p) Por um lado, como já fizemos alusão anteriormente, a sociedade em questão foi objeto de uma ação inspetiva ao exercício de 2012 não tendo facultado o acesso à contabilidade e documentação fiscalmente relevante, o que impediu o conhecimento efetivo das operações realizadas por esta sociedade. q) Por outro lado, nos exercícios 2010 a 2012, não procedeu à apresentação dos anexos O e P das IES, o que impediu os necessários cruzamentos de informação (cliente/fornecedor). r) Em resultado da análise efectuada, apenas pode concluir-se que “[a] mera junção das faturas da S… não são suficientes para comprovar, em sede judicial, o direito à dedução do IVA, até porque existem sérias dúvidas sobre a movimentação resultante das operações com esta empresa do Grupo”. (Cf. Informação da matéria de facto, pàg. 26, fl. 74 verso do PAT). s) Em quarto lugar, relativamente às aquisições intra-comunitárias de bens e serviços, a análise efetuada revelou “[d]ivergências por nós detetadas em relação, quer aos valores declarados pela P…na IES e nas DP´s, quer às diferenças apuradas entre os valores declarados pelos fornecedores intracomunitários (VIES) e os das DP´s”. t) Por último, no que respeita ao IVA dedutível constante de documentos de fornecedores que não integram o grupo, a sua análise e verificação revelou a existência de diversas anomalias, resultantes da inobservância dos requisitos constantes do nº 5 do artigo 36º e artigo 78º, ambos do CIVA, e que se traduziriam numa dedução indevida de imposto, no montante global de € 3.989,04. (Vide, Informação da matéria de facto, pág. 26, fl. 74 verso do PAT). u) Com efeito, a FPC não procedeu à apresentação de quaisquer elementos da contabilidade em sede de procedimento inspetivo o que impossibilitou a fiscalização e controlo do apuramento do imposto, o que não é suprível com a simples apresentação, em sede de impugnação, dos documentos que alegadamente demonstram o direito à dedução. v) Por conseguinte, o Sujeito Passivo optou por não exibir a contabilidade no contexto do procedimento de inspeção tributária, afigurando-se-nos tal comportamento, censurável porque violador das normas anteriormente citadas, tendo por consequência a não demonstração do direito à dedução. w) Tal retórica pretende confundir a cominação resultante do comportamento completamente omissivo da FPC e do Impugnante relativamente à demonstração do direito à dedução, que apenas pode ser alcançado com o teste do normal funcionamento do imposto ora objeto de impugnação, através do acesso ao seu registo contabilístico que suporta o apuramento do imposto inerente ao preenchimento das declarações periódicas entregues pela original devedora. x) Outro dos argumentos que o Impugnante invocou, e que merece da nossa parte veemente repúdio, resulta em considerar que a AT “partiu de uma base de trabalho errada”. y) Mais uma vez, importa salientar que FPC não permitiu a realização do exame global da contabilidade que se impunha, por forma a validar os valores declarados em sede não só do IVA, como também de outros impostos z) Neste quadro, nos termos previstos no artigo 58º da LGT, foram levadas a cabo todas as diligências possíveis e necessárias à descoberta da verdade material. aa) Como tal, atento ao contexto das correções impugnadas, descritas nos RIT, não podemos anuir com a afirmação de que a base trabalho foi errada. Isto porque, por um lado, a FPC “[n]ão forneceu qualquer elemento que permitisse uma análise de controlo” e, por outro lado, “a inexistência/destruição/omissão de apresentação da contabilidade não constitui base de trabalho errada, mas antes a violação dos deveres de colaboração dos contribuintes inspecionados, que constituem obrigação em sede de IVA, (…) por se tratar de condutas ao arrepio dos mais elementares princípios que regem as relações entre a AT e os contribuintes, que inviabilizam completamente a função de controlo atribuída à inspeção tributária”. (Cf. Informação da matéria de facto, pág. 11, fl. 67 do PAT). bb) Por outro lado, a Impugnante advoga que as contas foram objeto de certificação legal, sem a aposição de reservas, e, por isso, seria de concluir que o IVA deduzido correspondeu ao imposto suportado na aquisição de bens e serviços introduzidos no processo produtivo. cc) Todavia, até ao momento, nem a FPC, nem o Impugnante, procederam à apresentação da certificação legal de contas, apesar deste último a ela fazer referência. dd) Voltando ao caso, apesar das múltiplas diligências realizadas, a sociedade inspecionada não cumpriu com o dever de colaboração, colocando em causa, ela própria, o Princípio da Verdade Material. ee) Porquanto, sobre a FPC e o ora Impugnante impendiam obrigações e deveres de colaboração, sendo que ao não ter procedido à apresentação da contabilidade, nomeadamente, para efeitos do artigo 44º do CIVA, violou esses mesmos deveres. ff) Assim, apenas podemos concluir que não se verifica qualquer violação do princípio da verdade material que determine a invalidade das liquidações impugnadas. gg) Em resultado do exposto, concluímos que: Não houve erro no comando normativo convocado para fundamentar a correção; Foi levado a cabo um naipe de diligências que visavam a consulta e análise da contabilidade e documentação fiscalmente relevante; Contudo, a sociedade inspecionada e o impugnante não procederam à apresentação da referida documentação, impedindo a realização da referida tarefa, em violação do princípio da colaboração estabelecido no artigo 59º da LGT; Para além de que, também as empresas fornecedoras da impugnante cujo sócio/gerente é comum, o ora impugnante, não lograram apresentar quaisquer elementos solicitados pelos SIT E, as correções efetuadas decorreram da informação obtida pelos SIT, mais precisamente, da circularização efetuada a todos os fornecedores da sociedade inspecionada; Pelo que defendemos que as correções foram efetuadas em obediência aos princípios do inquisitório e da verdade material. hh) Na sentença é referido que «A decisão da matéria de facto foi realizada com base na análise crítica das alegações das Partes, dos documentos que constam dos autos e do PAT apenso, não impugnados, bem como do relatório pericial que analisou a documentação carreada para os autos pela Impugnante, para prova das suas alegações» - cfr. pág. 11 da Sentença. ii) A propósito do relatório pericial, é de relembrar que a Impugnante continuou sem enviar a documentação contabilística solicitada: «a não receção da informação adicional solicitada constitui uma limitação às respostas aos quesitos objeto da perícia, nomeadamente aos quesitos 11 a 16» - cfr. relatório pericial. jj) Por último, não é admissível que o Tribunal a quo tenha seguido «no essencial, as conclusões apresentadas pelo perito nomeado pelo Tribunal […] não só pela sua maior imparcialidade em relação aos factos objeto de prova, mas também pela coerência das justificações apresentadas ao efetuar a validação das faturas e outros elementos contabilísticos carreados para os autos pelo Impugnante» - cfr. pág. 11 e 12 da Sentença. kk) Com efeito, não basta ao Tribunal referir que um dos peritos é mais imparcial e coerente na sua atuação: é necessário justificar e provar tal afirmação. ll) Assim, entendemos que a perita nomeada pela Fazenda Pública foi mais coerente nas justificações apresentadas ao efetuar a validação das faturas e outros elementos contabilísticos carreados para os Autos, pelo que o IVA dedutível apurado por aquela perita é o que deve ser tido em conta como facto provado, mm) Assim, afigura-se dever considerar-se que a Administração Tributária fundamentou de forma clara, congruente, suficiente e expressa as correções ora em análise, recorrendo aos meios previstos na Lei. nn) Por último, a sentença recorrida fixa o decaimento nas custas em 70% pela Fazenda Pública e em 30% pelo Impugnante, sem que, contudo, haja qualquer tipo de fundamentação sobre as referidas percentagens, pelo que também aí a sentença é omissa quanto às razões de facto que levaram a essa conclusão. III. Pedido: Requer-se doutamente a este Venerando Tribunal que considere o presente Recurso procedente, mantendo-se as liquidações adicionais de IVA e respetivas liquidações de juros compensatórios, relativas aos anos de 2009, de 2010, de 2011 e de 2012, no montante total de € 1.944.332,41.». O Recorrido apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes conclusões: « ». O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida. Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, analisadas as conclusões da alegação, a questão central do recurso reconduz-se a saber se o fundamento das correcções à dedutibilidade do IVA está para além dos requisitos formais das facturas cuja validação foi feita no relatório pericial, não podendo, por conseguinte, as conclusões deste relatório per si, levar à aceitação da dedução do imposto contido em facturas, maioritariamente, relativas a aquisições de imobilizado às sociedades relacionadas “S…” e “S…” e de existências, nestas se incluindo aquisições intracomunitárias de bens e aquisições a à sociedade relacionada “S…”. *** III. FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado: « «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» ». B.DE DIREITO Como se apreende das conclusões do recurso jurisdicional, alega o Recorrente, essencialmente, que na base das correcções do IVA impugnado não está apenas a falta de requisitos formais das facturas contabilizadas pelo sujeito passivo “Fábrica de P…, S.A.”, mas também a falta de requisitos materiais ou substantivos de dedutibilidade e que este aspecto da fundamentação das correcções parece ter sido ignorado na sentença recorrida, na medida em que validou a posição do perito do tribunal sobre o imposto dedutível/ regularizações/ imposto não dedutível expressa no relatório da perícia colegial ordenada nos autos, posição essa que apenas teve em conta a regularidade formal dos títulos constantes das 10 caixas que o impugnante e revertido, J…, juntou aos presentes autos de impugnação judicial. Vejamos. O sujeito passivo “Fábrica de P…, S.A.”, foi objecto de duas acções inspectivas: uma primeira, originada na ordem de serviço OI201203553, de âmbito geral e abrangendo os exercícios de 2009 e 2010 (cf. pontos D. a F. e M. do probatório); e, uma segunda, originada na ordem de serviço OI201303585, de âmbito geral e abrangendo os exercícios de 2011 e 2012 (cf. pontos G. a I. e M. do probatório). Como se fez constar de ambos os relatórios inspectivos, o sujeito passivo não apresentou quaisquer elementos da sua contabilidade (cf. ponto L., do probatório), e o montante do IVA dedutível corrigido nos anos de 2010 e 2011 respeita maioritariamente a aquisições ao fornecedor “S…, Lda.”, nos valores respectivos de EUR.3.596.290,00 e EUR. 3.505.500,00 para aqueles mesmos anos e que não foi possível “circularizar” por esse pretenso fornecedor também não ter apresentado quaisquer elementos da sua contabilidade na acção inspectiva a que foi sujeito com referência aos anos de 2009 e 2010, ou, a solicitação da administração tributária, no que respeita aos anos de 2011 e 2012. Já em sede de impugnação judicial, o impugnante fez junção aos autos dos elementos da contabilidade do sujeito passivo, “Fábrica de P.., S.A.”, antes não apresentados nos procedimentos de inspecção tributária a que fora sujeito e que viriam a constituir o material da perícia colegial ordenada nestes autos (cf. ponto O., do probatório). Pois bem, se atentarmos no objecto da perícia e na resposta aos quesitos, constata-se que os Senhores Peritos se limitaram a verificar se os documentos de suporte contabilístico juntos aos autos (mas não exibidos oportunamente pelo sujeito passivo à inspecção tributária), permitiam evidenciar a veracidade das declarações periódicas de imposto, nomeadamente, no que concerne à dedução do IVA corrigido em sede inspectiva por impossibilitada circularização com os fornecedores, destacadamente, a “S…, Lda.”. Com efeito, atentemos nestas passagens do relatório pericial de 06/07/2022 que constitui fls. 430v. e ss. dos autos; refere o Sr. Perito do Tribunal, a fls.434: «Concluindo, a não existência de outros elementos substantivos disponíveis através do acesso à contabilidade da empresa, apenas permite uma análise formal dos documentos, entendendo o Perito nomeado pelo Tribunal que o documento(s) apresentado(s), objecto da divergência no Quadro número 4, não cumprem os requisitos do artigo 36 do CIVA, pelo que o IVA contido nas facturas não deve ser objecto de dedução»; mais adiante e também com referência ao IVA dedutível/ Regularizações/ IVA não dedutível do ano de 2010, refere a Sra. Perita da Autoridade Tributária, a fls.434v.: «(…). A mera exibição de uma factura que cumpre os requisitos formais, não permite avaliar se estamos perante algumas das situações de exclusão da dedução, como as previstas no n.º 4 e 5 do artigo 19.º do Código do IVA». Vemos referências como estas, até por remissão expressa desses Peritos, na análise de documentos relativos aos anos de 2011 e 2012 (cf., entre outras, fls. 437, 439v. do relatório pericial). Tem, pois, razão o Recorrente quando alega que os requisitos materiais ou substantivos da dedutibilidade do imposto suportado pelo sujeito passivo a montante nas operações praticadas com o fornecedor “S…, Lda.”, não foram analisadas na perícia colegial realizada, até por falta de elementos contabilísticos para o efeito, como se apreende das palavras dos Senhores Peritos do Tribunal e da Autoridade Tributária, consignadas no relatório pericial e acima referidas. Com efeito, no que em particular concerne à aquisição de bens ao fornecedor “S…, Lda.”, consta dos relatórios de inspecção tributária (cujos segmentos pertinentes estão vertidos nos pontos F. e I. do probatório), como fundamento das correcções às deduções declaradas, o disposto nos artigos 19.º, n.ºs 1 e 2 e 44.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado. Dispunham, então, aqueles referidos preceitos nos segmentos que importam para os autos: «Artigo 19.º Direito à dedução 1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; b) O imposto devido pela importação de bens; c) O imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidas pelas alíneas e), h), i), j) e l) do n.º 1 do artigo 2.º; d) O imposto pago como destinatário de operações tributáveis efectuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham facturado o imposto; e) O imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com o n.º 6 do artigo 15.º. 2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo: a) Em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal; b) No recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, bem como em documentos emitidos por via electrónica pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, nos quais conste o número e data do movimento de caixa. 3 – (…). 4 – (…). 5 – (…). 6 - Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passados em forma legal as facturas ou documentos equivalentes que contenham os elementos previstos no artigo 36.º. 7. (…)». «Artigo 44.º Requisitos da contabilidade 1 - A contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto. 2 - Para cumprimento do disposto no n.º 1, devem ser objecto de registo, nomeadamente: a) As transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas pelo sujeito passivo; b) As importações de bens efectuadas pelo sujeito passivo e destinadas às necessidades da sua empresa; c) As transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas ao sujeito passivo no quadro da sua actividade empresarial. 3 - As operações mencionadas na alínea a) do número anterior devem ser registadas de forma a evidenciar: a) O valor das operações não isentas, líquidas de imposto, segundo a taxa aplicável; b) O valor das operações isentas sem direito à dedução; c) O valor das operações isentas com direito à dedução; d) O valor do imposto liquidado, segundo a taxa aplicável, com relevação distinta do respeitante às operações referidas nas alíneas f) e g) do n.º 3 do artigo 3.º e nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 4.º, bem como dos casos em que a respectiva liquidação compete, nos termos da lei, ao adquirente. 4 - As operações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 2 devem ser registadas de forma a evidenciar: a) O valor das operações cujo imposto é total ou parcialmente dedutível, líquido deste imposto; b) O valor das operações cujo imposto é totalmente excluído do direito à dedução; c) O valor das aquisições de gasóleo, gases de petróleo liquefeitos (GPL), gás natural e biocombustíveis; d) O valor do imposto dedutível, segundo a taxa aplicável.». Não estando a contabilidade organizada de acordo com os requisitos previstos na legislação fiscal, nem o sujeito passivo na posse dos documentos que titulam o direito à dedução quando a sua exibição é solicitada pela administração tributária em sede inspectiva, cessa logo o direito à dedução, à luz do disposto nos citados artigos 19.º, n.º 2 e 44.º, n.º 1 do Código do IVA. Refere a sentença que é sempre possível apresentar os documentos de despesa em falta em momento posterior e aquilo que o impugnante fez foi ensaiar processualmente a reconstituição da sua contabilidade. Não dizemos que não. Mas, nessa eventualidade, recai sobre o impugnante (sujeito passivo ou revertido), desprovido da presunção legal de veracidade declarativa e dos dados da sua contabilidade estabelecida no art.º 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, o ónus da prova dos pressupostos legais de que depende o direito à dedução que se arroga e exerceu nas declarações periódicas apresentadas (cf. art.º 22.º, n.ºs 1 e 2, do CIVA). Ora, como está bem de ver, tais pressupostos não se esgotam na observância dos requisitos formais das facturas (cf. artigos 19.º, n.º 2 e 36.º, n.º 5 do CIVA), dependem também da observância de requisitos materiais ou substantivos. Efectivamente, sob a epígrafe “Operações que conferem o direito à dedução”, dispõe o n.º 1 do art.º 20.º do CIVA: «Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas; b) (…)». Pois bem, se relativamente às facturas contabilizadas de um emitente, (que não foi possível “circularizar” por não ter apresentado os documentos solicitados para o efeito) é questionada pela administração tributária não a materialidade da operação económica (art.º 19/3 do CIVA), mas que a aquisição (de imobilizado e existências) titulada tenha sido efectuada para a realização de operações tributáveis do sujeito passivo, compreende-se no ónus de prova que sobre este impende, demonstrar a racionalidade da aquisição e que a mesma, contrariamente ao que alvitra a administração tributária, se destinou efectivamente à realização de operações tributáveis e não para possibilitar o exercício indevido ou fraudulento do direito à dedução. Assim, torna-se necessário identificar no acervo das facturas cuja observância dos requisitos de forma e formalidade (cf. artigos 36.º, n.º 5 do CIVA e 226.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado) foi validada na sentença recorrida com base nas conclusões do relatório pericial, quais são as facturas do emitente “S…, Lda.”, impondo-se relativamente a essas que o Recorrido faça ainda prova dos requisitos materiais de dedução como pressuposto da sua aceitação fiscal. A sentença recorrida, ao ter sancionado a dedução do imposto suportado em facturas desse emitente, unicamente com base na validação que fez do cumprimento dos requisitos de forma previstos no art.º 36.º, n.º 5, do CIVA, incorreu no erro de julgamento que o Recorrente lhe aponta. Como se constata dos elementos dos autos, na douta P.I. o impugnante, ora Recorrido, para além da vasta documentação junta, requereu a produção de prova testemunhal, que a Mma. Juiz a quo indeferiu por despacho de 16/05/2017, a fls.348, por as questões controvertidas serem apenas susceptíveis de prova documental, o que se mostra coerente com a solução que viria a dar ao litígio, mas não com aquela que aqui preconizamos (cf. art.º 115.º, n.º 1 do CPPT). É, pois, mister que os autos regressem ao tribunal recorrido para que se dê ao impugnante a possibilidade de demonstrar, com recurso a prova testemunhal se necessário for, factos que permitam concluir pela verificação dos pressupostos materiais de que depende o reconhecimento do direito à dedução que se arroga relativamente ao imposto suportado em facturas do emitente “S…, Lda.”, com prolação de nova sentença que tenha em conta o resultado das diligências preconizadas. IV. DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para as diligências acima preconizadas e prolação de nova decisão que leve em conta o resultado das mesmas. Sem custas. Lisboa, 19 de Dezembro de 2023 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Luísa Soares ________________________________ Jorge Cortês |